Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:087/22.5BEAVR
Data do Acordão:11/09/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
IMPUGNAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
RETENÇÃO NA FONTE
Sumário:I - Mesmo depois do decurso dos prazos de reclamação graciosa e de impugnação judicial, a Administração Tributária tem o dever de revogar actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, nas condições e com os limites temporais referidos no art. 78.º da L.G.T.
II - O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.
III - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, mas, como se conclui do n.º 7 do art. 78º da L.G.T., o contribuinte pode pedir que seja cumprido esse dever, dentro dos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.
IV - O indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de revisão, mesmo nos casos em que não é formulado dentro do prazo da reclamação administrativa mas dentro dos limites temporais em que a Administração tributária pode rever o acto com fundamento em erro imputável aos serviços, pode ser impugnado contenciosamente pelo contribuinte [art. 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), da L.G.T.].
V - A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artº 132.º do CPPT, pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial.
VI - O meio procedimental de revisão do acto tributário não pode ser considerado como um meio excepcional para reagir contra as consequências de um acto de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do acto de liquidação).
VII – Assim, nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA000P30177
Nº do Documento:SA220221109087/22
Data de Entrada:07/11/2022
Recorrente:A........., SGPS, SA E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por B………. SGPS SA e A……… SGPS SA, melhor identificadas nos autos, visando a revogação da sentença de 19-04-2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou improcedente a acção administrativa que intentaram contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, do acto de indeferimento por intempestividade, do pedido de revisão oficiosa do acto tributário apresentado em 03/05/2021 e dos actos de retenção na fonte de imposto de selo realizados nos anos de 2017 e 2018.

Irresignadas, nas suas alegações, formularam as recorrentes B………. SGPS SA e A……… SGPS SA, as seguintes conclusões:

A. O presente recurso é interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, de 18 de abril de 2022, que julgou improcedente a ação administrativa instaurada pelas Recorrentes contra os despachos de indeferimento e de rejeição dos pedidos de revisão oficiosa dos atos tributários (PROAT) apresentados ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (ie. no prazo de quatro anos contados desde os atos tributários), de acordo com os quais a AT se recusou a apreciar o mérito dos atos de liquidação de IS de 2017 e 2018 por alegada intempestividade dos pedidos.
B. Da leitura dos factos dados como provados na sentença, constata-se que o Tribunal a quo compreendeu perfeitamente que o IS em causa foi liquidado e entregue aos cofres do Estado pelas instituições bancárias envolvidas nos mútuos e emissões de papel comercial e, por conseguinte e necessariamente, às Recorrentes não lhes é imputável qualquer declaração ou conduta que pudesse induzir em erro aquelas entidades. Todavia, tal não o impediu de sufragar o mesmo entendimento da AT e julgar improcedente a acção administrativa porque, avançou o Tribunal a quo, não terá sido demonstrado pelas Recorrentes que se está perante um “erro imputável aos serviços” para se requerer a revisão dos atos tributários no prazo de quatro anos à luz da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
C. Recorde-se que, nos PROAT em apreço, as aqui Recorrentes requereram à AT a anulação das liquidações de IS processadas por diversas instituições bancárias, porquanto entendem, por um lado, que (i) por serem SGPS, são qualificadas, no âmbito do direito comunitário, como instituições financeiras e, por conseguinte, beneficiam da isenção de IS ínsita na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IS, (ii) e, por outro lado, à luz do direito comunitário (Diretiva sobre as Reuniões de Capital), sobre as operações de emissão de papel comercial não poderá incidir este imposto.
D. A quaestio decidenda neste recurso resume-se, assim, ao seguinte: os PROAT apresentados perante a AT pelas Recorrentes no prazo de quatro anos contados dos atos tributários que consistem em IS liquidado e entregue ao Estado pelas instituições financeiras mutuantes deve ter-se por tempestivo e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos mesmos?
E. A ilação do Tribunal a quo de que as outrora Autoras não alegaram qualquer facto suscetível de ser subsumido ao conceito de “erro imputável aos serviços” é manifestamente contraditada pelos factos dados como provados e contidos no probatório assente nestes autos – em especial, dos factos provados 2), 3) e 4) da sentença recorrida – e também não resiste aos postulados doutrinários e jurisprudenciais já pacíficos e consolidados sobre a interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços”.
F. Quanto às realidades passíveis de integrar o conceito de “erro imputável aos serviços”, a doutrina e a jurisprudência versadas na matéria vêm entendendo que esta é uma expressão de formulação abrangente que abarca lapsos, erros materiais, erros de facto e erros de direito.
G. E isto independentemente da verificação concreta da culpa dos funcionários dos serviços envolvidos na emissão da liquidação que padece do erro, na medida em que a possibilidade de revisão oficiosa de atos tributários, por parte da AT, radica na obrigação de revogação de atos ilegais, em cumprimento dos princípios por que deve pautar-se a atuação da administração tributária, tais como sejam os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade tributárias, conforme previstos no artigo 55.º da LGT e no n.º 2 do artigo 266.º da CRP.
H. Sendo inequivocamente aceite que o erro de direito é suscetível de ser reconduzido ao conceito de “erro imputável aos serviços” para efeitos da aplicação da 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º da LGT (prazo de quatro anos), é indiscutível que a não aplicação de uma isenção de imposto [a prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS] ou a inobservância do Direito Comunitário subsumem-se plenamente no conceito de erro de direito.
I. Na situação vertente, as instituições financeiras atuaram precisamente em substituição dos serviços da AT e do contribuinte: liquidaram o IS, cobraram-no, entregaram as declarações devidas e entregaram as quantias cobradas ao Estado, o que foi devidamente compreendido pelo Tribunal a quo – cfr. factos provados 3) e 4) da sentença recorrida.
J. Em face da jurisprudência amplamente citada nas alegações, não restam dúvidas de que, tendo as Recorrentes invocado “erro imputável aos serviços”, derivado do erro de direito por errada aplicação da lei, quando não contribuíram para a existência desse erro, os pedidos de revisão oficiosa foram apresentados em tempo pela B…… e pela A…..
K. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo releva essencialmente o facto de nem as Recorrentes nem os serviços da AT terem participado nas liquidações do IS em causa, para daí inferir, sem apoio legal, a ausência de erro imputável aos serviços. Porém, a inferência é precisamente a oposta.
L. Relembre-se, pois, a mecânica da liquidação do IS e entrega ao Estado. Com efeito, uma vez que estão em causa operações que foram intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, são estas últimas entidades os sujeitos passivos do imposto nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IS. No entanto, o encargo legal (e não somente económico) do imposto recai sobre as Recorrentes na qualidade de titulares do interesse económico das operações em apreço (artigo 3.º do Código do IS).
M. Como é sabido, as instituições financeiras que intermedeiam as operações financeiras liquidam e cobram o IS aos clientes e aquelas mesmas instituições emitem as guias de liquidação e entregam, de seguida, o valor cobrado aos cofres do Estado. Atuam, assim, precisamente como um qualquer serviço da AT e substituem uma função que competiria, ou àqueles serviços da AT ou que caberia ao próprio contribuinte caso se colocasse o ónus da liquidação e entrega do imposto a estes como nas situações de autoliquidação de imposto.
N. No caso concreto, não é sequer possível equacionar a possibilidade de o erro ser imputável à B…… e à A……, porque as Recorrentes surgem apenas na qualidade de entidades a quem cabe, apenas e somente, suportar o imposto liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT, que constituem o sujeito passivo do imposto referente às atinentes operações financeiras – devidamente identificadas nos factos provados 3) e 4) da sentença recorrida.
O. Daí que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é cometido pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços”, o que tem sido o entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência amplamente citada supra.
P. À luz do exposto, é manifesto que o erro não é imputável às Recorrentes, mas sim “aos serviços” nos termos explanados supra, pelo que os PROAT apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos.
Q. Também não é percetível para as Recorrentes como é que o facto de não terem deduzido “reclamação administrativa dentro do prazo legalmente previsto para o efeito” possa ser um argumento em desfavor da sua pretensão, como o Tribunal a quo pretende aventar – cfr. Página 18 da sentença recorrida. Isto porque, a falta de apresentação de reclamação graciosa não obsta – como também não obsta a impugnação judicial dos atos que podem ser impugnados contenciosamente por via direta – a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do ato.
R. Acrescente-se, ainda que, sendo o IS liquidado e cobrado por instituições financeiras, que na prática cativam o IS das contas dos clientes, seria muito difícil, ou até mesmo impossível, à B……. e à A…….., simplesmente, recusarem-se a pagar o imposto nestas circunstâncias.
S. Por fim, as Recorrentes consideram que estão verificados os requisitos para determinar a dispensa na totalidade do remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, considerando não só excessivo e desproporcional o montante a este título que seria devido – atendendo não só ao valor em si, em absoluto – mas à própria tramitação do processo aqui em causa, quer no que respeita à tramitação regular, quer à devida conduta processual das partes.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE POR V. EXAS. SER O PRESENTE RECURSO JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR ERRADA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR UMA OUTRA QUE JULGUE A AÇÃO ADMINISTRATIVA PROCEDENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
MAIS SE REQUER A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA NOS TERMOS DO ARTIGO 6.º, N.º 7 DO RCP, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
SÓ ASSIM SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA
PEDE E ESPERA DE V. EXA. DEFERIMENTO

A recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, que terminou com as seguintes conclusões:

A. O recurso jurisdicional interposto pelas Recorrentes, vem pôr em crise a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 19.04.2022, que julgou a ação improcedente.
B. A sentença recorrida considerou, em sumula, que “(…) da circunstância de a Entidade Demandada conhecer os atos de liquidação impugnados não se pode extrair a imputabilidade do erro invocado pelas Autoras. A acolher-se este específico entendimento das Autoras, estariam abrangidos pela possibilidade de revisão no prazo de quatro anos todos e quaisquer atos tributários que padecessem de erro material, de facto ou de direito. Note-se, aliás, que os fundamentos de facto e de direito subjacentes às liquidações impugnadas eram seguramente do conhecimento das Autoras, que optaram por não lançar mão da reclamação administrativa dentro do prazo legalmente previsto para o efeito. (…) Assim sendo, as Autoras não alegaram qualquer facto suscetível de se subsumir ao conceito de erro imputável aos serviços, razão pela qual não está preenchido um dos pressupostos para requerer a revisão dos atos de liquidação no prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º n.º 1, 2.ª parte, da Lei Geral Tributária. Pelo exposto, as decisões proferidas pela Entidade Demandada sobre os pedidos de revisão, na parte em que não apreciaram o respetivo mérito, não são merecedoras de qualquer censura, pelo que deverá julgar-se a presente ação improcedente.”
C. Entendem as Recorrentes que o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do erro imputável aos serviços, que as mesmas entenderem existir, retirando daí a tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa, no prazo de 4 anos, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2ª parte, da LGT.
D. Desde logo se refira que se bem entendemos da leitura dos fundamentos apresentados pelas Autoras e em abono da sua teoria, as mesmas vêm acrescentados novos argumentos, numa primeira teoria defenderam as Autoras, que o conhecimento da AT das declarações tributárias era quanto bastava para que o erro fosse imputável aos serviços.
E. Não logrando sucesso, vêm agora as Autoras procurar esconder a sua inércia na propositura do meio de reação em tempo, vindo agora tentar utilizar uma teoria da substituição em que tudo e todos se subsumem a erros da administração, o que não podia a Recorrida estar mais em desacordo.
F. Como bem andou a douta sentença recorrida, o facto de a Administração “conhecer os atos de liquidação impugnados não se pode extrair a imputabilidade do erro invocado pelas Autoras. Com efeito, para além das liquidações oficiosas, os atos de liquidação de imposto pressupõem sempre o cumprimento de uma obrigação declarativa por iniciativa dos sujeitos passivos, pelo que, em abstrato, a administração tem conhecimento dos fundamentos de facto e de direito subjacentes a todas as liquidações emitidas, quer pelos sujeitos passivos, quer oficiosamente. A acolher-se este específico entendimento das Autoras, estariam abrangidos pela possibilidade de revisão no prazo de quatro anos todos e quaisquer atos tributários que padecessem de erro material, de facto ou de direito.”
G. Por outro, defendem agora as Recorrentes que “(…) as instituições financeiras que intermedeiam as operações financeiras liquidam e cobram o IS aos clientes e aquelas mesmas instituições emitem as guias de liquidação e entregam, de seguida, o valor cobrado aos cofres do Estado. Atuam, assim, precisamente como um qualquer serviço da AT e substituem uma função que competiria, ou àqueles serviços da AT ou que caberia ao próprio contribuinte caso se colocasse o ónus da liquidação e entrega do imposto a estes como nas situações de autoliquidação de imposto.
35. Ora, na situação vertente, as instituições financeiras atuaram precisamente em substituição dos serviços da AT e do contribuinte: liquidaram o IS, cobraram-no, entregaram as declarações devidas e entregaram as quantias cobradas ao Estado (…)” - Ora se bem entendemos seguindo este raciocínio das Recorrentes todos os atos tributários estariam abrangidos pela possibilidade de revisão no prazo de quatro anos todos e quaisquer atos tributários que padecessem de erro material, de facto ou de direito, pois haveria assim, todo um universo de situações e sujeitos e sempre algum estaria a substituir a AT, logo qualquer erro seria sempre reconduzido aos serviços da AT!
H. Ou seja, as Recorrentes, à semelhança do argumento expendido na P.I. acerca do conhecimento das liquidações, pretendem agora que todos os sujeitos de uma forma ou de outra sejam funcionários da AT - “Atuam, assim, precisamente como um qualquer um serviço da AT e substituem uma função que competiria, ou àqueles serviços da AT ou que caberia ao próprio contribuinte”!
I. Nos termos do artigo 78.º, n.º 1 da LGT, o erro imputável aos serviços, concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte, mas à administração tributária, e atenta a alteração operada pela Lei do Orçamento de 2016, que resultou na revogação do n.º 2 do supracitado artigo 78.º, os erros na autoliquidação deixaram de ser ficcionados como imputação aos serviços, e, portanto, não se justifica tratamento diferenciado daquele que é conferido na heteroliquidação e é por força dessa alteração, recai sobre o contribuinte o ónus de comprovar a imputabilidade do erro.
J. Assim, o pedido de revisão não pode ser apresentado com fundamento em qualquer ilegalidade, conforme a 1ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mas antes com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos da 2ª parte do n.º 1 do mesmo preceito legal.
K. Como bem entendeu o Tribunal a quo “(…) não ficou demonstrado, nem é sequer alegado pelas Autoras, que a Entidade Demandada tenha emitido qualquer instrução ou orientação relativa à obrigatoriedade de liquidação de imposto do selo sobre as concretas operações financeiras em causa. Assim sendo, as Autoras não alegaram qualquer facto suscetível de se subsumir ao conceito de erro imputável aos serviços, razão pela qual não está preenchido um dos pressupostos para requerer a revisão dos atos de liquidação no prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º n.º 1, 2.ª parte, da Lei Geral Tributária.”
L. A delimitação temporal dos meios de reação de que dispõem os contribuintes, tal como definido pelo legislador, cumpre a função de conferir segurança às relações jurídico-tributárias, como corolário do princípio da segurança jurídica, não negando naturalmente os meios de reação, mas devendo os mesmo ser exercidos nos prazos legais.
M. No caso concreto as Autoras deixaram precludir o prazo de uso do meio idóneo para reagir contra um ato de autoliquidação.
N. O pedido apresentado comporta a apreciação de uma questão de direito e não um erro material, não enquadrável no conceito de erro imputável aos serviços, ademais estando perante imposto do selo autoliquidado.
O. Face ao exposto, apenas se pode concluir que bem andaram os serviços da Recorrida na análise efetuada sobre o pedido de revisão dos atos tributários apresentado pela Autora B……… SGPS, SA, concluindo-se pela intempestividade do pedido de revisão dos atos tributários de imposto do selo, para o período de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, assim como a decisão tomada sobre o pedido de revisão dos atos tributários apresentado pela Autora A…….. SGPS, SA, e na qual se concluiu pela rejeição liminar, atenta a intempestividade do pedido de revisão formulado sobre os atos tributários de imposto do selo.
Pelo que,
P. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela improcedência da ação.
Nos termos expostos e nos mais de direito aplicáveis e que V.Exªs, doutamente suprirão, deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pelas Recorrentes, com as legais consequências.

Por despacho de 08/07/2022, proferido no TAF de Aveiro, foi dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça e admitido o recurso.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no seguinte parecer:

1. Objecto do Recurso.
1.1 O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Aveiro que julgou improcedente a ação administrativa apresentada contra o ato de indeferimento, por intempestividade, do pedido de revisão oficiosa do ato tributário apresentado em 03/05/2021, contra os atos de retenção na fonte de imposto de selo realizados nos anos de 2017 e 2018.
1.2 As Recorrentes insurgem-se contra o assim decidido, por entenderem que a sentença padece do vício de erro de julgamento, «...ao sufragar um entendimento contra legem sobre o conceito de “erro imputável aos serviços” previsto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT».
1.3 Para o efeito alegam que «A ilação do Tribunal a quo de que as outrora Autoras não alegaram qualquer facto suscetível de ser subsumido ao conceito de “erro imputável aos serviços” é manifestamente contraditada pelos factos dados como provados e contidos no probatório assente nestes autos – em especial, dos factos provados 2), 3) e 4) da sentença recorrida – e também não resiste aos postulados doutrinários e jurisprudenciais já pacíficos e consolidados sobre a interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços”».
1.4 Mais entendem que «…tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é cometido pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços”, o que tem sido o entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência».
1.5 E terminam pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue a ação administrativa procedente.
2. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
2.1 Decorre da matéria de facto assente que “as Autoras ao contraírem empréstimos e suportarem juros e comissões no âmbito de financiamentos obtidos junto de várias instituições financeiras e de crédito ou mediante serviços de intermediação financeira prestados por essas instituições, suportaram, no decurso dos anos de 2017 e 2018, o pagamento de imposto de selo nos termos da verba 17 da TGIS, tendo em 03/05/2021, apresentado pedidos de revisão dos atos de liquidação de Imposto do Selo, invocando erro por desconsideração da isenção prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto de Selo e peticionando a anulação das liquidações, a restituição das quantias indevidamente pagas e o pagamento de juros”.
2.2 Para se decidir pela improcedência da ação considerou o tribunal “a quo” que «as Autoras não alegaram qualquer facto suscetível de se subsumir ao conceito de erro imputável aos serviços, razão pela qual não está preenchido um dos pressupostos para requerer a revisão dos atos de liquidação no prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º n.º 1, 2.ª parte, da Lei Geral Tributária».
3. APRECIAÇÃO.
3.1 A questão que se coloca consiste em saber se a sentença padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado pelas Recorrentes, o que passa por saber se na situação configurada nos autos relativa a atos de retenção na fonte de imposto de selo, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.
3.2 Tem sido entendimento pacífico na jurisprudência do STA que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária no prazo de 4 anos após a liquidação pode ser suscitada pelo contribuinte, pelo que, verificados os demais requisitos, a AT não pode recusar a apreciação dessa revisão oficiosa – cfr. a este propósito os acórdãos do STA de 20/03/2002, rec. 026580, de 12/07/2006, proc. 0402/06, e de 29/05/2013, proc. 0140/13.
3.3 Para o efeito impõe a lei que o pedido tem que ser fundamentado em “erro imputável aos serviços”, o que passa por densificar este conceito legal.
3.4 Conforme se deixou exarado na sentença recorrida, «“O conceito de erro imputável aos serviços a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer vício (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só erros, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. (…)”- acórdão do TCA Sul de 23/03/2017, proc. 1349/10.0BELRS.
3.5 Considerou-se, contudo, na sentença recorrida que «a emissão dos atos tributários não teve a participação de qualquer funcionário ou serviço da administração» e que «…não ficou demonstrado…que a entidade demandada tenha emitido qualquer instrução ou orientação relativa à obrigatoriedade de liquidação de imposto do selo sobre as concretas operações financeiras em causa», sendo que «…os fundamentos de facto e de direito subjacentes às liquidações impugnadas eram seguramente do conhecimento das Autoras, que optaram por não lançar mão da reclamação administrativa dentro do prazo legalmente previsto para o efeito».
3.6 Ou seja, para o tribunal “a quo” não se verifica no caso concreto a prática, por parte da Administração Tributária, de qualquer facto que permita concluir pela imputabilidade do erro sobre os pressupostos de facto e de direito que é assacado ao ato tributário pelo sujeito passivo.
3.7 Como se deixou exarado na sentença recorrida estamos perante um ato (de retenção na fonte) que não foi praticado nem pelo sujeito passivo, nem pela Administração Tributária, e consistente na cobrança de imposto de selo por parte das instituições bancárias, no âmbito das operações de concessão de empréstimos bancários às Recorrentes, cuja tributação estas entendem padecer de «erro por desconsideração da isenção prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto do Selo».
3.8 Pelo que a questão que se coloca é a de saber se nestes casos o eventual erro de terceiro (substituto) na cobrança do imposto alegadamente indevido pode ser imputado à Administração Tributária.
3.9 Ora, a jurisprudência deste tribunal tem entendido o conceito de “erro imputável aos serviços” de uma forma assaz ampla (Ainda que a nosso ver de forma algo imprecisa e pouco densificada, o que pode originar alguns equívocos sobre a amplitude desse entendimento.), considerando que desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo será imputável à Administração Tributária (Entendimento reforçado com o disposto no nº2 do artigo 78º da LGT, entretanto revogado pela alínea h) do nº1 do artigo 215º da lei nº 7-A/2016, de 30 de março, que dispunha: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação». Considerou-se, a este propósito, no acórdão de 28/11/2007, proferido no proc. nº 0532/07, que «O alcance do nº 2 do artº 78º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes».).
3.10 É o que decorre do acórdão de 12/12/2001, proferido no rec. 26.233: «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços» (sublinhados nossos).
3.11 E se tal entendimento tinha como suporte o disposto no nº2 do artigo 78º da LGT, entretanto revogado (pela Lei nº 7-A/20146, de 30 de março), que submetia ao regime previsto no nº1 a “autoliquidação”, autores há que continuam a defender a sua equiparação ao ato da Administração para efeitos de admissibilidade do pedido de revisão (Cfr. neste sentido Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.195.).
3.12 No caso concreto dos autos estamos perante uma situação de substituição tributária, concretizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto atua por imposição legal.
3.13 Há igualmente a considerar que estamos perante um ato de retenção (de imposto de selo) a título definitivo, pois caso estivéssemos perante um ato de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, o ato não seria passível de pedido de revisão, dado estarmos neste último caso perante um ato provisório que tem por finalidade a antecipação da receita (Neste sentido, Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.202.).
3.14 Não resulta igualmente da sentença recorrida que os atos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.
3.15 Assim sendo, justifica-se igualmente nestas situações que os erros praticados no ato de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois está fora de questão responsabilizar o contribuinte pela atuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.
3.16 Assim se entendeu no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, recurso nº 402/06 (rel.: Jorge de Sousa), no qual se concluiu que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial» (Cfr. a este propósito Jorge Lopes de Sousa, in CPP Anotado, II vol., 6ª edição, pág.422.).
3.16 É este entendimento que se nos afigura dever aqui ser adotado e reiterado.
III. Em CONCLUSÃO:
Nos casos como o dos autos, em que há lugar a retenção da fonte, a título definitivo, de quantias por conta de imposto de selo, cobrado no âmbito de operações de concessão de crédito, e suportado pelas Recorrentes, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito dessa retenção é suscetível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos atos tributários, nos termos do nº1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.
Atento que o tribunal “a quo” assim não o entendeu, impõe-se a revogação da sentença recorrida e em substituição determinar-se a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão dos atos tributários apresentado pelas Autoras e proferido pelo Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por o pedido ser subsumível na previsão do nº1 do artigo 78º da LGT.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. As Autoras estão constituídas como sociedades gestoras de participações sociais, tendo ambas como objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas – cfr. certidões do registo comercial de fls. 318 a 331 e 332 a 339 do sitaf;
2. No âmbito das suas atividades, as Autoras contraíram empréstimos e suportaram juros e comissões no âmbito de financiamentos obtidos junto de várias instituições financeiras e de crédito ou mediante serviços de intermediação financeira prestados por essas instituições;
3. Nos períodos de janeiro de 2017 a janeiro de 2019, e relativamente às operações mencionadas no ponto anterior, a Autora A……… SGPS SA suportou Imposto do Selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante total de € 720.165,08, sendo € 719.341,41 referente aos períodos de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, liquidado e entregue ao Estado pelas seguintes instituições financeiras e de crédito: Banco ... SA, ……. SA, Banco ……. SA, Banco …… Sucursal em Portugal, Banco …… SA, Banco …… SA, Caixa – Banco …… SA, …… SA, Banco ……… SA, Banco ………… SA – cfr. faturas e declarações emitidas pelas mencionadas instituições, de fls. 112 a 265, 396 a 510, 538 a 540, 542, 546 a 548, 550/551, 561, 562, 572 a 574, 576 a 578 e 589 a 591 do sitaf;
4. Nos períodos de janeiro de 2017 a setembro de 2018, e relativamente às operações mencionadas no ponto 2, a Autora A…….. SGPS SA suportou Imposto do Selo, nos termos da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, no montante total de € 3.585,00, liquidado e entregue ao Estado pelo Banco …….. SA – cfr. faturas e declarações emitidas pela mencionada instituição, de fls. 287 a 311, 695 a 707, 722 e 723 do sitaf;
5. Em 03.05.2021, a Autora B……. SGPS SA apresentou pedido de revisão dos atos de liquidação de Imposto do Selo mencionados no ponto 3, invocando erro por desconsideração da isenção prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto de Selo e peticionando a anulação das liquidações, a restituição das quantias indevidamente pagas e o pagamento de juros – cfr. documentos de registo e autuação e petição de fls. 373 a 395 do sitaf;
6. Em 03.05.2021, a Autora A……. SGPS SA apresentou pedido de revisão dos atos de liquidação de Imposto do Selo mencionados no ponto 4, invocando erro por desconsideração da isenção prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto do Selo e peticionando a anulação das liquidações, a restituição das quantias indevidamente pagas e o pagamento de juros – cfr. comprovativos de envio, documentos de registo e autuação e petição, de fls. 670, 671 a 692, 716 e 717 do sitaf;
7. Mediante correio registado em 02.11.2021, a Autora B……. SGPS SA foi notificada para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição sobre o projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão – cfr. informação, despacho, ofício e comprovativo de registo de fls. 599 a 633 do sitaf;
8. Mediante despacho datado de 28.10.2021, e expressando concordância com o teor da informação elaborada na mesma data, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes proferiu decisão de rejeição liminar e de arquivamento do pedido de revisão apresentado pela Autora A…….. SA, com fundamento na sua intempestividade – cfr. despacho e informação de fls. 724 a 737 do sitaf;
9. Mediante correio registado em 02.11.2021, a Autora A……. SGPS SA foi notificada da decisão mencionada no ponto anterior – cfr. ofício e comprovativo de registo de fls. 738 a 740 do sitaf;
10. Mediante despacho datado de 23.11.2021, e expressando concordância com o teor da informação elaborada na mesma data, o Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes proferiu decisão de indeferimento do pedido de revisão apresentado pela Autora B…….. SGPS SA, com fundamento na sua intempestividade, na parte referente aos períodos de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, e na inaplicabilidade da isenção prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto de Selo, na parte relativa ao período de janeiro de 2019 – cfr. despacho e informação de fls. 634 a 666 do sitaf;
11. Mediante correio registado em 26.11.2021, a Autora B……… SGPS SA foi notificada da decisão mencionada no ponto anterior – cfr. ofício e comprovativo de registo de fls. 667 a 669 do sitaf.
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Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
A factualidade enunciada sob o ponto 2 foi dada como provada por acordo, atendendo à posição coincidente assumida pelas partes na presente causa.
Os restantes factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a acção administrativa, padece de erro de julgamento, no que diz respeito à interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços”, uma vez que ao ter sido o Imposto de Selo liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT, tal como lhe é cometido pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro sobre os pressupostos de facto e de direito da retenção na fonte desse imposto é susceptível de configurar “erro imputável aos serviços”, para efeitos de apresentação, no prazo de 4 anos, do pedido de revisão dos actos tributários, nos termos do nº 1 do artigo 78º da Lei Geral Tributária.
Vejamos.
Como dá boa nota o Ministério Público, na linha da jurisprudência pacífica deste STA, a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária no prazo de 4 anos após a liquidação pode ser suscitada pelo contribuinte, pelo que, verificados os demais requisitos, a AT não pode recusar a apreciação dessa revisão oficiosa – cfr. a este propósito os acórdãos do STA de 20/03/2002, processo nº 026580, de 12/07/2006, processo 0402/06, e de 29/05/2013, processo nº 0140/13, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
O pressuposto maior consagrado na lei é que aquele pedido tem de ser fundamentado em “erro imputável aos serviços”, tendo a sentença sustentando a esse propósito que «“O conceito de erro imputável aos serviços a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer vício (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só erros, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. (…)” - acórdão do TCA Sul de 23/03/2017, proc. 1349/10.0BELRS.
Não obstante, a sentença entendeu que «a emissão dos atos tributários não teve a participação de qualquer funcionário ou serviço da administração», que «…não ficou demonstrado…que a entidade demandada tenha emitido qualquer instrução ou orientação relativa à obrigatoriedade de liquidação de imposto do selo sobre as concretas operações financeiras em causa», salientando ainda que «…os fundamentos de facto e de direito subjacentes às liquidações impugnadas eram seguramente do conhecimento das Autoras, que optaram por não lançar mão da reclamação administrativa dentro do prazo legalmente previsto para o efeito».
Significa muito claramente que o tribunal “a quo” adoptou a percepção de que não se verifica no caso concreto a prática, por parte da Administração Tributária, de qualquer facto que permita concluir pela imputabilidade do erro sobre os pressupostos de facto e de direito que é assacado ao ato tributário pelo sujeito passivo.
É que, nessa linha de entendimento, estaremos aqui defronte um acto (de retenção na fonte) que não foi praticado nem pelo sujeito passivo, nem pela Administração Tributária, e consistente na cobrança de imposto de selo por parte das instituições bancárias, no âmbito das operações de concessão de empréstimos bancários às Recorrentes, cuja tributação estas entendem padecer de «erro por desconsideração da isenção prevista no artigo 7.º n.º 1 alínea e) do Código do Imposto do Selo».
A ser assim, como bem enfatiza o Ministério Público, a questão nuclear a resolver é a de determinar se nos casos em que ocorra um erro de terceiro (substituto) na cobrança do imposto declaradamente indevido pode ser imputado à Administração Tributária.
Pontifica a respeito a jurisprudência firme deste tribunal segundo a qual, desde que o erro não seja imputável a conduta negligente do sujeito passivo, será imputável à Administração Tributária.
De resto, tal intelecção encontrava guarida no disposto no nº2 do artigo 78º da LGT, entrementes revogado pela alínea h) do nº1 do artigo 215º da lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, que conciliava: “Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação».
Jurisprudencialmente, esse ponto de vista foi adoptado no acórdão de 12/12/2001, proferido no recurso nº 26.233 em cujo discurso jurídico se verteu que «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços».
Havendo ainda que atentar, como salienta o EPGA no seu douto parecer que, com a devida vénia, vimos e iremos acompanhar, no Acórdão de 28/11/2007, proferido no processo nº 0532/07, em que se plasmou jurídico se que «O alcance do nº 2 do artº 78º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes».
Contudo, há que reter, que esse entendimento assentava no disposto no nº2 do artigo 78º da LGT, que viria a ser revogado pela Lei nº 7-A/20146, de 30 de Março, que subordinava ao regime previsto no nº1 a “autoliquidação”, havendo autores que, como noticia o EPGA, ainda hoje continuam a defender a sua equiparação ao acto da Administração para efeitos de admissibilidade do pedido de revisão, destacando-se Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.195.
Seja como for, aquilatemos como hoje e perante o caso concreto, essa questão se resolve.
Assim, há que ter em conta que in casu estamos perante uma situação de substituição tributária, realizada através do mecanismo de retenção na fonte, em que não há intervenção do contribuinte, e em que o substituto actua por imposição legal.
Depois, impera a realidade em que ocorreu um acto de retenção de imposto de selo a título definitivo, pois, se se tratasse de um acto de retenção na fonte por conta do imposto devido a final, na esteira ainda de Paulo Marques, in “A Revisão do Ato Tributário”, Almedina, pág.202, o acto não seria passível de pedido de revisão, na medida em que constituiria um acto provisório que tem por finalidade a antecipação da receita.
Por fim, não advém da sentença recorrida que os actos de retenção e cobrança do imposto tenham sido despoletados ou originados com base em elementos erróneos indicados pelo sujeito passivo.
Neste conspecto, propendemos a considerar que em tal situação se justifica que os erros praticados no acto de retenção sejam imputáveis à Administração Tributária, para efeitos do disposto no nº1 do artigo 78º da LGT, pois se afigura inviável responsabilizar o contribuinte pela actuação do substituto, sob pena de violação dos seus direitos garantísticos.
É esse o ponto de vista do Ministério Público apoiado no acórdão deste tribunal de 12/07/2006, tirado no recurso nº 402/06, em que se doutrinou que «A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art. 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial».
Vide, no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPP Anotado, II vol., 6ª edição, pág.422 e que foi o relator do aresto acabado de mencionar.
Na senda da jurisprudência assinalada, exposto o regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, que aponta no sentido de que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 132.º do C.P.P.T..
Significa que apesar de essa reclamação ser necessária para a impugnação judicial do acto de retenção, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, sem natureza retroactiva).
Por assim ser e em concordância com o Ministério Público que acolheu e defendeu esse ponto de vista, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 132.º do C.P.P.T., a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.
Por isso, colhem de pleno os argumentos da recorrente no sentido de que, tendo sido o IS liquidado e cobrado pelas instituições financeiras, em substituição da AT tal como lhe é perpetrado pela lei (artigo 2.º do Código do IS), o erro de direito tem de ser imputado precisamente “aos serviços” como antedito, pelo que os PROAT apresentados no prazo de quatro anos, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, devem ter-se como apresentados tempestivamente e está a AT obrigada a tomar conhecimento do mérito dos pedidos feitos na revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto.
Uma vez que o tribunal “a quo” postergou tal entendimento, por via da procedência do presente recurso, há que decretar a revogação da sentença recorrida e determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão dos atos tributários apresentado pelas Autoras e proferido pelo Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por o pedido ser subsumível na previsão do nº1 do artigo 78º da LGT.

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Por fim, as Recorrentes consideram que estão verificados os requisitos para determinar a dispensa na totalidade do remanescente da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, considerando não só excessivo e desproporcional o montante a este título que seria devido – atendendo não só ao valor em si, em absoluto – mas à própria tramitação do processo aqui em causa, quer no que respeita à tramitação regular, quer à devida conduta processual das partes.
Em concordância com esse enquadramento, é também de autorizar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se proverá no dispositivo do presente acórdão.

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3.- Decisão:

Termos em que acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão dos atos tributários apresentado pelas Autoras e proferido pelo Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, por o pedido ser subsumível na previsão do nº1 do artigo 78º da LGT.

Custas, pela recorrida com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº 6º, nº7 do RCP.
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Lisboa, 09 de Novembro de 2022. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.