Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:025/20.0BALSB
Data do Acordão:09/30/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CLÁUSULA ANTI-ABUSO
ILACÇÕES
FACTO
Sumário:I - Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que aludem o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA que a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo;
II - A questão de direito é a mesma quando a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor e é idêntica a factualidade a considerar do ponto de vista da subsunção a essa norma jurídica.
III - Não é substancialmente idêntica a factualidade a subsumir ao artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária se na decisão arbitral fundamento se concluiu que os atos ou negócios jurídicos ali em causa foram motivados, além do mais, por razões económicas (extrafiscais) e na decisão arbitral recorrida só foram apuradas razões fiscais.
Nº Convencional:JSTA000P26415
Nº do Documento:SAP20200930025/20
Data de Entrada:02/29/2020
Recorrente:A....., SGPS,S.A.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A………… SGPS, S.A., contribuinte fiscal n.º ………, com sede na Rua ………, n.º ………, 1250-…… Lisboa, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa em 28 de janeiro de 2020, no processo n.º 167/2019-T CAAD, que julgou totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de retenção da fonte – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2014 6410000183 e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2014 34891 a 2014 34902, todos relativos a 2012, no montante de € 260 012,47 (duzentos e sessenta mil, doze euros e quarenta e sete cêntimos), bem como o pedido de revogação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º 3247201510000322.

Invocou contradição entre essa decisão e a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 165/2019-T, também do CAAD.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. O presente recurso é interposto contra a Decisão arbitral proferida no dia 28 de Janeiro de 2020, no âmbito do processo que correu termos junto do CAAD, sob o n.º 167/2019-T, e que julgou improcedente o Pedido do Pronúncia Arbitral deduzido pela ora RECORRENTE e, em consequência, determinou a manutenção na ordem jurídica dos actos tributários contestados, atinentes a Retenção na Fonte de Impostos sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (“IRS”) do ano de 2012 e os correspondentes Juros Compensatórios (cfr. cit. DOC.N.º 1).

B. A interposição do presente recurso fundamenta-se no facto de a Decisão arbitral, no entender da RECORRENTE, se encontrar, quanto à mesma questão fundamental de direito, em oposição directa com a Decisão arbitral proferida no dia 18 de Novembro de 2019, no âmbito do processo que correu termos junto do CAAD sob o n.º 165/2019-T (cfr. cit. DOC.N.º 2).

C. Conforme resulta da Petição Inicial que deu origem aos presentes autos, no processo arbitral aqui em crise, a ora RECORRENTE peticionou a anulação do acto de liquidação de Retenção na Fonte de IRS n.º 2014 6410000183 e dos correspondentes atos de liquidação de Juros Compensatórios n.ºs 2014 34891 a 2014 34902, todos relativos ao exercício de 2012, dos quais resultou um valor a pagar de € 260 012,47 (duzentos e sessenta mil, doze euros e quarenta e sete cêntimos) e, bem assim, a anulação do Despacho proferido, no dia 6 de Dezembro de 2018, pela Senhora Subdirectora-Geral da Direcção dos Serviços de IRS, ao abrigo de poderes subdelegados, através do qual foi indeferido o Recurso Hierárquico interposto pela ora RECORRENTE, contra o referido acto de liquidação de Retenção na Fonte de IRS e os correspondentes actos de liquidação de Juros Compensatórios.

D. O acto de liquidação de Retenção na Fonte de IRS em apreço deriva da introdução, através da aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso (“CGAA”), de correcções de natureza meramente aritmética, relacionadas com IRS não retido na fonte e não entregue nos cofres do Estado sobre pagamentos, efectuados pela RECORRENTE, de alegados lucros e/ou dividendos aos seus accionistas, nos exercícios de 2010, 2011 e 2012, assente no entendimento de que a RECORRENTE terá praticado “(…) negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos e com abuso de normas jurídicas, que conduziram à eliminação do imposto que seria devido sem a utilização desses meios (…)” (cfr. fls. 4 do DOC.N.º 3 junto com o Pedido de Pronúncia Arbitral).

E. No entendimento da RECORRENTE, a Decisão arbitral sindicada encontra-se, quanto à mesma questão fundamental de direito, em oposição directa com a Decisão arbitral proferida no dia 18 de Novembro de 2019, no âmbito do processo que correu termos junto do CAAD sob o n.º 165/2019-T (cfr. cit. DOC.N.º 2).

F. Nesta sede, refira-se que a Decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 165/2019-T – que aqui serve de Decisão arbitral fundamento – diz respeito a um Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela aqui RECORRENTE também contra um acto de liquidação de Retenções na Fonte de IRS (relativo ao ano de 2010) e que tem subjacente a mesma factualidade em causa nos presentes autos (relativo ao ano de 2012), residindo a única diferença entre ambos no ano a que respeita o acto de liquidação objecto de contestação.

G. Ora, como é consabido, para apurar a existência da referida oposição, é exigível que (i) se trate do mesmo fundamento de direito, (ii) que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e (iii) que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos – o que, naturalmente, pressupõe a identidade de situações de facto.

H. Daí que este tipo de recurso tenha por pressuposto necessário a identidade dos factos subjacentes (que terão que ser essencialmente os mesmos do ponto de vista do seu significado jurídico) e uma identidade do regime jurídico aplicado (ainda que em invólucros legislativos diferentes), já que, sem essa identidade, não será possível vislumbrar a emissão de proposições jurídicas opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, que careça de uniformização jurisprudencial.

I. No caso vertente, encontram-se preenchidos os enunciados requisitos legais, desde logo, quanto ao primeiro requisito, a identidade da questão fundamental de direito está verificada e decorre do facto de ambas as Decisões arbitrais se terem pronunciado sobre o preenchimento dos pressupostos de verificação necessária para a válida aplicação da CGAA, designadamente sobre o preenchimento do elemento intelectual.

J. Em relação ao segundo requisito, o mesmo também se encontra verificado no presente caso, visto que, no que diz respeito à questão fundamental de direito, não existiu qualquer alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável á mesma.

K. Posto isto, diga-se que, quanto ao terceiro e último requisito, o mesmo encontra-se (também ele) preenchido, pois a Decisão arbitral recorrida e a Decisão arbitral fundamento decidiram em sentidos opostos, não obstante a identidade da questão de direito vertida e apreciada nas decisões em causa.

L. Com efeito, a Decisão arbitral objecto do presente recurso decidiu que “(…) é manifesta e legítima a devida aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, ao caso concreto”, por considerar preenchidos todos os elementos de verificação necessária para a válida aplicação da CGAA, designadamente o seu elemento intelectual (cfr. cit. DOC.N.º 1), ao passo que a Decisão arbitral fundamento entendeu “(…) não estar verificado o preenchimento dos requisitos para a legítima aplicação da cláusula geral anti-abuso (…)”, nomeadamente o seu elemento intelectual (cfr. cit. DOC.N.º 2).

M. Desde modo, é, pois, manifesta a oposição da Decisão arbitral recorrida com a Decisão arbitral fundamento, sendo no entender da RECORRENTE, a solução perfilhada pela Decisão arbitral fundamento, proferida no âmbito do processo n.º 165/2019-T, as que se afigura acertada, pelo que deverá prevalecer sobre o entendimento da Decisão arbitral recorrida.

N. Com efeito, uma vez que, em ambos os casos, estamos perante o mesmo quadro factual, impõe-se apurar o que, em concreto, se afigura necessário para se considerar preenchido o elemento intelectual da CGAA, para efeito da sua legítima aplicação.

O. Na Decisão arbitral recorrida, pode ler-se – como recurso às palavras de SÉRGIO VASQUES – que, para efeito de válida aplicação da CGAA, entre outros elementos, “(…) exige-se o objectivo único ou principal de através desses esquemas negociais obter uma vantagem fiscal, qualquer que seja a sua natureza, com a marginalização evidente de objectivos económicos reais. (…)” (cfr. página 40 do cit. DOC.N.º 1).

P. Nessa sequência, refere o Tribunal, transcrevendo um excerto da Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 166/2019-T, que diz respeito a um Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela aqui RECORRENTE também contra um acto de liquidação de Retenções na Fonte de IRS (relativo ao ano de 2001) e que tem subjacente a mesma factualidade em causa nos presentes autos, que, no seu entender, “(…) a sucessão e actos, em particular a interposição da SGPS entre os accionistas comuns da A……… SGPS e da B……… SA, nos moldes em que foi feita, parece não deixar dúvidas de que foi realizada com preocupações manifestas de poupança fiscal, ou se se quiser, usando meios artificiosos e abuso de formas jurídicas de forma a atingir os propósitos mencionados. Desde logo, porque, a não haver a interposição da SGPS, os valores distribuídos pela B……… aos sócios sê-lo-iam a titulo de dividendos e não de pagamento de dívidas, que, aliás, não existiam na esfera da B……… para com os seus accionistas (…)” (cfr. página 42 do cit. DOC.N.º 1 – sublinhado a negrito da RECORRENTE).

Q. Mais à frente, na Decisão arbitral recorrida, o Tribunal afirma – continuando a transcrever parte da Decisão Arbitral do processo n.º 166/2019-T – que “Tal «engenharia financeira» não foi posta em crise pela Requerente que procura demonstrar o racional de toda a operação com pretensas entradas de capital provenientes de entidades externas ou uma mais racional estratégia de gestão de participações sociais. O que é facto é que os valores dos lucros distribuídos da B……… só desta forma é que não pagaram impostos, mediante a criação de um pretenso crédito dos accionistas sobre a SGPS (…)” (cfr. página 43 do cit. DOC.N.º 1 – sublinhado a negrito da RECORRENTE).

R. Já na Decisão arbitral fundamento – que, reitera-se, versa sobre os mesmíssimos factos em causa na Decisão arbitral recorrida – esclarece-se que “O preenchimento do «elemento intelectual» depende da ausência de outras motivações, para além da redução da carga fiscal, que possam ser imputáveis às operações efectuadas pela Requerente. A verificação desse elemento sobrevém do decaimento das motivações apresentadas para a montagem da estrutura negocial face ao business purpose test.” (cfr. página 24 do cit. DOC.N.º 2 – sublinhado a negrito da RECORRENTE).

S. Subsequentemente, afirma ainda este Tribunal, na Decisão arbitral fundamento, que “No caso vertente, em face dos factos provados e pese embora se vislumbrem objectivos de eliminação da carga fiscal, não se pode dar por verificado o elemento intelectual. A Requerente demonstrou que a transformação societária encetada por sua autoria não era predominantemente de índole fiscal (…). É por demais evidente para o tribunal que quer a estrutura societária quer a valorização das acções, pese embora possam ter um abstracto móbil fiscal, objectivamente têm ou tiveram motivações económicas subjacentes que não podem ser desconsideradas. A doutrina das tax driven structures – que não pode ser desconsiderada – leva então o presente tribunal a não ter como preenchido o elemento intelectual. (cfr. páginas 24 e 25 do cit. DOC.N.º 1 – sublinhado a negrito da RECORRENTE).

T. Com efeito, analisando o teor das duas Decisões arbitrais resulta que, para a Decisão arbitral recorrida, o preenchimento do elemento intelectual da CGAA basta-se com a existência, no caso concreto, de uma “preocupação” em obter uma poupança fiscal, sendo indiferente a demonstração da racionalidade económica subjacente às decisões de gestão tomadas, ao passo que, para a Decisão arbitral fundamento, o preenchimento do elemento intelectual da CGAA não se basta com o “vislumbre dos objectivos de eliminação da carga fiscal”, sendo antes relevante aferir da existência de motivações económicas válidas subjacentes às decisões de gestão levadas a cabo, ainda que se verifique uma poupança fiscal com tais decisões.

U. Para a RECORRENTE, o entendimento vertido na Decisão arbitral fundamento é o juridicamente acertado, uma vez que o elemento intelectual, cuja verificação é necessária para a válida aplicação da CGAA, exige, para o seu preenchimento, a ausência de outras razões, para além das meramente fiscais, que justifiquem a concretização das operações em apreço, porquanto deverá prevalecer sobre o entendimento da Decisão arbitral recorrida.

V. Por outro lado, refira-se também que os requisitos previstos no artigo 152.º do CPTA se encontra, no caso, preenchidos.

W. Conforme já foi demonstrado, existe contradição entre a Decisão arbitral recorrida e a Decisão arbitral fundamento sendo que essa contradição recai sobre a mesma questão fundamental de direito.

X. No caso, a Decisão arbitral fundamento já transitou em julgado, sendo que, atentas as particularidades instituídas pelo RJAT, não s e aplica o requisito do trânsito em julgado relativamente à decisão recorrida, na medida em que a forma de contagem do prazo para a interposição do presente recurso vem expressamente regulada no RJAT, contando-se a partir da notificação da Decisão arbitral (art. 25.º, n.º 3, do RJAT), e não a partir do trânsito em julgado da decisão impugnada, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do CPTA.

Y. Por outro lado, não existe, no sentido da orientação perfilhada na decisão recorrida, jurisprudência mais recente e consolidada no Supremo Tribunal Administrativo.

Z. Note-se, ainda, que a RECORRENTE elegeu apenas uma Decisão arbitral fundamento, claramente identificada, configurando quer a Decisão arbitral fundamento, quer a Decisão recorrida, decisões expressas.

AA. As soluções jurídicas perfilhadas quer na Decisão arbitral fundamento, quer na Decisão arbitral recorrida, respeitam à mesma questão fundamental de direito e reportam-se a situações fácticas exactamente iguais.

BB. Ora, uma vez declarada a oposição de decisões e uniformizada a jurisprudência no sentido perfilhado pela Decisão arbitral fundamento e porque do processo arbitral constam todos os elementos necessários a esse efeito, deverá ser apreciada a legalidade da liquidação de Retenção na Fonte de IRS do ano de 2012 e das correspondentes liquidações de Juros Compensatórios e, em consequência, deve ser decidida a anulação da mencionada liquidação aqui em análise.

CC. Caso assim não se entenda – o que não se admite e apenas por mero dever de patrocínio se suscita – uma vez declarada a oposição de decisões e uniformizada a jurisprudência no sentido perfilhado pela Decisão fundamento, deverá ser ordenado o reenvio do processo ao Tribunal Arbitral, para que este aprecie, de novo, o Pedido de Pronúncia Arbitral, conheça dos factos (efectivamente) apurados e faça uma correcta interpretação do direito aplicável.».

Concluiu pedindo a procedência do recurso, declarando a oposição de decisões, uniformizando jurisprudência no sentido perfilhado pela Decisão arbitral fundamento e anulando os atos impugnados.

1.2. O recurso foi admitido foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que resumiu nas seguintes conclusões:

A) A AT concorda com a Recorrente no que diz respeito ao facto de estarem reunidos os requisitos para propositura de recurso de uniformização de jurisprudência, pois estamos perante o mesmo fundamento de direito na decisão recorrida e na decisão fundamento; não houve alteração substancial da regulamentação jurídica e perfilhou-se solução oposta nos dois arestos, para além de haver uma evidente identidade na situação de facto;

B) A decisão recorrida não pode deixar de ser lida em conjunto com a decisão proferida no âmbito do processo nº 166/2019-T, disponível em: https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=166%2F2019T&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id=4423&ccsFor m=record%3AEdit, pois versam as duas sobre os mesmos factos (embora anos diferentes) e o mesmo direito, tendo inclusivamente sido aproveitada a prova produzida naquele processo, nos termos do art.º 421º, nº1 do CPC no processo que agora está a ser alvo de recurso.

C) Ao contrário da Recorrente, a AT entende que o tribunal arbitral decidiu bem no processo nº 167/2019-T (e 166/2019-T), mas decidiu mal no processo nº 165/2019-T, pois a sucessão de actos e negócios jurídicos, realizados no final de Dezembro de 2009, foram essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos e com abuso das normas jurídicas, que conduziram à eliminação do imposto que seria devido sem a utilização desses meios e, dessa forma, a Recorrente devia ter retido na fonte e entregue aos cofres do Estado os montantes correspondentes aos lucros e dividendos que foram entregues aos accionistas da B.........;

D) No presente caso verificou-se a realização de sucessivos actos, de forma a que a B……… reunisse os requisitos essenciais para a concretização, em 27/05/2009, da operação de transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, nomeadamente, passou a ter: a) o número de acionistas exigível (cinco) conforme o disposto no nº 1 do art. 273º do CSC (Código das Sociedades Comerciais); b) o mínimo de capital previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 35.º do CSC – € 50.000,00; e c) inclusive, para que a situação líquida positiva com o valor patrimonial fosse superior à soma do capital social e da reserva legal, verificou-se um aumento no capital social de € 145.000,00, passando este a ser no montante de € 150.000,00.

E) Sublinhando-se que o “Relatório justificativo da transformação” elaborado pela gerência da sociedade e que serviu de base à citada transformação, não apresenta qualquer justificação ou motivação para substanciar a transformação do tipo legal, nem sequer quaisquer indícios de estratégia empresarial, incremento ou diversificação do objecto social

F) Em 30 de Dezembro de 2009, os sócios/accionistas, pessoas singulares, procederam à venda das participações sociais, representativas de 100% do capital da B........., SA à sociedade A........., DGPS, SA as quais foram, antecipadamente, avaliadas em € 15.272.000,00, portanto por valor superior ao valor nominal (cfr. relatório do ROC em 22/12/2009, o que permitiu a subscrição do capital social da A......... SGPS, SA mediante a entrada em espécie, no montante de €50.000,00 e a criação de um crédito a favor dos accionistas desta, no montante de €15.222.000,00.

G) O facto de gerarem créditos a favor dos accionistas, face à avaliação das participações na B........., SA, permite que em anos subsequentes a A......... SGPS, SA proceda à transferência mensal de fluxos financeiros, a título de reembolso do crédito gerado.

H) Após valorização, as acções da B........., SA, são vendidas a um valor muito superior ao seu valor nominal (€5,00), cujo quantitativo, no momento da alienação é de € 509,07.

I) Toda aquela sucessão de actos e contratos permitiram transformar os fluxos financeiros que, sem a operação de alienação descrita e a utilização da SGPS entretanto constituída, chegaria aos acccionistas sob a forma de dividendos e seria um rendimento sujeito a IRS.

J) Todavia, com as operações realizadas, aquele fluxo financeiro chega sob a forma de recebimento de dívida, que não é considerado rendimento em sede de IRS, possibilitando a transferência, não tributada, dos lucros da “B........., SA” para os accionistas, através da transformação daqueles fluxos, conseguido com a interposição da SGPS.

K) Assim, estamos perante uma estrutura, enquanto conjunto de actos e contratos e negócios sequenciais, lógicos e planeados, dirigidos a atingir o objectivo visado, assegurando o efeito económico pretendido, ou seja, distribuição dos lucros provenientes da B........., pelos accionistas, sem qualquer tributação.

L) De igual modo, verifica-se que a estruturação do negócio, para além de dirigido à obtenção da referida vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotado de uma forma anómala e artificiosa, em consideração dos fins económicos visados pelo sujeito passivo, não obstante, os actos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos válidos, lícitos e corresponderam à vontade da Recorrente.

M) A Recorrente, argumentando a favor da decisão fundamento em detrimento da decisão recorrida, defende, muito resumidamente, que a operação em causa teve fundamentos fi[s]cais mas também teve substância económica e que esta se sobrepõe ao intuito de poupança fiscal.

N) Porém, não demonstra em qualquer momento essa substância económica do conjunto das operações;

O) Com efeito, alega que o objectivo foi atrair investimento para poder desenvolver e alargar a sua operação;

P) Só que tal afirmação entra em contradição com a sua forma de agir;

Q) É que se pretendia atrair investimento porque precisava de capital para alargar as operações com explica então aquela sucessão de actos para retirar €15.222.000,00 da sociedade e não investiu os mesmos nesse suposto alargamento da operação?

R) Ademais a própria Recorrente já confessou na petição inicial, quando interpôs a acção no tribunal arbitral, que realizou uma série de atos, mais onerosos do que seriam praticados na normalidade da atividade económica da empresa, por forma a atingir uma vantagem fiscal e que não seria alcançável de outro modo.

S) No presente caso, deve-se tomar em atenção a doutrina “step by step transactions” que está relacionada com a sequência de atos, olhando todos os atos como um todo, e não independentemente, porquanto, o último ato avaliado isoladamente pode não ser relevante, mas sim quando analisado em conjunto com outros atos. Verifica-se, então, que o ato final teve na base uma sequência de atos, existindo efetivamente uma cadeia temporal na qual foram realizados estes negócios jurídicos, cfr AC TCA Sul de 15-02-2011, Processo nº 04255/10.

T) Assim, a conclusão, no nosso entender, não poderá ser outra senão aquela a que chegou o tribunal a quo, ou seja:

«Ora, no entender do Tribunal a sucessão de actos, em particular a interposição da SGPS entre os accionistas comuns da A......... SGPS e da B......... S.A., nos moldes em que foi feita, parece não deixar dúvidas de que foi realizada com preocupações manifestas de poupança fiscal, ou se se quiser, usando meios artificiosos e abuso das formas jurídicas a atingir os propósitos mencionados. Desde logo, porque, a não haver a interposição da SGPS, os valores distribuídos pela B......... aos sócios sê-lo-iam a título de dividendos e não de pagamento de dívidas, que, aliás, não existiam na esfera da B......... para com os seus accionistas. Estas só surgem com a reavaliação dos ativos para efeitos da constituição da SGPS, estribadas, é certo e como é de lei, em relatório de ROC independente, mas curiosamente se bem que o relatório seja anterior ao da venda das participações da entrada do capital, foi o do valor nominal e não o do valor de mercado, e é somente este facto que fez nascer, como se realça a fls. 12 do RIT, um enorme crédito dos accionistas da SGPS sobre esta, que foi pago no futuro mediante o já citado contrato de prestação de serviços da SGPS à B.......... Relembremos o que é dito a fls. do RIT: Porque o capital social A......... SGPS, S.A. é constituído € 50.000, dividido por 10.000 acções ordinárias com o valor nominal de € 5,00 e, face à deliberação de que a realização do capital fosse feita mediante a entrada em espécie das 30.000 ações, representativas de 100% do capital social da B......... SA, valorizadas em € 15.272.000,00, reconhece-se a referida sociedade devedora para com os accionistas, do montante correspondente à diferença - € 15.222.000,00. O montante de que a sociedade se considera devedora, para com os accionistas, foi registado contabilisticamente, no balanço da sociedade, a créditos dos accionistas (…)

Tal “engenharia financeira” não foi posta em crise pela Requerente que procura demonstrar o racional de toda a operação com pretensas entradas de capital proveniente de entidades externas ou uma mais racional estratégia de gestão de participações sociais. O que é facto é que os valores dos lucros distribuídos da B......... só desta forma é que não pagaram impostos, mediante a criação de um pretenso crédito dos accionistas sobre a SGPS, criada nos moldes em que o foi, em que nem sequer as entradas em espécie (10.000 acções da B.........) foram valoradas com base no valor que lhes foi atribuído pelo ROC independente e, além disso, não tendo sido dado cumprimento, como supra se referiu à deliberação inicial de que a entrada em espécie dos sócios da A........., SGPS se faria com as 30.000 ações que constituíam 100% do capital social da B........., permitindo a sua alienação por parte dos sócios dos valores resultantes da reavaliação, ficando os sócios, como reiteradamente temos dito, com um crédito sobre a SGPS de 15.222.000,00€ que só existiu pela sucessão de factos encadeados que se enunciaram.”

U) Concluindo-se, assim, que o valor por que foram alienadas aos mesmos accionistas, em nada alterou o controlo da empresa.

V) Serviu apenas para camuflar a verdadeira natureza dos adiantamentos por conta de lucros e, serviu de veículo para transmitir os valores para a esfera patrimonial dos accionistas sem qualquer tributação, não passando, dessa forma, também no teste do principal propósito, sendo uma transacção-farsa.

W) Por isso, estão reunidos todos os requisitos para aplicação da cláusula geral anti abuso nos exactos termos em que a AT a aplicou e o caad considerou correctamente aplicada.

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer, do qual transcrevemos o seguinte segmento:

«(…) Constata-se, assim, que a divergência das soluções dadas aos pleitos assenta em diversas ilações e juízos de valor sobre as operações realizadas em face da matéria de facto assente em ordem a determinar se o intuito de elisão fiscal é ou não a motivação preponderante ou se a par desta existiram motivações económicas empresariais. Estamos, assim, e salvo melhor opinião, perante divergência na apreciação da matéria de facto, porque assente essencialmente em juízos sobre a matéria de facto cuja apreciação está vedada ao tribunal de revista, e não propriamente sobre divergência sobre questão de direito ou interpretação de normas jurídicas.

Entendemos, assim, que se não se mostram reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência.».

Com dispensa dos vistos legais, dada a evidente simplicidade da causa e atento o estipulado na parte final do n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.



2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

a. Factos dados como provados

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

A. A sociedade “B......... Restauração, Lda.” foi constituída no dia 3 de dezembro de 2003, sob a forma de sociedade por quotas, com o capital social de € 5.000,00 (cinco mil euros), distribuído por quatro sócios, tendo como objeto social «a prestação de serviços na área da restauração, hotelaria e atividades similares. Organização de eventos culturais. Comercialização do nome, designadamente através de contratos de franchising», a que corresponde o CAE: 56103.6, tendo como sócios:
Sócios
Categoria
Valor nominal das quotas
% do capital
social
C…………
Sócio
1.600,00 €
32,00%
D…………
Sócio
1.600,00€
32,00%
E…………
Sócio gerente
1.600,00 €
32,00%
F…………
Sócio
200,00 €
4,00%
Total
5.000,00 €
100,00%

- cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral.

B. Por assembleia geral de 25 de outubro de 2005, foi deliberada a realização de prestações suplementares pelos sócios: C………… e D…………, no valor de € 35.000,00 cada, perfazendo as mesmas o total de e € 70.000,00 – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

C. Por assembleia geral de 31 de março de 2007, foi deliberada a realização de novas prestações suplementares pelos sócios: C………… e D…………, no valor de € 65.611,04 e € 15.600,00, respetivamente – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

D. Por assembleia geral de 6 de outubro de 2008, foi deliberado o aumento de capital social, no valor de € 145.000,00 por incorporação das prestações suplementares realizadas pelos sócios: C………… e D………… - cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

E. Por assembleia geral de 14 de maio de 2009, foi deliberada a divisão da quota de um dos sócios e posterior cessão de parte dessa quota a novo sócio com vista à transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, designada “B........., S.A.”, com o capital social de € 150.000,00, representativo de 30.000 ações, com valor nominal de € 5,00, constituída da seguinte forma:
Acionistas
n.º ações
Valor das ações
% do capital
C…………
9.600
48.000,00 €
32,00%
D…………
9.600
48.000,00 €
32,00%
E…………
9.600
48.000,00 €
32,00%
G…………
1.180
5.900,00 €
3,93%
H…………
20
100,00 €
0,07 %
Total
10.000
50.000,00 €
100,00%

- cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

F. Em 21 de dezembro de 2009, as ações foram reavaliadas no montante de € 15.272.000,00 e no dia 30 de dezembro imediato, os acionistas procederam à alienação das ações revalorizadas para a realização do capital social da “A......... SGPS, S.A.” – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

G. A Requerente “A......... SGPS, S.A.” foi constituída e iniciou a sua atividade em 30 de dezembro de 2009 – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

H. A Requerente é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social consiste na gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas, bem como a prestação de serviços técnicos de administração e gestão, encontrando-se enquadrada no CAE (Código de Atividade Económica) 064202 – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

I. O capital social da Requerente é de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e corresponde a 10.000 ações nominativas com o valor nominal de € 5,00 cada, distribuídas pelos seguintes acionistas – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronúncia arbitral;
Acionistas
n.º ações
Valor das ações
% do capital
C…………
3.200
16.000,0 €
32,00%
D…………
3.200
16.000,0 €
32,00%
E…………
3.200
16.000,0 €
32,00%
G…………
380
1.900,00 €
3,80%
I…………
20
100,00 €
0,20 %
Total
10.000
50.000,00 €
100,00%

– cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronúncia arbitral;

J. O capital social da Requerente foi realizado em espécie, mediante a transferência de participações representativas de 100% do capital social da sociedade “B......... Restauração, S.A.”, NIPC ……… (titulada por 30.000 ações), detidas pelos acionistas identificados em I supra – cfr Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

K. Por assembleia geral extraordinária de 30 de dezembro de 2009, foi deliberado o reconhecimento do crédito dos acionistas sobre a sociedade, face às entradas em espécie para a realização do capital social da Requerente- cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

L. Ainda, no dia 30 de dezembro de 2009, a Requerente, em reunião do Conselho de Administração, deliberou a celebração de um “contrato de management e prestação de serviços”, com a sociedade participada “B........., S.A.” - cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

M. O contrato mencionado em L. supra foi celebrado no dia 01 de janeiro de 2010, nos termos do qual são contratados serviços de gestão, técnicos e administrativos, por parte da “B........., S.A.” à Requerente, por uma quantia mensal, a título de “Fee”, de natureza variável entre o mínimo de € 45.000,00 e o valor máximo de € 350.000,00 a desenvolver nos escritórios situados na sede social de ambas as sociedades, sita na Rua ………, n.º ………, em Lisboa por tempo indeterminado - cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

N. Por via do contrato mencionado em L e M. supra, a empresa “B........., S.A.” realiza pagamentos a favor da Requerente, por prestação de serviços técnicos de administração e de gestão - cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

O. Nos exercícios de 2010, 2011 e 2012 a Requerente efetuou reembolsos parciais aos acionistas pelos créditos constituídos a seu favor por efeito da alienação das ações, nos montantes de € 2.211.543,65, € 818.250,84 e € 986.374,34 respetivamente- cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

P. À data dos factos, a sociedade “B........., S.A.” e a Requerente eram sociedades não cotadas em mercados regulamentados, tendo a revalorização das ações da sociedade “B........., S.A.” resultado da avaliação por Revisor Oficial de Contas independente – cfr. artigos 133.º a 136.º do pedido de pronúncia arbitral, não impugnado pela Requerida, depoimento de ………… e das declarações de parte de C…………;

Q. A sociedade “B........., S.A.” passou a ser uma das entidades operacionais a estar sob a alçada de uma sociedade holding, a aqui Requerente, a qual passou a ser detida pelos mesmos acionistas que anteriormente detinham a (única) entidade que desenvolvia toda a atividade empresarial do grupo, entretanto, constituído [a sociedade “B........., S.A.”] – cfr. artigo 139.º e 140.º do pedido de pronúncia arbitral, não impugnado pela Requerida, depoimento de ………… e das declarações de parte de C………;

R. Em cumprimento das Ordens de Serviços n.ºs OI201303214, OI201303215, OI201303216 e OI201304755, emitidas em 3 de julho de 2013 e em 3 de outubro de 2013, respetivamente, da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi sujeita a um procedimento de inspeção externo, de âmbito univalente/parcial, que incidiu sobre o exercício de 2009 a 2012, tendo o mesmo sido instaurado «no seguimento da «ação especial de controlo das alienações de ações por sujeitos passivos singulares», selecionados em sequência da alienação de ações, detidas por período superior a 12 meses, declarando mais valias, não tributadas.» – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

S. Em 26 de novembro de 2013, a Requerente e respetivos acionistas foram notificados, através do Ofícios n.º 088 451, 088 452, 088453, 088 454 e 088455, do projeto de relatório de inspeção tributária e para exercer, querendo, o direito de audição prévia que lhes assistia ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT, artigo 60.º do RCPIT e n.ºs 4 e 5 do artigo 63.º do CPPT relativamente ao mesmo – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral ;

T. Direito esse que, tanto a Requerente como os seus acionistas exerceram, no dia 30 de dezembro de 2013, aos quais foram atribuídos os registos de entrada n.ºs 118405, 118406, 118407, 118408 e 118409 – cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral;

U. A Requerente, em meados de março de 2014, foi notificada, através do Ofício
n.º 019037, de 12.03.2014, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, do Relatório Final de Inspeção Tributária, do qual resulta o seguinte:

«Fica[m]por este meio notificado[s], nos termos do artigo 62.º do RCPIT, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.

Das correções meramente aritméticas efetuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indireta, cujos fundamentos constam do referido Relatório. A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.

Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.

Fica ainda notificado do despacho do Sr. Diretor Geral da AT, exarado em 3.3.2014, autorizando a aplicação do procedimento proposto, nos termos e com os fundamentos exposto.»

– cfr Relatório de Inspeção Tributária junto aos autos como Doc. n.º 3 do pedido de pronuncia arbitral -;

V. No Relatório de Inspeção Tributária identificado em J. supra consta, com interesse, o seguinte:

«II – 5.1.5-Tramissão de quotas/Transformação em sociedade anónima

Em 2009.05.14, mediante reunião da assembleia geral, (consubstanciada na ata n.º 12-anexo 6, fls. 14 e 15) foi deliberado a divisão da quota de um dos sócios e posterior cessão de parte dessa quota a novo sócio, a aprovação do balanço da sociedade a março de 2009, com vista à transformação da sociedade por quotas, em sociedade anónima, subsequente aprovação da transformação e, eleição dos corpos sociais a operarem após a transformação em sociedade anónima, operações objeto de registo (online) em 27-05-2009 (cfr. anexo 5).

Após a divisão da quota de € 6.000,00 do sócio G……… (respetivamente, em € 100,00 e € 5.900,00) e cessão da quota de € 100,00 a novo sócio – H…………, com o NIF ………, passaram a ser 5 os detentores do capital da sociedade, podendo a mesma ser transformada em sociedade anónima.

A referida ata n.º 12, ponto 2, faz referência à aprovação do balanço a março de 2009 que serviu de base à deliberação da citada transformação e AO RELATÓRIO JUSTIFICATIVO DA TRANSFORMAÇÃO ELABORADA PELA GERÊNCIA DA SOCIEDADE (cfr. anexo 8), bem como à declaração expressa dos sócios de dispensarem o relatório do ROC, sobre o projeto de transformação, a elaborar nos termos do n.º 6 do art.º 99.º do Código das Sociedade Comerciais (CSC).

De referir que o próprio “RELATÓRIO JUSTIFICATIVO DA TRANSFORMAÇÃO ELABORADO PELA GERÊNCIA DA SOCIEDADE” que serviu de base à citada transformação não apresenta qualquer justificação ou motivação para substanciar a transformação, nem sequer qualquer indício de estratégia empresarial, incremento ou diversificação do objeto social. (Cfr. anexo 8).

Em 2009.05.27 (13 dias após a deliberação) foi efetuada a transformação da sociedade por quotas em anónima (online) e designados o(s) membro(s) do(s) órgão(s) social(ais) (online):

Ø Capital: € 150.000,00

Ø Ações: 30 000 ações com valor nominal de € 5,00

Ø Forma de obrigar /Órgãos sociais: A sociedade obriga-se com a intervenção

o Do presidente do conselho de administração ou de qualquer um dos vogais;

o De mandatário no âmbito e nos termos do correspondente mandato.

De referir que, quando da transformação da sociedade por quotas, em sociedade anónima (7 meses antes da venda das participações pelos acionistas da B........., S.A.) permitiu, numa 1.ª fase, a exclusão de tributação, em sede de IRS, dos acionistas, quanto às mais-valias resultantes da venda de participações sociais da “B........., S.A.” detidas a mais de 12 meses (por força da alínea a) do n.º 2 do art.º 10.º, conjugado com a alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º, ambos do CIRS). Pois, sem a transformação, as mais valias seriam corretamente tributadas em sede de IRS. (nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRC conjugado com o n.º 4 do art.º 72.º do CIRS).

(…)

II.-5.1.8 – Valorização /Alineação das ações

Em 2009.12.21 – 9 dias antes da alienação das ações à nova sociedade (30/12/2009)- as 30.000 ações foram avaliadas no montante de € 15.272.000,00, utilizando o “método de avaliação dos “Free Cash Flow to the Firm (FCFF), tendo a projeção da atividade da empresa sido efetuada por extrapolação a partir de indicadores referentes aos próximos 3 anos de atividade, não estando esta projeção suportada em estudos de mercado, estratégicos ou outros (.)” (Cfr. anexo 9, fls. 1 a fls. 4).

No dia seguinte – 2009.12.22 -, foi elaborado relatório pelo Dr. ………… (ROC n.º ……), membro da sociedade J………, SROC, Lda a fim de dar cumprimento ao disposto no artigo 28.º do Código das Sociedade Comerciais (CSC), face à entrada em espécie das ações, então valorizadas, para realização do capital social da sociedade a constituir: “A........., SGPS, S.A. mediante a transferência de participações representativas de 100% do capital social da B........., S.A. (constituído por € 150.000,00, dividido em 30.000 ações com o valor nominal de € 5,00 cada) avaliadas pelo valor de € 15.272.000,00.

Os mesmos acionistas, que detinham 30.000 ações na “B........., S.A.” passaram, por força da alienação à “A........., SGPS”, a deter apenas 10.000 ações, com igual valor nominal, face ao capital realizado de € 50.000,00.

Todavia, por via da valorização, e, subsequente alienação das ações, assumiram os acionistas o papel de credores da nova sociedade, relativamente ao valor restante (€ 15.222.000,00).

De acordo com o referido, o preço de aquisição das ações pela “A........., SGPS, S.A.” ascendeu o montante de € 15.272.000,00 a que corresponde um valor unitário por ação de € 509,07 (€ 15.272.000,00/30 000 ações= € 509,067), valor consideravelmente superior ao valor nominal de € 5,00 das ações detidas pelos mesmos acionistas, em ambas as sociedades, ainda que em períodos distintos.

De referir que dos elementos disponibilizados relativamente à “B........., S.A.”, a valorização das ações não aparece refletida, contabilisticamente, em nenhuma das contas.

(…)

II.5.2. A......... SGPS, S.A.

No decurso destes atos de inspeção, foram recolhidos elementos, dos quais se destacam os seguintes, DESDE DATA DA CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE “A......... SGPS, S.A.” E A AQUISIÇÃO DA TOTALIDADE DAS AÇÕES DA B........., S.A. – 2009.12.30:

Trata-se de uma sociedade gestora de participações sociais, conforme “Contrato de Sociedade” respetivos “Estatutos”, pelos mesmos acionistas da “B........., s.a.”

Esta sociedade tem como objeto social “a gestão de participações sociais de outras empresas, como forma indireta do exercício da atividade económica e, prestação de serviços, na área da gestão às empresas participadas”, enquadrada no CAE 64202. (cfr. anexo 1).

II.5.2.1. Estrutura acionista da A......... SGPS, S.A.

Face ao referido o capital social da “A........., SGPS, S.A.” (realizado em espécie) é de € 50.000,00 correspondentes a 10.000 ações nominativas com o valor nominal de € 5,00 cada ação, distribuídas pelos seguintes acionistas que alienaram as ações da “B........., S.A.”: (cfr. anexo 1)

Quadro IX – Subscritores do capital “A........., SGPS, S.A.”
Acionistas
n.º de ações
Valor das ações
% do capital social
D…………
3.200
16.000,0 €
32,00%
C…………
3.200
16.000,0 €
32,00%
E…………
3.200
16.000,0 €
32,00%
G…………
380
1.900,00 €
3,80%
I…………/H………… (b)
20
100,00 €
0,20 %
Total do capital social
10.000
50.000,00 €
100,00%
Obs: (b) Vide observação constante no anterior Quadro VII deste Relatório.

Verifica-se que os acionistas e administradores da “A........., SGPS, S.A.” são os mesmos da B........., S.A.”, antes da venda das ações àquela e, precisamente, com a mesma percentagem de direito de voto, em ambas as sociedades, muito embora o número de ações da sociedade participada e sociedade participante, seja diferente.

(…)

II.5.2.3. Realização do Capital Social da sociedade A........., SGPS, S.A., mediante entrada em espécie

No âmbito da reunião de Assembleia Geral Extraordinária, celebrada em 2009.12.30 (Cfr. Ata n.º 1- Anexo 3, fls.2), deliberaram os acionistas sobre o reconhecimento das entradas em espécie, para a realização do capital social da sociedade e, reconhecimento do crédito dos acionistas sobre a sociedade.

Porque o capital social “A......... SGPS, S.A.” é constituído por € 50.000,00 dividido em 10.000 ações ordinárias com o valor nominal de e 5,00 e, face à deliberação de que a realização do capital fosse feita mediante a entrada em espécie das 30.000 ações, representativas de 100% do capital social da “B........., S.A.” , valorizadas em € 15.272.000,00, reconhece-se a referida sociedade, devedora para com os acionistas, do montante correspondente à diferença - € 15.222.000,00.

O montante de que a sociedade se reconhece devedora, para com os acionistas foi registado contabilisticamente, no balanço da sociedade, a créditos dos acionistas, cuja distribuição por cada, é a seguinte:

Quadro X
Acionistas
n.º ações subscritas
Capital da A........., SGPS, S.A.
Valor a registar no passivo da A........., SGPS, S.A.
D…………
3.200
16.000,0 €
4.871.040,00 €
C…………
3.200
16.000,0 €
4.871.040,00 €
E…………
3.200
16.000,0 €
4.871.040,00 €
G…………
380
1.900,00 €
598.798,67 €
I…………
20
100,00 €
10.081,34 €
Total do capital social
10.000
50.000,00 €
15.222.000,00 €


FONTE: Ata n.º 1, de reunião de assembleia geral, realizada em 2009.12.30

Segundo declarações prestadas pelas entidades envolvidas, não foi celebrado qualquer contrato de promessa de compra e venda de ações e também não foi entregue a declaração Modelo 4- “Aquisição e/ou Alienação de Valores Mobiliários”, exigível aos alienantes e adquirente das ações, nos 30 dias subsequentes à realização das operações, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 138.º do Código do IRS(CIRS). Relativamente à não entrega da declaração Modelo 4, pelos sujeitos passivos em questão, confirmou-se o seu incumprimento, por consulta às aplicações informáticas da AT, nomeadamente na “Consulta às Obrigações Acessórias” dos contribuintes.

É de salientar que o balancete analítico da empresa “A......... SGPS, S.A.”, à data de 2010/12/31, evidencia o registo dos referidos créditos a favor dos acionistas, com excepção do crédito a favor do acionista “I………”, no valor de € 10.081,33, o qual se apresenta registado e identificado a favor do anterior acionista “H…………” (ambos advogados da sociedade “A......... SGPS, S.A”), porque tal como é relatado em ponto subsequente (II.5.2.6) as referidas ações e, correspondente crédito, é novamente transferido para a posse deste, mediante contrato celebrado em 2009.12.31 (Cfr. anexos 10 e 11), após valorização/transformação das ações à “A......... SGPS, S.A.”.

(…)

II.5.2.5. – Contrato de Management e prestação de serviços

Na mesma data da constituição da sociedade “A......... SGPS, S.A” – 2009.-12-30 -, mediante reunião ordinária do Conselho de Administração (cfr. ata n.º 1 – anexo 3, fls. 21) foi discutido e deliberado a celebração de um “Contrato de Management e Prestação de Serviços”, com a sociedade participada a 100% - “B........., S.A.”, o qual foi celebrado, em 2010/01/01, nos termos previstos no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (cfr. anexo 12).

O citado contrato rege-se pela contratualização de serviços de gestão, técnicos e administrativos, por parte da “B........., S.A.” à “A......... SGPS, S.A”(cfr. sua cláusula 1.º e 2.º) por uma quantia mensal, a título de “fee”, de natureza variável entre o mínimo de € 45.000,00, e o valor máximo de e 350.000,00 (cfr. sua cláusula 6), a desenvolver nos escritórios situados na sede social de ambas as sociedades, sita na Rua ………, n.º ………, Lisboa (cfr. clausula 3.ª) por tempo indeterminado a não ser que a “A......... SGPS, S.A” deixe de deter uma percentagem do capital social da “B........., S.A.” inferior a 10% (cfr. clausula 4.ª).

Perante o presente contrato de prestação de serviço, a empresa “B........., S.A.” teve que concretizar atos que permitiram a celebração do mesmo, nomeadamente ceder o espaço necessário para os serviços a prestar pela empresa “A......... SGPS, S.A”, cessar o pagamento das remunerações aos três administradores da sociedade (cfr. ata n.º 14 de 31/12/2009), lavrada aquando da Assembleia Geral Extraordinária da B........., S.A. – anexo 6, fls. 19), (1 dia antes da data do contrato) e ceder dois colaboradores – diretora financeira e um empregado.

Importa realçar, que apesar da celebração do contrato de prestação de serviços com a “A......... SGPS, S.A” (serviços de gestão, técnicos e administrativos), é de realçar que a empresa “B........., S.A.” regista, nomeadamente:

- Um aumento no número de colaboradores (251, 458, 455 e 488 trabalhadores em média nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 – cfr. ponto II.5.1.1. deste relatório -);

- Os técnicos oficiais de contas (TOC´s) responsáveis pela contabilidade da sociedade “... SGPS, S.A”, nos anos de 2010, 2011 e 2012 foram, em igual período, os TOC´s responsáveis pela contabilidade da “B........., S.A.” e, inclusive, o TOC nomeado para o exercício de 2012, integra-se no quadro de pessoal “B........., S.A.”.

Estes factos demonstram que os serviços de contabilidade e administrativos são assegurados pela B........., S.A., não obstante esta, suportar gastos de igual natureza, no âmbito do contrato de prestação de serviços.”

Como complemento ao supra referido, é de realçar o facto de a sociedade “B........., S.A.”, nos exercícios de 2010 a 2012, registar resultados líquidos decrescentes (cfrr. Declarações Anuais/IES), não obstante registar uma expansão, da atividade de exploração comercial de restaurantes, conforme quadro resumo que se segue:
Exercícios
B........., S.A.
2010
2011
2012
Venda e Serviços prestados
Resultado Líquido do exercício
15.962.440,50 €
556.171,36
17.616.368,19 €
88.529,02 €
17.593.030,93 €
22.580,61 €

(…)

II.5.2.9 – Fluxos Financeiros na SGPS

Com o referido contrato de “Management de prestações de serviços”, a empresa “B........., S.A.” realiza pagamentos (cfr. extratos de contas SNC 12, 7211 e 21121 em anexos 15, 16, 17 e 18), que permite dotar a “A......... SGPS, S.A” de meios financeiros disponíveis, permitindo-lhe de uma forma direta e imediata, canalizá-los para pagamento aos acionistas:

- A título de remuneração, enquanto membros do conselho de administração, que a partir de 2010, passaram a auferir os rendimentos de trabalho dependente – categoria A – pagos por esta empresa;

- A título de reembolsos parciais e diferidos no tempo (mensalmente em cada um dos exercícios) dos créditos constituídos a favor dos mesmos, a quando da venda das ações, previamente valorizadas por um valor, consideravelmente superior ao seu valor nominal. (Extrato de conta SNC – 26 8 – anexo 19-)

Para além dos fluxos financeiros que, na sua maioria são transferidos da “B........., S.A.” para a “A......... SGPS, S.A” no âmbito da referida prestação de serviços técnicos de administração e gestão, subjacente ao contrato “Contrato de Management e Prestação de Serviços”, ou seja, no âmbito da atividade secundária exercida pela empresa, também declara como rendimentos e/ou réditos, os dividendos que recebeu relativamente às participações que detém (cf. anexo 23), visto a atividade principal da “A......... SGPS, S.A” ser de gestão de participações sociais.

Em resumo, nos exercícios em análise, os réditos obtidos/declarados que tiveram um maior peso na “A......... SGPS, S.A” foram os relativos à prestação de serviço que deveria ser de caráter acessório e não principal (cfr. anexo 15, 16, 17 e 18).

Resulta do exposto, que os pagamento aos acionistas (cfr. anexo 19), quer a nível de remunerações quer a nível de pagamento do “crédito” gerado, é precedida, mensalmente, por transferência bancária da B........., S.A. que consistem no recebimento pela “pretensa” prestação de serviços e, distribuição de dividendos desta (cfr. anexo 23).

Digamos que esta sociedade, com a contabilização efetuada (na Conta SNC 268 – anexo 19) assume, quando da compra das ações da B........., S.A., um crédito perante os acionistas, no valor de € 15.222.000,00, correspondente à diferença entre o valor da avaliação das ações ( € 15.272.000,00) e o valor do capital da “A......... SGPS, S.A” (€ 50.000,00), sem que tenha existido qualquer fluxo monetário.

E, simultaneamente, mediante a realização do contrato de prestação de serviços, permite a saída de fluxos financeiros da B........., S.A., para a “A......... SGPS, S.A”, os quais são depois atribuídos aos acionistas, a título de pagamento de remunerações e, reembolso do “crédito” gerado, pela sobrevalorização das ações.

É de salientar que a Autoridade Tributária não questiona a constituição da “A......... SGPS, S.A” enquanto empresa, nem o contrato de prestação de serviços (embora não cumpra com o requisito jurídico temporal), mas tão somente, a realização e encadeamento dos sucessivos atos e negócios jurídicos que culminam na obtenção de vantagens fiscais significativas, na esfera jurídica dos acionistas, uma vez que os valores recebidos pela “A......... SGPS, S.A”, no âmbito da “pretensa” prestação de serviços e atribuição de dividendos são, posteriormente, canalizados para pagamento aos acionistas sob a forma de amortizações desses créditos/dívida formada, quando deviam consubstanciar-se como adiantamento de lucros (dividendos).

II.5.3 – Em síntese

Face ao relatado e aos fundamentos vertidos ao longo do presente relatório, nomeadamente no referente aos negócios jurídicos identificados (que se subsumem no aumento do capital, na divisão da quota e subsequente cessão de uma das quotas da B........., Lda, no aumento do capital social para € 150.000,00, na transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima: B........., S.A., na transmissão da totalidade das 30.000 ações representativas do capital social da B........., S.A., após avaliadas em € 15.272.000,00, tendo por base a avaliação económica e financeira levada a efeito pela sociedade J………, SROC, Lda, que permitiu gerar um crédito a favor dos acionistas, que a A........., SGPS se assume devedora e, cuja amortização ocorre nos anos subsequentes à constituição da sociedade) permite clara e inequivocamente identificar uma atuação pré determinada à elisão fiscal, consubstanciada num conjunto de atos e negócios jurídicos essencial, ou preferencialmente dirigidos, por meios artificiosos, à obtenção de uma vantagem fiscal desconforme ao ordenamento jurídico tributário.

A urgência em realizar as operações descritas (nos últimos dias do exercício de 2009), é explicado pela intenção de aproveitar a exclusão de tributação, prevista no n.º 2 do artigo 10.º do CIRS (Revogado pela Lei n.º 3-B/2010 de 28 de Abril), conjugada com o gerar crédito, na “A......... SGPS, S.A” a favor dos acionistas, no caso sob a denominação de “créditos” cujo recebimento, no futuro, não estaria sujeito a qualquer tributação.

No caso concreto, o que os acionistas (que são comuns a ambas as sociedades) pretenderam com a avaliação das ações da “B........., S.A.”( e para isso a realizaram naquela data – 9 dias antes da sua alienação), não foi avaliar a empresa operacional para efeitos de uma potencial venda, nem mesmo para efeitos de registo da “A......... SGPS, S.A” pelo seu “justo valor”.

O objetivo foi, que a diferença entre os bens entregues (realização em espécie) e o valor nominal das ações permitisse criar na “A......... SGPS, S.A” “um crédito”, a favor dos acionistas, no montante de € 15.222.000,00, e desta forma, transferir para o património dos acionistas os lucros da atividade operacional da B........., S.A., sem qualquer tributação.

Em suma, os referidos atos e negócios jurídicos, estão relacionados com as operações de criação e realização do capital da sociedade “A......... SGPS, S.A”, e deles resultou a criação de uma dívida da sociedade aos acionistas, no montante de € 15 222 000,00, a qual à data da operação – 2009.12.31 – ficou lançado na conta corrente dos acionistas (cfr. anexos 11 e 19) sob a forma de crédito que a sociedade reconhece devedora (cfr. ata n.º 1 de 30/122009 – anexo 3, fls. 2)

O crédito em causa, constituiu a partir daquele momento um direito sobre a sociedade, que entra de imediato na esfera do património dos acionistas, mediante a amortização da referida dívida, sem qualquer tributação.

Desta forma, resta à AT nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 36 da LGT, o enquadramento tributário dos créditos, lançados na conta corrente dos acionistas.»

W. Posteriormente, foi a Requerente notificada do ato de liquidação adicional de Retenção na Fonte de IRS n.º 2014 6410000183 e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2014 34881 a 2014 34902, todos relativos ao exercício de 2012, no montante total de € 260.012,47 (duzentos e sessenta mil, doze euros e quarenta e sete cêntimos) – cfr. Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral;

X. No dia 7 de agosto de 2014, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação aqui sindicado, à qual foi atribuído o n.º 3247201404005732– cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral;

Y. No dia 30 de dezembro de 2014, foi proferido despacho definitivo pelo Direto de Finanças de Lisboa, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa identificada em M. supra, o qual foi notificado à Requerente, a 6 de janeiro de 2015 – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral;

Z. No dia 15 de setembro de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento do montante de € 1.055.548,45 (um milhão, cinquenta e cinco mil, quinhentos e quarenta e oito euros e quarenta e cinco cêntimos), referente aos atos de liquidação adicional de Retenção na Fontes de IRS dos anos de 2010, 2011 e 2012, resultante do Relatório de Inspeção Tributária identificado em J. e K. supra – cfr. Docs. n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral;

A. No dia 3 de fevereiro de 2015, a Requerente apresentou Recurso Hierárquico (ao qual foi atribuído o n.º 324720150000322), o qual foi indeferido por despacho de 06.12.2018, da Senhora Subdiretora-Geral, por subdelegação de competências da Direção de Serviços de IRS – cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral;

BB. No dia 8 de março de 2019, a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral.».

2.2. O acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto: «(...)

14. Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A REQUERENTE é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social consiste na gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício dessa atividade económica e prestação de serviços na área da gestão às empresas participadas;

b) Em 22.12.2009, as ações da “B........., S.A.” foram avaliadas, em € 15.272.000,00, tendo sido alienadas por € 509,07 um valor superior ao valor nominal, de € 5,00, (cfr. relatório do ROC, de 22/12/2009);

c) Esta avaliação independente mostrou uma valorização das ações numa percentagem de cerca de 10 000%;

d) Em 30 de dezembro de 2009, os sócios / acionistas, pessoas singulares, procederam à venda das participações sociais, representativas de 100% do capital da “B........., S.A.” à sociedade “A........., SGPS, SA (RIT);

e) A subscrição do capital social da “A........., SGPS, SA” foi realizada mediante a entrada em espécie no montante de € 50.000,00, havendo lugar à criação de um crédito a favor dos seus acionistas no montante de € 15.222.000,00 (RIT);

f) O Relatório Justificativo da Transformação Elaborado Pela Gerência da Sociedade, que serviu de base àquela transformação não contém qualquer justificação ou motivação para dar alguma substância à transformação do tipo legal, nem sequer quaisquer indícios de estratégia empresarial, incremento ou diversificação do objeto social (RIT, Anexo 8);

g) Os acionistas e administradores da “A........., SGPS, SA” são os mesmos da “B........., S.A.”, antes da venda das ações àquela e, precisamente, com a mesma percentagem de direitos de voto, em ambas as sociedades.

h) Em 01.01.2010, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a “A........., SGPS, SA” e a “B........., SA” que permitiu à SGPS, obter meios financeiros para proceder, mensalmente, ao reembolso dos créditos aos acionistas; (RIT)

i) De acordo com o referido contrato, os serviços seriam prestados pela “A........., SGPS, SA” à “B........., SA”, sendo o quadro de pessoal daquela, era composto por cinco elementos: os 3 membros do conselho de administração, e dois colaboradores (RIT);

j) Nos períodos subsequentes, a “A......... SGPS, SA” procedeu à transferência mensal de fluxos financeiros, a título de reembolso do crédito gerado; (RIT)

k) Ao longo dos anos de 2010, 2011 e 2012, foram realizados reembolsos a 4 dos acionistas, perfazendo o total anual atribuído, respetivamente, de € 2.112.543,65, € 818.250,84 e € 966.374,34. (cfr. RIT, anexos 20 ,21 e 22).

l) À data de 31/12/2012, estava por restituir o montante total de € 11.324.831,172. (cfr. RIT, anexo 11)

m) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI201303214, OI201303215 e OI201303216, emitidas em 03.07.2013 e da Ordem de Serviço n.º OI201304755, emitida em 03.10. 2013, a REQUERENTE foi sujeita a uma ação de Inspeção externa, de âmbito univalente/parcial, que incidiu sobre os exercícios de 2009 a 2012.

n) A ação inspetiva teve início em 10.09.2013, com a assinatura das Ordens de Serviço n.ºs OI201303214, OI201303215 e OI201303216 e foi concluída em 08.11.2013, com a assinatura das Notas de Diligência (cf. fls. 5 do cit. Doc. N.° 3).

o) A REQUERENTE foi notificada, mediante o Ofício n.º 019037, datado de 12 .02.2014, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, do Relatório de Inspeção Tributária (cf. cit. Doc. N. 3).

p) A AT identificou um "fluxo financeiro" entre a sociedade "B........., S.A.", a ora REQUERENTE e os seus acionistas, sob a forma de amortização dos créditos/dívida formada (cf. fls. 22 do cit. Doc. N.° 3).

q) As transferências mensais efetuadas pela B......... SA para a A......... SA foram de imediato canalizadas para os acionistas, a título de amortização de crédito gerado;

r) Os serviços de contabilidade e administrativos eram assegurados pela “B........., SA”, não obstante esta suportar gastos de igual natureza no âmbito do contrato de Management;

s) A diferença entre os bens entregues (realização em espécie) e o valor nominal das ações, permitiu criar na A........., SGPS, SA, um "crédito" a favor dos acionistas no montante de € 15.222.000,00; (cf. fls. 23 do cit. Doc. n.º 3).

t) Os Serviços de Inspeção Tributária apuraram, atendendo à classificação por si atribuída aos rendimentos aqui em causa, no Capítulo I.1 do RIT - Correções de Natureza Meramente Aritmética, que estaria em falta IRS não retido na fonte e não entregue nos cofres do Estado, nos montantes de € 447.169,59, € 175.924,08 e € 247.672,81, relativos aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, respetivamente, tendo introduzido, através da aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso ("CGAA"), correções, de natureza meramente aritmética, relacionadas com IRS não retido na fonte e não entregue nos cofres do Estado sobre pagamentos efetuados pela REQUERENTE nesses exercícios.

u) Posteriormente, foi a REQUERENTE notificada do ato de liquidação de Retenção na Fonte de IRS n.º 2014 6410000182 e os correspondentes atos de liquidação de Juros Compensatórios n.ºs 2014 34879 a 2014 34890, todos relativos ao exercício de 2010, dos quais resulta um valor a pagar de € 503.515,08 (quinhentos e três mil, quinhentos e quinze euros e oito cêntimos).

v) A REQUERENTE procedeu ao pagamento dos referidos atos de liquidação de Retenção na Fonte de IRS n.º 2014 6410000182 e de Juros Compensatórios n.º 2014 34879 a 2014 34890, referentes ao exercício de 2010, e bem assim, ao pagamento dos atos de liquidação de Retenção na Fonte de IRS n.º 2014 6410000184 e de Juros Compensatórios n.º 2014 34903 a 2014 34914, respeitantes ao exercício de 2011 e, ainda, dos atos de liquidação de Retenção na Fonte de IRS n.º 2014 6410000183 e de Juros Compensatórios n.ºs 2014 34891 a 2014 34902, atinentes ao exercício de 2012 (cfr. Doc. N.° 4).

w) A REQUERENTE procedeu ao pagamento dos atos de liquidação de Retenções na Fonte de IRS acima identificados, através de uma única transferência bancária, realizada no dia 15.09.2016, no valor total de € 1.055.548,45 (cfr. DOC. N. 5).

Mais se provou, ao abrigo do disposto no art.º 5.º/2/a) do Código de Processo Civil, que:

x) No ano de 2009 a sociedade “B.........”, nesse ano transformada de sociedade por quotas em sociedade anónima, conheceu um crescimento considerável, tendo aberto, nesse ano, 9 novas lojas e tendo a faturação passado de cerca de €300.000,00, no ano de 2008, para cerca de €2.700.000, no ano de 2009.

y) Nesse mesmo ano de 2009, a sociedade “B.........” realizou investimentos de cerca de € 3.000.000,00, tendo tido necessidade de obter financiamento bancário.

z) Em função do crescimento verificado, e tendo em vista a continuação da expansão do negócio, os sócios da sociedade “B.........” decidiram proceder a uma diversificação da atividade, através da criação de novas marcas e produtos, a comercializar por aquelas, que criassem e aproveitassem sinergias com o negócio original.

aa) Tendo em vista o referido propósito de diversificação da atividade, foi igualmente decidido pelos sócios da “B.........” que o mais adequado seria as novas marcas serem detidas e exploradas por sociedades individuais.

bb) No mesmo contexto foi decidido pelos sócios da “B.........” iniciar um processo de internacionalização das suas marcar, no sentido de alargar a exploração do seu negócio a novos países.

cc) Em função do crescimento verificado no ano de 2009, os sócios da “B.........” começaram a ser abordados por interessados em comprar a sociedade, designadamente a fundos de investimento.

dd) Nos anos seguintes a 2009, a Requerente, e as suas subsidiárias, abriram negócios na Polónia, Espanha e Brasil, para além de terem continuado a expansão do número de lojas em território nacional (continente e Madeira), e de terem aberto lojas com marcas distintas da explorada pela “B.........”, designadamente um conjunto de lojas direcionado à comercialização de produtos à base de empadas, em colaboração com um reputado chef nacional, e um outro que explorava a marca e produtos “slow”.

ee) À data de 2019, o negócio explorado pela Requerente está avaliado em cerca de €60.000.000,00.».



3. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da decisão arbitral proferida no processo n.º 167/2019-T, do CAAD, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de retenção da fonte – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2014 6410000183 e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2014 34891 a 2014 34902, todos relativos a 2012, no montante de € 260 012,47 (duzentos e sessenta mil, doze euros e quarenta e sete cêntimos), bem como o pedido de revogação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º 3247201510000322.

Com o assim decidido não se conforma o ali Requerente (ora Recorrente) por entender, em primeiro lugar, que a decisão arbitral está em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão arbitral proferida em 18 de novembro de 2019, no âmbito do processo que correu termos junto do CAAD sob o n.º 165/2019-T.

E por entender, em segundo lugar, que o entendimento vertido nesta última decisão arbitral é o juridicamente acertado e deve prevalecer nos autos, devendo ser uniformizada jurisprudência no sentido por esta perfilhado e, com base nela, anuladas as liquidações em causa nestes autos.

Invocou como fundamento da admissibilidade do recurso o n.º 2 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”) e o artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”).

Decorre do sobredito que o presente recurso tem na sua base a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.

Sendo que a apreciação do mérito da decisão recorrida depende da verificação de um conjunto de pressupostos substantivos. Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo só uniformiza jurisprudência sobre a questão suscitada no recurso depois de se assegurar da verificação desses pressupostos.

Que, no essencial se destinam a confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.

Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.

Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.

Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.

De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.

O que significa que, para haver identidade substancial da questão de direito, não basta concluir que a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor: é também necessário que a factualidade apreciada deva ser considerada idêntica do ponto de vista da sua subsunção jurídica.

E bem se compreende que assim seja porque, se a factualidade não for idêntica (se a situação concretamente apreciada nos dois arestos não for a mesma do ponto de vista dos seus elementos típicos fundamentais), não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que a situações de facto diferentes ou com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.

Deriva dos autos que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento foram chamados a aplicar a mesma norma: o artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.

Deriva, inclusivamente, dos autos que ambos os acórdãos foram chamados a interpretar o mesmo segmento da norma e a definir o que entendem por «negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos (…) à obtenção de vantagens fiscais».

E, por conseguinte, o quadro jurídico em que se moveram ambos os acórdãos é substancialmente idêntico.

Mas não é substancialmente idêntica a factualidade apurada em cada um deles.

Porque no acórdão recorrido foi apurado que os atos identificados no relatório de inspeção tributária foram realizados «com preocupação manifesta de poupança fiscal» (cit. pág. 42). Nada tendo sido apurado quanto à interferência, na decisão de os realizar, de outros objetivos, de natureza extrafiscal.

E no acórdão fundamento foi apurado que os atos identificados no relatório de inspeção tributária «têm ou tiveram motivações económicas [leia-se: extrafiscais] subjacentes». O que ali se considera evidenciado numa alteração relevante da estrutura empresarial – de um restaurante para uma cadeia de lojas abertas nos principais centros comerciais (ver. pág. 24 do acórdão respetivo).

De salientar que a questão de saber qual foi a intenção subjacente à realização daqueles atos é uma questão de facto (e não de direito) a extrair de um conjunto de indicadores factuais que indiciem a motivação os agentes. Sendo que, para chegarem à conclusão de que existiam motivações económicas na prática daqueles atos, os subscritores do acórdão fundamento coligiram um conjunto de indicadores (factos índice) que se encontram inseridos nas alíneas “x)” a “cc)” dos respetivos factos provados.

E o acórdão recorrido não apurou nenhum deles.

E esta diferença na factualidade apurada é substancial. Desde logo, porque não permite extrair uma conclusão essencial que a Recorrente extrai do acórdão recorrido: a de que, para os respetivos julgadores «o preenchimento do elemento intelectual da CGAA» se basta «com a existência, no caso concreto de uma “preocupação” em obter uma poupança fiscal» - ver a conclusão “T.”.

Esta conclusão era possível se o acórdão recorrido tivesse também apurado objetivos económicos, de natureza extrafiscal e os tivesse desconsiderado. Não os tendo apurado, nem deduzido, não pode dizer-se que se bastou com o apuramento de objetivos fiscais. Pode apenas dizer-se que só estes apurou.

Mesmo que se pudesse deduzir, de alguma passagem da fundamentação que os julgadores, no acórdão recorrido, se bastavam com a existência de um objetivo fiscal para o preenchimento deste requisito, nem assim haveria a pretendida oposições de decisões.

Haveria apenas diferença de entendimentos, que não relevaram para as respetivas decisões. Se no acórdão recorrido só foram apurados objetivos fiscais, a solução seria sempre a mesma, quer à luz do entendimento do acórdão recorrido, quer à luz do entendimento do acórdão fundamento. Isto é, qualquer que fosse a interpretação do dispositivo em causa.

Aqui chegados, não podemos deixar de abordar uma particularidade da situação dos autos e que justifica muito do desconforto da Recorrente: é que estiveram subjacentes ao julgamento de facto nos dois acórdãos (no todo ou na maior parte) os mesmos atos, praticados pelos mesmos protagonistas.

Ou seja, os julgadores tiveram que reconstruir em julgamento os mesmos acontecimentos históricos e fizeram-no de forma diversa. Chegando, por isso, também a conclusões de facto diferentes.

As razões para assim suceder podem ser várias: desde a alegação de factos diferentes em cada um dos processos à realização de prova diversa sobre os mesmos factos. E é claro que também pode existir erro no julgamento da matéria de facto.

Mas o erro de julgamento da matéria de facto não é sindicável pelo Supremo Tribunal Administrativo. E o recurso por oposição de acórdãos não é meio adequado para o sindicar.

Poderia – é certo – a decisão recorrido ter desconsiderado a prova das motivações económicas para a prática dos atos em causa por entender que só tinha que indagar a existência de motivações fiscais. Tomando, assim, de partida, uma certa interpretação do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária e selecionando a matéria de facto relevante à luz dessa interpretação jurídica.

Mas é uma hipótese que não importa considerar. E não é só por não ter sido alegada: é também porque, ao fazê-lo, o tribunal recorrido não estaria ainda a aplicar o artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária. Estaria a interpretar num certo sentido regras – processuais ou substantivas – em matéria de prova (como o artigo 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil ou o artigo 90.º, n.º 1 do CPTA (aplicáveis subsidiariamente em processo arbitral tributário a coberto do artigo 29.º do RJAT).

E o presente recurso não tem por objeto a aplicação destas normas nem visa qualquer interpretação uniformizada das mesmas.

De todo o exposto deriva – à saciedade, a nosso ver – que não estão reunidos os pressupostos da admissibilidade do recurso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do mesmo.



4. Conclusões

4.1. Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que aludem o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA que a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo;

4.2. A questão de direito é a mesma quando a norma jurídica é a mesma ou tem idêntico teor e é idêntica a factualidade a considerar do ponto de vista da subsunção a essa norma jurídica.

4.3. Não é substancialmente idêntica a factualidade a subsumir ao artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária se na decisão arbitral fundamento se concluiu que os atos ou negócios jurídicos ali em causa foram motivados, além do mais, por razões económicas (extrafiscais) e na decisão arbitral recorrida só foram apuradas razões fiscais.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela RECORRENTE.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 30 de setembro de 2020. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro