Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:071/20.3BALSB
Data do Acordão:01/20/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
MÉRITO DO RECURSO
Sumário:Não há que conhecer do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência de decisão arbitral se, não obstante a existência de contradição entre as decisões, a orientação perfilhada na decisão recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Nº Convencional:JSTA000P27058
Nº do Documento:SAP20210120071/20
Data de Entrada:07/06/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.............. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 25.º n.º 2 e n.º 4 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida 22 de maio de 2020 no processo n.º 804/2019-T CAAD, por alegada contradição com o decidido na decisão arbitral de 22 de abril de 2019, proferida no processo n.º 539/2018-T, transitada em julgado.
A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
A – O Acórdão arbitral recorrido (804/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “ a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade da Liquidação de IRS com o n.º 20195005569975 correspondente à Nota de cobrança de IRS n.º 20196350313, e as respetivas demonstrações de liquidação de juros compensatórios e de acerto de contas, no valor de € 33.442,50; b) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, condenando a Requerida a pagar ao Requerente os juros indemnizatórios que forem liquidados em execução da presente decisão arbitral.”
B – E sustenta o referido acórdão arbitral que “Dúvidas não restam sobre o juízo de incompatibilidade da redação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o direito da União Europeia que dela fazem a jurisprudência do TJUE.
Sendo que, o aditamento dos n.ºs 7 e 8 (atuais n.ºs 9 e 10) ao artigo 72.º do Código do IRS, que veio permitir que residentes e não residentes beneficiem do regime previsto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, desde que optem pelo englobamento da totalidade dos seus rendimentos, não é suscetível de afastar o juízo de discriminação do TJUE como pretende a Requerida.
Conforme acima referido, a jurisprudência do TJUE tem entendido que a existência de um regime opcional, que permite a aplicação do regime fiscal dos residentes aos não residentes, não deverá ser considerada relevante na análise do efeito discriminatório da diferenciação de regimes prevista na legislação nacional entre residentes e não residentes. Neste sentido, vide Acórdão de 18 março de 2010, proferido no processo C-440/08 (“Acórdão Gielen”)9 :
“(…) 50. Antes de mais, importa recordar que a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, como F. Gielen, escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório.
51. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no presente caso, essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
52. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência, como é essencialmente observado pelo advogado-geral no n.° 52 das suas conclusões, validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório.
53. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa.”
Em conclusão, “Resulta de todas as considerações que precedem que o artigo 49.° TFUE se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.”
Assim sendo, face ao supra exposto, a existência de um regime opcional de equiparação dos não residentes a residentes, não afasta a invalidade do regime discriminatório, ainda em vigor, decorrente da não aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS às pessoas singulares não residentes.
(…)
Assim, a liquidação emitida pela AT, na qual, para cálculo da mais-valia realizada por pessoa singular residente na União Europeia com a alienação de bem imóvel sito em Portugal, não considerou a regra do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, é ilegal por violação do disposto no artigo 63.º do TFUE.
C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“ 14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais- valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”
D – Concluindo o Acórdão fundamento que:
“20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.
(…)
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”
E – Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.
F – Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
• as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
• haja identidade na questão fundamental de direito;
• se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
• a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
G - As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.
H - Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.
I - Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.
J - As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
K - Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

2 – Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela manutenção da decisão arbitral sob recurso, porquanto à excepção da peregrina e destemida decisão arbitral fundamento a generalidade da jurisprudência tem considerado que o regime que resulta da conjugação do artigo 43.º,n.º 2 com o artigo 72.º, n.º 2, ambos do Código do IRS, é discriminatório e violador da liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do TFUE;


3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da verificação dos pressupostos do recurso para uniformização de jurisprudência e, quanto ao mérito, no sentido de que o recurso não merece provimento.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.

- Fundamentação –

5 – Questões a decidir
Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e bem assim a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.
Verificados aqueles pressupostos, haverá que conhecer do mérito do recurso.

6 – Matéria de facto
6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:
a) No ano de 2018, os Requerentes residiram na ………….., ……………, 28109 Madrid, Espanha;
b) Em 03-09-2018, os Requerentes alienaram a fração autónoma designada pela letra “....”, correspondente ao ………., destinado a habitação, do prédio urbano sito na Avenida …………., n.ºs ……… e ………., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1047 e inscrito na ,matriz da freguesia do Areeiro sob o artigo 118, supra identificado, pelo valor de €740.000 (setecentos e quarenta mil euros), que tinham adquirido em 10-02-2016 pelo preço de € 425.000,00 (quatrocentos e vinte e cinco mil euros);
c) Em 25-06-2019, o Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, juntamente com o Anexo G – “Mais-valias e outros Incrementos Patrimoniais”;
d) Na referida declaração, no quadro 8B, o Requerente assinalou, no campo 04 e 06, que era não residente e que tinha a sua “Residência em país da UE ou EEE”, sendo esta a título parcial, ou seja, 01-01-2018 a 30-11-2018: (imagem)
e) No anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2018, o Requerente declarou a mais-valia resultante da alienação da sua quota-parte no imóvel identificado supra, inscrevendo, no quadro 4: (imagem)
f) O requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 20195005569975 correspondente à Nota de cobrança de IRS n.º 2019.6350313, relativa ao ano de 2018, no valor de €33.442,50 (trinta e três mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos), com data limite de pagamento em 06-09-2019: (imagem)
g) O Requerente efetuou o pagamento da liquidação em 03-09-2019.
h) Os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral em 02-12-2019.

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento:
1- O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;
2- O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).
3- Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
4- E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).
5- Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fracção autónoma designada pela letra ...., a que corresponde o ……… …, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ……. …, n.º … Letras ….. … …..., freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo 807 (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de € 255,000,00 (Doc. 3).
A referida fracção havia sido adquirida pelo preço de € 90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).
3.2 - Fracção autónoma designada pela letra …., a que corresponde o …. …., destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ………, n.º …., em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 539 (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de € 155,000,00 (Doc. 5).
A referida fracção havia sido adquirida pelo preço de € 55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de € 21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de € 19.805,40.
3.4 - Rendimentos prediais de € 4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas fracções autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.
6- A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de € 46.551,36 (Doc. 7), posteriormente rectificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de € 47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de € 483,20 (Doc.8).
7- O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 46.551,31 em 24-08-2018 e também de € 483,20 na mesma data, num total de € 47.034,56 (Doc.s 9 e 10).
8- Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e colectável de € 167.980,58 e a colecta de €47.034,56 (à taxa de 28%).
9- O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 46.551,31 e também de € 483,20, num total de € 47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10)».


7 – Decidindo
7.1. Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se entre as decisões arbitrais, recorrida e fundamento, existe contradição sobre a mesma questão fundamental de direito e se a decisão recorrida perfilha orientação conforme à jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, caso em que o recurso não deve ser admitido, ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT.
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento é exigível «que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)».
No caso dos autos, não há diferendo das partes quanto à existência de oposição juridicamente relevante entre as decisões arbitrais, pronunciando-se o Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal no mesmo sentido.
Assim o julgamos também.
Em ambas as decisões a questão decidenda era a de saber se a exclusão de tributação em IRS de 50% das mais-valias imobiliárias prevista no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, obtidas em território português por não residentes em Portugal mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia (Espanha, em ambos os casos, embora na decisão recorrida a residência tivesse sido a título parcial – cfr. a alínea d) do probatório fixado, mas sem que daí se extraísse qualquer consequência), podia não lhes ser aplicável sem violação do direito europeu, designadamente do disposto no artigo 63.º n.º 1 do TFUE - principio da Liberdade de Circulação de Capitais - , tendo a decisão arbitral recorrida decidido em sentido negativo, anulando a liquidação impugnada e condenando a AT ao pagamento de juros indemnizatórios e a decisão arbitral-fundamento decidido em sentido afirmativo, mantendo a liquidação impugnada (e naturalmente julgando improcedente o pedido de pagamento dos juros).
Não obstante a verificada contradição, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do mérito, porquanto a decisão recorrida se encontra em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada deste STA sobre a matéria.
Efectivamente, no passado dia 9 de Dezembro foram proferidos em Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal administrativo dois Acórdãos – proferidos nos processos n.º 75/20.6BALSB e n.º 64/20.0BALSB -, pelos quais se consolidou o entendimento – já antes consagrado em Acórdãos da Secção -, segundo o qual o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, ou, na outra versão, Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.
II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Estando a decisão recorrida em plena sintonia harmonia com esta jurisprudência do STA, que entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, porquanto dispõe o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, que O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, o que se verifica in casu.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente.

Comunique-se ao CAAD.

Assinado digitalmente pela Relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 20 de janeiro de 2021. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.