Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0870/17
Data do Acordão:12/20/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA CONSULTA DE DOCUMENTOS
CONCURSO
ACESSO À INFORMAÇÃO
PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS
Sumário:I - Do art. 83º do CPA resulta que a Administração, no âmbito da informação procedimental, tem o ónus de invocar que, relativamente aos terceiros abrangidos nos documentos que lhe foram requeridos, ocorre violação da protecção dos dados pessoais nos termos da lei.
II - Enquadra-se no art. 6.º al. e) da Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro, o acesso, no âmbito de um concurso, aos relatórios de avaliação, respetivas classificações atribuídas em cada um dos critérios de seleção e à sua fundamentação com expressa referência aos documentos que se referem a cada candidato.
III - Os referidos documentos em anonimato não permitem que se possa exercer o direito de sindicar o acto.
IV - O princípio da proporcionalidade implica que os interesses do requerente prevalecem sobre os dos candidatos em manter em segredo a sua participação num procedimento que é público.
Nº Convencional:JSTA00070456
Nº do Documento:SA1201712200870
Data de Entrada:10/09/2017
Recorrente:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS DE 2017/05/04.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO.
DIR ADM CONT - INTIMAÇÃO.
DIR ADM CONT - INTIMIÇÃO CONS DOC.
Legislação Nacional:L 67/98 ART6 ART3 F.
CPA91 ART83.
CONST ART268.
CPA2015 ART82 ART83 ART84 ART170
CPTA2015 ART78 ART78-A ART80
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I-RELATÓRIO

1. O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO vem interpor recurso de revista do acórdão proferido no TCAS, em 4 de Maio de 2017, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC de Lisboa proferida em 2/2/2017, no âmbito da intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, que indeferira o pedido para consulta integral e completa de processo de concurso formulado por A………….

2. O Recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma:

“I. No caso em pauta, a questão que se coloca é saber se um candidato a um procedimento concursal, referente a um cargo de direção intermédia de 1.º grau da Administração Pública, tem direito à consulta de todo o procedimento concursal, sem ocultação da identificação dos restantes candidatos, apesar de no requerimento, apresentado para esse efeito, não ter cumprido o ónus de justificar o carácter legítimo do seu interesse no acesso aos dados pessoais dos restantes candidatos;

II. A relevância jurídica do presente recurso resulta, antes de mais, do facto de estarmos perante uma questão complexa do ponto de vista jurídico sobre a qual não se conhece nenhum Acórdão desta douta instância, apesar de se tratar de uma questão que se pode multiplicar em numerosos processos contenciosos;

III. Na verdade, estamos perante uma matéria de especial relevância social, pois ninguém poderá duvidar que a matéria dos procedimentos concursais, e em especial no que se refere a cargos de direção intermédia, assume uma relevância fundamental para o funcionamento da Administração Pública e para a projeção da sua imagem na sociedade;

IV. Ainda a matéria da proteção dos dados pessoais é de relevância fundamental para o legislador, quer a nível nacional quer a nível europeu;

V. Pelas razões expostas impõe-se a admissão do presente recurso de revista nos termos do artigo 150.º do CPTA;

VI. A documentação solicitada pela Recorrida, no seu requerimento de 2 de dezembro de 2016, contém dados pessoais dos outros candidatos ao concurso;

VII. Não tendo a Recorrida no seu requerimento demonstrado, à luz das normas legais, que o seu direito à informação, através do acesso aos dados pessoais dos outros candidatos prevalecia sobre o direito de reserva e intimidade da vida privada dos restantes candidatos, não estava a entidade Recorrente obrigada a prestar tal informação;

VIII. O douto acórdão recorrido afirma que “inexistem interesses ou direitos, liberdades e garantias dos restantes candidatos que prevaleçam sobre o interesse legítimo da Recorrente no acesso a tal identificação”;

IX. Afigura-se-nos que esta interpretação dos normativos em causa, não pode proceder, porquanto se afasta da letra da lei, a qual determina a proteção legal dos dados pessoais, vide artigo 83.º, n.º 2, estando vedada a desproteção dos dados pessoais dos candidatos a um procedimento concursal da Administração Pública, perante a simples “curiosidade” de qualquer um dos outros candidatos;

X. Do artigo 6.º, al. e) da Lei n.º 67/98 de 26 de outubro resulta para o terceiro que pretende fazer valer o seu direito à informação, através do tratamento de dados pessoais, o ónus de invocar e provar o consentimento inequívoco do titular dos dados, ou justificar o carácter legítimo do seu interesse no acesso aos dados pessoais, visto que uma coisa e outra não se pode presumir;

XI. E esse ónus da prova impõe-se também porque caberá à entidade, detentora dos referidos dados, a ponderação entre os interesses legítimos do terceiro detentor do direito à informação e os interesses do titular dos dados e respetivo direito de reserva e intimidade da vida privada, bem como lhe cabe a decisão sobre qual daqueles direitos deve prevalecer in casu;

XII. Uma vez que a Recorrida não fundamentou (de facto e de direito) o interesse subjacente à consulta dos documentos dos restantes candidatos ao concurso, pelo que só poderia ser considerado que o fazia por mera curiosidade, a qual não gozando de tutela jurídica, não poderia ser considerada numa perspectiva de ponderação de interesses conflituantes;

XIII. Ainda assim, a Recorrente forneceu os documentos requeridos procedendo à sua anonimização ponderando por um lado a confidencialidade dos documentos e por outro o princípio da transparência que deve orientar a adequação da Administração;

XIV. Mesmo que assim não se entenda, tendo em conta o disposto no artigo 21.º da Lei n.º 64/2011, de 22/12, sob a epígrafe ‘Selecção e provimento dos cargos de direcção intermédia’ no seu n.º 6, neste momento apenas fará sentido a Recorrida colocar em causa a seleção da candidata, efetuada pelo júri, e relativamente a essa escolha, está na posse dos elementos bastantes para poder fazê-lo, pois que os mesmos são de conhecimento público em virtude da publicação do Despacho n.º 15280/2016.

XV. Por todo o exposto não se afigura que exista um interesse legítimo da Recorrida na consulta da documentação concursal sem ocultação da identificação dos candidatos.

Nestes termos e nos mais de Direito, que muito doutamente serão supridos por VV. Exas., deve o presente recurso ser admitido e ser julgado procedente, assim se fazendo a costumada Justiça.

3. A Recorrida conclui as suas contra-alegações da seguinte forma:

“I. Porque o objecto do presente recurso não cumpre os requisitos previstos no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA e

II. também porque o Recorrente Ministério da Educação não fundamentou minimamente esta revista excepcional, não deverá o recurso interposto ser admitido e como tal ser rejeitado com todas as consequências legais.

III. O acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura, pelo que deve ser negado provimento ao presente recurso com todas as consequências legais

Nestes termos e nos de direito, deve o presente recurso ser rejeitado ou caso assim não se entenda ser-lhe negado provimento, pois só assim se fará a Costumada e Verdadeira JUSTIÇA”

4. A revista foi admitida por acórdão de 14.09.2017, da formação deste STA, a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA, de onde se extrai:

“(...) 4. No presente recurso está em causa o acesso à informação administrativa.

As instâncias, como se acabou de ver, proferiram decisões contraditórias sobre a essa matéria.

Deste modo, atenta a sua relevância jurídica e a importância social dessa questão, é muito importante saber o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo sobre a mesma, isto é, sobre a latitude dos direitos dos cidadãos no acesso à informação em poder da Administração sobretudo, como é o caso, quando se sabe que essa informação pode ser decisiva para o exercício do seu direito impugnatório.

Justifica-se, pois, a admissão do recurso não só pela relevância jurídica da questão como pela sua utilidade, que ultrapassa o caso sujeito. “

5. Notificado o EMMP, ao abrigo do art. 146º, nº 1 do CPTA, foi emitido Parecer, pugnando pela improcedência do recurso, donde se extrai:

“ (...) 7. Como é por demais sabido, o acesso aos documentos administrativos por parte dos cidadãos (quer no procedimento quer fora dele) é um direito inerente à própria existência de um Estado de Direito Democrático por oposição ao Estado Ditatorial ou de um homem só. Mas tal direito não é absoluto e cede perante outros interesses e valores constitucionais de igual ou até maior valia quais sejam, por exemplo, a proteção de intimidade e privacidade das pessoas e ou das empresas consubstanciadas, por vezes, no acervo de documentos ou informações “classificados” ou “reservados” ou “secretos “ por razões de interesse público. Sendo certo, que se tem também entendido que o direito à transparência documental do procedimento não abrange os documentos de trabalho de carácter estritamente interno, que apenas constem de notas pessoais, esboços ou apontamentos.

8. No caso, dúvidas não há que a identidade dos candidatos no concurso se refere a dados pessoais nos termos e para os efeitos da Lei n.º 67/98 (art. 3º) — Lei de Proteção de dados Pessoais — cfr. fundamentação do Ac. recorrido.

Claro que, no caso, terá sempre de se ponderar os interesses em confronto respeitando o princípio da proporcionalidade e sopesando dois princípios fundamentais. De um lado, o princípio da Administração aberta e do outro o princípio da proteção da intimidade e privacidade das pessoas.

E o CPA nos arts. 18º e 83º salvaguarda sempre o acesso aos dados pessoais dos particulares nos termos da Lei.

Ora, esta Lei é a lei nº 67/98 que no seu art. 6º, alínea e) permite, sem dúvida, o acesso da ora recorrente à identificação dos outros candidatos dado que, como oponente ao mesmo concurso, tem interesses legítimos nisso. Com efeito, só com essa identificação pode, eventualmente, impugnar tal concurso. E jamais aqui está em causa qualquer ataque a direitos, liberdades e garantias dos demais candidatos, o que a verificar-se impediria aquele acesso nos termos daquela mesma norma.

A fundamentação do douto Ac. recorrido é inatacável.”

9. Como assim, somos de parecer que o presente recurso de revista não merece provimento.”

6. Efectuadas as notificações deste Parecer, vieram as Recorridas responder, fls. 286/8, defendendo a improcedência do recurso.

7. Cumpre decidir, sem vistos.


*

II- FUNDAMENTOS (Factos fixados pelas instâncias)

“A) No dia 2 de Dezembro de 2016 a Requerente dirigiu à Directora-Geral da Administração Escolar um requerimento solicitando, ao abrigo dos art.°s 83° e 84° do CPA, lhe fosse “disponibilizada toda a informação relativa ao mencionado concurso [aberto pelo Aviso n.° 4870/2016, publicado no Diário da República, 2 série, n.° 71, de 12 de Abril de 2016, para o cargo de director de serviços da Direcção de Serviços dos Recursos Humanos e Formação], a que os candidatos têm direito nos termos da lei nomeadamente as atas, incluindo as da respectiva preparação, da definição de critérios e das classificações dos candidatos, bem como a respectiva fundamentação” (doc. 1 junto ao requerimento inicial e cujo teor se dá por reproduzido);

B) No dia 14 de Dezembro de 2016 foi facultado ao mandatário da Requerente documentação relativa ao referido procedimento concursal, designadamente as fichas de avaliação curricular e das entrevistas, e na qual se ocultou a identificação dos candidatos, à excepção das relativas à própria Requerente, com o esclarecimento de que “importa no enquadramento da Lei n.° 26/2016, de 22 de Agosto, referir que os documentos solicitados tiveram de ser sujeitos ao necessário anonimato, pelo que estarão disponíveis para consulta e aquisição de cópias a partir de segunda-feira dia 12 de dezembro, das 10h às l7h. Mais se refere que o processo se encontra à guarda da Direção de Serviços de Gestão e Planeamento” (Ofício com a referência B16023809U, datado de 9 de Dezembro de 2016 e junto à resposta da Autoridade Requerida e cujo teor se dá por reproduzido);

C) O requerimento inicial de intimação foi apresentado no Tribunal no dia 21 de Dezembro de 2016 (cfr. o “Comprovativo de entrega de Documento” junto ao processo em suporte de papel),”.


*

O DIREITO

A aqui recorrida intentou contra o Ministério da Educação acção de intimação com vista a permitir-lhe a consulta integral do processo de concurso a que se refere o Aviso nº 4870/2016, publicado no DR, 2 Série, nº 71, de 12.4.16, no qual havia sido candidata.

O que veio a ser deferido mas com a limitação da ocultação da identidade dos demais candidatos.

Não aceitando esta limitação a aqui recorrida interpôs acção no TAC de Lisboa que entendeu que, nos termos do art. 6º da Lei 67/98 de 26/10 o interessado no acesso à consulta tem o ónus de invocar o consentimento inequívoco do titular dos dados ou justificar o acesso aos dados pessoais e ao responsável o ónus de demonstrar que os interesses ou direitos dos titulares dos dados prevalecem sobre os do requerente, e por isso, julgou improcedente a pretensão da requerente.

Desta decisão do TAC de Lisboa a aqui recorrida interpôs recurso para o TCAS que revogou a decisão do TAC julgando a acção procedente por entender que estava em causa o acesso necessário para a prossecução dos seus legítimos interesses.

Por sua vez o aqui recorrente Ministério da Educação interpõe recurso de revista desta decisão.

Para tanto invoca que a decisão recorrida erra ao considerar que o facto de a recorrida ser candidata ao procedimento concursal lhe confere de imediato o direito de acesso a todos os documentos sem ocultação da identificação dos outros candidatos, aplicando a al. e) do artigo 6.º da Lei n.º 67/98, de 26/10.

O que viola o artigo 83.º n.º 2 do CPA já que se impunha que a Recorrida, no seu requerimento de dia 2 de dezembro de 2016, e segundo as regras do ónus da prova, invocasse uma hipotética intenção de impugnar a decisão final do procedimento concursal.

Ónus da prova a ser exigido, de igual forma, no momento da aplicação da al. e) do art.º 6.º da Lei 67/98, de 26/10 já que caberá à entidade detentora dos referidos dados a ponderação entre os interesses legítimos do terceiro detentor do direito à informação e os interesses do titular dos dados e respetivo direito de reserva e intimidade da vida privada, no sentido de qual daqueles direitos deve prevalecer in casu, seguindo o disposto na al. e) do art.º 6.º da Lei 67/98, de 26/10.

A questão que cumpre conhecer, e como bem se refere no Ac. que admitiu a revista é, pois, a de saber se ... um candidato a um procedimento concursal, referente a um cargo de direção intermédia de 1-° grau da Administração Pública, tem direito à consulta de todo o procedimento concursal, sem ocultação da identificação dos restantes candidatos, apesar de no requerimento apresentado para esse efeito, não ter cumprido o ónus de justificar o carácter legítimo do seu interesse aos dados pessoais dos restantes candidatos”.

Entendeu-se na decisão recorrida que:

“(...) Ora, do art. 83º, do CPA de 2015, acima transcrito, decorre expressamente que nos procedimentos concursais a consulta do processo por parte dos candidatos - como é o caso dos autos em que a consulta foi solicitada pela recorrente enquanto candidata no procedimento concursal em causa - abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da protecção dos dados pessoais nos termos da lei, ou seja, nos termos da Lei 67/98, de 26/10.

Estatui o art. 3º, da referida Lei 67/98, sob a epígrafe “Definições”, o seguinte:

“Para efeitos da presente lei, entende-se por:

a) «Dados pessoais»: qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;

b) «Tratamento de dados pessoais» («tratamento»): qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição;(…)

f) «Terceiro»: a pessoa singular ou colectiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, não sendo o titular dos dados, o responsável pelo tratamento, o subcontratante ou outra pessoa sob autoridade directa do responsável pelo tratamento ou do subcontratante, esteja habilitado a tratar os dados;(…)”

Dado pessoal é, portanto, a informação que identifica uma pessoa singular directa ou indirectamente, como ocorre, desde logo, com o nome, neste sentido se tendo pronunciado designadamente:

- Alexandre Sousa Pinheiro, A protecção de dados no novo Código do Procedimento Administrativo, in Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, Coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Volume I, 3ª Edição, 2016, págs. 346 [“A natureza de uma informação como dado pessoal extrai-se, unicamente, da relação entre a CRP e a LPD, ou, de uma forma mais clara, do art.º 3.º, alínea a), da LPD.”] e 347 [“Com base nesta disposição , o conceito de dados pessoais abrange uma pluralidade de informação pessoal que pode variar do nome à informação genética.” (sublinhado e sombreado nossos)];

- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 379 [“Cabem assim neste conceito de dados pessoais, dados ou elementos informativos da mais variada natureza (sinais ou elementos de natureza não convencional, ou convencional, como é o nome da pessoa, dados de natureza biométrica, de que fazem parte a identificação da retina, das impressões digitais, e da geometria da mão, dados genéticos, entre tantos outros)” (sublinhado e sombreado nossos)];

- Catarina Sarmento e Castro, in Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Comentada, Coordenada por Alessandra Silveira e Mariana Canotilho, 2013, pág. 122, em anotação ao art. 8º [“Deste modo, e a título meramente exemplificativo, são dados pessoais, para além do nome ou da morada, outros dados de identificação como o número de identificação civil, de passaporte, da segurança social, de contribuinte, ou de cliente de um estabelecimento comercial, assim como o número de telefone, o e-mail, o IP do nosso computador, uma chapa de matrícula, o valor de uma retribuição, o som da voz registada para permitir o acesso a uma conta bancária, as classificações escolares e curriculum, a história clínica, as dívidas e créditos, as compras que alguém efetua, o registo dos meios de pagamento que utiliza, desde que, por estarem associados a uma pessoa, permitam identificá-la. É também o caso de uma impressão digital, de uma imagem biométrica do rosto, de uma imagem recolhida através do uso de uma câmara, como nos casos da videovigilância, ou de um conjunto de fotografias divulgadas na internet.” (sublinhado e sombreado nossos)];

- o Manual da Legislação Europeia sobre Proteção de Dados, Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Conselho da Europa, 2014, in fra.europa.eu/sites/default/ files/fra-2014-handbook-data-protection-pt.pdf [no qual, a pág. 40, refere-se o seguinte: “Nos termos do direito da UE, bem como nos termos do direito do CdE , considera-se que as informações contêm dados sobre uma pessoa se:

• essa pessoa estiver identificada nessas informações; ou

• essa pessoa, embora não esteja identificada, estiver descrita nestas informações de forma que permita descobrir quem é a pessoa em causa efetuando pesquisas adicionais.

Ambos os tipos de informações são protegidos da mesma forma na legislação europeia sobre proteção de dados. O TEDH tem afirmado repetidamente que o conceito de «dados pessoais» é o mesmo na CEDH e na Convenção 108, especialmente no que respeita à exigência de serem relativos a pessoas singulares identificadas ou identificáveis.

As definições legais de dados pessoais não esclarecem em que casos se considera que uma pessoa está identificada. Evidentemente, a identificação exige elementos que descrevam uma pessoa de forma a distingui-la de todas as outras e de a tornar reconhecível enquanto indivíduo. O nome de uma pessoa é um exemplo perfeito desse tipo de elementos descritivos. Em casos excecionais, outros elementos de identificação poderão produzir o mesmo efeito que um nome. Por exemplo, no caso das figuras públicas, poderá ser suficiente mencionar o cargo da pessoa (por ex., Presidente da Comissão Europeia).”

- o Parecer 4/2007 adoptado sobre o conceito de dados pessoais, pelo Grupo de Trabalho de Protecção de Dados da União Europeia (cfr. art. 29º, da Directiva n.º 95/46/CE), in http://www.gpdp.gov.mo/uploadfile/others/wp136_pt.pdf [no qual, a pág. 13, refere-se o seguinte: “Relativamente às pessoas “directamente” identificadas ou identificáveis, o nome da pessoa é, de facto, o identificador mais comum e, na prática, a noção de “pessoa identificada” implica na maioria das vezes a referência ao seu nome.”].

Ora, pretendendo a recorrente ter acesso, através de consulta, à identificação – maxime ao respectivo nome - dos outros candidatos, está em causa o tratamento [acesso] de dados pessoais [maxime do nome] por terceiro [concretamente pela recorrente], pois a recorrente não é a titular desses dados, sem prejuízo de ser directamente interessada – isto é, candidata - no procedimento concursal em causa.

A este propósito estatui o art. 6º, da Lei 67/98, de 26/10, sob a epígrafe “Condições de legitimidade do tratamento de dados”, o seguinte:

“O tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para: (…)

e) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.”

Deste normativo legal decorre que a recorrente poderá ter acesso à identificação dos restantes candidatos se:

- tais candidatos tiverem dado, de forma inequívoca, o seu consentimento, ou

- tal acesso for necessário para a prossecução de interesses legítimos da recorrente, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias de tais candidatos.

Ora, no caso sub judice nada se provou no sentido de que os restantes candidatos deram o seu consentimento a que a recorrente tivesse acesso à sua identificação, sendo certo que sobre a recorrente recaía o ónus da prova desta condição de legitimidade (cfr. art. 342º n.º 1, do Cód. Civil).

De todo o modo, encontra-se preenchida a segunda condição de legitimidade acima descrita.

Efectivamente, a recorrente tem direito a impugnar designadamente a decisão final do procedimento concursal ora em causa - aberto pelo Aviso n.º 4870/2016, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Abril de 2016, para o cargo de director de serviços de Gestão de Recursos Humanos e Formação, da Direcção-Geral da Administração Escolar - (cfr. art. 268º n.º 4, da CRP), mas só poderá exercer de forma efectiva tal direito, melhor dizendo, só poderá ponderar de forma esclarecida se vai ou não impugnar o concurso em causa se tiver acesso à identificação dos outros candidatos, pois, caso contrário, poder-se-á tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil detectar eventuais erros existentes nas razões invocadas para fundamentar a decisão final [sem o conhecimento da identidade dos outros candidatos pode ser impossível ou, pelo menos, muito difícil, por exemplo, conjugar os juízos de valor exarados nas respectivas fichas de avaliação curricular com os correspondentes currículos, e, em consequência, detectar eventuais erros].”

“(…) Efectivamente, a recorrente tem direito a impugnar designadamente a decisão final do procedimento concursal ora em causa – aberto pelo Aviso n.º 4870/2016, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Abril de 2016, para o cargo de director de serviços de Gestão de Recursos Humanos e Formação, da Direcção-Geral da Administração Escolar – (cfr. art. 268º n.º 4, da CRP), mas só poderá exercer de forma efectiva tal direito, melhor dizendo, só poderá ponderar de forma esclarecida se vai ou não impugnar o concurso em causa se tiver acesso à identificação dos outros candidatos, pois, caso contrário, poder-se-á tornar impossível ou, pelo menos, muito difícil detectar eventuais erros existentes nas razões invocadas para fundamentar a decisão final [sem o conhecimento da identidade dos outros candidatos pode ser impossível ou, pelo menos, muito difícil, por exemplo, conjugar os juízos de valor exarados nas respectivas fichas de avaliação curricular com os correspondentes currículos, e, em consequência, detectar eventuais erros].

Acresce que inexistem interesses ou direitos, liberdades e garantias dos restantes candidatos que prevaleçam sobre o interesse legítimo da recorrente no acesso a tal identificação.

Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, intimada a Directora-Geral da Direcção-Geral da Administração Escolar a facultar à recorrente a consulta do procedimento concursal em causa sem ocultação da identificação dos restantes candidatos, no prazo de 10 dias úteis, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão (cfr. arts. 108º n.º 1 e 160º n.º 1, ambos do CPTA, na redacção do DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão, e art. 87º, al. c), do CPA de 2015), sob pena de, não o fazendo, poder incorrer em responsabilidade civil, disciplinar ou criminal e ser-lhe aplicada a sanção pecuniária compulsória prevista no art. 169º, do CPTA.”

E, bem.

Senão vejamos.

Relativamente ao direito de informação dispõem os nºs 1 e 2 do art. 268º da CRP sendo de distinguir o direito à informação procedimental regulamentado nos artigos 82º a 84º do NCPA e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (direito não procedimental) regulado no artigo 17º do NCPA e na Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto, entretanto revogado pela Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto.

O direito à informação procedimental pressupõe a existência de um processo pendente e um interesse directo ou legítimo do destinatário da informação, ou seja, qualquer interesse atendível, enquanto que o direito à informação não procedimental é conferido a todas as pessoas à margem de qualquer procedimento administrativo, decorrente do princípio da administração aberta.

Na situação dos autos estamos perante o direito à informação procedimental, exercido no âmbito e decurso de um procedimento administrativo (arts. 82º a 84º do CPA) já que está em causa a qualidade de interessada da aqui recorrida no procedimento administrativo em curso.

O artigo 268º da CRP, sobre «direitos e garantias dos administrados», estipula, no seu nº 1, que «Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas» e estipula, no seu nº 2, que «têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.»

Do art. 83º do CPA resulta, desde logo, que a aqui recorrida, e no âmbito do procedimento administrativo aqui em causa tem direito a:

“... consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica.

2 - O direito referido no número anterior abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da proteção dos dados pessoais nos termos da lei.”

E, a lei da protecção de dados é a Lei 67/98 de 26/10.

Mas, do art. 83º do CPA não resulta a existência de qualquer ónus de invocar nada relativamente aos terceiros abrangidos nos documentos em causa, antes será a Administração que terá de invocar que os mesmos violam a protecção dos dados pessoais nos termos da lei.

Pelo que, é a entidade aqui recorrente quem tem o ónus de invocar que ocorre violação dos referidos dados pessoais.

E, esta apenas refere que “importa no enquadramento da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, referir que os documentos solicitados tiveram de ser sujeitos ao necessário anonimato, pelo que estarão disponíveis para consulta e aquisição de cópias a partir de segunda-feira dia 12 de dezembro, das 10h às l7h. Mais se refere que o processo se encontra à guarda da Direção de Serviços de Gestão e Planeamento”.

O que é manifestamente insuficiente para que se diga que foram violados os art. 83º do NCPA assim como os preceitos da Lei 26/2016 de 22/08 quanto a uma situação de informação procedimental.

Tanto mais que esta Lei não se aplica à informação procedimental como resulta do seu art. 1º nº 4 a) e supra referimos.

Nem se diga que foi violado o artigo 6.º da Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro que dispõe sobre as condições de legitimidade do tratamento de dados nos seguintes termos:

“O tratamento de dados pessoais só pode ser efectuado se o seu titular tiver dado de forma inequívoca o seu consentimento ou se o tratamento for necessário para:

a) Execução de contrato ou contratos em que o titular dos dados seja parte ou de diligências prévias à formação do contrato ou declaração da vontade negocial efectuadas a seu pedido;

b) Cumprimento de obrigação legal a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

c) Protecção de interesses vitais do titular dos dados, se este estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento;

d) Execução de uma missão de interesse público ou no exercício de autoridade pública em que esteja investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados;

e) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.”

E, claramente que estamos perante a situação da alínea e) supra transcrita.

Na verdade, para a requerente se poder decidir se aceita ou impugna a sua graduação no concurso tem de conhecer as razões da classificação e graduação dos candidatos que ficaram à sua frente na ordenação.

Não basta que conheça a classificação final que foi atribuída a cada um dos que ficaram melhor classificados.

Tem de ter também acesso aos relatórios de avaliação destes, às respetivas classificações que foram atribuídas em cada um dos critérios de seleção e à sua fundamentação com expressa referência aos documentos que se referem a cada candidato.

Os referidos documentos em anonimato não permitem que a aqui recorrida possa exercer o seu direito de sindicar o acto.

E, não está minimamente invocado pela aqui recorrente porque é que estão em causa documentos nominativos por parte de terceiros que só é admissível com autorização do próprio.

É que existe um interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade que pela sua própria natureza não precisa de ser demonstrado.

Este princípio da proporcionalidade implica que os interesses do requerente prevalecem sobre os dos candidatos em manter em segredo a sua participação num procedimento que é público.

E, não se diga que se impunha a alegação pela requerente de que, no concurso para o cargo de director de serviços da Direcção de Serviços dos Recursos Humanos e Formação, no qual é candidata, do seu interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretende, já que estão em causa informações necessárias pela sua própria natureza para realizar as finalidades enumeradas nas várias alíneas do artigo, nomeadamente para “prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados”.

A Requerente precisa não só da “consulta” dos documentos do processo de concurso, mas também que lhe seja “comunicada” ou “posta à disposição” toda a informação relativa aos restantes candidatos para poder decidir se deve ou não impugnar o concurso.

E, ainda que sejam dados pessoais dos outros candidatos, em relação aos quais a Requerente é “terceiro”, e não seja a titular desses dados pessoais [al. f) do art.º 3º da Lei n.º 67/98] e conforme resulta do art.º 6º da Lei n.º 67/98.

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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2017. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (voto a decisão com declaração de que, no caso, o nome dos candidatos não integra o conceito de “vida privada” como invocou a entidade requerida.
A divulgação no contexto do procedimento concursal para o cargo de diretor de serviços não seria suscetível de causar concreta e efectivamente prejuízo à proteção da vida privada e da integridade dos candidatos em causa.
É que embora não se possa excluir a priori que o conceito de vida privada abrange certos aspetos da atividade profissional do indivíduo isso não significa que toda a atividade profissional esteja global e necessariamente coberta pelo direito ao respeito pela vida privada (cfr. arts 83º do CPA/2015, 86º al. c) da Lei nº 67/98).
Ora a participação de cada candidato no quadro de procedimento concursal de pessoal de recrutamento/seleção pelas implicações e inerências daí advenientes não cabe na esfera jurídica da vida privada, pelo que a divulgação e acesso ao nome dos candidatos no “quadro”, digo, âmbito de tal procedimento e dos atos e documentos dele constantes não pode constituir uma ingerência na sua vida privada, tanto mais que o conhecimento e identificação dos candidatos envolvidos lhe é exigido na impugnação contenciosa com a instauração de ação administrativa contra os contrainteressados (cfr. arts.78º, nº 2, al. b), 78º-A do CPTA/2015), sob pena da sua recusa (cfr. art. 80º, nº 1, al. b) do CPTA), e é o próprio regime contencioso que lhe confere o direito a obter tal identificação (cfr. art. 78º-A, nº 1 do CPTA/2015).
Com esta motivação manteria a decisão.