Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0560/10.8BEPRT
Data do Acordão:02/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24198
Nº do Documento:SA1201902110560/10
Data de Entrada:01/30/2019
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A…………….. intentou, no TAF do Porto, contra o MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL e a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES a presente acção administrativa especial pedindo a condenação dos RR. a reconhecerem-lhe o direito à pensão de deficiente das Forças Armadas e ao abono suplementar de invalidez desde 22/01/1965, data em que o acidente ocorreu, ou, subsidiariamente, desde 01/09/75, data da produção de efeitos do DL 43/16, de 20/1, a que acresciam os correspondentes retroactivos e os devidos juros de mora.

O TAF julgou a acção improcedente e absolveu os Réus dos pedidos.

Decisão que o TCA revogou, absolvendo os RR do pedido de reconhecimento do direito do Autor ao «benefício de receber pensão como deficiente das Forças Armadas e abono suplementar de invalidez desde o dia 22/01/1965, a data da sua invalidez.» e condenando-os nos restantes pedidos.

É desse acórdão que a CGA vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. Colhe-se nos autos que, em Janeiro de 2000, a Junta Hospitalar de Inspecção (JHI) considerou o Autor incapaz para todo o serviço militar, em virtude de acidente ocorrido, em 22-01-1965, durante a comissão de serviço que prestou em Angola, o que determinou a sua qualificação como Deficiente das Forças Armadas (DFA) com uma desvalorização de 31,2%, ao abrigo do regime jurídico estabelecido no Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
Porém, só no ano de 2008 é que lhe foi reconhecido o direito à aposentação, com efeitos a partir de 21-07-2000, por só nesta data ter sido homologado o parecer da JHI.
E em 2009, o Autor pediu à CGA o pagamento das quantias referentes à pensão como DFA e ao abono suplementar de invalidez desde a data do acidente ou, pelo menos, desde 11-09-1975 (data da produção de efeitos do DL nº 43/76), sem lograr obter resposta.
Inconformado, instaurou esta acção onde formulou os pedidos acima indicados.

O TAF julgou a acção improcedente com os seguintes fundamentos:
....
Por conseguinte, a questão que impera indagar nos autos é a de saber a partir de que data terá o Autor direito a ser compensado com a atribuição da pensão de Deficiente das Forças Armadas [DFA].
...
Neste domínio, importa recordar que, pese embora reconhecido o acidente de 22 de Janeiro de 1965 como ocorrido em serviço, só em 28 de Janeiro de 1999 é que o Autor requereu a elaboração de um processo sumário por acidente em campanha.
E foi no decurso deste pedido que, em 21.07.2000, foi homologada a proposta da JHI de considerar o Autor incapaz para todo o serviço militar com 31,2% de desvalorização ...
Quer isto dizer que a desvalorização permanente do Autor [e respectivo grau de invalidez], e o nexo de causalidade entre o serviço [de campanha] e a doença só vieram a ser apurados na sequência da revisão do processo solicitada em Janeiro de 1999, já na vigência do Decreto-Lei n° 43/76.
Consequentemente, impõe-se concluir que o Autor não foi considerado deficiente ao abrigo [nos termos] do disposto no Decreto-Lei n° 210/73, e, como tal, não pode beneficiar da qualificação automática [como DFA] prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 18° do Decreto-Lei n° 43/76.
Logo, não pode operar a pretendida retroactividade do seu direito à aposentação com efeitos reportados a 22 de Janeiro de 1965 [data de ocorrência do acidente em serviço], porquanto o Autor não foi considerado deficiente ao abrigo [nos termos] do regime legal vigente à data [Decreto-Lei n° 210/73].
De igual modo, não poderá operar a pretendida retroactividade do seu direito à aposentação com efeitos reportados a 01.09.1975, data da produção de efeitos do D.L 43/76, de 20/1, dado que a antecipação dos efeitos a esta data [01.09.1975] encontra-se reservada para as situações de qualificação automática que, já vimos, não tem aplicação ao Autor.
....
Deste modo, haverá de se entender que só a partir de 21.07.2000, data em que foi homologada a proposta da JHI de considerar o militar com 31,2% de desvalorização ... é que tem o Autor direito pensão de Deficiente das Forças Armadas.”

O TCA, para onde o Autor apelou, revogou aquela decisão e julgou a acção parcialmente procedente com um discurso jurídico de que se destaca o seguinte:
“....
Assim, atenta a factualidade assente, não tem o Recorrente o direito que reclama, de beneficiar da qualificação automática como DFA prevista no artigo 18º, nº 1, alínea c), do DL 43/76, nem, consequentemente, da retroactividade dos reclamados direitos com efeitos reportados a 22-01-1965.
...
A restante questão prende-se com o direito à pensão como deficiente das Forças Armadas e abono suplementar de invalidez desde o dia 01/09/75, a data da produção de efeitos do D.L. 43/76, de 20/1.
.....
O artigo 21º do DL 43/76 assegura duas coisas: (i) Que esse decreto-lei produzirá efeitos a partir de 1 de Setembro de 1975 e ainda (ii) que a partir dessa data terão eficácia os direitos que reconhece aos DFA (sem distinção, a todos os DFA, de qualificação automática ou não).
E, na verdade, contrariamente ao que se afirma na sentença recorrida, a eficácia dos direitos que o DL 43/76 reconhece aos DFA reportada à data de 01-09-1975 não se encontra reservada apenas para as situações de qualificação automática.
...
Portanto, afigura-se indubitável que em face do disposto no artigo 21º do DL 43/76, o direito à reparação - estamos perante reforma por invalidez - de que o Recorrente beneficia ao abrigo do disposto no DL 43/76 tem eficácia a partir da data em que aquele diploma legal produz efeitos: 01 de Setembro de 1975.
O que não é, sequer, contrariado pelo disposto no artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, e antes apontado.
...
— .... ao Recorrente foi reconhecido o direito à qualificação como Deficiente das Forças Armadas (nºs 1 e 2 do artigo 1º e alínea b) do nº 1 do artigo 2º, ambos do DL 43/76).
Essa qualidade de DFA mantém-se, com direitos, regalias e deveres, mesmo no caso de o cidadão venha a perder a qualidade de militar, por força de leis gerais ou especiais já promulgadas ou a promulgar (artigo 3º).
— ... percebendo o Recorrente pensão de invalidez é-lhe concedido um abono suplementar de invalidez.
— ... o momento a partir do qual deve ser-lhe concedido o abono suplementar de invalidez coincide com o momento em que deve perceber a pensão de invalidez, no caso, como vimos, 01 de Setembro de 1975.
Quanto aos juros de mora, tendo o Autor direito à reparação desde a data de 01 de Setembro de 1975, nos termos acima explanados, os respectivos montantes são devidos desde aquela data; pelo que são devidos juros de mora - artigos 805º, nº 2, alínea a), 804º e 806º, nºs 1 e 2, do Código Civil - embora, no respeito pelo peticionado, os juros que se vencerem a partir da citação.
Procedem os fundamentos do recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida e a acção julgada parcialmente procedente ... .”

3. A CGA não se conforma com tal decisão e, por isso, pede a admissão desta revista para o que, entre outras, formula as seguintes conclusões:
“A) Não pode a CGA conformar-se com a decisão recorrida, dado que o Autor só em 28 de janeiro de 1999 veio requerer a elaboração de processo sumário por acidente em campanha, sendo que, a desvalorização, respetivo grau e o nexo de causalidade entre o serviço e a doença, só foram apurados na sequência daquele processo e já na vigência do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20/01.
C) Para que pudesse ser atribuído ao interessado o direito de receber pensão como deficiente das Forças Armadas e abono suplementar de invalidez desde 1-09-1975, é condição sine qua non que o mesmo tenha beneficiado da qualificação automática como DFA prevista no n.º 1 do artigo 18.° do Decreto-Lei n.º 46/76, de 20/01, o que não sucedeu no presente caso, como claramente resulta da prova produzida.
D) Foi-lhe concedido, é certo, uma pensão como deficiente das Forças Armadas, por despacho de 28/03/2008, mas tal, por si só, não lhe confere o direito a que a mesma tenha efeitos retroativos à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 46/76, de 20 de janeiro.”

4. Resulta do anteriormente exposto que a única questão que importa resolver é a de saber a partir de que data é que o Autor tem direito a receber a pensão de Deficiente das Forças Armadas [DFA]. Questão em que as instâncias divergiram, com o TAF a sinalizar essa data em 21.07.2000 - data em que foi homologada a proposta da JHI de considerá-lo com uma desvalorização de 31,2% - e o TCA a considerar que esse termo se iniciava em 01 de Setembro de 1975 – data em que o DL 43/76 começou a produzir efeitos.
Divergência que decorreu do TAF ter entendido que a antecipação dos efeitos da desvalorização a 01-09-1975 se encontrava reservada para as situações de qualificação automática como deficiente, situação que não era aplicável ao Autor, e o TCA a sustentar que a eficácia dos direitos que o DL 43/76 reconhece aos DFA não se encontrava reservada apenas para as situações de qualificação automática.
Ora, essa questão, como as desenvolvidas fundamentações das decisões daqueles Tribunais o evidenciam, não só é uma questão jurídica complexa como é de relevante importância social.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Porto, 11 de Fevereiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.