Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:04/15.9BEBRG 0788/17
Data do Acordão:04/13/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
LEGITIMIDADE PASSIVA
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Sumário:I - Conforme o regime estabelecido na Lei 67/2007, 31.12, a legitimidade passiva compete à pessoa colectiva de direito público contra quem é formulado o pedido condenatório, nos exactos termos da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor [artº 10º/2 CPTA] e não ao órgão administrativo que dela faça parte [artº 20º/1 CPA], posto que, ao contrário da pessoa colectiva e salvo os casos excepcionais reconhecidos na lei, o órgão não tem personalidade jurídica, sendo destituído de personalidade judiciária e, por isso, insusceptível de ser parte no processo.
II - No domínio do ilícito funcional a responsabilidade das entidades públicas continua a ser própria e exclusiva em caso de culpa leve dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes [artº 7º/1] passando a ser solidária quando estes tenham procedido com dolo ou culpa grave [artº 8º/1] devendo o demandante alegar os factos que demonstram a existência de culpa grave, sob pena de insuficiência de causa de pedir quando não se aleguem os factos concretos que a concretizam, ou de ilegitimidade passiva do funcionário quando os factos alegados configurem mera culpa leve.
III - O despacho de aperfeiçoamento dirigido a possibilitar que o Autor corrija insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada [artºs 87º/3 CPTA, 590º/4 CPC], destina-se unicamente a completar ou esclarecer a peça processual, eliminando certas ambiguidades ou imprecisões de que padeça ou completando-a com a alegação de circunstâncias complementares e não pode ser utilizado para alterar o pedido ou a causa de pedir, devendo o despacho como o subsequente articulado da parte conter-se no âmbito da causa de pedir invocada.
IV - Conforme o regime estabelecido na Lei 67/2007, 31.12, a legitimidade passiva compete à pessoa colectiva de direito público contra quem é formulado o pedido condenatório, nos exactos termos da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor [artº 10º/2 CPTA] e não ao órgão administrativo que dela faça parte [artº 20º/1 CPA], posto que, ao contrário da pessoa colectiva e salvo os casos excepcionais reconhecidos na lei, o órgão não tem personalidade jurídica, sendo destituído de personalidade judiciária e, por isso, insusceptível de ser parte no processo.
V - No domínio do ilícito funcional a responsabilidade das entidades públicas continua a ser própria e exclusiva em caso de culpa leve dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes [artº 7º/1] passando a ser solidária quando estes tenham procedido com dolo ou culpa grave [artº 8º/1] devendo o demandante alegar os factos que demonstram a existência de culpa grave, sob pena de insuficiência de causa de pedir quando não se aleguem os factos concretos que a concretizam, ou de ilegitimidade passiva do funcionário quando os factos alegados configurem mera culpa leve.
VI - O despacho de aperfeiçoamento dirigido a possibilitar que o Autor corrija insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada [artºs 87º/3 CPTA, 590º/4 CPC], destina-se unicamente a completar ou esclarecer a peça processual, eliminando certas ambiguidades ou imprecisões de que padeça ou completando-a com a alegação de circunstâncias complementares e não pode ser utilizado para alterar o pedido ou a causa de pedir, devendo o despacho como o subsequente articulado da parte conter-se no âmbito da causa de pedir invocada.
Nº Convencional:JSTA00071711
Nº do Documento:SA12023041304/15
Data de Entrada:09/13/2017
Recorrente:AA e OUTROS
Recorrido 1:BB e OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: CC e DD, respectivamente, ex Directora e funcionária pública do Centro Distrital de Braga do Instituto de Segurança Social, IP e AA, ex Director do Centro Nacional de Pensões, inconformados com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10.03.2017 que revogou o saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 05.07.2016 e ordenou a baixa dos autos para regularização e prossecução da instância nos termos ordenados, dele vêm recorrer mediante requerimentos autónomos com identidade de conclusões, como segue:

1. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário

2. Apenas consentem recurso nos termos do n.° 1 do art° 150.° do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

3. Não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução dos litígios.

4. Nestes termos, a relevância jurídica fundamental verificar-se-á quando a questão a apreciar seja de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efectuar, quando se esteja perante um enquadramento normativo particularmente complexo ou quando se verifique a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídicamente indispensáveis à resolução das questões suscitadas.

5. Já a relevância social fundamental verificar-se-á nas situações em que esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, ou nas situações em que se possa entrever, ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes ou em que esteja em causa matéria particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário.

6. Por outro lado, admissão da revista pela clara necessidade de uma melhor aplicação do direito terá lugar quando, perante as características do caso concreto, se revele a possibilidade de esse caso ser visto como um caso-tipo, contendo uma questão bem caracterizada passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão pelas instâncias se mostre juridicamente insustentável ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

7. Parece-nos que, de acordo com o disposto no art° 150°, números 1 e 2 do CPTA, o presente recurso de revista deve ser admitido, pois estão em causa questões que, pela sua relevância jurídica, se revestem de importância fundamental, além de que a admissão do presente recurso se nos afigura claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

8. Por outro lado, estão em causa neste recurso questões jurídicas relevantes e que se revestem de importância fundamental, desde logo as seguintes: legitimidade passiva do Estado Português em acções de responsabilidade civil quando incumbe a um qualquer órgão da administração a prática ou desenvolvimento de actividade que se prende com direitos dos particulares e a legitimidade passiva de funcionários do ISS, IP quando não é alegada actuação com dolo ou culpa.

9. De facto, compulsando os autos, podemos constatar que este processo teve duas decisões opostas entre si e adoptou posições claramente contrárias à jurisprudência dominante no STA.

10. Além disso, trata-se de uma questão que, pela potencialidade de repetição justifica a admissão do recurso excepcional.

11. Em nosso entender, mal andou o TCA ao decidir pela legitimidade passiva quer do Estado Português, quer das Rés CC e DD, assim entendemos ser de revogar a decisão sob escrutínio no nosso ordenamento jurídico e determinar a procedência do presente recurso.

12. Efectivamente, decorre do art. 10°, n° 1 do CPTA que cada “(...) acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor (...)”. Sendo que, nos termos do n° 2, quando “(...) a acção tiver por a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos (...)”.

13. No caso dos autos o Autor, em sede de petição inicial demandou o Estado Português e um funcionário do CNP e duas funcionárias do Centro Distrital de Braga, o que, atendendo à causa de pedir e aos pedidos formulados não se nos afigura respeitar o preceituado nos arts. 10°, n°s 1, 2 e 4 e 11°, n° 2 do CPTA, por não ser aquela a entidade que detém a legitimidade passiva para a acção.

14. Assim, a acção não foi intentada contra a entidade a quem incumbe o reconhecimento do direito que o autor pretende fazer valer, não sendo o Estado Português detentor de legitimidade passiva para ser demandado.

15. Aliás, como o próprio acórdão reconhece na página 13, quando refere;” o Estado demandado, em vez destas entidades dotadas, para o efeito, de personalidade judiciária, é, portanto em bom rigor, parte ilegítima”.

16. Nos Acs. do TCAN de 22.02.2007, Proc. 02242/04.OBEPRT, de 24.05.2007, Proc. 00184/05.1 BEPRT e de 21.02.2008, Proc. 00639/06.0BEBRG-A, entendeu-se, solução que merece o nosso total acordo, que só nas acções de contratos ou nas acções de responsabilidade “pura” é que a legitimidade passiva pertence ao Estado, sendo que em todas as outras em que incumbe a um qualquer órgão da administração a prática ou desenvolvimento de actividade que se prende com direitos dos particulares a legitimidade passiva pertence ao Ministério/órgão respectivo.

17. Não se alcança a argumentação esgrimida no acórdão em apreço, quando diz:”Mas, por um lado, estas entidades públicas, apesar de autónomas para efeitos processuais não são entidades absolutamente distintas e alheias à entidade Estado, antes nele se integram num conceito amplo. Neste sentido, o Autor, ao demandar o Estado no seu todo, não demandou entidade distinta daquelas que deveria ter demandado mas uma entidade mais alargada."

18. Em bom rigor, o Instituto de Segurança Social IP é um instituto público, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, sendo certo que o ISS, IP não é uma entidade fora do Estado, apenas é uma entidade jurídica diferente do Estado, e que não figura na presente acção.

19. Assim, atendendo à personalidade jurídica e judiciária do ISS,IP ao qual se aplica o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas é forçoso concluir que quem detém legitimidade processual passiva é o Instituto de Segurança Social, IP e não o Estado Português.

20. A ilegitimidade de qualquer das partes constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do pedido, importando a absolvição da instância.

21. Estamos, assim, perante ilegitimidade singular que é insanável, não havendo lugar a despacho de aperfeiçoamento, conduzindo, como bem conduziu em primeira instância, à absolvição da instância, aliás na esteira do voto de vencido sufragado neste processo.

22. Termos em que, advoga-se que o acórdão recorrido padece do erro de julgamento que o Recorrente lhe imputa devendo ser o mesmo revogado.

23. Cumpre notar que, deve proceder a invocada excepção de ilegitimidade passiva dos réus pois entendemos que estes só poderiam ser co-responsabilizados pelo pagamento da indemnização se tivesse sido alegado que agiram com dolo e tal alegação não foi feita porque em parte nenhuma da petição inicial vem alegado que aqueles réus agiram com dolo ou sequer com negligência grosseira.

24. Nem se invoque, para sustentar a legitimidade dos réus, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, defendendo, no que respeita às excepções dilatórias, que o tribunal devia ter "consultado" as partes e concedendo-lhes prazo para apresentar peça processual aperfeiçoada, quando o Autor, na sua petição inicial, não especificou o título pelo qual pretendia ser ressarcido.

25. Mais uma vez se reforça que, por falta de alegação de factos essenciais à procedência da acção, por não vir alegado que os réus tenham agido com dolo ou sequer negligência grosseira, alegação indispensável à sua responsabilização pelo pagamento da indemnização peticionada, a excepção deve ser julgada procedente.

26. Na verdade, como tem sido reiteradamente salientado na jurisprudência administrativa (cfr., por todos, o Acórdão do STA, P. 0295/05 e, no mesmo sentido, nomeadamente, o Acórdão do TCAN, de 17.01.2008, P. 00425/06.8BEBRG), "nos termos dos artigos 2.° e 3.° do DL 48.051, de 21/11/67, a acção proposta contra o Estado ou pessoa colectiva pública para efetivação de responsabilidade civil por facto ilícito praticado por agente seu, no exercício das suas funções e por causa dele, só pode ser dirigida contra este último quando as lesões que deram origem aos prejuízos peticionados tiverem sido provocadas com dolo."

27. Do mesmo modo, o actual artigo 8.°, n°1 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei n.° 67/2007), estipula que "os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo".

28. Ou seja, apenas perante uma actuação dolosa haverá responsabilidade solidária do titular do órgão ou agente e da Administração, sendo que no caso de actuação negligente a responsabilidade será exclusiva da Administração, embora com direito de regresso perante o titular do órgão ou agente no caso de ter havido diligência e zelo manifestamente inferiores aos que eram devidos em razão do cargo.

29. Além disso, contrariamente ao decidido no douto acórdão, tal falha de alegação não é susceptível de ser suprida através de um convite ao aperfeiçoamento, pois traduz uma omissão de alegação de factos essenciais, estruturantes da causa de pedir, e não uma situação de simples insuficiência ou imprecisão dos factos alegados, estando vedado ao tribunal substituir-se à parte no cumprimento daquele ónus de alegação, sob pena de violação dos princípios da imparcialidade e da igualdade entre as partes.

30. Como referido no Acórdão TCAN, de 05.06.2015, P. 00482/05.4BEBRG, "O convite ao aperfeiçoamento da exposição da matéria de facto só deve ter lugar em situações de insuficiência ou imprecisão dos factos alegados, o que pressupõe que tenham sido suficientemente alegados os factos essenciais que consubstanciem a causa de pedir do pedido formulado (cfr. artigo 508° do CPC, na versão anterior à Lei n.° 41/2013, correspondente ao actual artigo 590.°)."

31. Pelo que, vislumbra-se uma nulidade da decisão recorrida pois impunha-se ao tribunal recorrido concluir, pela procedência da pretensão formulada pelos réus, face à não verificação dos requisitos a que se subordina a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos e, nomeadamente, à total omissão de alegação de factos essenciais e indispensáveis à procedência da acção contra os réus.

32. Ora, como se sabe, cumpre ao Autor indicar os factos indispensáveis à viabilização do pedido formulado em juízo e aqueles que, não o sendo, são, no entanto, complementares e densificadores da essencialidade daqueles factos, já que o juiz só pode fundar a sua decisão em factos alegados pelas partes, salvo se se tratar de factos notórios e de factos instrumentais que resultem de outros que tenham sido alegados e que decorram da instrução do processo. - vd. art.°s 552.° e 412.° do CPC.

33. E, porque assim, isto é, porque o Autor não alegou factos que, provados, pudessem conduzir à conclusão de que os Réus tinham agido com dolo bem andou o Sr. Juiz a quo, ao sanear o processo, determinando a absolvição da instância por verificada a excepção de ilegitimidade passiva dos réus.

34. Atento todo o exposto, a decisão ora em análise, violou os princípios da imparcialidade e da igualdade, como também tomou conhecimento de questão de que não podia tomar conhecimento.

35. Por último, parece-nos que a decisão proferida pelo TCA é nula pois está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), isto porque, a nosso ver e salvo melhor opinião, o acórdão padece de ininteligibilidade e excesso de pronúncia por o tribunal ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.

36. Nos termos do preceituado no citado, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.

37. Mais uma vez, salvo o devido respeito, parece-nos que o acórdão proferido traça o regime jurídico aplicável, analisando o mérito, sendo que adianta já a solução jurídica para o processo, terminando com o convite à regularização da instância nos termos propostos.

38. Pelo que deve considerar-se nulo, por vício de “ultra petita”, o presente acórdão pois invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

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O Recorrido BB contra-alegou, pugnando pela manutenção do decido.


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Mediante acórdão da Formação de Apreciação Preliminar deste STA foi decidido admitir a revista.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido, para cujo contexto se remete.

DO DIREITO

Nas conclusões de recurso vem assacado o acórdão de incorrer em violação de lei adjectiva nas seguintes matérias:

a) nulidade por vícios de ininteligibilidade, excesso de pronúncia e objecto diverso (ultra vel extra petita partium) …………………………itens 35 a 38;
b) ilegitimidade passiva do Estado Português e dos funcionários do Centro Nacional de Pensões e Centro Distrital de Braga do Instituto de Segurança Social IP ……….………............ itens 11 a 23;
c) insusceptibilidade de despacho de aperfeiçoamento ……………………….. itens 24 a 34 .

a. nulidade de sentença por vícios de ininteligibilidade, excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso (ultra vel extra petita partium);

Diz-se que há excesso de pronúncia, artºs. 95º nº 1 CPTA e 615º nº 1 d) CPC, quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

Por seu turno, verifica-se um vício lógico de construção da sentença em caso de ambiguidade ou obscuridade na exposição dos fundamentos invocados que torne a decisão ininteligível, artº 615º nº 1 c) CPC.

Relativamente à violação da regra dos limites da condenação, artº 661º CPC, a sentença é nula se condenar em objecto diverso do pedido, isto é, diverso da pretensão do Autor identificada pela providência solicitada na acção e traduzida na situação ou posição jurídica material a ser tutelada pelo direito invocado, artºs. 95º nº 2 CPTA e 615º nº 1 e) CPC.

Todavia, no caso presente o que se verifica é a discordância das partes relativamente ao discurso jurídico fundamentador em matéria de legitimidade passiva sustentado no acórdão recorrido, discordância enquadrável na violação de lei adjectiva por indevida interpretação e aplicação do direito e consequente erro de julgamento e não na violação de lei adjectiva sancionada com a nulidade do aresto por excesso de pronúncia, objecto diverso do pedido ou ininteligibilidade.

Pelo exposto, improcede a assacada nulidade do acórdão recorrido fundada em omissão de pronúncia trazida a recurso nos itens 35 a 38 das conclusões.

b. legitimidade passiva;

O Recorrido BB interpôs a presente acção administrativa comum de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado Português, um funcionário do Centro Nacional de Pensões e duas funcionárias do Centro Distrital de Segurança Social de Braga, serviços do Instituto de Segurança Social IP, pedindo a título principal a condenação dos RR no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais com fundamento na perda das remunerações com a cessação do contrato de trabalho e, subsidiariamente, na perda dos subsídios da pensão permanente de invalidez por não ter sido considerado incapaz para o exercício do trabalho.

O TAF de Braga julgou procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva dos RR, absolvendo-os da instância pelos fundamentos constantes do segmento que se transcreve:

“(..) Em face dos pedidos formulados, e dos respectivos fundamentos para tanto expostos ao longo da petição inicial, sobressai que o Autor pretende ser ressarcido dos prejuízos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos em consequência da actuação alegadamente ilícita dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. (Centro Nacional de Pensões e Centro Distrital de Braga) e dos seus funcionários.

O Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS) é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com natureza de instituto público (cfr. art. 1º do Decreto-Lei nº 83/2012, de 30 de Março, que aprovou a orgânica do ISS).
O Centro Distrital de Segurança Social de Braga é um serviço desconcentrado do ISS, como sobrevém do art. 17.° da Portaria nº 135/2012, de 08 de Maio, que aprovou os Estatutos do Instituto da Segurança Social, I.P.
Por seu turno, o Centro Nacional de Pensões é também um serviço do ISS, como decorre dos artigos 1º, nº 1 e 20º da Portaria nº 135/2012, competindo-lhe a gestão das pensões previstas no Decreto-Lei n.° 187/2007, de 10 de Maio (que aprovou o regime de protecção nas eventualidades invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de Segurança Social), designadamente (nº 2 do art. 75.°do aludido Decreto-Lei nº 187/2007):

a) A atribuição do direito às pensões, incluindo os complementos sociais;
b) A realização do cálculo, processamento e pagamento das pensões;
c)A disponibilização de informação, ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo, sobre a simulação do montante provável de pensão. ”

Conforme se atesta nos autos, foram os Serviços do ISS e os seus funcionários que emitiram as comunicações ou informações que o Autor reputa de inexactas e contraditórias quanto à sua pensão de invalidez e que, alegadamente, terão dado causa à perda do emprego e da pensão por parte do Autor.
Daqui releva que a relação material controvertida, tal como o Autora configura, se estabelece entre o Instituto da Segurança Social, I.P. e o Autor, surgindo, inevitavelmente, o Estado Português como parte ilegítima, nos termos do nº 1 do art. 10º do CPTA.
A este propósito, importa ainda assinalar que, nos presentes autos, o Instituto da Segurança Social, I.P, não foi demandado, não foi citado, não constituiu mandatário e não deduziu contestação, ao contrário do que o Autor parecer fazer crer em sede de resposta à matéria de excepção


*.
Quanto aos Réus CC, DD e AA, demandados na qualidade de funcionários do ISS, IP, a sua legitimidade tem de ser aferida pela concreta alegação fáctica.
A sua responsabilização encontra-se limitada aos casos de dolo ou culpa grave, como se afere da previsão contida no nº 1 do art. 8º Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (doravante RR CEE), aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, segundo a qual "os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.”
Compulsada a petição inicial, verifica-se que o Autor não imputa qualquer comportamento doloso aos referidos Réus, pelo que estaríamos no âmbito de responsabilidade civil extracontratual exclusiva do ISS, nos termos do art. 7º, nº 1 do RRCEE, por culpa leve (presumida) dos seus funcionários no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
Portanto, ainda que a acção procedesse, nunca os referidos Réus seriam objecto de condenação, atento o modo como o autor constrói a relação controvertida.
Não fazendo, por isso, os Réus CC, DD e AA parte da relação material controvertida, ou seja, não são parte legítima.
Pelo exposto, julgo procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva dos Réu Estado Português bem como dos Réus CC, DD e AA e, em consequência, absolvo os mesmos da instância. (..)”


***

Em via de recurso o TCAN proferiu acórdão revogatório da decisão do TAF de Braga e ordenou a baixa dos autos à 1ª Instância “(..) para prosseguir os ulteriores termos, com convite à regularização da instância nos termos supra expostos e para apreciação do mérito da acção pedido, se nada mais a tal obstar.(..)”.

Quanto à ilegitimidade passiva do Estado Português no acórdão recorrido fundamentou-se como segue:

“(..) em face dos pedidos formulados e dos respectivos fundamentos, alinhados na petição inicial, o Autor pretende ser ressarcido dos prejuízos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos em consequência da actuação alegadamente ilícita dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P. (Centro Nacional de Pensões e Centro Distrital de Braga) e dos seus funcionários.

A causa de pedir na presente acção funda-se, portanto, na responsabilidade civil extracontratual prevista na Lei n° 67/2007, de 31.12.

É certo também que o Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS) é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com natureza de instituto público, nos termos do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 83/2012, de 30.03; o Centro Distrital de Segurança Social de Braga é um serviço desconcentrado do ISS, face ao disposto no artigo 17° da Portaria n° 135/2012, de 08.05; e, finalmente, o Centro Nacional de Pensões é um serviço do ISS, como decorre dos artigos 1º n° 1 e 20° da Portaria n° 135/2012.

Pelo que, do lado passivo, deveriam ter sido estas entidades a figurar na petição inicial como entidades demandadas.

O Estado demandado, em vez destas entidades dotadas, para o efeito, de personalidade judiciária, é, portanto em bom rigor, parte ilegítima.

Mas, por um lado, estas entidades públicas, apesar de autónomas para efeitos processuais não são entidades absolutamente distintas e alheias à entidade Estado, antes nele se integram num conceito amplo.

Neste sentido, o Autor, ao demandar o Estado no seu todo, não demandou entidade distinta daquelas que deveria ter demandado mas uma entidade mais alargada.

Por outro lado, não estamos aqui perante um caso de eventual ilegitimidade passiva singular mas de ilegitimidade passiva plural dado que, a petição inicial termina, pedindo a condenação, indistinta, do Réu Estado Português e dos Réus AA, Director do Centro Nacional de Pensões, DD, funcionária do Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Braga, e CC, Directora do Instituto da Segurança Social IP, Centro Distrital de Braga, o que integra uma situação de responsabilidade solidária, nos termos em que a acção é configurada - artigo 497°, n°1, do Código Civil.

Pelo que, a existir ilegitimidade passiva de apenas algum ou alguns dos Réus, e não de todos, nunca seria caso de julgar extinta toda a instância e pôr assim termo ao processo ... mas antes de suprir tal ilegitimidade convidando o Autor a suprir tal excepção no prazo de 10 dias contados da notificação para o efeito, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 88° do CPTA (na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02.10, que apenas iniciou a sua vigência em 01.12.2015 e, por isso, não se aplica ao caso concreto).

Logo por aqui, ao absolver pura e simplesmente o Réu Estado Português, da instância, ao invés de convidar, como deveria ter convidado, o Autor a suprir essa ilegitimidade passiva, a decisão recorrida errou, pelo que, logo nesta vertente, procede o recurso jurisdicional. (..)”


*

Relativamente à absolvição da instância por ilegitimidade passiva dos funcionários demandados, o acórdão do TCAN pronunciou-se como segue:

“(..) Quanto à absolvição da instância dos funcionários demandados também se mostra errada, no nosso entendimento, a decisão recorrida.

A causa de pedir na presente acção funda-se na responsabilidade civil extracontratual prevista no RRCEEP, aprovado peia Lei n° 67/2007, de 31.12, sendo, como tal, constituída pelo facto voluntário, ilícito, culposo, gerador de danos e pelo nexo de causalidade adequada entre o facto e os danos verificados.

Todos estes elementos são constitutivos do direito do Autor a ser indemnizado, pelo que o ónus da sua alegação e prova compete ao Autor (artigo 342°, n° 1, do Código Civil).

Como se refere na decisão recorrida, a responsabilidade directa dos titulares de órgãos … funcionários e agentes encontra-se limitada aos casos de dolo ou culpa grave, como resulta do disposto no n° 1 do artigo 8º do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas.

Sucede que, desde logo, na decisão recorrida se dá um salto lógico ao concluir-se que não imputando o Autor qualquer comportamento doloso a estes Réus estaríamos no âmbito de responsabilidade civil extracontratual exclusiva do ISS, nos termos do artigo 7° n° 1 do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas, pelo que os mesmos seriam partes ilegítimas.

Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são solidariamente responsáveis com as pessoas colectivas em que se integram, não apenas no caso de condutas dolosas mas também quanto aos "danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo”, face ao disposto no n° 1 do artigo 8º do Regime da Responsabilidade Civil do Estado e Demais Entidades Públicas.

Quanto a afirmar que as faltas, imputadas na petição inicial àqueles agentes foram cometidas ou não "com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo”, trata-se de mera conclusão jurídica a retirar dos factos alegados.

E se os factos alegados não são, à partida, suficientes para integrar tal conclusão, sempre será caso de convite à correcção do articulado inicial e não de absolvição pura e simples da instância - artigo 88°, n°2, do CPTA, e artigo 508°, n.°1, alíneas a) e b), do CPC.

E, em todo o caso, não se verificando, o que sucede é que a acção claudica por falta de prova de um dos pressupostos. Mas nesse caso o que se verifica é a falta de uma condição de procedência da acção e não a falta de um pressuposto processual, designadamente da legitimidade passiva.

Trata-se de uma questão de mérito.

Não tendo sido invocados - e não podendo ser por não se terem verificado - factos que permitam concluir pela culpa grave dos Réus pessoas singulares, a acção claudica quanto a eles - e apenas quanto a eles - por uma questão de mérito, pela falta também de um pressuposto de procedência.

Não se verifica, em qualquer caso, também a ilegitimidade passiva dos Réus pessoas singulares. (..)”


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Feita a transcrição da pronúncia das Instâncias na parte que importa, vejamos as questões suscitadas conforme conclusões de recurso.

c. responsabilidade própria e exclusiva da entidade pública;

No domínio da presente acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, conforme o regime estabelecido na Lei 67/2007, 31.12, a legitimidade passiva compete à pessoa colectiva de direito público contra quem é formulado o pedido condenatório nos exactos termos da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor – vd. artº 10º nº 2 CPTA.

Deste modo, nas acções deduzidas contra pessoas colectivas de direito público a legitimidade passiva compete à pessoa colectiva pública e não ao órgão administrativo que dela faça parte (artº 20º nº 1 CPA), posto que, ao contrário da pessoa colectiva e salvo os casos excepcionais reconhecidos na lei, o órgão não tem personalidade jurídica, sendo destituído de personalidade judiciária e, por isso, insusceptível de ser parte no processo. (Pedro Costa Gonçalves, Manual de direito administrativo, Vol. 1, Almedina/2019, págs. 569-571; Vieira de Andrade, A justiça administrativa – lições, 17ª ed. Almedina/2019, págs.276-277. )

No domínio do ilícito funcional esclarece a doutrina que “(..) a responsabilidade das entidades públicas continua a ser própria e exclusiva, em caso de culpa leve dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes [artº 7º/1] .. passando a ser solidária quando estes tenham procedido com dolo ou culpa grave [artº 8º/1] (..) O demandante não poderá deixar, no entanto, de alegar os factos que demonstram a existência de culpa grave e justificam a intervenção processual do servidor, quando a obrigação seja exigida apenas a este ou a ambos os devedores, sob pena de insuficiência de causa de pedir quando não se aleguem os factos concretos que concretizam a culpa grave, ou de ilegitimidade passiva do funcionário quando os factos alegados configurem mera culpa leve. (..)” (Carlos Cadilha, Regime da responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2ª ed. Coimbra Editora/2011, págs.140 e 170.)

Todavia, a relação material controvertida tal como configurada pelo Autor na petição inicial não permite considerar os Demandados, o Estado Português e os funcionários, como partes legítimas na acção.

No caso dos autos, em sede de petição inicial o Autor deduziu contra todos os demandados o pedido condenatório em indemnização, assim configurando a legitimidade passiva sob a forma de litisconsórcio voluntário assente numa eventual responsabilidade solidária extracontratual do Estado Português e de três funcionários do Centro Distrital de Braga da Segurança Social e Centro Nacional de Pensões que, no exercício de funções públicas à data dos factos, teriam dado causa à perda das remunerações do Autor com a cessação do contrato de trabalho e dos subsídios da pensão de invalidez por não ter sido considerado incapaz para o exercício do trabalho.

Porém, tomando em consideração a matéria de facto alegada no petitório e o regime da Lei 67/2007, 31.12 verifica-se que o Autor configura a relação material controvertida no domínio do ilícito funcional por culpa leve imputada aos três funcionários demandados na medida em que os factos alegados se reportam exclusivamente ao envio ao Autor e ora Recorrido de ofícios do Centro Distrital de Braga e do Centro Nacional de Pensões assinados pelos funcionários demandados.

E nada mais.

Para além do referido envio de documentação pelos serviços administrativos, a petição inicial nada mais aporta ao processo em termos de matéria de facto que, do ponto de vista do Autor que peticiona a condenação indemnizatória, concretize uma acção ou omissão de deficiente cumprimento das tarefas administrativas por parte dos mencionados funcionários, como diz a lei “com diligência ou zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontram obrigados em razão do cargo” (negligência grave), ou o cumprimento dessas tarefas laborais de forma conscientemente anormal e deficiente por reporte à lex artis vigente nos serviços, como diz a lei “com dolo” – cfr. artº 8º nº 1 Lei 67/2007.

O que significa que a responsabilidade da entidade pública é configurada na petição inicial como própria e exclusiva – cfr. artº 7º nº 1, DL 67/2007 – posto que, como já referido, a responsabilidade das entidades públicas só passa a ser solidária quando os titulares dos órgãos, funcionários ou agentes tenham procedido com dolo ou culpa grave – cfr. artº 8º nº1 DL 67/2007.

d. despacho de aperfeiçoamento – alteração da causa de pedir;

Por outro lado, não se acompanha o entendimento sustentado no acórdão recorrido de que “… afirmar que as faltas, imputadas na petição inicial àqueles agentes foram cometidas ou não "com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo”, trata-se de mera conclusão jurídica a retirar dos factos alegados se os factos alegados não são, à partida, suficientes para integrar tal conclusão, sempre será caso de convite à correcção do articulado inicial e não de absolvição pura e simples da instância - artigo 88°, n°2, do CPTA, e artigo 508°, n.°1, alíneas a) e b), do CPC …”.

Não obstante a lei adjectiva admitir, tanto no regime administrativo como no processual civil, que o despacho de aperfeiçoamento tenha por objecto aspectos substanciais do articulado por insuficiência de matéria de facto – vd. artº. 88º nºs. 1 e 2 CPTA, actual artº 87º nº 3 CPTA/2015, tal como no artº 590º nº 4 CPC/2013 - todavia, há limitações legais a observar.

Desde logo, por disposição de lei expressa não é admissível a alteração do pedido ou da causa de pedir fora do quadro determinado pelo artº 265º CPC, a saber, em via de confissão feita pelo réu (ou pelo autor reconvindo) e aceite pelo autor (ou réu reconvinte).

O que significa que o despacho de aperfeiçoamento dirigido a possibilitar que o Autor corrija “(..) insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada … destina-se unicamente a completar ou esclarecer a peça processual, eliminando certas ambiguidades ou imprecisões de que padeça ou completando-a com a alegação de circunstâncias complementares e não pode ser utilizado para alterar o pedido ou a causa de pedir (..)” (Mário Aroso e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5ª ed. Almedina/2021, pág.701; )

Estão, assim, excluídas da possibilidade de aplicação do remédio do aperfeiçoamento tanto às situações “(..) em que a causa de pedir ou a excepção não se apresentam identificadas mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito … nomeadamente por exclusiva utilização de expressões de conteúdo técnico-jurídico (..)” como “(..) a utilização do despacho de aperfeiçoamento para suscitar a invocação, pela parte, de nova ou distinta causa de pedir … O despacho de aperfeiçoamento e o subsequente articulado da parte devem conter-se no âmbito da causa de pedir .. invocada. (..)” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil – anotado, Vol. 2º , 3ªed., Almedina/2018, pág. 634.)

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Aplicando o exposto ao caso dos autos e como já referido, o Autor ora Recorrido substanciou o pedido de condenação dos funcionários do Centro Distrital de Braga e do Centro Nacional de Pensões em matéria de facto exclusivamente enquadrável em responsabilidade civil por eventual ilícito funcional por culpa leve imputada aos três funcionários demandados e consequente responsabilidade própria e exclusiva da entidade pública demandada, o Estado Português, de conformidade com o regime do artº 7º nº 1 Lei 67/2007.

De modo que o convite ao aperfeiçoamento do articulado inicial não constitui um meio processual admissível para, por recurso ao aditamento de matéria de facto anteriormente não alegada, alterar a responsabilidade própria e exclusiva da entidade pública demandada para a responsabilidade desta em regime de solidariedade com os funcionários demandados, assim propiciando ao Autor sustentar o eventual procedimento funcional dos funcionários com dolo ou negligência grave em conformidade com o regime prescrito no artº 8º nº1 DL 67/2007.

E não é admissível porque tal aditamento de matéria de facto para fundamentar o regime da solidariedade passiva entre a entidade pública e os funcionários traduzir-se-ia na invocação pelo Autor de uma causa de pedir nova, omissa na versão inicial da petição.

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Neste sentido, o caso em apreço não admite a prolação de despacho de aperfeiçoamento para suprir a omissão de matéria de facto que concretize a eventual negligência grave ou dolo na actuação dos sujeitos singulares demandados na qualidade de funcionários do Centro Distrital de Braga da Segurança Social e Centro Nacional de Pensões, pelo que, nos exactos termos da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor, estes carecem de legitimidade passiva para os termos da acção.

e. ilegitimidade passiva do Estado Português - despacho de aperfeiçoamento;

No regime estabelecido pela Lei 67/2007, 31.12 e como já se deixou dito, a legitimidade passiva compete à pessoa colectiva de direito público contra quem é formulado o pedido condenatório nos exactos termos da relação material controvertida tal como configurada pelo Autor – vd. artº 10º nº 2 CPTA.

Quanto aos exactos termos em que a relação material controvertida é configurada na petição inicial, também já se deixou dito que de acordo com a matéria de facto alegada, a imputação subjectiva de responsabilidade se reporta a eventual ilícito funcional por culpa leve dos três funcionários demandados e, por consequência, no quadro da responsabilidade própria e exclusiva da entidade pública demandada – vd. artº 7º nº 1 Lei 67/2007.

O que significa que, na presente acção de responsabilidade civil, a qualidade de sujeito processual passivo determinada em função da relação material controvertida tal como apresentada pelo Autor, compete à pessoa colectiva de direito público em que, à data dos factos, exerciam funções as três pessoas singulares demandadas.

Mais decorre da petição inicial que, à data dos factos, os funcionários demandados exerciam funções no Centro Distrital de Braga da Segurança Social e no Centro Nacional de Pensões.

O Centro Distrital da Segurança Social de Braga é um serviço desconcentrado do Instituto da Segurança Social IP (ISS, IP) conforme artº 28º nº 1 dos Estatutos do ISS IP aprovados pela Portaria nº 638/2007, 30.05, actualmente Capítulo III, artº 17º nº 1 da Portaria nº 135/2012, 08.05, sendo, nos termos do artº 17º nº 3, as competências exercidas pelos directores de segurança social dos centros distritais, por delegação de competências do conselho directivo, com a faculdade de as poderem subdelegar.

Por sua vez, o Centro Nacional de Pensões é um serviço de âmbito nacional do Instituto da Segurança Social IP, responsável pela gestão das prestações diferidas do sistema de segurança social e de outras que com elas se relacionem ou sejam determinadas pelo mesmo facto, conforme artº 2º c) dos Estatutos do ISS IP aprovados pela Portaria nº 638/2007, 30.05, actualmente Capítulo IV, artº 20º nº 1 da Portaria nº 135/2012, 08.05.

Nos termos do artº 75º nº 2 do DL 187/2007, 10.05, a gestão das pensões compete ao Centro Nacional de Pensões, na qualidade de serviço do Instituto da Segurança Social IP, especificamente:

a) a atribuição do direito às pensões incluindo os complementos sociais,

b) a realização do cálculo, processamento e pagamento das pensões,

c) a disponibilização de informações ao abrigo do Código de Procedimento Administrativo, sobre a simulação do montante provável da pensão.

Por fim, o Instituto da Segurança Social IP é uma pessoa colectiva de direito público, integrado na categoria dos institutos públicos (artº 2º nº 4 CPA) e na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, nos termos do artº 1º nº 1 DL 214/2007, 29.05, alterado pelo DL 83/2012, 30.03 e DL 167/2013, 30.12; dispõe de dezoito serviços desconcentrados a nível distrital, os designados centros distritais e de um serviço designado Centro Nacional de Pensões – cfr. artº 2º nºs 3 e 4 do citado DL 83/2012.


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Neste contexto cabe ter em atenção que o conceito de pessoa colectiva de direito público “(..) reúne dois elementos: a presença de uma organização dotada de “personalidade jurídica” a que acresce a sua qualificação como organização “de direito público” estando, por isso, em posição de poder ser titular de “situações jurídicas subjectivas” (em geral, direitos e obrigações). Por deterem personalidade jurídica, as pessoas colectivas são sujeitos de imputação jurídica final, estando, assim, em condições de suportar, em termos definitivos e finais, a imputação dos efeitos jurídicos dos actos praticados pelos respectivos órgãos. (..)” (Pedro Costa Gonçalves, Manual de direito administrativo, Vol. 1, Almedina/2019, págs. 534-535.)

Na medida em que o Instituto da Segurança Social IP é uma pessoa colectiva de direito público, por inerência dotada de personalidade jurídica, tal significa que também é dotada de personalidade judiciária (susceptibilidade de ser parte, artº 11º nºs 1 e 2 CPC/2013) e capacidade judiciária (susceptibilidade de estar, por si, em juízo, artº 15º nº 1 CPC/2013), pressupostos processuais expressamente aditados ao CPTA pelo artº 8º-A, na revisão de 2015.

Não tem, assim, sustentação jurídica a referência ao Centro Distrital de Segurança Social de Braga e ao Centro Nacional de Pensões constante do acórdão recorrido, no sentido de que “… do lado passivo, deveriam ter sido estas entidades a figurar na petição inicial como entidades demandadas. O Estado demandado, em vez destas entidades dotadas, para o efeito, de personalidade judiciária, é, portanto em bom rigor, parte ilegítima. Mas, por um lado, estas entidades públicas, apesar de autónomas para efeitos processuais não são entidades absolutamente distintas e alheias à entidade Estado, antes nele se integram num conceito amplo. Neste sentido, o Autor, ao demandar o Estado no seu todo, não demandou entidade distinta daquelas que deveria ter demandado mas uma entidade mais alargada….”.

Face às razões de direito expostas e atendendo aos exactos termos em que a relação material controvertida é configurada pelo Autor na petição inicial, no caso trazido a recurso conclui-se que a qualidade de sujeito processual passivo compete ao Instituto da Segurança Social IP (ISS, IP), sendo a pessoa colectiva de direito público demandada, o Estado Português, parte ilegítima – cfr. artº 10º nº 2 CPTA.

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Também no tocante ao Estado Português o acórdão recorrido entendeu que “ … a existir ilegitimidade passiva de apenas algum ou alguns dos Réus, e não de todos, nunca seria caso de julgar extinta toda a instância e pôr assim termo ao processo ... mas antes de suprir tal ilegitimidade convidando o Autor a suprir tal excepção no prazo de 10 dias contados da notificação para o efeito, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 88° do CPTA…”.

Todavia, não lhe assiste razão, na medida em que a responsabilidade do Estado Português na veste de entidade pública demandada é configurada na petição inicial como própria e exclusiva (artº 7º nº 1, DL 67/2007) sendo que todos os sujeitos são parte ilegítima (o Estado Português e os funcionários), o que, por definição, acarreta a absolvição da instância quanto a todos os demandados nos termos do artº 89º nº 1 d) CPTA.

Tudo visto, cabe julgar procedentes as questões trazidas a recurso nos itens 11 a 23 e 24 a 34 das conclusões.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedentes os recursos, revogar o acórdão recorrido e confirmar o saneador-sentença de 05.07.2016 proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

Custas no TCAN e neste STA pelo Recorrido, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Lisboa, 13 de abril de 2023. – Maria Cristina Gallego dos Santos (relatora) – José Augusto Araújo Veloso - Ana Paula Soares Leite Martins Portela.