Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01046/17.45BEBRG
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31911
Nº do Documento:SA22024020701046/17
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


AA, recorrente nos referenciados autos em que é recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a douta decisão proferida a fls.. dos autos, com apoio judiciário antes junto, vem dela interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, sendo o seu efeito suspensivo e a subir nos próprios autos.

Alegou, tendo concluído:
a) - O Acórdão recorrido erra de direito ao não admitir a prova testemunhal nem a escritura pública de mútuo bancário, sendo que nesta se diz expressamente que o empréstimo se destinava exclusivamente à construção da moradia em causa, violando dessa forma, o n.º 3 do artigo 46.º do CIRS.
b) - Quando assim não se entenda, a decisão recorrida erra de direito quando considera que não ocorre nulidade com a dispensa de audição de testemunhas.
c) - Ao mesmo tempo, a não audição das testemunhas viola o princípio da descoberta da verdade e da justiça material a uma boa decisão da causa, e,
d) - dessa forma, viola o preceituado no art. 195º do CPC, o que constitui uma nulidade processual insanável.
e) - Ao não ser permitida a realização da prova para demonstrar os verdadeiros custos da construção, pois a prova do custo da moradia em causa pode ser efectuada através de qualquer meio de prova legalmente admitida, como a prova testemunhal ou da prova documental apresentada nos autos; no caso, a escritura de mútuo com hipoteca constitui prova inequívoca de que o valor de €99 759,58 (noventa e nove mil, setecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos) foi aplicado na construção.
f) - Efectivamente, dada a violação da lei e do direito, a liquidação das mais valias não tem por base o rendimento auferido na esfera jurídica do recorrente, e,
g) - dessa forma, a douta decisão também viola princípio da capacidade contributiva do recorrente quando o obriga a pagar impostos que não gerou na sua esfera jurídica, como fica demonstrado pela prova documental – n. 3 do art. 103º, Art. 104º e 13º todos da CRP.
Nestes termos e nos mais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deverá o presente recurso de revista ser admitido e a final revogado o Acórdão do TCAN, admitindo-se a prova documental supra referida (escritura de mútuo) e/ou ordenando-se a produção de prova testemunhal, anulando-se a liquidação impugnada sendo a mesma substituída por outra que tenha em consideração o valor do empréstimo contraído junto do Banco 1....

Confirmados que foram os requisitos gerais de admissibilidade do recurso (tempestividade do recurso e legitimidade da Recorrente), passemos a verificar, preliminar e sumariamente da admissibilidade da revista (cfr. art. 285.º, n.ºs 1 e 6, do CPPT).

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT (no requerimento de interposição de recurso vem indicado o artigo 150º do CPTA, mas deve-se aplicar ao caso a norma própria do CPPT que é em tudo idêntica).
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 - Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

No essencial, o recorrente pretende com este seu recurso que o Supremo Tribunal obrigue as instâncias a aceitar determinados meios de prova para que consiga provar os factos que lhe competia de modo a obter ganho de causa.
Como claramente resulta do disposto nos n.ºs. 3 e 4 do normativo acima referido ao Supremo Tribunal não compete imiscuir-se nos meios de prova considerados relevantes pelas instâncias, nem na matéria de facto que as instâncias julgaram provada ou não provada.
A única excepção consta do referido n.º 4 -o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova- o que não é manifestamente o caso dos autos.
Os meios de prova que o recorrente pretende produzir não foram admitidos ou porque, no que se refere às testemunhas, lida a petição inicial somos levados a concluir como o fez o Juiz a quo, pois não se denota ali factualidade a provar por prova testemunhal, ao que acresce que no recurso o Recorrente também não indica qual a concreta factualidade por si invocada na petição inicial que justificaria a realização de tal diligência de prova, limitando-se a invocar que a falta de realização da diligência implica a nulidade, ou porque, no que se refere aos mútuos o Recorrente limitou-se a juntar os contratos de mútuo com hipoteca para prova dos custos e nada mais aduziu, efetivamente não juntou um qualquer contrato de empreitada ou faturas de materiais de construção e mão-de-obra, autos de medição ou outros que pudesse ter entregue nas instituições bancárias ou que estas pudessem ter elaborado para justificar a alegada libertação do capital mutuado, sendo certo que a construção de uma moradia passa por despesas múltiplas tendo em conta as várias especialidades inerentes à construção e acabamentos, mas o Recorrente não juntou em arrimo da sua tese um só documento que fosse, e nem se diga, como parece crer fazer no recurso, que tal prova dependia da inquirição das testemunhas por si arroladas, porquanto, na petição inicial não indicou um só facto a ser provado pelas testemunhas e, pese embora no recurso invoque que “o modo como o empréstimo foi concedido (doc 2) pela entidade bancária, que de forma rígida restringiu a sua aplicação unicamente á construção da moradia por meio de verificações da própria instituição bancária e só deferindo parcelarmente depois de realizados autos de medição, a escritura de mútuo é o meio mais credível e idóneo para provar que o valor de 20.000.000$00 (…) agora €99.759,58 (…), foi integralmente aplicado pelo recorrente na construção da moradia…” (conclusão f) do recurso), o certo é que tal argumentação não consta sequer da petição inicial, sendo completamente nova e apenas esgrimida em sede de recurso.
Ou seja, o que se surpreende é que os meios de prova indicados não foram considerados idóneos, essencialmente, porque se entendeu que dos mesmos não era aportada qualquer utilidade para a decisão da causa e, nessa medida, tal matéria está fora do âmbito de conhecimento deste Supremo Tribunal.
O recurso não está assim em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pela recorrente, com t.j. em 5 Ucs, devendo ter-se em conta o benefício do apoio judiciário, se for o caso.
D.n.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. – Aragão Seia (relator) – Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.