Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0888/11
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:SISA
ISENÇÃO
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Os prazos de caducidade do direito de liquidar e de prescrição da dívida tributária, no caso de Imposto de Sisa, apenas se iniciam a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva ou, no caso, do incumprimento da obrigação de não dar ao imóvel objecto de isenção destino diferente.
II - Fundando-se a prescrição na inércia do titular do direito, ela deve, logicamente, só começar a correr no momento em que o direito pode ser exercido, tratando-se de um princípio geral inerente à própria teleologia intrínseca da prescrição e, por isso, de aplicação geral, independentemente da sua expressa consagração nas leis tributárias.
III - Uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de efeito interruptivo da prescrição.
IV - Nos termos do disposto nos arts. 11º, nºs 16 e 17, do CIMSISD (redacção aplicável à data dos factos), o legislador fazia depender a isenção da verificação de dois pressupostos, um de natureza subjectiva e outro de natureza objectiva, na medida em que só podiam beneficiar de isenção determinados beneficiários, a saber, “pessoas colectivas de utilidade pública ou de utilidade pública administrativa, por museus, bibliotecas, escolas, institutos e associações de ensino ou educação, de cultura científica, assistência ou beneficência” e a isenção pressupunha a verificação de uma condição resolutiva potestativa: destinação dos bens “à directa e imediata realização dos seus fins”.
V - Tendo em conta, por um lado, a razão de ser da isenção, dirigida à promoção e defesa de interesse públicos específicos, de ordem científica, cultural e de beneficência, protagonizados por pessoas colectivas criadas precisamente com esse objectivo, e, por outro lado, considerando a exigência feita pelo legislador no sentido de que os imóveis estejam afectos, “de forma directa e imediata à realização dos fins dessas pessoas colectivas beneficiárias”, afigura-se afectação do imóvel tem de ser exclusiva.
VI - As isenções são uma categoria de benefícios fiscais, os quais constituem medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extra-fiscais relevantes, superiores ao da própria tributação que impedem (art. 2° n°s 1 e 2 EBF), pelo que a atribuição e a manutenção das mesmas há-de ser rodeada de especiais cautelas, pois encontram-se numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva.
VII - Considerando o carácter excepcional dos benefícios fiscais, apenas justificados pelas especiais finalidades extra-fiscais que lhe estão subjacentes, tendo ficado provado que o imóvel foi exclusivamente utilizado para meros fins pessoais, ainda que durante pouco tempo, conclui-se que lhe foi dado um destino que não tem qualquer relação directa e imediata com os fins prosseguidos pelas pessoas colectivas beneficiárias, contrariando o disposto no art. 11º, nº 16, do CIMSISD.
Nº Convencional:JSTA000P14110
Nº do Documento:SA2201205090888
Data de Entrada:10/06/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I- Relatório

1. A……, Lda., identificado nos autos, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, da liquidação do Imposto Municipal de Sisa e juros compensatórios, com o montante total de € 15.079,82, que foi julgada totalmente improcedente.
2. Não se conformando com a sentença, o A…… veio interpor recurso para o STA, formulando conclusões das suas alegações, após convite que lhe foi feito, nos seguintes termos:
“DA CADUCIDADE DO DIREITO A LIQUIDAÇÃO
1. Concluindo a Administração Fiscal que o imóvel foi sempre utilizado pelos filhos dos gerentes da Recorrente e que nunca foi utilizado pelas escolas, desde o dia da aquisição do imóvel — 15 de Fevereiro de 2000 — que se encontrava verificado o facto tributário que dava lugar à liquidação do imposto, ou seja, a não utilização para os fins estatutariamente previstos, designadamente a realização dos seus fins de formação e desenvolvimento de ensino superior
2. A aquisição ocorreu no dia 15 de Fevereiro de 2000, tendo a liquidação sido notificada à Recorrente no dia 10 de Dezembro de 2004.
3. A Recorrente foi alvo de inspecção externa, contudo, tal inspecção teve origem na ordem de serviço n° 17076 datada de 24/07/2003 e teve o seu início no dia 29/0712003, tendo sido concluída a 13 de Julho de 2004 e notificada a Recorrente do relatório no dia 20/09/2004. A acção inspectiva durou, pois, mais de meio ano, pelo que nos termos do n° 1 do artigo 46° da LGT cessou a suspensão do prazo de caducidade, contando-se o mesmo desde o seu início.
4. Com a factualidade vertida no relatório inspectivo não existe qualquer dúvida de que, quando a liquidação é notificada à Recorrente, tinha já decorrido o prazo de caducidade da liquidação às zero horas do dia 16 de Fevereiro de 2004.
DA PRESCRIÇÃO
5. O prazo de prescrição não se iniciou no dia 10.122004, data da notificação da liquidação do imposto.
6. Na tese da Administração Fiscal — cfr. ponto 5 da matéria provada — O referido imóvel foi sempre utilizado pelos filhos dos sócios gerentes da empresa, Dra B…… e Dr. C…… (sócios gerentes à data de aquisição do imóvel), nunca tendo sido utilizado pelas escolas ou por alguém relacionado com as mesmas.”
7. Sendo esta a posição da AF, a data da não verificação dos pressupostos do benefício atribuído, ocorreu, justamente no dia em que o imóvel foi adquirido – 15 de Fevereiro de 2000, encontrando-se prescrita a obrigação tributária.
8. No presente caso o prazo de prescrição é de oito anos. A presente impugnação foi intentada no dia 14 de Março de 2005. Compulsados os autos verifica-se que os mesmos estiveram parados desde a data da sua apresentação até 31.01.2008, por facto não imputável à Recorrente.
9. Desde 15 de Fevereiro de 2000 até 14.03.2005 decorreram 6 anos, tendo decorrido desde 14 de Março de 2006 até ao presente decorreram mais 5 anos e 5 meses. Somando os dois períodos verifica-se que passaram mais de oito anos, pelo que se encontra decorrido o prazo prescricional.
QUANTO À QUESTÃO DE FUNDO
10. Na douta sentença recorrida entendeu o Tribunal “a quo” que se provou que a recorrente, designadamente através das escolas que a integram, realiza seminários, conferências, jornadas e programas de doutoramento nos quais participam docentes de outras instituições, nacionais e estrangeiras, tendo ainda concluído que “não se suscitam dúvidas, no que a esta utilização por docentes externos e internos concerne, que se tem de considerar que a impugnante destinou o imóvel directa e imediatamente à realização dos seus fins de forma e desenvolvimento de ensino superior” (sublinhado nosso).
11. Ficou provado — cfr. pontos 15, 16 e 17 da matéria provada — que o imóvel foi e é utilizado para o desenvolvimento da actividade da Recorrente, ficando claro que o imóvel sempre se destinou e destina ainda hoje ao fim para que foi comprado.
12. A matéria provada indica claramente que a Recorrente não se desviou da “ratio legis” subjacente à isenção de SISA, ou seja, destinou o imóvel para a realização das incumbências de interesse público que lhe são atribuídas, razão pela qual o Estado lhe concedeu tal benefício, sendo irrelevante que o mesmo tenha sido utilizado por um escasso período de tempo para fim diferente.
Assim, pelo que fica alegado e pelo mais que esse colendo Tribunal haverá de suprir, a Recorrente pede e espera que seja dado provimento ao recurso e seja alterada a Douta Sentença recorrida, Decidindo de conformidade com tal pedido o Tribunal fará, como costuma, JUSTIÇA”

3. Não foram apresentadas contra-alegações.
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu Parecer no sentido do provimento do recurso.
5. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentos

1. De Facto
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Por escritura de “Compra e Venda” lavrada em 15.2.2000 no Cartório Notarial de Lousada e exarada de fls. 22 a fls. 27 do livro de Escrituras Diversas n.° 10-E do mesmo Cartório, D…… e E……, declararam vender à ora Impugnante, ali representada por C……, e esta declarou comprar pelo preço global de 23.690.000$00, “a fracção autónoma designada pela letra “X’ correspondente a uma habitação no …… andar ……, com entrada pelo nº ……. com lugar de garagem e arrecadação na cave, com entrada pelo n.° ……, na Rua ……, inscrita na matriz sob o artigo 10323-X, com o valor patrimonial de 1.664.582$00, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ……, da freguesia de Cedofeita do concelho do Porto, descrito na 2. Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.° vinte e oito mil cento e cinquenta e cinco”, mais tendo declarado o representante da Impugnante que “aceita este contrato e que a fracção é destinada à realização dos fins estatutários da compradora”:- cfr. doc, de fls. 16 a 19 do p.a. apenso aos autos.
2. Mais consta da escritura referida no ponto anterior que “Assim sendo esta aquisição está isenta de sisa nos termos do art. 11. “n.° 16 do Código de Imposto Municipal de Sisa e Lei nº 151/99 de 14 de Setembro.”. - cfr. doc. de fls. 16 a 19 do pa. apenso aos autos.
3. Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto realizaram procedimento interno de inspecção à escrita da Impugnante, em resultado da qual foi elaborado um projecto de correcções de € 11,816,52 de Sisa relativamente ao ano 2000 assente na Informação de 13.7.2004. - cfr. doc. de fls. 23 e ss. do p.a. apenso aos autos.
4. A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projecto de conclusões do relatório de inspecção referido no ponto anterior. - cfr. doc. de fls. 20 e ss. do p.a. apenso aos autos.
5. Em 20.9.2004 a Impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção (….).
6. Em 10.12.2004, por Ofício nº 16369, do Serviço de Finanças do Concelho do Porto-5, foi a Impugnante notificada “para, no prazo de dez dias a contar da assinatura do aviso de recepção, efectuar na Tesouraria de Finanças destes serviços, mediante prévia solicitação de guias, o pagamento do imposto municipal de sisa, no montante de €11.816, 52. De acordo com o referido no art. 113º do CIMSISSD há lugar à liquidação de juros compensatórios, os quais, de acordo com o referido no art. 35º da Lei Geral tributária, serão no montante de €3.262,30.Em cumprimento do disposto no art. 77º da Lei Geral tributária, junto se remete cópia da fundamentação da liquidação.[…]-cfr. doc. de fls. 30 e 31 do p.a.apenso aos autos.
7. Em anexo ao ofício referido no ponto anterior consta “Liquidação do Imposto Municipal de Sisa”….”
8. A presente impugnação deu entrada neste Tribunal em 14.3.2002.cfr. doc. de fls. 3 dos autos.
9. O processo de impugnação não sofreu qualquer impulso entre 14.3.2005 e 21.11.2006. - cfr. fls. 1 a 14 dos autos.
10. Em 30.5.2005 foi instaurado contra a Impugnante no Serviço de Finanças do Porto - 5 o processo de execução fiscal n.° 3190200501018597 para cobrança coerciva das seguintes dívidas:
11. Em 27.6.2005 a Impugnante requereu no Serviço de Finanças do Porto-5 a suspensão da execução fiscal referida no ponto anterior, mediante a prestação de garantia por hipoteca legal sobre um prédio urbano sito na freguesia de Medelo, concelho de Fafe. - cfr. doc. de fls. 3 e ss. do processo de execução fiscal apenso aos autos.
12. Em 5.7.2005 foi extraída pelo Serviço de Finanças do Porto - 5 carta precatória no âmbito da execução fiscal n.° 3190200501018597 e instaurada no Serviço de Finanças de Fafe a execução fiscal n.° 0400200507000154 relativamente às dívidas referidas no ponto 10 supra. - cfr. docs. de fls. 25 e ss. do processo de execução fiscal apenso aos autos.
13. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Fafe de 19.6.2006 foi ordenada a notificação da Impugnante para “constituir hipoteca voluntária a favor da Fazenda Nacional do prédio inscrito sob o artigo 395° urbano da freguesia de Medelo, de forma a garantir o pagamento da quantia exequenda e acrescidos, no valor de 21.795,31 Euros, nos termos do art° 199° e para efeitos do art° 169° do mesmo Código”. - cfr. doc. de fls. do processo de execução fiscal apenso aos autos.
14. Conforme Auto de Penhora, em 20.12.2006, o Serviço de Finanças de Fafe realizou a penhora de bem imóvel, com o valor de € 1.700.000,00 para garantia do pagamento da quantia de € 15.079,82, além de adicionais, juros de mora e custas provenientes da execução fiscal n.° 0400200507000154. - cfr. doc. de fls. 47 e ss. do processo de execução fiscal apenso aos autos.
Mais se provou que,
15. A Impugnante, através das suas escolas – F…… e G……- realiza seminários, conferências, jornadas e programas de doutoramento nos quais participam docentes de outras instituições nacionais e estrangeiros.
16. Alguns docentes de outras instituições de ensino, designadamente de Lisboa, quando participam nos seminários, conferências, jornadas e programas de doutoramento realizados pela Impugnante ficam alojados, durante 1 ou 2 dias, no apartamento referido em 1.
17. Alguns docentes da Impugnante, quando têm formações, conferências ou seminários no Porto ficaram alojados no apartamento referido em 1.
18. Os filhos dos sócios gerentes da Impugnante estudavam no Porto e residiam num apartamento no Amial com a avó, os primos e uma empregada interna.
19. Durante o período em que o apartamento do Amial esteve em obras os filhos dos sócios gerentes da Impugnante estiveram alojados no apartamento referido em 1.
20. No período referido no ponto anterior apenas os filhos dos sócios-gerentes da Impugnante estiveram alojados no apartamento citado em 1, não tendo sido o mesmo utilizado por docentes internos ou externos da Impugnante.
A sentença recorrida deu como não provado que :
21. A estadia dos filhos dos sócios gerentes no apartamento referido em 1. a que se reporta o ponto 18 apenas ocorreu durante uma escassa dúzia de meses.

2. De Direito

2.1. Delimitação do objecto do recurso - questões a apreciar e decidir

O A……, ora recorrente, deduziu impugnação judicial relativa a liquidação de imposto municipal de sisa no montante de €11.816,52 e juros compensatórios no valor de € 3.263,30, com o montante total de €15.079,82, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, alegando, em síntese, que, por escritura pública de 15.2.2000, adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “X”, sita …, no Porto, tendo beneficiado de isenção de sisa por força do art. 11º, nº16 do CIMSISD, por ser destinado à realização dos fins estatutários do Impugnante, sendo que o apartamento foi efectivamente destinado aos fins estatutários do mesmo, designadamente alojando docentes seus e de outras instituições de ensino e participantes de jornadas de estudo, ciclos de conferências e investigação e formações diversas. Mais argumentou que “o imóvel apenas foi utilizado pelos dois filhos dos então sócios gerentes durante uma escassa meia dúzia de meses por terem tido necessidade de abandonar a residência dos avós maternos onde sempre viveram durante o período lectivo, o que não constitui uma alteração do destino que determinou a isenção”.
Por sentença proferida em 20 de Maio de 2011, foi a impugnação julgada totalmente improcedente, ponderando, para tanto, a Mmª Juíza “a quo” que:
a) Quanto à questão prévia da prescrição suscitada pelo Ministério Público:
· “O prazo de prescrição da liquidação do imposto de sisa devido só pode começar a contar-se a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva uma vez que só a partir dessa data aquele direito de cobrar o imposto podia ser exercido pela Administração Tributária.”
· “Assim, o prazo de prescrição da dívida tributária apenas se iniciou com a verificação do incumprimento da obrigação de não alienação e de não dar destino diferente ao imóvel, o que ocorreu em 10.12.2004 (conforme se constata pelo Ofício nº 16369)”.
· “(…) a impugnação, porque acompanhada de penhora que garante a totalidade da dívida, suspendeu o prazo de prescrição a partir de 20.12.2006, pelo que este não continuou a correr desde então (318º a 320º do CC)”;
· “Estando suspenso o prazo de prescrição é manifesto que a obrigação tributária em causa não prescreveu”.
b) Quanto ao erro nos pressupostos de facto:
· “Não se suscitam dúvidas, (…) que a Impugnante destinou o imóvel directa e imediatamente realização dos seus fins de formação e desenvolvimento de ensino superior”;
· “Contudo, o certo é que, igualmente se provou que, durante o período em que o apartamento onde os filhos dos sócios gerentes da Impugnante estava em obras, e porque estes estudavam no Porto, estiveram alojados no apartamento referido em 1.”;
· “Ora, uma tal utilização do apartamento não se relaciona com qualquer fim ligado à actividade da impugnante, antes denotando a fruição pessoal do mesmo pelos seus sócios gerentes (através dos filhos). Durante o tempo em que esteve ocupado, independentemente de se tratar de um período longo ou curto, o apartamento deixou de poder ser utilizado para a satisfação das necessidades para as quais foi adquirido”;
· “Atento o carácter excepcional dos benefícios fiscais, importa ser rigoroso na avaliação das condições de que depende tal isenção de Sisa e, sendo assim, é notório que tendo sido o imóvel utilizado para meros fins pessoais dos sócios gerentes lhe foi dado um destino que não tem qualquer relação directa e imediata com os fins da Impugnante”;
Considerou ainda a Mmª Juíza “a quo” irrelevante para tal conclusão o facto de a utilização pessoal do imóvel ter sido curta ou prolongada, concluindo que “tendo sido o imóvel utilizado para fins pessoais dos sócios-gerentes da Impugnante, foi-lhes dado um destino não directa e imediatamente relacionado com os fins da Impugnante, e, em consequência, caducou a isenção de sisa, cfr. art.11º, nº16 e 17º do CIMSISD, não padecendo a liquidação impugnada de qualquer ilegalidade”.
Contra este entendimento se insurge o ora recorrente, argumentando, em síntese, que.
· Concluindo a Administração Fiscal que o imóvel foi sempre utilizado pelos filhos dos gerentes da Recorrente e que nunca foi utilizado pelas escolas, desde o dia da aquisição do imóvel - 15 de Fevereiro de 2000 - que se encontrava verificado o facto tributário que dava lugar à liquidação do imposto, pelo que quando a liquidação foi notificada ao recorrente já tinha decorrido o prazo de caducidade da liquidação;
· Segundo a tese da Administração fiscal no sentido de que o imóvel foi sempre utilizado pelos filhos dos sócios gerentes da empresa, então a data da não verificação dos pressupostos do benefício atribuído ocorreu no dia em que o imóvel foi adquirido, ou seja, 15 de Fevereiro de 2000, pelo que já se encontra decorrido o prazo prescricional.
· Quanto à questão de fundo, alega o recorrente que “A matéria provada indica claramente que a Recorrente não se desviou da “ratio legis” subjacente à isenção de SISA, ou seja, destinou o imóvel para a realização das incumbências de interesse público que lhe são atribuídas, razão pela qual o Estado lhe concedeu tal benefício, sendo irrelevante que o mesmo tenha sido utilizado por um escasso período de tempo para fim diferente”.

Verifica-se que vem agora o recorrente invocar a caducidade da liquidação, sendo que na petição inicial ela não foi suscitada. Ora, como é sabido, “o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso” (Cfr. o Acórdão do STA, de 23/2/2012, proc nº 01153/2012. No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão de 1/6/2005, proc nº 028/05.).
Acontece que a questão de saber se a caducidade é ou não do conhecimento oficioso tem sido controvertida na jurisprudência deste Supremo Tribunal, antes e depois da consagração do conhecimento oficioso da prescrição no CPT (Sobre esta matéria, JORGE DE SOUSA pondera que “A constatação da imposição legal do conhecimento oficioso da prescrição leva a concluir que à face do CPPT (como já sucedia com o CPT), a caducidade do direito de liquidação será também de conhecimento oficioso” (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 280-81).).
Depois da consagração desta regra no CPT, considerando que no direito tributário a necessidade de segurança e certeza jurídicas é o fundamento comum de ambos os institutos, ficou consignado, no Acórdão do STA, de 24/9/2003, proc nº 564/02, que a caducidade integra, tal como a prescrição e “no domínio específico do direitos fiscal, matéria do conhecimento oficioso pelo tribunal”. Este Acórdão veio, porém, a ser revogado pelo Acórdão do Pleno de 7/7/2004, proc. nº 0564/02, com a seguinte fundamentação: “a liquidação efectuada depois de decorrido o prazo de caducidade, é apenas uma ilegalidade, idêntica a outras ilegalidades, susceptível de gerar a anulabilidade do acto, a alegar expressamente no processo de impugnação. Vemos realmente que no art. 99º do CPPT que constitui fundamento de impugnação “qualquer ilegalidade”, sendo que nos parece inequívoco que a liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade, é igualmente uma ilegalidade idêntica a todas as outras que se englobam no citado art. 99º do CPPT, e que não merece pois tratamento diverso”. E, mais adiante, conclui-se que “É certo que a prescrição é de conhecimento oficioso. Mas aqui podemos ver uma questão que tem a ver com a eficácia do acto, que não com a sua ilegalidade, justificando tratamento diverso.” Esta jurisprudência veio a ser confirmada pelo Acórdão do STA, de 4/2/2004, proc nº 01733/03, com o argumento segundo o qual prescrição e caducidade são institutos substancialmente diferentes: “enquanto a prescrição tem em vista a inércia do credor, a caducidade visa a certeza e segurança jurídica das relações jurídicas respectivas, tendo esta a ver com a legalidade da liquidação e aquela com a extinção da dívida exequenda”.
Acontece que, no caso, não se afigura necessário proceder à tomada de posição sobre a questão porque, ainda que se concluísse pelo carácter oficioso do conhecimento da caducidade, ainda assim não seria de dar razão ao recorrente.
Com efeito, constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que o prazo de caducidade do direito à liquidação do Imposto de Sisa devido só pode começar a contar-se a partir da não verificação da condição resolutiva (Cfr. Acórdão do STA de 26/10/2011, proc. Nº 0354/2011.) , isto é, no caso, da verificação do incumprimento da obrigação de não dar destino diferente ao imóvel (ou seja, de 10/12/2004, ofício nº 16369, ponto 6 do probatório), uma vez que só a partir dessa data aquele direito de liquidar podia ser exercido pela Administração Tributária.
Ora, assim sendo, a questão torna-se irrelevante, pois por aplicação desta jurisprudência é manifesto que, datando o referido ofício de 2004 e tendo o recorrente sido notificado da liquidação em Dezembro do mesmo ano, é patente que não se verifica a caducidade da liquidação.
Considerando o exposto, e em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso [cfr. os arts. 684º, nº3, e 685º-A/1 do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- Da prescrição da obrigação tributária;
- Da ilegalidade da liquidação por erro sobre os pressupostos de facto.

2.2. Da prescrição da obrigação tributária

Começando pela análise da prescrição, cuja procedência prejudica a análise da questão de fundo, importa recordar que a dívida em causa se reporta a sisa relativa à aquisição de imóvel ocorrida em 15/2/2000, pelo que o prazo de prescrição é de oito anos, segundo o disposto no art. 48º da LGT, o que não é posto em causa pelo Recorrente.
No sentido da prescrição da obrigação tributária alega, no entanto, o recorrente que o prazo de prescrição começa a contar desde o dia em que o imóvel foi adquirido, 15 de Fevereiro de 2000, uma vez que defendendo a Administração fiscal que o imóvel foi sempre utilizado pelos filhos dos sócios gerentes da empresa, então essa será a data da não verificação dos pressupostos do benefício atribuído.
A primeira questão que se coloca é, por conseguinte, a de apurar se o prazo de prescrição deverá começar a contar-se a partir do início do ano seguinte àquele que tiver ocorrido o facto tributário (15 de Fevereiro de 2000 - data da escritura de aquisição do imóvel) ou só a partir da data da constatação do não cumprimento das condições a que ficou subordinada a concessão da isenção, ou seja, da afectação do imóvel aos fins que justificaram a atribuição da isenção.
Sobre esta questão existe jurisprudência divergente deste Supremo Tribunal.
Com efeito, ficou consignado no Acórdão de 6/6/2011, proc. nº 0174/2011, que “Enquanto não for possível à AT liquidar o tributo, não poderá ter início o prazo de prescrição, pois este só começa a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306º do CC” (Cfr. Jurisprudência reiterada, entre outros, nos Acórdãos, de 26/5/2010, recurso nº 211/10 e de 22/9/2010, recurso nº 383/10.) . Por sua vez, no Acórdão(Note-se que a isenção sobre que recaiu este Acórdão e o do Tribunal Pleno não tem o mesmo regime da isenção sobre que se debruça o caso em apreço. Por outro lado, mesmo alí, o Acórdão não ignora que para “alguns autores 2º facto tributário, no caso de isenção prevista no nº 3 do art. 11º do CSIsa, ocorre na data que o legislador entende que o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e o integra na sua esfera patrimonial. (…) .Partindo do princípio de que tal isenção se reconduz a uma verdadeira delimitação negativa da incidência (exclusão tributária) e não a uma isenção em sentido próprio, considera-se, então, que também o facto tributário ocorrerá na data da caducidade da isenção, por ser nessa data que o legislador entende que o adquirente já não tem intenções de alienar o imóvel e o integra na sua esfera patrimonial.”) de 26/10/2011, proc. nº 0354/11, seguindo jurisprudência vazada no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 24/2/2010, proc nº 0873/09, ponderou-se que o prazo de prescrição conta-se, salvo disposto em lei especial, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (nº 1 do art. 48º da LGT) e não a partir da data da declaração da revogação da isenção.”
No caso em apreço, mesmo que se optasse por esta última tese ainda assim teríamos de concluir pela não verificação da prescrição dada a ocorrência, em 2005, de um evento interruptivo: a impugnação judicial, como melhor será analisado mais adiante.
Não obstante o exposto, seguiremos a doutrina vazada no Acórdão de 8/6/2011 por se entender que fundando-se a prescrição na inércia do titular do direito, ela deve, logicamente, só começar a correr no momento em que o direito pode ser exercido (Cfr. VAZ SERRA, “Prescrição e Caducidade”, BMJ, 1961, p 190.). Trata-se, assim, de um princípio geral inerente à própria teleologia intrínseca da prescrição e, por isso, de aplicação geral, independentemente da sua expressa consagração nas leis gerais tributárias.
Por outro lado, esta solução é a que vai ao encontro do regime específico da isenção em causa, que goza de um regime especial (Note-se que está em causa uma isenção conferida a determinadas entidades que gozam do estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública e, além do mais, constitui pressuposto objectivo da isenção que os imóveis se destinem de forma directa e imediata à realização dos fins dessas pessoas colectivas.) , uma vez que o legislador quer que dure apenas e enquanto os bens não forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem estabelecer qualquer limite temporal para o efeito (art. 17º do CIMSISD). Ora, enquanto for dado o destino correcto aos bens em causa não faz sentido que a prescrição corra conta a Administração Tributária. Por outro lado, a acolher-se tese que fez vencimento no Pleno, significa que passado o prazo da prescrição estava aberto o caminho para se alterar o destino dos imóveis, pondo em causa as razões de interesse público que presidiram à atribuição da isenção e consequente violação da disposição do citado art. 17º do CIMSISD.
Assim, aplicando a jurisprudência mencionada ao caso em apreço, o prazo de prescrição da dívida exequenda apenas se inicia com a constatação pela Administração Fiscal da não verificação dos pressupostos que determinaram a atribuição da isenção, ou seja, como vimos, a partir de 10/12/2004, ponto 6 do probatório, tendo por base a Informação de 13/7/2004, que incidiu sobre o relatório de inspecção.
Importa de seguida determinar se a dívida se encontra ou não prescrita, tendo em conta que, em 1999/01/01, entrou em vigor a LGT que no seu art. 49°, nº 1, dispunha que a citação (após a entrada em vigor da Lei 100/99, de 26 de Julho), a reclamação, o recurso hierárquico a impugnação e o pedido de revisão oficiosa interrompem a prescrição.
De acordo com o n° 2, entretanto revogado pela Lei 53-A/2006, de 29/12, mas cuja revogação só se aplica aos casos em que o ano de paragem do processo termina a partir de 2007/01/01, a paragem do processo por mais de 1 ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Nos termos do n° 3, na redacção anterior à referida Lei 53-A/2006, o prazo de prescrição suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento a prestações legalmente autorizado ou de reclamação, impugnação ou recurso.
O art. 89º da Lei nº 53-A/2006 veio dar nova redacção a este preceito que passou a dizer que “O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento em prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.
Perante este quadro normativo, aplicando a factualidade relevante para a apreciação da prescrição (Não se tem em conta o efeito na prescrição resultante da citação na execução (efeito interruptivo) porque não consta do probatório a data da mesma.), temos o seguinte:
1. O prazo de prescrição iniciou-se em 10/12/2004;
2. O recorrente deduziu impugnação judicial em 14/3/2005;
3. Entre 14/3/2005 e 21/11/2006, o processo esteve parado por mais de um ano por motivo não imputável ao recorrente;
4. Em 20/12/2006 foi prestada garantia.
Considerando que a lei aplicável ao quadro dos factos interruptivos/suspensivos do prazo de prescrição é a vigente no momento em que os mesmos ocorreram, nos termos do estatuído no artigo 12.°/2 do Código Civil, como bem salientou a sentença recorrida, o prazo de prescrição de 8 anos, iniciado em 10/12/2004, interrompeu-se em 14/3/2005, com a instauração da presente impugnação judicial, transmutando-se em suspensão com a paragem do processo por mais de um ano, por facto não imputável à recorrente (Cfr. JORGE DE SOUSA, Prescrição da Obrigação Tributária, 2ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 66 ss.) , entre 14/3/2005 e 15/3/2006, o que associado à prestação de garantia, em 20/12/2006, vai determinar a suspensão até ao trânsito da sentença que for proferida na impugnação judicial) (Cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 22/6/2011, Proc. nº 0372/2011.).
Na verdade, segundo jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal, vazada entre outros, no Acórdão, de 14/9/2011, proc. nº 01010/2010, pode ler-se que “das normas contidas nos artigos 169º, nº 1, do CPPT e 49º, nº 3, da LGT decorre que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de impugnação judicial que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda «desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195º ou prestada nos termos do artigo 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido» e que «o prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de (…) impugnação ou recurso». O que significa que, uma vez constituída ou prestada garantia ou realizada penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência de processo de impugnação judicial, fica legalmente suspensa a execução fiscal até à decisão do pleito, e esta suspensão determina, por sua vez, a suspensão do próprio prazo de prescrição que esteja em curso ou daquele que houvesse de reiniciar-se por virtude da cessação de algum efeito interruptivo da prescrição”.
Mais adiante pode ainda ler-se, no mesmo Acórdão, em conformidade com jurisprudência assente, que “A impugnação judicial interrompe a prescrição, mas a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar tal efeito, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação (nºs 1 e 2 do artigo 49º da LGT). Porém, se a execução se encontrar suspensa em virtude de prestação de garantia ou de penhora de bens que garantam a totalidade da dívida e do acrescido, ao abrigo do art. 169º do CPPT, a paragem do processo não releva para efeitos de prescrição, uma vez que, em face do disposto no nº 3 do art. 49º da LGT, a prescrição se suspende também com a paragem da execução”.
Assim sendo, aplicando o disposto ao caso em apreço, existindo garantia prestada em 20/12/2006, logo que cessou o efeito interruptivo, o prazo de prescrição ficou suspenso e vai continuar até ao trânsito em julgado do processo de impugnação.
Ora, como quando o prazo de prescrição em causa se interrompeu 14/3/2005 com a impugnação judicial só tinham decorrido três meses e quatro dias e como o prazo se encontra suspenso desde 20/12/2006 (JORGE DE SOUSA (ob. cit., p. 55) defende que a reclamação, quando determine a suspensão da cobrança da dívida, suspende o prazo de prescrição, nos termos do disposto no nº 4 do art. 49º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, em vigor desde 1/1/2007, no entendimento de que a designação genérica de “reclamação” abrange, entre outros, a reclamação de actos praticados pelo órgão da execução fiscal, desde que seja invocado um fundamento de inexigibilidade, o que se verifica no caso atendendo ao resultante da alínea DD) do probatório. Esta não é, porém, a orientação seguida pela jurisprudência, vazada, entre outros, no recente Acórdão do STA, de 2/3/2011, proc. nº 0125/2011, onde se pode ler no Sumário que “I- A reclamação prevista nos arts. 276º sgts. do CPPT não se inclui entre os casos de suspensão da prescrição abrangidos pelas designações genéricas de meios processuais no nº 4 do art. 49º da LGT”.), é patente que o prazo de prescrição ainda não se completou.
Nesta sequência, a douta sentença recorrida julgou e bem ainda não prescrita a dívida, não assistindo, como ficou demonstrado, razão ao recorrente.

2.3. Da ilegalidade da liquidação por erro sobre os pressupostos de facto

Da matéria dada como provada resulta que o recorrente, enquanto instituição que dirige duas escolas de ensino superior, adquiriu, em 15/2/2000, um apartamento que ficou isento de sisa por se destinar à realização dos seus fins estatutários.
E com interesse para a verificação do cumprimento deste pressuposto, ficou igualmente provado que o recorrente, através das suas duas escolas - F…… e Escola G…… “realiza seminários, conferências, jornadas e programas de doutoramento” (ponto 15 do probatório) e que alguns docentes quer das suas Escolas quer de outras instituições de ensino, ficam alojados no referido apartamento, durante um ou dois dias, quando participam nos seminários, conferências, jornadas e programas de doutoramento realizados pelo recorrente ficam alojados no referido apartamento (pontos 16 e 17 do probatório);
No entanto, ficou igualmente provado que, durante um período cuja duração não foi possível determinar, o apartamento em causa serviu, em exclusivo, de alojamento aos filhos dos sócios gerentes do recorrente, durante o tempo em que o apartamento em que residiam esteve em obras.
Em face deste quadro factual, conclui a Mmª Juíza “a quo” que durante o período em que o apartamento esteve a ser utilizado para fruição pessoal dos filhos dos sócios gerentes do recorrente, independentemente de se tratar de um período longo ou curto, “deixou de poder ser utilizados para satisfação das necessidades para as quais foi adquirido”, pelo que lhe foi dado “um destino não directa e imediatamente relacionado com os fins da Impugnante, e, em consequência, caducou a isenção de sisa”, nos termos do art. 11º, nº16, e art. 17º, do CIMSISD.
Impõem-se, assim, averiguar se foi feita correcta interpretação e aplicação dos preceitos aplicáveis.
Vejamos.
Segundo o art. 11º, nº16, do CIMSISD (aplicável à data da aquisição do imóvel), ficavam isentas de sisa “as aquisições de bens por pessoas colectivas de utilidade pública ou de utilidade pública administrativa, por museus, bibliotecas, escolas, institutos e associações de ensino ou educação, de cultura científica ou beneficência, quando destinados à directa e imediata realização dos seus fins”.
Por seu turno, dispunha o art. 17º do mesmo normativo que “ficarão igualmente sem efeito as isenções de que tratam os nºs 14º e 16º do artigo 11º e 3º, 7º e 14º do artigo 13º, quando os bens forem alienados ou lhes for dado outros destino sem autorização do Ministro das Finanças”.
O legislador fazia depender a isenção mencionada da verificação de dois pressupostos, um de natureza subjectiva e outro de natureza objectiva. Em relação ao primeiro só podiam beneficiar de isenção determinados beneficiários, a saber, “pessoas colectivas de utilidade pública ou de utilidade pública administrativa, por museus, bibliotecas, escolas, institutos e associações de ensino ou educação, de cultura científica, assistência ou beneficência”. Em relação ao segundo, a isenção pressupunha a verificação de uma condição resolutiva potestativa: destinação dos bens “à directa e imediata realização dos seus fins”.
Atendendo ao primeiro pressuposto, como se pode ler na sentença recorrida, a “ratio (extra-fiscal) subjacente a esta isenção encontra-se no fomento da actividade das entidades beneficiárias, especialmente porque estas, como se vê do seu elenco, têm subjacente a realização de interesses públicos, in casu, ligados à formação e ao ensino. Pretende-se, essencialmente, beneficiar tais entidades na aquisição, designadamente, de imóveis que venham a ser utilizados para a realização das incumbências de interesse público que lhes estão atribuídas, razão pela qual o Estado incentiva e proporciona vantagens –fiscais - quando as transmissões em causa estejam directa e imediatamente relacionadas com as actividades prosseguidas por estas”.
Com efeito, em especial, no caso em apreço, tratando-se de uma instituição de ensino superior, está em causa a tutela do interesse público na realização da política de ensino do Estado, mediante a promoção do desenvolvimento do ensino superior com a colaboração de entidades privadas, com vista a elevar o nível educativo, cultural e científico do país [arts.74°, n°2, al. d), e 76°, n° 1, CRP].
A compreensão da razão de ser da isenção é fundamental para se perceber igualmente o sentido e alcance a dar ao outro pressuposto de que depende a atribuição da isenção – destinação dos imóveis à directa e imediata realização dos fins dos beneficiários, tendo em conta que as normas de isenção não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva (art. 9° EBF).
Na verdade, a resolução da questão que vem posta depende essencialmente do entendimento que se faça sobre se a mesma exige ou pressupõe uma destinação exclusiva à realização dos fins dos beneficiários, ou se a mesma é ainda compatível com a situação apurada nos autos. Dito por outras palavras, põe-se o problema de saber se aquela isenção é compatível com uma destinação em que se prove que o imóvel se manteve afecto ao uso exclusivo e privativo (pessoal) dos filhos dos sócios gerentes, ainda que durante um período “escasso” de tempo, como alega o recorrente.
Da análise da técnica legislativa usada pelo legislador, ao longo do Capítulo relativo às isenções (Capítulo II), verifica-se que em algumas situações se exige que o destino a dar a determinada afectação dos imóveis se faça de forma exclusiva. É o que acontece, por exemplo, em relação à isenção de “Aquisição de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação” (art. 11º, nº 22, do CIMSISD).
Assim, sempre se poderia argumentar que, no caso, não utilizando o legislador a expressão afectação “exclusiva”, a manutenção da isenção consagrada no nº 16 do art. 11º do CIMSISD não exigiria uma afectação deste tipo, sendo até compatível com a situação que vem recortada nos autos.
Acontece que, tendo precisamente em conta, por um lado, a razão de ser da isenção, dirigida à promoção e defesa de interesse públicos específicos, de ordem científica, cultural e de beneficência, protagonizados por pessoas colectivas criadas precisamente com esse objectivo, e, por outro lado, considerando a exigência feita pelo legislador no sentido de que os imóveis estejam afectos, “de forma directa e imediata à realização dos fins dessas pessoas colectivas beneficiárias”, afigura-se não existirem dúvidas de que estamos também aqui perante uma afectação exclusiva.
A única diferença é que nesta situação não se torna necessário que o legislador use a expressão afectação exclusiva, uma vez que a mesma decorre do facto de estarmos a falar da prossecução de atribuições de interesse público por parte de pessoas colectivas (Nos termos do disposto no art. 1º dos respectivos Estatutos, aprovados por Despacho nº 1293/2010, Diário da República, II série, de 19 de Janeiro de 2010, A G…… é um estabelecimento de ensino superior privado criado pela …… (…), actualmente denominado A…… (Instituto ……, Ldª), reconhecido pela Portaria nº 73/93, de 19 de Janeiro. Por sua vez, a F…… é igualmente um estabelecimento de ensino superior privado também criado pelo A……, sob autorização do Decreto-Lei nº 441/88, de 30 de Novembro, nos termos do disposto no art. 1º dos respectivos Estatutos, publicados no Diário da República, II série, de 24 de Dezembro de 2009.) criadas exclusivamente para esse efeito. Se a pessoa colectiva é criada precisamente para a prossecução de determinado interesse público específico e se a isenção pressupõe que os imóveis sejam destinados à directa e imediata realização desse fins, é óbvio que o desvio na destinação dos imóveis há-de determinar o fim da isenção. Neste sentido vai, aliás, o facto de o legislador não condicionar temporalmente a isenção, limitando-se a dizer que a isenção fica sem efeito “quando os bens forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças”, o que pressupõe que o legislador não condiciona a duração da isenção à verificação de um termo final (Ao contrário do que se verifica nas isenções previstas nos arts. 16º e16º-A do CIMSISD, onde normalmente se condiciona a duração da isenção à verificação de um termo resolutivo.) , mas sim a uma condição potestativa: seja dado outro destino aos imóveis, independentemente do tempo em que tal se verificou.
Acresce que, no caso em apreço, afigura-se que o destino dado ao imóvel também não preenche o requisito exigido pelo legislador no nº 16 do art. 11º do CIMSISD, por uma outra razão.
Alega o recorrente que o referido apartamento serviria para dar alojamento a docentes e participantes de seminários, conferências, programas de doutoramento, etc. (cfr. pontos 15 e 16 do probatório). Embora tais actividades façam parte das atribuições a prosseguir pelas entidades em causa, temos dúvida que a aquisição de um apartamento para dar alojamento aos participantes daquelas actividades preencha o requisito de “afectação do imóvel isento de forma directa e imediata à realização dos fins da pessoa colectiva beneficiária”, uma vez que da leitura atenta dos estatutos das Escolas Superiores em causa não se encontra qualquer referência nesse sentido. O mesmo não se diria se, por exemplo, se tratasse de imóvel para instalar centros de investigação, cuja criação está expressamente previstas nos respectivos Estatutos (Cfr., a título de exemplo, o art. 9º do Estatuto da Escola F…….).
Ora, as isenções são uma categoria de benefícios fiscais, os quais constituem medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extra-fiscais relevantes (Como se pode ler no Relatório do Grupo de Trabalho sobre Reavaliação dos Benefícios Fiscais, “Um dos elementos que caracteriza o conceito de benefício fiscal é a extrafiscalidade. Isto é, os benefícios fiscais são criados tendo em vista contribuir para que se atinjam determinados objectivos económicos e socais, objectivos esses que, na expressão do nº 1 do art. 2º do EBF, se consideram “superiores aos da tributação que impedem”” , cfr. Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, 2005, p. 20.) , superiores ao da própria tributação que impedem (art. 2° n°s 1 e 2 EBF).
Da natureza excepcional das normas de isenção há-de resultar que quer a atribuição quer a manutenção das mesmas esteja rodeada de especiais cautelas, pois, como refere SALDANHA SANCHES (Cfr. Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 457/58.) , “as isenções carecem de especial legitimação, pois são normas anti-sistemáticas por definição, já que se encontram numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encargos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva. Essa legitimação advém de razões como a obtenção de um certo objectivo económico de especial importância, a realização, por entidades privadas, de certos objectivos culturais ou sociais que o Estado atinge de forma menos eficiente (…) ou outra razão de igual importância.[…] o chamado benefício fiscal é sempre um benefício para alguns contribuintes, e, levando à perda de receitas (redução da base fiscal), leva também à maior oneração de outros contribuintes”.
Assim sendo, considerando o carácter excepcional dos benefícios fiscais, apenas justificados pelas especiais finalidades extra-fiscais que lhe estão subjacentes, e tendo ficado provado que o imóvel foi exclusivamente utilizado para meros fins pessoais dos sócios gerentes, ainda que durante pouco tempo, temos de concluir que lhe foi dado um destino que não tem qualquer relação directa e imediata com os fins das pessoas colectivas beneficiárias, contrariando o disposto no art. 11º, nº16, do CIMSISD.
Nesta sequência, considera-se que assiste razão à Mmª Juíza “a quo” quando pondera que a especificidade dos benefícios fiscais e as motivações que estão subjacentes à concessão de isenções se opõem a que, em qualquer momento (maior ou menor), venha a ser dado um destino diferente daquele para o qual a isenção foi concedida. Só assim se garante que são alcançados os objectivos extra-fiscais dos benefícios fiscais e que legitimam a introdução das “desigualdades “inerentes à criação de normas de isenção”.
Em face do exposto, tendo concluído a sentença recorrida no sentido da não caducidade da isenção de sisa, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 11º, nº16, e 17º, do CIMSISD, não merece a mesma qualquer censura, sendo de improceder o presente recurso, com a consequente manutenção da liquidação impugnada.


III- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, mantendo-se, em conformidade, a liquidação impugnada.

Custa pelo recorrente.
Lisboa, 9 de Maio de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves (voto a decisão, embora com diferente fundamentação quanto à questão da prescrição, de acordo com o decidido no ac. de 26/10/11, rec. 354/11, que relatei. De todo o modo a dívida não terá prescrito em qualquer das hipóteses) - Lino Ribeiro.