Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0453/18
Data do Acordão:05/17/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23307
Nº do Documento:SA1201805170453
Data de Entrada:05/02/2018
Recorrente:A............ COMUNICAÇÕES, SA E A............ TOWERING – GESTÃO, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE OVAR
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO.

B………… – Serviços de Comunicações, SA, e C………… – Gestão de Torres de Telecomunicações, SA - que mais tarde, em resultado de incorporações e fusões, passaram a designar-se por A………… Comunicações, S.A e A………… Towering – Gestão de Torres de Telecomunicações, SA - intentaram, no TAF de Viseu, contra MUNICÍPIO DE OVAR, acção administrativa especial pedindo (1) a anulação do acto de 13/11/2018 que indeferiu o pedido de autorização de instalação de uma infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicações na Rua do ……… – ………, Ovar (2) e a sua condenação a deferir aquela pretensão.

Aquele Tribunal julgou a acção procedente e não só anulou o acto impugnado como condenou o Réu à prática do requerido acto.
E o TCA Norte, para onde o Réu apelou, concedeu provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, julgou a acção improcedente.
É desse acórdão que vem a presente revista (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. As Autoras pedem a anulação do acto do Vereador da Câmara Municipal de Ovar, que indeferiu a instalação de uma infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicações na área daquela Câmara e a sua condenação a deferir esse pedido.
O TAF julgou essa pretensão procedente pelas razões que, no essencial, se reproduzem:
- No tocante à formação de acto tácito:
O Presidente da Câmara devia decidir o referido pedido no prazo de 30 dias, sob pena do mesmo se considerar tacitamente deferido. “Ora, como resulta da matéria provada o Presidente da Câmara Municipal de Ovar dentro desse prazo não decidiu quanto ao requerimento apresentado pela C…………, pelo que, nos termos do disposto no art. 8° do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18/01, a sua pretensão foi deferida tacitamente em 6/10/2008, descontados os períodos em que decorreram os prazos para audiência prévia e acima referidos.”
- No tocante à incompetência do autor do acto:
“De acordo com o disposto no n° 8 do art. 6º do DL n° 11/2003, de 18/01, a competência para decidir sobre o pedido de autorização municipal é do presidente da câmara municipal,
Porém, nada impede que haja delegação de competências, ao abrigo da Lei das Autarquias Locais, …. que é a lei habilitante.
Como resulta da matéria provada, esse acto de delegação de competência existe e foi devida e legalmente proferido.
Logo, não se verifica cometida qualquer incompetência do autor do despacho.”
- Quanto à violação da regra que obrigava a Câmara a procurar soluções alternativas à viabilização da infra-estrutura e de as sujeitar a audiência prévia.
“Atento o preceituado no art. 9°, nºs 2 e 3, do DL n.º 11/2003, de 18/01, o presidente da câmara está obrigado a deferir o pedido de autorização municipal se não for encontrada uma localização alternativa para a estação num raio de 75 metros relativamente à localização pretendida originalmente pelo operador.
Com efeito, na eventualidade de se pretender indeferir um determinado pedido de autorização municipal, está o presidente da câmara sujeito ao ónus de determinação de um novo local, local esse que não poderá distar mais de 75 metros da pretendida localização original.
Deste modo, a restrição imposta pelo Presidente da Câmara contraria o disposto no Decreto-Lei n.º 11/2003, de 18/01, impossibilitando a aplicação do art. 9°, n.ºs 2 e 3”.
- No tocante ao erro nos pressupostos de direito.
O indeferimento impugnado foi fundado no facto da referida infra-estrutura ser considerada pela CMO um “equipamento público técnico” e desse tipo de equipamentos não puderem ser instalados na zona de “Espaço urbano existente categoria C”- referido no Anexo 1 do regulamento do PDM de Ovar. Todavia, a verdade é que a referência a ”Equipamentos públicos técnicos” se aplicava “a instalações e serviços de natureza industrial, de grande consumo e não a estações de telecomunicações. Isto é, as infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações não integram o conceito de “equipamento público técnico”…
Assim sendo, o acto impugnado violou o artigo 7.º do DL 11/2003, já que indeferiu o pedido de autorização com base em um fundamento que não se encontra aí previsto, padecendo o acto do vicio de violação de lei, pelo que é anulável nos termos do artigo 135.° do CPA.”
- A violação do princípio da proporcionalidade.
Também se verificava a ofensa ao mencionado princípio uma vez que “… foi adoptada uma solução que, sem o esgotamento prévio da busca de soluções alternativas, sacrificou um dos interesses em presença, inerentes à instalação da antena.
- Quanto à ilegalidade do acto de revogação implícita do deferimento tácito.
“Veio a Entidade demandada defender que não se formou acto tácito de deferimento porque o acto é nulo por violação do PDM.
Sendo ainda certo que os actos nulos não são susceptíveis de revogação, por não produzirem quaisquer efeitos.
Pelo que, não se pode falar em violação do mencionado dispositivo legal.”

Decisão que o TCA Norte revogou pelas seguintes razões:
- Quanto ao deferimento tácito:
“… in casu, não poderia ser aplicado o regime do artigo 15° do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18/01, como resulta da epígrafe desse artigo e do seu conteúdo, essa norma estabelece um regime transitório quanto às antenas já instaladas sem deliberação municipal, de acordo com o qual os operadores tinham o prazo de 180 dias a partir da entrada em vigor desse diploma para apresentar um pedido de autorização municipal, prazo que terminou em Julho de 2003.
Se o legislador estabeleceu um prazo específico de aplicação desse regime transitório que terminou em 2003, não pode o Recorrente pretender em 2008 aplicar esse regime.
Sucede que …. este deferimento tácito é nulo e, como tal, de nenhum efeito (salvo os putativos que não vêm para aqui ao caso), pelo que dele não poderia decorrer, ao contrário do decidido, o direito ao deferimento expresso, ou seja, o direito ao licenciamento.”
- Quanto à violação da regra que obrigava a CM a procurar soluções alternativas e a sujeitá-las a audiência prévia.
“… Mas, se é certo que objectivamente não foi cumprida esta formalidade, imposta pelo artigo 9° do Decreto-Lei n° 11/2003, de 18.01, também sempre se imporia reconhecer carácter não invalidante a este vício formal, dado estarmos perante uma situação que, embora com uma dimensão de discricionariedade, acaba por impor, como veremos, uma única solução que resulta das normas aplicáveis ao caso, aqui as normas do Plano Director Municipal.
Assim, a ser correcta a interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, a audiência da interessada não teria qualquer efeito prático, pelo que, em obediência ao princípio do aproveitamento do acto administrativo, sempre seria de reconhecer a degradação em não essencial da omissão desta formalidade (em sentido idêntico ver, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Pleno - de 23.05.2006, recurso n.º 1618/02).
Também com este fundamento merece provimento o presente recurso.”
- No tocante ao erro nos pressupostos de direito.
“O acórdão recorrido fez interpretação incorrecta das normas explicativas do anexo II, do artigo 38° do regulamento do Plano Director Municipal e ainda do artigo 7° do DL n° 11/2003 e assim incorreu em erro ao decidir que a estação de radiocomunicação objecto dos autos não integra o conceito de “equipamento público técnico”, porque não é em si mesma instalação e serviço de interesse geral do tipo das constantes das Notas Explicativas do Anexo II do regulamento do Plano Director Municipal. …. .
No caso a solução de não permitir a construção de infra-estruturas de suporte de estações de radiocomunicações naquele específico local para o qual foi pedida a autorização adequa-se à solução de prosseguir o interesse público de não permitir próximo de aglomerados urbanos construções que podem trazer prejuízos para a saúde, tranquilidade e sossego dos moradores.
E não se vê erro grosseiro ou outro vício que permita concluir que havia outra alternativa à proibição de construir no local escolhido pela Requerente para a instalação do equipamento em causa.
Não se denota da proibição, contida na interpretação e integração do conceito “equipamentos públicos técnicos” como incluindo o equipamento de telecomunicações aqui em apreço, um critério manifestamente desajustado ou que vise fim que não seja a protecção dos munícipes que ali vivem.
Merece pois provimento o recurso, também por este fundamento, ligado ao fundamento anterior.”
- A violação do princípio da proporcionalidade.
- “ … o despacho impugnado não está ferido do vício de violação de lei, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 5°, n.º 2, do CPA), ao contrário do decidido.
Isto porque a solução encontrada pelo Município, de indeferir o pedido de licenciamento e de imputar ao eventual deferimento tácito o vício da nulidade, por violação das normas do Plano Director Municipal, é a única permitida por lei.
Naquele local de acordo com a interpretação integrativa do Município, o autor das normas, e dentro da sua margem de discricionariedade técnica e administrativa que lhe cabe, não pode ser instalado o equipamento de telecomunicações que a Requerente pretende instalar.
Não se vislumbrando erro grosseiro, critério manifestamente desajustado ou desvio de poder nesta opção.
Proibir a construção deste tipo de equipamento em zona urbana não se mostra desadequado, pelo contrário, ao interesse público de proteger os habitantes da zona.
E, por outro lado, não se mostra como desproporcionado impor que a Requerente escolha outra localização, fora dessa zona, para o equipamento de telecomunicações que pretende instalar.
Termos em que também por este fundamento procede o recurso.”

3. Como se acaba de ver as questões suscitadas nesta revista relacionam-se com a aplicação do disposto no DL 11/2003, de 18/01, diploma que regula a “a autorização municipal inerente à instalação e funcionamento das infra-estruturas de suporte das estações de radiocomunicações, e respectivos acessórios” (art.º 1.º).
Têm sido recorrente a interposição de revistas relacionadas com a interpretação e aplicação desse diploma, boa parte das quais tem sido admitida. Daí que este Supremo já tenha analisado algumas das questões abordadas nas instâncias. – vd., a título de ex., Acórdãos de 28/01/2010 (rec. 719/09), de 5/09/2012 (rec. 1070/2011), de 24/10/2013 (rec. 855/13) e de 30/03/2017 (rec. 866/2016).
Todavia, e porque a maioria dos problemas que têm sido suscitados nesses recursos nem sempre é coincidente ainda não se formou uma jurisprudência sólida sobre os mesmos. O que, desde logo, aconselharia a admissão deste recurso.
Acresce que, no caso, a divergência das instâncias no tratamento das diversas questões suscitadas foi absoluta já que no único momento em que concordaram – o incumprimento da formalidade imposta pelo artigo 9° do DL n° 11/2003 – deram solução divergente a essa questão uma vez que o TCA, ao invés do TAF, considerou que aquela ilegalidade não poderia determinar a anulação do acto impugnado por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo. Ora, a jurisprudência deste Supremo tem vindo a afirmar que a aplicação desse princípio só tem justificação nos casos em que o preenchimento dos respectivos requisitos seja indiscutível. Deste modo, esta controvérsia, por si só, justificaria a admissão do recurso atenta a sua relevância na decisão sob escrutínio.
Acresce que a resolução das questões que provocou a divergência de julgamentos nas instâncias envolve a realização de operações exegéticas de alguma dificuldade sendo, por outro lado, que as mesmas são susceptíveis de se virem a colocar num número indeterminado de outros casos, tudo aconselha a intervenção clarificadora deste STA.
É, pois, de concluir que se verificam os pressupostos de admissão da revista.
Sem custas.
Lisboa, 17 de Maio de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.