Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:080/20.2BALSB
Data do Acordão:06/29/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P29666
Nº do Documento:SAP20220629080/20
Data de Entrada:07/14/2020
Recorrente:Z.........., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Z………, LDA., sociedade com sede na Avenida ………., n.º ………., 1070-…….. Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ……….., tendo sido notificada da douta decisão arbitral proferida no processo em epígrafe, com a mesma não se conformando, e encontrando-se esta em manifesta contradição com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral em 29.10.2018, no âmbito do processo n.º 200/2018-T, vem, nos termos do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 152.º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor da mesma recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Alegou, tendo concluído:
1.ª O presente recurso vem interposto em virtude da evidente contraposição entre o douto acórdão-recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 200/2018-T em 29.10.2018;
2.ª A identidade factual entre o acórdão-recorrido e o acórdão-fundamento resulta da circunstância de ambos terem sido confrontados com inexistência de facto tributário, e com isso terem apreciado qual o momento a considerar para efeitos da colocação à disposição dos rendimentos dos sócios e, consequentemente qual o momento em que os rendimentos qualificados como lucros ou adiantamentos por conta de lucros devem ser tributados;
3.ª No que respeita à identidade das situações de facto, tanto no acórdão-fundamento como no acórdão-recorrido se discute se determinados lançamentos contabilísticos, que não encontram correspondência com as contas bancárias das sociedades, nem evidência de fluxos financeiros no sentido da disponibilização de rendimentos aos sócios, configuram ou não uma situação de colocação à disposição dos sócios de rendimento nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, e, por conseguinte, constituem um incremento patrimonial que deveria ter sido tributado, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, mediante retenção na fonte, no momento em que se reconheceu contabilisticamente a colocação à disposição do rendimento aos sócios;
4.ª No que concerne ao fundamento de direito, é evidente que ambos os acórdãos são chamados a pronunciar-se sobre a mesma questão jurídica, qual seja, o momento em que deve considerar-se que os rendimentos são colocados à disposição dos sócios de determinada sociedade, para efeitos de tributação em sede de IRS mediante aplicação da presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, em conjugação com a subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do Código do IRS;
5.ª Não obstante a identidade da situação fáctico-jurídica vertida e apreciada nos acórdãos em causa, viriam os mesmos a decidir em sentido contraditório:
- no acórdão-recorrido entendeu-se que a presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS apenas se reporta à qualificação jurídica das quantias disponibilizadas e não à data em que as mesmas ocorreram, pelo que o momento da colocação à disposição dos rendimentos terá de ser o momento em que tal disponibilização efetivamente ocorreu, independentemente da data em que foi efetuado o registo contabilístico;
por sua vez,
- no acórdão-fundamento, entendeu-se que, não obstante a tributação ser baseada na presunção do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, e de ser a colocação à disposição que determina a sujeição a tributação, atendendo a que os registos contabilísticos evidenciam a disponibilização de rendimentos no ano de 2014, terá de ser com base nesses meros lançamentos contabilísticos que se identifica o momento relevante para efeitos de tributação;
6.ª Pelo exposto, é evidente a contradição entre o acórdão-fundamento e o acórdão-recorrido quanto à mesma questão fundamental de direito, qual seja, a de saber qual o momento a considerar como momento da colocação à disposição dos rendimentos aos sócios, para efeitos de tributação em IRS, nos termos do artigo 6.º, n.º 4, em conjugação com a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS, de rendimentos que se subsumam na presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do mesmo Código;
7.ª No entender da Recorrente, pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 200/2018-T, é a que se afigura mais correta, no entender da ora Recorrente, pelo que deverá prevalecer sobre o entendimento do acórdão-recorrido, firmando-se para efeitos de uniformização de jurisprudência;
8.ª Entende a Recorrente que a interpretação constante do acórdão-recorrido não pode colher, por afrontar o disposto nos artigos 6.º, n.º 4, e 7.º do Código do IRS, bem como o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade tributária;
9.ª Nos aludidos preceitos legais não é efetuada qualquer ressalva para o momento da tributação especifica para as situações em que os rendimentos são enquadráveis como lucros ou adiamentos por conta de lucros por via da aplicação da presunção consagrada no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS;
10.ª A aplicação legal das normas em apreço dita que para efeitos de tributação se considere o momento da colocação à disposição dos rendimentos, independentemente da data do lançamento contabilístico;
11.ª O Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo arbitral n.º 200/2018-T (acórdão-fundamento), ao entender que a presunção do n.º 4 do artigo 7.º do Código do IRS apenas se reporta à qualificação jurídica das quantias disponibilizadas e não à data em que elas ocorreram, destacando inclusive que “(…) não se estabelece[ndo] uma presunção de que a disponibilização ocorre na data em que foi efetuado o lançamento contabilístico” (cf. p. 18 do acórdão-fundamento). Aliás, reforça ainda o mesmo Tribunal que “Pelo contrário (…) aqueles rendimentos ficam
sujeitos a tributação «desde o momento em que … são colocados à disposição do seu titular», portanto, independentemente de ser ou não efetuado o lançamento contabilístico” (cf. p. 18 do acórdão-fundamento) 12.ª Ao invés, o Tribunal-recorrido, entendeu que o momento a considerar par efeitos de tributação era o momento do lançamento contabilístico;
13.ª Como resulta provado nos presentes autos, em 01-01-2014 o saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Requerente no Banco ……….era de € 16.198,00 e em 31-12-2014 o saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Requerente no Banco ……… era de € 8.974,69 (cf. p. 31 do acórdão-recorrido), pelo que é evidente que, devido ao saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Recorrente, o rendimento no montante de € 840.500,00 não poderia ter sido colocado à disposição dos seus sócios no exercício de 2014, impunha-se, portanto, a conclusão de que a liquidação de retenções na fonte melhor identificada supra era manifestamente ilegal e deveria ter sido anulada com as demais consequências legais;
14.ª Entende a Recorrente que, o acórdão-recorrido procedeu a um incorreto julgamento quando concluiu que o momento da colocação à disposição, para efeitos de tributação, é o momento do lançamento contabilístico;
15.ª Com o devido respeito, a decisão adotada pelo Tribunal recorrido abre a porta a uma margem de discricionariedade e de incerteza que não é admissível no ordenamento jurídico-tributário à luz do princípio da segurança jurídica, pois admite que se possa “optar” por lançar ou não lançar registos contabilísticos em determinado momento, consoante tal seja mais ou menos vantajoso para o sujeito passivo;
16.ª Acresce que, o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido bule também com o princípio da igualdade tributária, ínsito no artigo 13.º da CRP, na medida em que para determinados contribuintes o momento relevante a considerar para efeitos de tributação será o momento da colocação à disposição do rendimento e para outros será o momento do lançamento contabilístico;
17.ª Em face de todo o exposto, não poderá o acórdão-recorrido manter-se e, nessa medida, deixar de ser anulado, firmando-se, para efeitos de uniformização de jurisprudência o entendimento ora prescrito e no acórdão-fundamento de que o momento a partir do qual ficam sujeitos a tributação os lucros ou adiantamentos por conta de lucros é o momento da sua colocação à disposição.
Por todo o exposto, encontrando-se demonstrada no caso vertente a contradição entre os acórdãos em confronto, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente fixação da jurisprudência firmada no acórdão-fundamento, determinando-se a anulação do acórdão-recorrido nos termos peticionados.

Contra-alegou a Administração Tributária, apresentando umas extensas conclusões, as quais se dão aqui integralmente por reproduzidas, em que, no essencial, entende que não deve ser admitido o recurso porque não se verificam os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito.

Cumpre decidir.

Na decisão arbitral recorrida proferida nos autos n.º 733/2019, foi levada ao probatório a seguinte matéria de facto:
A Requerente é uma sociedade por quotas, cujo objeto social definido na certidão permanente refere “Prestação de serviços médicos, incluindo oftalmologia e anestesia, outras atividades de saúde humana”;
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, relativa ao exercício de 2014, em que foi elaborado o RIT que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
Foram recolhidas diversas informações tendo em vista a fundamentação da decisão a tomar no âmbito desta ação de inspeção.
Através de contactos estabelecidos por email e via telemóvel com B... o, na qualidade de Contabilista Certificado (CC) do sujeito passivo (SP), agendou-se reunião com o S.P. para o dia 15/05/2017, no C..., Rua ..., ..., ...-... Lisboa, morada esta respeitante ao local onde o sócio D... NIF..., de acordo com as informações que nos forneceu, presta os seus serviços cirúrgicos de oftalmologia, no E... Lda, NIPC n.º ..., com sede no mesmo local.
Além do contabilista certificado, esteve presente o sócio D...; recolheram-se elementos, nomeadamente documentos do Dossier Fiscal, cópias do livro de atas, extratos contabilísticos de contas, outros elementos contabilísticos (Diário de lançamentos relativos a mútuos/empréstimos a sócios), assim como cópias de contrato/recibos de mútuos (cfr. anexo 4 e 6).
Também em 15/05/2017 através de mail para o Contabilista Certificado, solicitaram-se os seguintes elementos:
1 - Extratos mensais da conta bancária de Depósitos a Prazo relativa ao ano de 2014;
2 - Discriminação dos serviços faturados ao cliente F... Lda (NIF...) e demonstração do cálculo do valor faturado, assim como fotocópia do meio de pagamento do valor de € 62.500,00 (total da faturação do SP, conforme análise à faturação constante da página 13).
Em resposta, através de email de 24/05/2017 (Entrada n.º 2017...), o CC referiu que:
"1) Não existe qualquer constituição de depósito a prazo em 2014.
2) Os serviços Faturados ao F..., Lda baseiam-se em cirurgias, consultas e exames.
Ao valor das consultas e exames - é emitido um mapa de apuramento de consultas e exames onde está mencionado o valor total das consultas/exames efetuados sendo as percentagens previamente estabelecidas para o médico de:
Consultas 30%
Exames 50%
Em anexo enviamos fotocópias dos meios de pagamento das consultas e exames, em relação às cirurgias foi emitido o cheque que anexamos sendo que o valor total das consultas e exames e o cheque da cirurgia corresponde ao valor do recibo emitido de 62.500,00€."
Face às dúvidas suscitadas pelas respostas constantes do anterior mail, em 30/05/2017 solicitaram-se, novos esclarecimentos ao CC:
"1 - Se foram prestados serviços de cirurgia através da A... Lda, e a discriminação dos valores, datas de realização e recebimentos das mesmas, correspondentes a esta atividade;
2 - Na resposta através do email infra é mencionado que "as percentagens previamente estabelecidas para o médico de: Consultas 30%. Solicitamos a confirmação desta percentagem, visto que não nos parece compatível com as tabelas de apuramento de consultas e exames enviada;
3- Pelo "mapa de apuramento de consultas e exames" que enviaram, verificam-se valores totais, apurados com base nos meses de julho e outubro de:
Prestações de serviços pelo médico Dr D... (A... Lda) de € 19 598,95 (Consultas e exames). Pergunta-se: não há mais valores relativos a prestação de consultas e exames em todo o resto do ano? Assim sendo, que serviços foram prestados para perfazer o montante total de € 62 500,00 de prestações de serviços anual declarada. Necessitamos de elementos que evidenciem essa diferença de valores. (62500,00-19598,95).
4 - Em relação aos pagamentos, enviaram-nos a digitalização de dois cheques; um no valor de € 50.000,00 emitido pelo F... ao Dr. D... em 8/10/2014, e outro que está pouco legível, mas que nos parece emitido pelo F... à Dra. G... no valor de 125,00.
Pergunta-se: A que serviço(s) dizem respeito estes cheques emitidos? Tendo em conta que perfazem um total de € 50 125,00, solicita-se a evidência do pagamento do restante valor de prestação de serviços (62500,00)."
Em resposta via mail de 2/06/2017, (Nº Entrada 2017...) o SP informou:
"1) Sim, foram realizados serviços de cirurgias (conforme mapa em anexo), tendo sido recebidos através dos cheques que totalizaram o valor de 50.125,00€.
2) Nas percentagens mencionadas no e-mail de 24 de Maio de 2017 houve uma troca de valores de percentagens no que respeita às consultas.
Assim os valores corretos são:
70% para o médico
30% para a Entidade F..., Lda
No caso dos exames os valores foram bem mencionados sendo:
50% para o médico
50% para a Entidade F..., Lda
Qualquer destas percentagens já tinham sido explicadas pelo Dr. D... .
3) Não existiram mais prestações de serviços durante o exercício.
Os serviços prestados constantes no Recibo nº 1 no total de 62.500,00€ englobaram os seguintes valores:
- consultas e exames -19.598,95€ (documentos já em seu poder);
- cirurgias - 42.901,05€.
A diferença para os valores recebidos por cheque foram recebidos em numerário, (valor entregue pelos pacientes aquando da realização das consultas).
4) Em relação aos pagamentos efectuados pelos cheques nos valores de 50.000,00€ e 125,00€ os mesmos referem-se ao conjunto de serviços efectuados.
De referir que a sócia Dra. G... presta também serviços na área de anestesia e por conseguinte esses serviços são englobados no valor aquando da emissão do respectivo recibo.
Por último e como reforço da informação dada peio Dr. D... no início da acção inspectiva do dia 15 de Maio, é em função da tipologia de algumas cirurgias que ele decide quais as que pertencem à Entidade A... ."
Analisados todos os documentos disponibilizados pelo contabilista certificado, incluindo:
- os balancetes analíticos de abertura de 2014 e os reportados a 31/12/2013 e 31/12/2014 (antes do apuramento de resultados);
- o ficheiro SAFT da contabilidade relativo ao exercício de 2014;
- a declaração patrimonial do banco H..., a informar que o património mobiliário detido pelo requerente (A... Lda) junto da caixa H..., em 31/12/2014 é a conta de deposito à ordem (doravante também designado "D.O.") n.º..., com um saldo no valor de € 8.974,69;
- o extrato do H... do SP, relativo ao período de 01/03/2015 a 31/03/2015, no qual, para além da conta de depósito à ordem já anteriormente identificada, verifica-se a constituição de "depósitos a prazo e de poupanças"(doravante também designado "D.P.") em 19/03/2015 através da conta "H... negócios" n.º ... no valor de € 150 000,00 e da conta n.º ... no valor de € 450 000,00, perfazendo o total de € 600 000,00; em 03/08/2017 através do ofício n.º ... (cfr. anexo 4), efetuou-se um pedido de elementos, ao CC,
B..., na qualidade de representante designado do SP, solicitando os seguintes elementos, relativamente ao exercício de 2014:
"1. Em relação a todos os valores registados na contabilidade a débito na conta "268 – acionistas /sócios /outras operações", apresentar as guias de pagamento do imposto de selo devido por aquelas operações.
2. Todos os documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes aos registos na referida conta "268 -acionistas /sócios /outras operações”, (nomeadamente cheques, transferências, extratos bancários, entre outros), que comprovem quer os movimentos de saída de valores da sociedade para os seus sócios, quer de entrada de valores (pagamentos dos sócios à sociedade).
3. Extratos bancários mensais das contas "121 H... " e "1311 Depósito a prazo a regularizar". Caso não tenha estes extratos bancários poderá preencher a minuta que se anexa a autorizar que esse pedido seja efetuado diretamente pela AT, junto da(s) instituição(ões) bancária(s).
4. «Todos os documentos de suporte que justifiquem os registos a débito na conta "1311" com data de 31/12/2014, no montante de € 150.000,00 e de € 450.000,00."
Em 8/08/2017 rececionou-se por mail a resposta (Entrada n.º 2017...), com a seguinte informação (cfr. anexo 4):
"1 Não existem guias de pagamento referentes a Imposto de selo liquidado de operações registadas a débito da conta 268 - Sócios /Outras operações.
2 Os mútuos efetuados em 2014 referem-se a movimentos anteriores a este exercício, onde não existia no banco o valor do qual resultaram os mútuos.
O pagamento dos mútuos referem-se ao depósito a constituir de 450.000.00 e 150.000.00 de que o valor entrou no banco conforme extrato que juntamos, embora o valor tenha sido creditado no banco em 20 e 25 de Março de 2015.
3 - Anexamos os extratos bancários de 2014 e 2015, bem como os extratos da contabilidade da conta 268 e ainda os documentos que constituem os mútuos.
4 - Relativamente a minuta que acompanha a carta logo que o Dr. D... regresse assiná-la-á e de imediato a enviaremos."
Nesta resposta, o SP envia através de anexo um documento com o título "pesquisa de movimentos contas D.O." em relação à conta bancária "à ordem" ... .
Neste documento verifica-se que em março de 2015, entraram naquela conta os valores de € 150.000,00 e de € 450.000,00 que foram utilizados para constituir os "depósitos a prazo e de poupanças" já referidos anteriormente.
Também se observa que no mês seguinte, em 30/04/2015, o D.P. n.º ... no valor total de € 450.000,00 é depositado na conta à ordem da sociedade, assim como € 50.000,00 relativos ao D.P. n.º... .
Em 04/05/2015 com o movimento "CHQ.comp.lisboa 99640276" sai da conta de D.O. o montante total de € 500 000,00. (cfr. anexo 3).
Em 14/08/2017 foi autorizada a derrogação do sigilo bancário pelo SP (entrada n.º 2017...), conforme declaração constante no anexo 5, pelo que foram solicitados os movimentos bancários (extratos bancários) à entidade financeira Caixa H... conforme entradas GPS n.º 2017... e 2017....
Em 15/09/2017, no local onde o sócio do SP, exerce a atividade, foi o sócio-gerente D... NIF ... ouvido em termo de declarações (cfr. anexo 2).
Na mesma data, foi também o sócio-gerente D... NIF ... notificado pessoalmente, para prestar mais esclarecimentos relativamente a algumas situações que continuavam a suscitar dúvidas.
A resposta foi dada por email de 18/09/2017 pelo contabilista certificado do SP, B... (Cfr. anexo 6, entrada n.º 2017...).
No seguimento das solicitações anteriores, e em virtude das respostas recebidas serem incongruentes, nalguns casos até mesmo contraditórias (ver resposta mencionadas anteriormente, através dos mails de 24/05/2017 e de 2/06/2017, e no termo de declarações de 15/09/2017), em 18/09/2017 foi notificado o único cliente do SP, a F... LDA, através do ofício n.º..., para, no prazo de 10 (dez) dias, remeter os seguintes elementos (cfr. anexo?):
"1) Extratos de conta corrente dos exercícios de 2014 do vosso fornecedor A... LDA, NIPC..., respeitantes aos honorários médicos prestados pelos Drs. D... e G..., bem como fotocópia de todos os meios de pagamento efetuados e mapas de apuramento dos valores pagos;
2) Solicitamos que elenquem para a fatura emitida pela sociedade referida na alínea anterior, as prestações de serviço que estiveram subjacentes (nº de fatura emitida pela F..., data e valor) e a fórmula de cálculo aplicada sobre estas, das quais resultaram os valores dos honorários emitidos, em ficheiro digital, preferencialmente em excel."
Em 21/09/2017, através do email do contabilista da F... Lda (que é o mesmo do SP em análise) foi enviada a resposta (Nº de Entrada: 2017...- cfr. anexo 7):
"Na sequência do processo supra recebida em 19/09/2017 de que anexamos cópia enviamos:
1) Extracto de conta corrente de 2014 relativo ao nosso fornecedor A... Lda. Anexamos o Mapa interno discriminativo do valor das cirurgias consultas e examos efectuadas a várias entidades e particulares pelo nosso fornecedor e ainda os comprovativos dos meios de pagamento nomeadamente 2 cheques sendo que o valor do diferencial de 12.375.00 € se refere a numerário recebido das consultas e exames.
2) A forma de cálculo para aplicação dos valores facturados pela A... e igual a todos os prestadores de serviços é;
Consultas - 70% para as prestadoras de serviços Médicos
Nas Cirurgias e Exames 50% dos Honorários para os prestadores de serviços.
Nas consultas estes valores referem-se a uma multiplicidade de recibos emitidos directamente aos pacientes sendo cerca de 90% de co-pagamentos.
As faturas referentes às cirurgias são debitadas às entidades no momento em que as mesmas ocorrem. No entanto, o valor do recibo emitido peio serviços prestados pela A... Lda ocorre no momento em que essas entidades pagam ao F... ."
Faturação:
No ano de 2014, verificamos através do efatura que o SP emitiu somente uma fatura ao seu único cliente (F... Lda):
O valor de € 62.500,00 relativo à fatura/recibo n.º FR 2014A6/1, corresponde ao valor constante do balancete de dezembro de 2014 na conta "72 - Prestação de serviços".
Análise
Analisados todos os elementos disponibilizados pelo sujeito passivo, verificou-se o seguinte:
1 - Nos extratos bancários:
Em 01/01/2014, o valor do saldo bancário na entidade H... (depósitos à ordem) evidenciava um saldo de € 16.198,00 e em 31/12/2014, um saldo de €8.974,69; Em 2014 não existia qualquer conta bancária de depósitos a prazo.
2 -Na contabilidade, nomeadamente no balancete e extratos de contas (Cfr. anexo 8): Não se verifica nenhuma conta de "Caixa" nos elementos contabilísticos. Em termo de declarações (anexo 2) o SP quando questionado na pergunta 6 se "(... os valores monetários da sociedade estavam todos depositados em bancos ou a sociedade possuía valores em caixa?", respondeu: "A sociedade não tinha valores em caixa".
Em 01/01/2014, a conta "12.1. – H..." (depósitos à ordem) evidenciava pela contabilidade, um saldo devedor de € 865 016,44. Em 31/12/2014, a mesma conta evidenciava um saldo devedor de € 9 245,53;
Em 01/01/2014, a conta "55- Reservas" evidenciava um saldo credor de € 814 348,69; e em 31/12/2014, um saldo credor de € 853 845,58;
Em 31/12/2014 a conta "1311 -Deposito a prazo a regularizar" evidenciava um saldo devedor de € 600 000,00.
Em 31/12/2014 as contas de "26821 - Accionistas/sócios - Activo corrente - empréstimos a sócios" evidenciavam os seguintes valores; a sub-conta "268211- D..." evidenciava um saldo devedor de € 174.000,00 e a sub-conta "268212-G... " evidenciava um saldo devedor de € 129.000,00.
Em 2014 a conta 26-Accionistas/sócios/268-outras operações/268111- D..." teve um movimento a débito no valor de € 500 000,00 e um movimento a crédito no valor de € 500 000,00, evidenciando um saldo nulo em 31/12/2014.
Verifica-se que os cheques recebidos do único cliente (F... LDA) eram emitidos em nome individual do médico (anexo 7), e conforme análise aos extratos bancários (anexo 5) e termo de declarações (anexo 2 perguntas 1 e 3) esse dinheiro não entrou na conta bancária da empresa.
A sociedade iniciou a sua atividade em 2004 e nunca distribuiu lucros aos seus sócios, conforme se verificou no livro de atas da sociedade e também através de uma questão constante no "termo de declarações" (anexo 2), "12 - A sociedade alguma vez distribuiu lucros?", cuja resposta foi: "A sociedade nunca distribuiu lucros."
Podemos constatar a formação/acumulação do saldo da conta "reservas", analisando os valores constantes no quadro seguinte:
A conta "55 - Reservas" inclui as contas "551 - Reservas legais", com o montante registado de € 2.500,00 (valor constante desde a 1ª deliberação de resultados, conforme ata n.º 2) e a conta "552/5521 -Outras reservas/Reservas Livres".
Da comparação entre as "Reservas" e os "Depósitos bancários" ressalta desde logo, a proximidade do saldo destas contas até 2014, permitindo a conexão dos seus valores, constatar que o suporte das "Reservas", são os valores em "Depósitos bancários" (atente-se na coluna 6 do quadro 1).
Analisando como era constituído o "ativo" da sociedade em 2014, nomeadamente através da observação do extrato da conta "121- Depósitos à ordem/H... ", que era o único ativo existente em 31/12/2013 (Cfr. anexo 8 e Balanço constante do anexo 2), e o Balanço constante do anexo 2 (Situação em 31/12/2014 e quadro 4 deste relatório), verificam-se lançamentos na conta de sócios (Rubrica "Outros activos correntes), e o registo de um depósito a prazo em 31/12/2014 (rubrica "Caixa e Depósitos Bancários") que não tem reflexo em nenhuma conta bancária (cfr. anexo 2 termo de declarações -resposta à pergunta 13, anexo 4 e anexo 5, resposta aos pontos 1 e 2 e quadro 4).
Em relação às contas correntes dos sócios, constata-se que contêm lançamentos contabilísticos de montantes a favor destes, e apesar do SP ter apresentado um "contrato de mútuo" e "recibos de mútuo", nunca demonstrou tratar-se de uma situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais, como se demonstrará de seguida:
Quanto à prestação de trabalho, da análise aos documentos contabilísticos (Cfr. anexo 8 balancete) não se verifica a contabilização de qualquer remuneração, e em termo de declarações efetuado em 15/09/2017 o sócio na resposta à pergunta "11 - Concretize para o ano 2014 e anteriores, qual a sua função na sociedade e como é que foi remunerado. E em relação à sócia G...?", respondeu: "Não tinha remunerações, apesar de exercer a gerência de facto. A sócia G... não exercia funções e não era remunerada" ("Cfr. anexo 2 termo declarações).
Quanto aos mútuos, o seu conceito, está consagrado no Capítulo VII do Código Civil (CC). O artigo 1142.º do CC dá a noção de mútuo como o "(...) contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade."
O mesmo código estabelece no artigo 1144.º que "as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega".
O texto constante do "contrato de mútuo", datado de 20/01/2014, no montante de € 500 000,00 contém diversas omissões e incongruências que inviabilizam que o mesmo possa considerar-se um verdadeiro contrato de mútuo
Com efeito: (1) não foram apresentadas evidências dos fluxos financeiros que o documento devia traduzir, nomeadamente a entrega da quantia prevista no contrato ao sócio (2) não teve lugar o pagamento do imposto do selo, aquando da formalização do contrato; (3) sendo o seu valor superior a € 25 000,00 não foi celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado (artigo 1143.º do CC).
A forma constitui um requisito essencial e, por isso, à sua inobservância tem de aplicar-se a regra geral do artigo 364.º do mesmo Código, com a consequência de a falta levar à invalidade do contrato, conforme dispõe o artigo 219.º do C.C.
Assim, há que concluir pela inexistência de um contrato de mútuo celebrado entre o SP em análise e o seu sócio gerente, o que significa que aos lançamentos feitos por aquela nas contas correntes dos seus sócios terá de aplicar-se a presunção do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, uma vez que o SP não apresentou qualquer prova suscetível de afastar aquela presunção.
Quanto aos documentos com o nome "Recibo de mútuo n.º(...)" verificam-se os seguintes elementos:
Nota explicativa: O que é o SAFT?
A página http://info.portaldasfinancas.qov.pt/pt/apoio contribuinte/NEWS SAF-T PT.htm. consultada em 25/10/2017, descreve o SAFT como "SAF-T(PT) (Standard Audit File for Tax Purposes -Portuguese version) é um ficheiro normalizado (em formato XML) com o objetivo de permitir uma exportação fácil, e em qualquer altura, de um conjunto predefinido de registos contabilísticos, de faturação, de documentos de transporte e recibos emitidos, num formato legível e comum, independentemente do programa utilizado, sem afetar a estrutura interna da base de dados do programa ou a sua funciona/idade.(...) O ficheiro SAF-T(PT) destina-se a facilitar a recolha em formato eletrónico dos dados fiscais relevantes por parte dos inspetores/auditores tributários, enquanto suporte das declarações fiscais dos contribuintes e/ou para a análise dos registos contabilísticos ou de outros com relevância fiscal."
Analisados os "Recibo de mútuo n.º (...)", e com exceção dos recibos de mútuo com os números 10,11 e 12, como se exporá mais à frente, verifica-se que estes contêm diversas omissões e incongruências que inviabilizam que os mesmos se possam considerar como mútuos suscetíveis de fazer afastar a aplicação da presunção do n.º 4 do art.º 6º do CIRS. Com efeito: (1) não foram apresentadas evidências dos fluxos financeiros que o documento devia traduzir, nomeadamente a entrega da quantia de prevista no "recibo de mútuo" ao sócio (2) não teve lugar o pagamento do imposto do selo que era devido por estas operações financeiras (3) verificadas as datas de registo/gravação na contabilidade verificam-se incongruências: conforme se demonstra nos quadros 2 e 3, todos os movimentos relacionados com mútuos, nomeadamente, os recibos de mútuo, o contrato de mútuo, e os recibos de pagamento de mútuo, foram registados (data gravação) no SAFT na mesma data, 16/03/2015, com exceção dos recibos de mútuo n.º 10, 11 e 12 que têm a data de gravação de 27/11/2014, como podemos através dos quadros 2 e 3:
Assim, apesar destes "recibos de mútuo" dizerem respeito a montantes abaixo dos € 25.000,00, e o documento ter sido assinado pelo mutuário, estes documentos contêm omissões e incongruências, anteriormente referidas.
Analisadas algumas características de um mútuo, verifica-se que estes recibos não obedecem a essa tipicidade. Senão veja-se, com o contrato de mútuo são gerados certos efeitos, como seja a transferência de propriedade (ou a sua disponibilização ou colocação à disposição), através do mútuo, a coisa mutuada à transferida do património do mutuante (SP) para o património do mutuário (sócio), já que a coisa mutuada passa a integrar o património do mutuário. Ora, não foi possível verificar, nem o SP nos forneceu as evidências solicitadas, que comprovassem essa "transferência de propriedade" ou que tivesse sido disponibilizado ou colocado à disposição do mutuário. O mutuário tem a obrigação de restituir outra "coisa" do mesmo género e quantidade, em cumprimento do contrato, o que também não verificamos: nem o SP o evidenciou, mesmo após questionado/notificado para o fazer, (ver pergunta 17 do termo de declarações do anexo 2 e pergunta 2 do ofício ... de 3/08/2017). As respostas que foram dadas pelo SP, foram que "Os mútuos efetuados em 2014 referem-se a movimentos anteriores a este exercício, onde não existia no banco o valor do qual resultaram os mútuos." (mail de 8/08/2017 anexo 4) e em termo de declarações: "Foram mútuos efetuados. Por conversão de valores em bancos. Através de transferência entre contas de reconciliação e os mútuos." (Ver resposta à pergunta 17 do termo de declarações do anexo 2).
As mesmas situações verificam-se com os "Recibos de pagamento de mútuo" mencionados no quadro 3: verificadas as datas de registo/gravação na contabilidade verificam-se as mencionadas incongruências: conforme se verifica nos quadros 2 e 3, também estes movimentos relativos aos recibos de pagamento de mútuo foram registados (data gravação) no SAFT em 16/03/2015, quando os únicos documentos de mútuo (recibos de mútuo n.º 10, 11 e 12 de outubro de 2014) em que se demonstra a evidência financeira têm a data de gravação de 27/11/2014, e cuja discrepância de registo (entre a data dos documentos/data de movimento contabilístico e o seu registo/gravação no SAFT) é compatível com o desfasamento que se verifica entre o registo de outras operações contabilísticas do SP e o seu registo no SAFT. Além deste facto, não foram apresentadas evidências dos fluxos financeiros que o documento devia traduzir, nomeadamente a restituição da quantia prevista. Também neste caso foi o SP questionado/notificado para o fazer, (ver pergunta 19 do termo de declarações do anexo 2 e pergunta 2 do ofício ... de 3/08/2017).
À pergunta 19, "Relativamente ao pagamento do sócio à sociedade, registado na contabilidade em Dezembro de 2014, no valor de € 500 000,00 em que data e de que forma foi efetuado (através de Cheque, transferência bancária, ou outro)? Respondeu o SP que "Através de transferência entre as contas". À solicitação para que enviasse "Todos os documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes aos registos na referida conta "268 -accionistas/sócios/outras operações", (nomeadamente cheques, transferências, extratos bancários, entre outros), que comprovem quer os movimentos de saída de valores da sociedade para os seus sócios, quer de entrada de valores (pagamentos dos sócios à sociedade".(n.º2 do ofício ... de 3/08/2017) respondeu o SP a propósito dos recibos de pagamento dos mútuos, "O pagamento dos mútuos referem-se ao depósito a constituir de 450.000.00 e 150.000.00 de que o valor entrou no banco conforme extracto que juntamos, embora o valor tenha sido creditado no banco em 20 e 25 de Março de 2015" (mail de 8/08/2017 anexo 4).
Recibos com os números 10,11 e 12
Quanto aos recibos de mútuo n.º 10,11 e 12, estes foram registados em 31/10/2014, na contabilidade na conta "268211- D..." por contrapartida da conta "21111001- F... Lda", (conforme "diário de recebimento" constante no anexo 8): o cliente F... LDA, pagou o valor de € 62.500,00 relativo à fatura-recibo FR2014A6/1 de 2/10/2014, e este valor foi recebido e registado como empréstimo ao sócio.
Como já foi referido anteriormente, os cheques do cliente (F... LDA) eram emitidos em nome do médico, D..., conforme verificado e declarado em "termo de declarações", (pergunta 3, contante do anexo 2).
Através do ofício n.º ... de 18/09/2017 notificámos a F... para remeterem elementos, nomeadamente o extrato de conta corrente do exercício de 2014 do fornecedor A... LDA, NIPC... . Na resposta podemos verificar que a conta na contabilidade da F..., conta n.º "2781002 – A... Lda", se encontra "saldada", confirmando-se o pagamento dos € 62.500,00. (Cfr. anexo 7).
No caso destes recibos de mútuo, fica verificada a evidência dos fluxos financeiros subjacentes ao empréstimo, e as incongruências verificadas nos restantes documentos associados aos mútuos, nestes recibos não se verificam: conforme podemos verificar no quadro 2, as datas de registo/gravação na contabilidade foram efetuadas em 27/11/2014, esta a discrepância entre a data do movimento e a data do seu registo/gravação no sistema informático SAFT é compatível com o desfasamento que verificamos no registo de outras operações contabilísticas do SP.
Em 31/12/2014, verifica-se o seguinte:
1- O SP não tem conta de caixa (conforme documentos contabilísticos e termo declarações, anexo 8 e 2, respetivamente),
2 - O saldo refletido no "extrato de movimentos históricos" da conta de bancos (D.O.) é de € 8.974,69 (Cfr. anexo 5),
3 -O depósito a prazo constante na conta "1311 - depósitos a prazo a regularizar" do balancete (anexo 8) no valor de € 500.000,00 como já referido anteriormente, não existe em nenhuma instituição bancária,
4 - O registo contabilístico a débito na conta de sócios "268111", em janeiro de 2014, no valor de € 500.000,00 (ver quadro 3 e anexo 8 extrato da conta 268211) teve lugar por contrapartida a crédito da conta "121 - Depósitos à Ordem/H... ", é relativo a um contrato de mútuo, datado de 20/01/2014, que é considerado inválido, como já se demostrou anteriormente;
logo, o ativo deste SP é constituído apenas pelo valor do referido D.O (€ 8.974,69) e pela conta de sócios "26821 - Accionistas/sócios - Activo corrente - empréstimos a sócios" (Discriminada no balanço como "outros activos correntes" - anexo 2 "Balanço individual microentidades em 31.12.2014"e anexo 8 balancete,), no valor total de € 303.000,00, subdividido nas contas "268211- D..." com um saldo devedor de € 174.000,00 e a sub-conta "268212-G... " que evidenciava um saldo devedor de 6 129.000,00.
Como já se explicou anteriormente, do valor de € 303.000,00 apenas se validou, o valor de € 62.500,00.
Os registos contabilísticos a débito na conta de sócios "268111", "268211" e "268212" (ver quadro 2, 3 e anexo 8) tiveram lugar por contrapartida a crédito da conta "121 - Depósitos à Ordem/H... " (anexo 8 - extraio da conta 121). Estes movimentos contabilísticos conduzem, quase na totalidade, a conta "121" a um saldo final contabilístico (€ 9.245,53) próximo do constante na conta de D.O. do banco H... (€ 8.974,69), mas não permitem, como já se evidenciou, a conclusão de que os sócios tenham utilizado os montantes dos saldos em causa a título de empréstimos (mútuos).
O valor do Capital próprio, nomeadamente da rubrica "reservas" não tem o respetivo reflexo no valor do ativo da sociedade, como deveria acontecer.
No seguimento do exposto, apresenta-se o quadro 5, a demonstrar os cálculos efetuados para determinar a base tributável por período correspondente à distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros, considerada pelo CIRS como rendimento de capitais.
CONCLUSÃO:
Nos termos do artigo 5º do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS) "Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias."
Dispõe por sua vez, o artigo 6º do mesmo Código, sob a epígrafe "Presunções relativas a rendimentos da categoria E", que "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros." (n.º 4), sendo que "As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos." (n.º 5).
Nestas condições, tendo em conta a previsão do n.º 4 do artigo 6º do CIRS, para que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) aplique a presunção de que os lançamentos em conta corrente do sócio são feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, deverá demonstrar que estes valores não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
Analisando os pressupostos para aplicação da presunção supra referida verificou-se e recolheu-se prova que, em relação aos lançamentos em contas correntes a favor dos sócios (Ver quadros 2,3 e 5):
1 - Apenas o valor de € 62.500,00 resulta de mútuos;
2- Sobre se estes lançamentos poderiam ter origem na prestação de trabalho ou pelo exercício de cargos sociais pelos sócios, também já se provou que isso não aconteceu.
Tudo visto, há que concluir pela inexistência de contratos de mútuo celebrado entre o SP e o seu sócio gerente, o que significa que aos lançamentos feitos por aquele nas contas correntes dos seus sócios que não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, terá de aplicar-se a presunção do já identificado n.º 4 do art.º 6º do CIRS, e têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros.
Daí as importâncias em causa serem tributáveis em sede de IRS, em virtude dos artigos 5.º n.º 1 e 2 alínea h) e art.º 6.º n.º 4, todos do CIRS e objeto de retenção na fonte, nos termos dos artigos 71.º n.º 1 alínea c) e 98.º do mesmo Código e, atento o disposto no artigo 7.º n.º 3 alínea a) n.º 2 do mesmo Código - que, no aspeto temporal do pressuposto objetivo, estabelece a colocação à disposição como momento relevante para a sujeição a tributação, isto é, as datas em que foram feitos os lançamentos dos quantitativos nas contas do sócio gerente (contabilização), e com as taxas então vigentes, ou seja ao longo do exercício de 2014.
CORREÇÕES PROPOSTAS:
Assim, a distribuição de lucros e adiantamento de lucros está sujeita a retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, tal como o previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, que conforme o indicado no n.º 3 do artigo 98.º do mesmo Código deverá ser entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta.
Desta forma, são os montantes considerados para cada um dos períodos (mês) que estão sujeitos a uma retenção na fonte à taxa de 28% que ascende globalmente a € 235.340,00 [= € 840.500,00 x 28%] e que se deve considerar assim repartida por períodos (mês):
(...)
VII - INFRAÇÕES VERIFICADAS
Dos factos descritos no capítulo III deste relatório, sintetizamos as irregularidades praticadas pelo sujeito passivo, bem como as normas punitivas, de acordo com a legislação aplicável à data:
A falta de retenção de IRS e de entrega de prestação tributária constitui uma infração à alínea a) do n.º 2 do artigo 101º do CIRS, punível pelo n.ºs 2 e 4 do artigo 114º e n.º 4 do artigo 26º, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
A não entrega nos cofres do Estado da prestação tributária fica ainda sujeita a juros compensatórios nos termos do artigo 91.º do CIRS e do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT).
(...)
IX - DIREITO AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado para exercer o direito de audição, no prazo de 15 dias, nos termos previstos do art.º 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 60º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), via ofício nº ... de 06/11/2017, por carta registada (RD ... PT), enviado para a sua sede fiscal.
O direito de audição foi exercido no prazo concedido para o efeito, conforme documento que constitui o anexo 9 do relatório, tendo dado entrada nesta Direção de Finanças em 27/11/2017 (registo nº 2017...). Foi subscrito por um dos mandatários do sujeito passivo, o advogado I..., conforme procuração assinada pelo sócio-gerente, D... . A procuração apresentada identifica ainda como mandatários do sujeito passivo os advogados J..., K..., L..., M..., N... e O..., informando que os sete mandatários constituídos são advogados com escritório na Avenida ..., ..., ..., ...-... Lisboa.
Do conteúdo do direito de audição que se dá por integralmente reproduzido, o SP apresenta a sua leitura do Projeto de Correções elaborado pelos Serviços Inspetivos da Direção de Finanças de Lisboa, e após expor os seus argumentos, acaba considerando que "(...) deve o projeto de relatório de inspeção tributária ser revisto conforme o peticionado, anulando-se a correção ao imposto devido pelo Requerente, correspondente a retenções na fonte de IRS do exercício de 2014, no montante de € 235.340,00".
Sobre as alegações do SP, passamos a resumir os argumentos apresentados pelo SP:
1 - "(...) o referido montante de € 840.500,00, o qual foi mutuado aos sócios ao longo de vários anos, tendo sido devidamente registado no exercício de 2014 nas rubricas #26811 — "Activo não corrente — Empréstimos a sócios" e #26821- "Activo Corrente — Empréstimos a Sócios", enquanto empréstimos a sócios, constituem, reitere-se, mútuos da Respondente aos seus sócios, tal como documentado pelos respetivos contratos de mútuo celebrados entre as partes e disponibilizados aos serviços de inspeção tributaria (...)". (cfr. página 2 e 3 da petição);
2 - De acordo com o disposto no artigo 1142º do Código Civil (CC), dos contratos celebrados "....resulta precisamente que o montante total de € 840.500,00, foi entregue pela Respondente aos seus sócios, recaindo sobre estes a obrigação de as restituir nos prazos aí estabelecidos (...)". "Na verdade, os montantes de €500.000,00 e € 100.000,00, mutuados pela Respondente foram-lhe efetivamente restituídos, conforme resulta dos recibos de pagamento de mútuo n.º 1 e n.º 2 (...) (cfr. página 3 da petição);
3 - "Acresce que a contabilidade da Respondente evidencia essa concessão de mútuos aos sócios e não qualquer distribuição de lucros, ao contrário do invocado pelos serviços de inspeção tributária (...) (cfr. página 3 da petição);
4 - Quanto à "(...) inexistência de prova dos exfluxos financeiros em favor do sócios (...)" admite a Respondente nem sempre ter adotado o procedimento correto no que respeita ao depósito nas suas contas bancárias dos meios financeiros que integravam o seu ativo.", e acrescenta que "(...) nem todos os cheques recebidos dos clientes eram depositados na conta da Respondente "Por uma questão de simplicidade operacional e logística"(...).
Continua referindo que: (...) a alegada ausência de prova dos "exfluxos financeiros em favor do sócios" não permite concluir pela inexistência dos mútuos (...), mas acrescenta, "que esses "exfluxos" a favor dos sócios estão demonstrados, como resulta, aliás, do termo de declarações (...) no qual, em resposta à questão "Em nome de quem é que eram emitidos os cheques dos clientes?", afirma o sócio-gerente da sociedade, que "Os cheques eram emitidos em nome de D... (...)".(cfr. página 3 e 4 da petição);
5 - "De igual modo, o facto de se não ter procedido ao pagamento do Imposto do Selo devido pela utilização do crédito decorrente da celebração dos contratos de mútuo não altera a sua natureza, transformando as operações sub judice em distribuições de lucros." (cfr. página 4 da petição);
6 - "Não pode ainda invocar-se a falta de cumprimento dos requisitos de forma legalmente estabelecidos no artigo 1143.º do CC, no caso dos contratos de valor superior a € 25.000,00, para afirmar que não estamos perante verdadeiros contratos de mútuo. Efetivamente, o não cumprimento dos requisitos de forma não produz a consequência invocada pelos serviços de inspeção tributária, qual seja, a de que o contrato tem uma natureza diferente da de mútuo." E refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 165/2013-T. (cfr. páginas 4 e 5 da petição);
7 - "Carece também de relevo para concluir pela inexistência de efetivos mútuos o afirmado (...) com respeito às "incongruências" nas datas de registo/gravação em SAFT dos movimentos relativos aos mútuos. Com efeito, afirmam os serviços de inspeção tributária que "(...) todos os movimentos relacionados com mútuos, nomeadamente, os recibos de mútuo, o contrato de mútuo, e os recibos de pagamento de mútuo, foram registados (data gravação) no SAFT na mesma data, 16/03/2015, com exceção dos recibos de mútuo n. º 10, 11 e 12 que têm a data de gravação de 27/11/2014 (...)" (...) Ora, tal dever-se-á certamente a lapso da Respondente, do qual não resulta a consequência extraída pelos serviços de inspeção tributária. Evidentemente, não tem qualquer sentido afirmar-se que o registo tardio em SAFT de determinado movimento contabilístico altera a natureza jurídica do negócio subjacente a tal movimento", (cfr. página 5 e 6 da petição).
Passando agora à apreciação das alegações apresentadas pelo contribuinte no exercício do Direito de Audição, importa salientar o seguinte:
Pontos 1, 2 e 3)
Os serviços de Inspeção Tributária, no projecto de relatório de correções elaborado, nunca invocaram que a contabilidade do SP evidencia uma distribuição de lucros.
Da contabilidade do SP do exercício de 2014 decorre:
—> A contabilização em contas correntes dos seus sócios de alegados empréstimos aos sócios, mobilizando para o efeito valores da conta de depósitos à ordem da sociedade, suportados por documentos designados "contratos de mútuo" e "recibos de mútuo", conforme ilustram os quadros 2 e 3 do projecto de relatório e do presente relatório final;
—> Os contratos e os recibos de mútuo foram assinados pelos sócios beneficiários ao longo do exercício de 2014, documentos esses que pretendem titular um fluxo financeiro que teria sido transferido naquelas datas para a esfera de cada sócio.
Quando o SP refere na sua petição do Direito de Audição que o "(...) montante de € 840.500,00, o qual foi mutuado aos sócios ao longo de vários anos, tendo sido devidamente registado no exercício de 2014 (...)", importa sublinhar que não se compreende esta afirmação do SP, já que: a) não cumpriu o estipulado no art.º 123º n.º 2 e 3 do CIRC; b) Não logrou demostrar e comprovar essa afirmação, uma vez que nunca apresentou documentos que confirmem esses fluxos financeiros, mesmo depois de questionado/notificado para o fazer, (ver pergunta 17 do termo de declarações do anexo 2 e pergunta 2 do ofício ... de 3/08/2017 do anexo 4). Recorde-se que as respostas dadas pelo SP foram:
- "Os mútuos efetuados em 2014 referem-se a movimentos anteriores a este exercício, onde não existia no banco o valor do qual resultaram os mútuos." (mail de 8/08/2017 anexo 4);
- em termo de declarações: "Foram mútuos efetuados. Por conversão de valores em bancos. Através de transferência entre contas de reconciliação e os mútuos." (resposta à pergunta 17 do termo de declarações do anexo 2).
O mesmo se verifica quando o SP refere que, "Na verdade, os montantes de €500.000,00 e € 100.000,00, mutuados pela Respondente foram-lhe efetivamente restituídos, conforme resulta dos recibos de pagamento de mútuo n.º 1 e n.º 2 (...). Se olharmos para os documentos designados "Recibos de pagamento de mútuo n.º 1 e n.º 2" (anexo 4), datados de 15/12/2014 e de 29/12/2014, com os valores de € 500 000,00 e € 100 000,00, respetivamente, embora o SP afirme que recebeu do Sr. D... (sócio-gerente) aqueles valores, no entanto, como se viu na análise constante do projeto relatório, esses valores não foram depositados na conta bancária do SP (Cfr. Extrato de movimentos históricos, de 01/01/2014 a 31/12/2014, do anexo 5)", e na contabilidade do SP ficaram registados numa conta "1311 - Depósito a prazo a regularizar" (anexo 4 - movimentos contabilísticos, 31/12/2014 - "diário diversos").
Sem essa prova, o que permanece é a realidade expressa pela contabilidade do exercício de 2014, que evidencia que em vários momentos foram lançados valores a débito em contas correntes dos sócios, que a AT demonstrou exaustivamente não resultarem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
O SP não cumpre com alguns dos normativos contabilísticos e fiscais, contudo a contabilidade continua a constituir um elemento fulcral e legalmente obrigatório na esfera societária, determinante para apurar a situação patrimonial e fiscal da sociedade, conforme dispõe os artigos 3º e 17º do CIRC, existindo ainda uma presunção legal de boa-fé, quer quantos aos dados inscritos na contabilidade, executada e aprovada pela gerência, quer nas declarações fiscais entregues pelo SP ao longo dos anos, conforme dispõe o art. 75º, nº1 da LGT.
Desta forma, a AT baseou-se em todos os documentos contabilísticos do exercício 2014 e em elementos extra contabilísticos para elaborar a sua análise e respetivas conclusões, tendo como objetivo a descoberta da verdade material, na observância do princípio do inquisitório previsto no artº 58.º da LGT e na sua relevância como princípio constitucional da tributação.
Pontos 4 e 5)
Dentro do cumprimento do dever de fundamentação dos factos que sustentam as correções propostas, a AT elencou, explicitou e fez prova, em diversos pontos do relatório, de várias fragilidades associadas aos documentos designados de "contratos e recibos de mútuos" celebrados entre a sociedade e os sócios beneficiários ao longo do exercício de 2014, e cuja análise não pode ser feita isoladamente, como o SP optou por fazer no exercício do Direito de Audição Prévia. Sobre as alegações do SP apresentadas nestes pontos, eis alguns considerandos:
a) O SP vem admitir"... nem sempre ter adotado o procedimento correto no que respeita ao depósito nas suas contas bancárias dos meios financeiros que integravam o seu activo.";
b) Quando o sócio-gerente justifica que os cheques dos clientes não eram integralmente depositados na conta bancária da sociedade "Por uma questão de simplicidade operacional e logística ( ...)", importa lembrar que, mais uma vez o SP não cumpre com os normativos legais, tendo em conta o disposto no art.º 63º C da LGT, "1 - Os sujeitos passivos de IRC,(...), estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida. 2 - Devem, ainda, ser efectuados através da conta ou contas referidas no n.º 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.";
c) Quando o SP refere "(...) que esses "exfluxos" a favor dos sócios estão demonstrados, como resulta, aliás, do termo de declarações (...) no qual, em resposta à questão "Em nome de quem é que eram emitidos os cheques dos clientes?", afirma o sócio-gerente da sociedade, que "Os cheques eram emitidos em nome de D... (...)", importa precisar que, conforme termo de declarações (Cfr. Anexo 2) o SP foi inquirido sobre factos relativos ao exercício de 2014, e que conforme descrito no projeto relatório, sob o título "Faturação", pág. 12 e 13, o SP só tem um único cliente, a F... Lda, NIF..., a quem o SP emitiu a sua única fatura/recibo no valor de € 62.500,00.
Conforme descrito sob o título "Recibos com os números 10,11 e 12" na pág.19, e na conclusão do projeto de relatório, o valor de € 62.500, foi considerado como resultante de mútuos, e como tal já foi deduzido esse valor quando se procedeu ao cálculo das correções propostas pela AT;
d) Em matéria de Imposto do Selo, o SP reconheceu não ter sido pago este imposto, uma obrigação legal decorrente do Código do Imposto do Selo, aplicável quer pela formalização dos contratos de mútuo, quer pela utilização do crédito concedido decorrente dos contratos firmados.
Não obstante, em nenhum momento é afirmado no projeto de relatório, que "(,..) a falta de pagamento do imposto associado a determinado negócio jurídico gera a sua inexistência ou o transforma em negócio distinto.", como alega o SP. Conforme descrito no projeto de relatório, pág. 16, é um conjunto de requisitos que levam a desconsiderar uma parte dos mútuos, utilizados pelo SP para tentar justificar os movimentos nas contas de sócios.
Atente-se nas pág.s 16 a 19 do projeto de relatório: conforme exposto, os recibos de mútuo com os n.ºs 10, 11 e 12 apesar de não terem cumprido o requisito legal da obrigação de pagamento de imposto do selo, a análise global efetuada, levou a considerar como válidos esses recibos de mútuos.
Ponto 6)
Na petição do SP é referida a falta de cumprimento dos requisitos formais no caso de contratos celebrados superiores a € 25.000,00, onde só a escritura pública cumpriria essa exigência formal à luz do estabelecido no art.º 1143º do Código Civil.
Contudo, é errónea a conclusão do SP que aquele incumprimento formal só por si tenha sido suficiente para que a AT tenha afirmado que não estaríamos perante "verdadeiros contratos de mútuo".
Com efeito, a AT apreciou todos os documentos que titulam os mútuos firmados entre a sociedade e os sócios beneficiários, ao longo do exercício de 2014 (contratos e recibos de mútuo), à luz do preceituado no artº1143º do Código Civil.
No relatório da Inspeção Tributária ficou demonstrado que o cumprimento formal previsto no artº 1143º do Código Civil embora obrigatório, não é suficiente para validar os contratos e os recibos de mútuos apresentados. Veja-se o caso dos mútuos titulados como recibos de mútuos, de valor inferior a € 25.000,00: conforme análise nas pág.s 16 a 19 do projeto de relatório, alguns desses ''recibos de mútuo" também não foram considerados como justificativo da saída de valores para os sócios.
Ponto 7)
"(...) não tem qualquer sentido afirmar-se que o registo tardio em SAFT de determinado movimento contabilístico altera a natureza jurídica do negócio subjacente a tal movimento." Esta afirmação que o SP imputa à AT, não tem correspondência com a realidade, já que em nenhum momento se expressou no projeto de relatório essa afirmação. Como se vê na pág 17 do projeto relatório, esta incongruência que o SP refere, diz respeito ao ponto (3) de um conjunto de pontos, que reunidos, fundamentam a decisão vertida no projeto de relatório.
Ao contrário do que o SP afirma, o que se evidenciou foram factos. Verificadas as datas de registo/gravação na contabilidade verificaram-se incongruências: conforme se demonstrou nos quadros 2 e 3 do projeto relatório, todos os movimentos relacionados com mútuos, nomeadamente, os recibos de mútuo, o contrato de mútuo, e os recibos de pagamento de mútuo, foram registados (data gravação) no SAFT (ver nota explicativa na pág. 17) na mesma data, 16/03/2015, com exceção dos recibos de mútuo n.º 10, 11 e 12 que têm a data de gravação de 27/11/2014. Conforme exposto no projeto relatório, pág. 19, no caso destes recibos de mútuo (n.º 10,11 e 12), os requisitos de forma foram cumpridos, foi verificada a evidência dos fluxos financeiros subjacentes ao empréstimo, e as incongruências verificadas nos restantes documentos associados aos mútuos, não se verificam nestes 3 (três) recibos. Podemos verificar no quadro 2 deste relatório, que somente esses 3 recibos têm data de registo/gravação na contabilidade de 27/11/2014, e conforme se afirmou, esta a discrepância entre a data do movimento e a data do seu registo/gravação no sistema informático SAFT é compatível com o desfasamento que verificamos no registo da maioria de outras operações contabilísticas do SP. Tudo isto não se verificou nos restantes recibos de mútuo, que foram incluídos nas correções propostas pela AT.
Salientamos uma vez mais, que o SP não cumpriu alguns normativos legais. Atente-se na alínea a) do n.º 3 do art.º 17º, e no n.º 1 do art. 123.º do CIRC, conforme nota rodapé n.º 1 (análise aos pontos 1, 2 e 3) e nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo: 2 -Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:
a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário:
b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.
c) Não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês 3 que as operações respeitam, (sublinhados nossos)
Como se depreende, o SP não cumpre com este normativo legal (veja-se os casos do registo cronológico das operações ou dos atrasos de registo verificados) e justifica as incongruências detetadas como "(...) tal dever-se-á certamente a lapso da Respondente (...). Ora tendo em conta que o SP apresenta uma quantidade de movimentos contabilísticos reduzida, um volume de negócios de € 62.500,00 correspondente a uma única fatura ao seu único cliente, e que os movimentos dos mútuos a que o SP se refere são no valor de cerca de € 903.000,00", a justificação como um lapso, é de difícil entendimento. E mesmo aceitando essa justificação, face aos montantes referidos, esses lapsos, teriam sido facilmente detetáveis, e ter sido (...) objecto de regularização contabilística logo que descobertos." como refere a alínea b) do n.º 2 do artigo mencionado.
Em suma, tendo em consideração todos os elementos vertidos pelo SP no seu direito de audição prévia, nenhuma das conclusões anteriormente extraídas pela AT sofre qualquer alteração, uma vez que para a desconsideração dos contratos e recibos de mútuo firmados em 2014, a AT fez prova de que os documentos apresentados pelo SP (contrato de mútuo e recibos de mútuo), apenas pretendiam aparentar a existência de empréstimos aos sócios, elencando-se novamente os factos principais considerados que fundamentam essa conclusão, os quais não devem ser tomados isoladamente:
> A impossibilidade de confirmar nos extratos bancários da sociedade daqueles exercícios os exfluxos financeiros a favor dos sócios beneficiários dos mútuos, alegados nos contratos e recibos de mútuos firmados ao longo daquele exercício, assim como os influxos a favor do SP alegados nos recibos de pagamento de mútuos;
> Validade formal ferida nos contratos e recibos de mútuo de valor superior a € 25.000,00 à luz do artº1143º do Código Civil (só seria válido se celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado);
> Não pagamento de Imposto do Selo, como decorre do respetivo Código;
> O reconhecimento do SP quando afirmou que "Os mútuos efetuados em 2014 referem-se a movimentos anteriores a este exercício, onde não existia no banco o valor do qual resultaram os mútuos." (mail de 8/08/2017 anexo 4)", e que, mais uma vez, não apresenta qualquer prova que fundamente a data do que chamou "movimentos anteriores a este exercício".
> As incongruências verificadas nos Recibos de mútuo, já expostas nas pág. 16 a 19 e na resposta ao direito de audição do SP, no ponto 7.
Da argumentação exposta, conclui-se que a interpretação vertida no direito de audição prévia exercido pelo SP não reproduz fielmente as conclusões da Inspeção Tributária, e que conforme se provou, os argumentos apresentados apenas reforçam a conclusão da AT de que se está perante uma tentativa de formalização de empréstimos, a posteriori, pretendendo o SP o reconhecimento como mútuos dos valores lançados a favor dos sócios (contas 268111, 268211 6268212).
Por outro lado, na argumentação apresentada, o SP não ilidiu, como lhe competia, a presunção legal prevista no art.º 6º, nº 4 do CIRS, ou seja, demonstrar que os lançamentos efetuados em contas de sócios resultam efetivamente de mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais para justificar o não cumprimento da obrigação fiscal de retenção de IRS na fonte (artigos 71º, nº1 al. c) e 98º, nº3 do CIRS).
O SP, para justificar a não retenção na fonte, procurou demonstrar que os lançamentos contabilísticos registados no exercício de 2014 e as respetivas entregas aos sócios ocorreram na sequência de mútuos firmados entre a sociedade e os sócios.
Contudo, estando provado que as entregas aos sócios não ocorreram na sequência de mútuos, nem de qualquer outro fundamento válido para se poder considerar ilidida a presunção prevista no artº 6º, nº 4 do CIRS, tem que prevalecer essa presunção legal conjugada com o facto da contabilidade evidenciar que ao longo do exercício de 2014 foram efetuados lançamentos em contas correntes dos sócios, perfazendo o montante total de € 903.000,00. Deste valor, apenas € 62.500,00 se consideraram resultantes de mútuos, pelo que € 840.500,00 se presumem como recebidos pelos sócios a título de lucros ou adiantamento de lucros.
Sobre a presunção legal prevista no art.º 6, n.º 4 do CIRS, veja-se por exemplo, as decisões proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.º 130/2012-T e 131/2012-T, que vão no mesmo sentido da decisão deste relatório.
X-CONCLUSÃO
Tendo em conta que:
- Se mostra concluído o prazo concedido para o exercício do direito de audição;
- não se verifica qualquer regularização por parte do SP;
- o SP exerceu o seu direito de audição prévia, tendo-se concluído que a argumentação apresentada pelo sujeito passivo não é suscetível de alterar os factos e os fundamentos descritos no capítulo III do projeto de relatório;
devem manter-se as correções propostas no presente Relatório Final de Correções de Inspeção Tributária, no montante de € 235.340,00 propondo-se o encerramento da ordem de serviço n.º....
Para o efeito, foi elaborado o documento de correção e levantado o auto de notícia por contraordenação, pelas infrações descritas no capítulo VII do presente relatório.
Nos termos dos artigos 62º do RCPITA e 77º da LGT, o sujeito passivo vai ser notificado da conclusão das ações inspetivas.
Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de retenções na fonte de IR do ano de 2014, correspondente à liquidação n.º 2018..., de 08-01-2018 e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, correspondentes às liquidações n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018 ... e n.º 2018 ... (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Em 09-02-2018, a Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Em 15-06-2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa das liquidações referidas (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Por despacho de 30-07-2019 foi indeferida a reclamação graciosa (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
O despacho de indeferimento manifestou concordância com os fundamentos do projecto de indeferimento que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
IV - ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER
Tendo em conta as alegações e os factos atrás descritos, importa determinar se as liquidações ora reclamadas, padece de algum vicio de ilegalidade a que lhe são apontadas.
1. A empresa A..., Lda., é uma sociedade por quotas, tendo como atividade principal "Outras Atividades de Saúde Humana, n.e." - CAE 86906, encontrando-se enquadrada em sede de IRC, no regime geral, devendo dispor de contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilista, nos termos do n.º 3 do art.º 17." e do art.º 123.º do CIRC.
2. A Reclamante foi objeto de ação inspetiva, de âmbito parcial, dirigido ao exercício de 2014, decorrente da informação retirada da declaração IES (n.º...), na qual apresentava um saldo elevado em fluxos de caixa, conforme Imagem seguinte:
3. Durante o procedimento inspetivo e segundo consta do RIT, foi solicitado à empresa diversa documentação, complementada com informações recolhidas junto dos responsáveis da empresa, a fim de aferir os movimentos contabilísticos do período no ano de 2014 registados em caixa e depósitos bancários, tendo sido autorizada pela Reclamante a derrogação do sigilo bancário.
4. Do resultado do procedimento Inspetivo, vem a ora Reclamante invocar no sentido que as "...demonstrações de liquidações padeçam de vários vidos que determinam e sua ilegalidade ... [que] inexiste no caso subjudice o dever acessório de substituição tributária da Reclamante a título de mútuos, pelo que foi com essa natureza que tiveram o devido tratamento fiscal e não com aquela que agora é conferida, fruto da aplicação da presunção do artigo 6.º n.º 4, do Código do IRS por parte da AT (cfr. ponto 23 e 24 da petição}.
5. Ora, o mútuo é um contrato que se encontra regulado nos artigos 1142.º e seguintes do Código Civil (CC), pelo qual alguém empresta a outrem dinheiro ou outra coisa fungível, ficando o mutuário obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade,
6. Perante o "contrato, de mútuo", datado de 20/01/2014, no montante de 500.000,00 € (superior a 25,000,00 €) estando sujeito ao pagamento de imposto de selo aquando a sua formalização (art.º 1 do CIS), e se celebrado, deveria tê-lo sido por escritura pública ou por documento particular autenticado (art.º 1143.º do CC), forma que constitui um requisito sobre a substância/ad substantiam e, por isso, à sua inobservância terá de se aplicar a regra geral do artº 364.º do CC, com a consequência de a. falta importar a invalidada do contrato, conforme dispõe o art.º 219.º CC.
7. E que, na contabilidade da Reclamante, nomeadamente na conta 268111 – D... (sócio), verificou-se um movimento a débito e outro a crédito no montante de 500.000,00 €, tendo a empresa informado durante o procedimento inspetivo que, estes movimentos foram efetuados através de movimento de transferência entre contas.
8. Refira-se também, que os movimentos relacionados com os mútuos, e através da análise ao SAF-T da Contabilidade, os lançamentos encontram-se registados no ano de 2015, sendo reconhecido pela Reclamante que tal deve-se a lapso (cfr. ponto 116 da petição), pelo que, não se encontra cumprido a exigência legal de até 90 dias para a execução da contabilidade (art 123.º n.º 3 do CIRC).
9. Acrescenta-se ainda, e de acordo com o mencionado no relatório inspetivo, sintetiza-se o seguinte:
i) A conta 11 - Caixa: não possuía registos de movimento;
II) A conta 12 - Depósito à Ordem (Banco H...) evidenciava um saldo inicial de 865.016,44 € e um saldo final devedor de 9.245,53 € (diferente montante do extrato bancário à data do início e encerramento do exercício), sendo que os movimentos contabilísticos registados a crédito ocorreram por contrapartida das contas dos sócios: #26811 e # 268211 -D..., e na #268212 -G...;
iii) A conta 1311 - Depósito a prazo por regularizar, evidenciava um saldo devedor de 600,000,00 €, sem reflexo em nenhum extrato de conta bancária;
iv) A conta 268211 – D... e a Conta 268212 – G... (sócia), registava vários movimentos, com a designação de "Recibo mútuo n.º 1, encerrando cada conta com um saldo devedor de 174.000,00 € e 129.000,00 € (303.000,00 €), respetivamente;
v) A empresa registou uma única fatura, ao seu único cliente "F..., Lda,", no montante de 62.500,00 € relativo aos serviços prestados em consultas e em cirurgias e exames, tendo sido liquidada através de 2 cheques emitidos em nome do gerente D... (50.000,00 €) e em nome da sócia G... (125,00 €) e o diferenciai em numerário (12.375,00 €), que não chegou a entrar em caixa;
vi) A empresa desde o seu início de atividade, nunca distribui lucros aos seus sócios, verificando-se um saldo final credor na conta 5.5 - Reservas, no montante de 853.845,58 €.
10. De acordo com os factos descritos, verifica-se que a empresa efetua registos de movimentação com as contas bancárias, sem que os movimentos efetivamente tenham ocorrido em 2014, o que poderá indiciar que a informação retirada do balanço não representa uma imagem fidedigna das transações ocorridas naquele exercício.
11. Estando em causa, a legalidade da aplicação da presunção constante do art.º 6.º n.º 4 do CIRS e tendo ficado provado em sede de procedimento inspetivo, situação que não foi ilidida pela Reclamante, que os movimentos registados contabilisticamente e relativos às entregas de valores monetários aos sócios, não ocorreram na sequência de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais;
12. Pelo que, e face ao previsto na al. h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS (Rendimentos da Categoria E), bem andaram os serviços ao concluir que as verbas em causa, nomeadamente, o montante de 840,500,00 € (903.000,00 € deduzido do valor considerado, no montante de 62.500,00 €) foram arrecadadas a título de lucros ou adiantamento de lucros;
13. E como tal sujeitos a retenção na fonte de IRS, no momento da sua colocação à disposição (art.º 7.º, n.º 1 e n.º 3, al, a), subal. 2), do CIRS) sobre aquela distribuição, a título definitivo e liberatório, à taxa de 28%, nos termos do art.º 71º, n.º 1, al. c) e do n.º 3 do art.º 98.º ambos do CIRS, à data dos factos.
14. Alega também, a falta de fundamentação relativamente à base legal aplicada pela cobrança oficiosa daquele imposto na esfera da empresa e não na dos sócios (cfr. ponto 60 da petição).
15. Ora, sendo o de rendimento sujeito à retenção na fonte de IRS aplicando as taxas liberatórias (art. 71.º do CIRS), acaba por libertar o contribuinte das obrigações declarativas, de englobamento e de pagamento, ficando a obrigação de pagamento do imposto por parte do sujeito passivo originário (art. 101.º n.º 2);
16. Ou seja, "A substituição tributária verifica-se quando por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte" (art.º 20.º, n.º 1, da LGT), aplicando-se naturalmente o estatuído no art.º 28.º n.º 1 da LGT.
17. Relativamente à fundamentação é atualmente pacífico que esta deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, ou seja, o que o levou a decidir num sentido e não em qualquer outro, tal como está consagrado no art.º 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, no art.º 77.º da LGT e no art.º 153.º do CPA,
18. Assim, só existirá falta de fundamentação se face à obscuridade das afirmações e contradições, não for possível conhecer esse Itinerário, ou ainda, se o autor do ato decidir em sentido diverso sem fundamentar essa divergência.
19. O que manifestamente não aconteceu na situação dos autos, pois o despacho que determinou a realização das correções técnicas assenta num relatório que estabelece, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido para chegar ao valor das correções e cujos fundamentos foram oportunamente dados a conhecer ao ora reclamante.
20. A exigência do dever de fundamentação resulta de uma pluralidade de razões "que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o ato, até à garantia de transparência e da ponderação da atuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico jurisdicional do ato".
21. E no mesmo sentido, estipula o n.º 1 do art.º 77.º da LGT que a fundamentação pode "...consistirem mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ..., incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária".
22. Assim, resulta claro que a alegada falta de fundamentação não se verifica, no caso dos autos, portanto quer do ato de liquidação de retenção na fonte de IR, quer do projeto de relatório, quer do relatório final de inspeção tributária, todos notificados à ora Reclamante, constam expressa e minuciosamente descritos todos os elementos essenciais do ato: as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação dos factos tributários.
23. Pelo que, e em sede de reclamação, consequente e forçosamente, a abordagem da questão pela AT não será diferente da anterior, na medida em que não existem quaisquer elementos suscetíveis de alterar o sentido da mesma.
24. Quanto aos juros compensatórios, resulta expressamente da conjugação do disposto no n.º 1 do art.º 102.º do CIRC com o n.º 1 do art.º 35.º da LGT, que "São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do Imposto devido ...".
25. Os juros compensatórios representam uma reparação cível que visa indemnizar o Estado, no caso vertente, pela perda de disponibilidade da quantia que não foi liquidada no momento em que o deveria ter sido,
26. Sendo que relativamente à taxa, base de cálculo e período de tempo a que se reportam os juros compensatórios, a AT não goza de qualquer margem de manobra, estando a sua atuação, relativamente aqueles pressupostos estritamente vinculada, o que significa que a mesma é insuscetível de ser influenciada por quaisquer argumentos apresentados pela Reclamante.
27. É hoje consensual que o pressuposto subjetivo da liquidação de juros compensatórios é a culpa do sujeito passivo no retardamento da liquidação devida, devendo o juízo de culpa ser aferido em abstraio, segundo a diligência de um "bonus pater familiae",
28. Nesse sentido a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Administrativo considera que a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa por parte do sujeito passivo e essa culpa existe quando determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, não porque a culpa seja meramente presumida, mas por ser "algo que em regra ou prima-facie se liga ao carácter ilícito-típico do facto respetivo". Assim se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no recurso n.º 22612 de 23/09/1998.
29. E no caso em apreço, verifica-se que as correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária são o resultado de uma conduta por parte da Reclamante que teve como resultado, a não entrega nos cofres do Estado da retenção na fonte de IRS sobre rendimentos pagos aos sócios e considerados como lucros ou adiantamento dos lucros, através do disposto no n.º 4 do art.º 6 do CIRS.
30. Pelo que a liquidação de juros compensatórios é de se manter, pois não sendo uma liquidação autónoma, está relacionada com o imposto cujo pagamento não foi efetuado dentro do prazo legalmente definido.
31. A Reclamante procedeu ao pagamento das liquidações agora em causa, no dia 09/02/2018, peio que e por considerar que as liquidações são indevidas, solicita juros Indemnizatórios nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT, por erro imputável aos serviços.
32. Ora, com base nos fundamentos apresentados na presente informação, considera-se que a liquidação aqui reclamada, está em conformidade com b ordenamento jurídico, não se verificando os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, ficando prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.
Em face da inexistência de prova dos exfluxos financeiros em favor dos sócios, e tendo a Reclamante admitido que "...nem sempre ter adotado o procedimento correto no que respeita ao depósito nas suas contas bancárias dos meios financeiros que integravam o seu ativo" (cfr. ponto 101 da petição);
Pelo que sou de opinião que deverá a presente reclamação ser indeferida, considerando que não foi acrescida aos autos, nova prova documental, nos termos do art. 74.º da LGT, que permita confirmar, de forma clara e inequívoca, o peticionado ou que ponham em causa a análise efetuada pelos serviços inspetivos,
V-CONCLUSÃO
Nestes termos, propõe-se o INDEFERIMENTO da presente reclamação, de acordo com os fundamentos da presente informação, notificando-se a Reclamante para, querendo, exercer o direito de audição prévia, consignado na. participação da formação da decisão, a que se refere a al. b) do n.º 1, do art.º 60.º da Lei Geral Tributária.
Em 01-01-2014 o saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Requerente no Banco H... era de € 16.198,00 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Em 31-12-2014 o saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Requerente no Banco H... era de € 8.974,69 (documento n.º 2);
No ano de 2014 foram efectuados nas contas n.ºs 268111, 268211 e 268212 os movimentos contabilísticos que se referem no documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
Em 31-10-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto
2.2.1. Os factos que foram dados como provados basearam-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
2.2.2. Não se provou que os lançamentos contabilísticos efectuados pela Requerente no exercício de 2014, que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, tivessem sido por lapso. Na verdade, não foi apresentada qualquer prova de que existissem lapsos, nem é crível que existissem 15 lapsos, sem explicação plausível. Na verdade, para além de não ter sido explicado qual o lapso e razões para tal ter ocorrido, é de presumir, à face das regras da experiência comum, que não tenha ocorrido qualquer lapso nos lançamentos referidos, pois, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, a contabilidade da Requerente «apresenta uma quantidade de movimentos contabilísticos reduzida, um volume de negócios de € 62.500,00 correspondente a uma única fatura ao seu único cliente, e que os movimentos dos mútuos a que o SP se refere são no valor de cerca de € 903.000,00".
2.2.3. Não se provou que o valor de € 840.500,00 ( ) corresponda a montante mutuado a sócios da Requerente em períodos anteriores a 2014. Não foi apresentada qualquer prova de movimentos financeiros realizados em anos anteriores a 2014 correspondentes aos valores que a Requerente diz terem sido mutuados nesses anos. A prova desses movimentos financeiros antes a 2014, se existissem, seria decerto fácil para a Requerente e, por isso, o facto de não a apresentar induz, à face das regras da experiência comum, à ilação processual de que esses movimentos não terão existido.
Por outro lado, o contrato de mútuo e os recibos apresentados pela Requerente como respeitando a quantias mutuadas são datados de 2014 e só foram registados no SAFT em 16-03-2015, o que indicia que terão sido elaborados em momento ou momentos posteriores a 2014. De qualquer forma, esse contrato e recibos datados de 2014 não podem considerar-se prova de que os hipotéticos mútuos tenham ocorrido em datas anteriores a 2014 e, desacompanhados de prova de correspondentes movimentos financeiros realizados em 2014, não pode considerar-se provado que os mútuos que nesses documentos se referem tenham ocorrido neste ano. Pelo contrário, neste contexto, é de concluir que são falsas as afirmações feitas nesses documentos de que nas datas neles referidas tenham sido efectuado os mútuos. Como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, os factos apurados justificam que se conclua que «se está perante uma tentativa de formalização de empréstimos, a posteriori, pretendendo o SP o reconhecimento como mútuos dos valores lançados a favor dos sócios (contas 268111, 268211 6268212)».
2.2.4. Não se provou que em Março de 2015 a Requerente tenha recebido na sua conta de depósitos à ordem no Banco H... o montante de € 600.000,00 como reembolso de mútuos. Da cópia de extracto da referida conta à ordem que consta do documento n.º 4 constam dois movimentos a crédito de € 150.000,00 e € 450.000,00, mas não há prova de que resultem de reembolso de mútuos. Na verdade, os recibos n.ºs 1 e 2 apresentados pela Requerente, datados de 15-12-2014 e 29-12-2014, referem os valores de € 500.000,00 e € 100.000,00, respectivamente, que não coincidem com qualquer daqueles movimentos a crédito, quer quanto aos valores quer quanto às datas. Por outro lado, na «Descrição» dos referidos movimentos bancários a crédito refere-se «ENTREGA VALORES P/ COBRANÇA» e «TFR. CMOF – C MÉDICA OFTALMOLO» o que não permite concluir pela entrega das quantias pelo «Senhor Dr. D...» que figura nos recibos como tendo efectuado os pagamentos. Aliás, a «Descrição» referida no segundo movimento bancário, no valor de € 450.000,00 até induz a conclusão de que não se trata de uma transferência efectuada pelo «Senhor Dr. D...», designadamente em qualquer das datas referidas nos recibos como sendo aquelas em que os valores de € 500.000,00 e € 100.000,00 foram recebidos.

Por sua vez, na decisão fundamento proferida nos autos n.º 200/2018, deu-se como provada a seguinte matéria de facto (os quadros devem ser consultados no original):
A Requerente é uma sociedade por quotas, enquadrada no CAE 86906 – Outras atividades de saúde humana;
Foi efectuada uma acção inspectiva à Requerente ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI2017..., OI2017... e OI2017... respeitantes aos exercícios de 2013, de 2014 e de 2015, com um âmbito parcial de IVA, IRC e Retenções na Fonte;
Na inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
3.1 - CORREÇÕES PROPOSTAS EM SEDE DE RETENÇÕES NA FONTE (IRS)
(...)
Enquadramento legal dos rendimentos atribuídos aos sócios em 2013, 2014 e 2015
Sistematizando os factos observados, apurou-se o seguinte:
A sociedade gerou rendimentos nos exercícios em análise por força da actividade profissional desenvolvida principalmente pelo sócio-gerente, oftalmologista, o Dr. B..., e em menor escala pela sócia-gerente, anestesista, a Dra. C... . Trata-se de uma sociedade que nunca distribuiu lucros. O principal prestador de serviços era o sócio-gerente B..., que formalmente laborava na sociedade a título gratuito e que dela não retirava quaisquer rendimentos. A sócia-gerente C... formalmente também laborava na sociedade como trabalhadora dependente/detentora do capital, sendo remunerada mensalmente pela empresa nestes exercícios com uma prestação fixa, de periocidade fixa;
Ficou demonstrado que até ao exercício de 2012 a contabilidade do SP não refletiu a existência de qualquer "empréstimo" da sociedade aos sócios;
Analisadas as IES/DA dos anos anteriores a 2013, verificou-se que foram sempre declarados no balanço da sociedade saldos devedores acumulados na rubrica de “Depósitos bancários e caixa”, totalizando aquele ativo da sociedade o valor de € 1.713.317,88 em 2012, não sendo declarado ao longo dos anos qualquer empréstimo a sócios;
No entanto, em 01/01/2013, o dinheiro da sociedade contabilizado em depósitos à ordem, no valor de € 1.284.317,88 (na conta 121 depósitos à Ordem/D...), que justifica os resultados transitados acumulados pela sociedade ao longo de vários anos, efetivamente não se encontrava na sociedade, uma vez que o saldo inicial dos extratos bancários da sociedade naquela instituição bancária (D...), naquela data, só justifica € 46.415,65;
O sócio-gerente assumiu nas declarações que prestou que, nos exercícios em análise, os valores monetários da sociedade estavam todos depositados em bancos, não havendo valores em “caixa";
Em 2013, 2014 e 2015 foram sendo promovidos lançamentos na contabilidade, onde o SP procurou demonstrar entregas aos sócios (transferindo diretamente valores de "depósitos à ordem" para o património dos sócios e contabilizando-as diretamente como um crédito concedido aos sócios) ocorreram na sequência de contratos de mútuo e recibos de mútuo, celebrados entre a sociedade e os sócios ao longo destes exercícios;
Contudo, foi reconhecido pelo sócio-gerente que “Os mútuos foram realizados parcialmente para justificar a saída de receitas de sociedade que tinham sido previamente depositados nas contas bancárias dos sócios" (Anexo 4). A propósito dos recibos de mútuos firmados em 30/09/2015, no valor global de € 742.300,00, obteve-se também o reconhecimento por escrito do SP, em resposta a um pedido de esclarecimentos, de que aqueles lançamentos contabilísticos de suporte serviram para “acertar a conta bancária do D..." (ANEXO 13), como se confirma com a informação vertida no quadro 6 do presente relatório;
Não se verificando os elementos caraterísticos dos empréstimos, apesar de terem sido apresentados contratos e recibos de mútuo, pelas suas fragilidades que se tem vindo a sublinhar (inexistência de prova dos exfluxos financeiros em favor do sócios alegados no âmbito dos contratos e recibos de mútuos; inexistência de fixação de um preço - juros - que permita compensar a indisponibilidade do dinheiro e o risco associado; não prestação de garantia pessoa ou real; não pagamento de Imposto de Selo tal como o respetivo Código prevê), conclui-se que não é essa a natureza das operações;
No seguimento da análise efectuada no âmbito do presente procedimento inspetivo, dos fatos observados, dos documentos avaliados e dos esclarecimentos prestados, conclui-se que a empresa não concretizou quaisquer empréstimos aos sócios. O que as entregas de recursos financeiros efetuadas pela empresa aos sócios refletem objetivamente, com origem em "Depósitos à ordem", é a colocação à disposição dos sócios de rendimentos, constituindo um incremento patrimonial dos seus rendimentos. Também não estão reunidos os pressupostos para que tal colocação à disposição seja considerada rendimentos do trabalho (nomeadamente, o facto de não haver qualquer conexão com o trabalho prestado). Com efeito, apenas se pode concluir que se está perante rendimentos de capitais, sob a forma de distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros;
Tendo-se demonstrado a inexistência de mútuos da sociedade aos sócios, face à inexistência de outro fundamento válido para fazer afastar a presunção prevista no art.º 6, nº4 do CIRS (como resultarem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais). terão que prevalecer as datas de lançamento expressas pela contabilidade;
Neste sentido, ficou demonstrado que nos exercícios em análise (a partir de 2013), a sociedade reconheceu no seu balanço, empréstimos concedidos aos sócios, lançados contabilisticamente em contas correntes de empréstimos a sócios como confirmámos, declarando-os na IES/DA daqueles exercícios, onde transpôs os documentos de prestação de contas da sociedade daqueles exercícios, que foram objecto de deliberação e aprovação pelos sócios em Assembleia-geral, já comunicadas quer à Administração Tributária, quer à Conservatória do Registo Comercial, dando a conhecer a informação financeira sobre a gestão e a situação patrimonial da sociedade daqueles exercícios.
Desta forma, encontram-se reunidos os elementos necessários, em função dos quais, se conclui que a colocação à disposição dos sócios das importâncias que a sociedade detinha em "Depósitos à Ordem" se refere a distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros, não podendo de forma alguma ser caracterizada como empréstimos/mútuos ou rendimentos do trabalho.
Conclui-se que o SP procurou fazer sair da sociedade a favor dos sócios, os seus resultados, evitando a tributação dos mesmos, quer ao nível da sociedade, quer dos sócios.
A distribuição de lucros e de adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que, de uma forma objectiva, se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, o que sucedeu mediante o crédito dos "depósitos a ordem" por débito dos sócios.
No seguimento do que se referiu anteriormente, conclui-se que os rendimentos assim distribuídos aos sócios constituem rendimentos de capitais (categoria E) por força do nº 1 do artº 5º do CIRS, cujo enquadramento está especificado na alínea h) do nº2 do mesmo artº 5º do CIRS. Segundo este normativo, estão sujeitas a IRS, por enquadramento na categoria E, os "Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros...".
Assim, com base na alínea h) do nº2 do artº5º do CIRS, a disponibilização da sociedade aos sócios de importâncias que a empresa tinha registado em "depósitos à ordem" e que totalizaram o montante de € 1.345.000,00 em 2013, e 265.500,00 em 2014 e € 742.800,00 em 2015, será de considerar que ocorreram a título de distribuição de lucros ou de adiantamento por conta de lucros.
Recolhida a prova contabilística, deu-se por preenchido o fundamento legal base da presunção estatuída no artº6, nº4 do CIRS, segundo o qual "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercido de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros" (redação em vigor à data dos factos tributários - 2013 e 2014, anterior à republicação do CIRS pela Lei n.º 82-B2014, de 31 de dezembro"). Neste sentido, os montantes de € 1.345.000,00 em 2013, € 265-500,00 em 2014 e € 742.800,00 em 2015, constituem os montantes dos rendimentos lançados na contabilidade do SP, de cada exercício, em contas correntes dos sócios, que tiveram por base transferências de valores de contas de "depósitos à ordem", assumindo a natureza de distribuição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros enquadráveis como rendimentos da categoria E (artº5. nº2. al. h) do CIRS).
A distribuição de lucros e os adiantamentos por conta de lucros estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à laxa liberatória de 28%, em sede de IRS, conforme dispõe o art. 71º. nº1, al. c) do CIRS (atual art.º 71º, n.º 1, al. a) ao mesmo diploma legal), que conforme o indicado no nº3 do artº98º do mesmo diploma deverá ser entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta.
Note-se que a sociedade inspecionada não procedeu à retenção do IRS devido, a que estava obrigada nos termos do artº101º, nº 2, al. a) do CIRS.
Momento da tributação e repartição dos rendimentos de capitais a tributar por período
Sintetizando, os montantes das entregas totais da sociedade aos sócios, em cada exercício em análise, que foram considerados pelo SP como empréstimos aos sócios, qualificação essa que deve ser desconsiderada, tal como se comprovou anteriormente, por configurarem uma distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros (facto tributário), enquadráveis no disposto art.º 5.º, nº2, al. h) e no artº6, nº4, ambos do CIRS, são os seguintes:
Ano 2013: €1,345.000,00
Ano 2014: €265,500,00
Ano 2015: € 742,800,00
Os factos descritos traduzem a existência de valores contabilizados em contas de "depósitos à ordem" que indubitavelmente foram entregues aos sócios, consumando-se a transferência de propriedade dos mesmos em benefício dos sócios, que assim viram o seu património aumentar.
No que respeita aos montantes sujeitos a tributação, foi fixado o valor correspondente às importâncias colocadas à disposição dos sócios, conforme relevam as contas da contabilidade da sociedade, como se de empréstimos aos sócios se tratassem,
O art. 7.º, nº1 e nº3, alínea a), nº2 do CIRS consagram que o momento a partir do qual ficam sujeitos os rendimentos de capital (categoria E) corresponde à data da colocação à disposição.
Assim, em função dos factos já apresentados e comprovado o facto tributário, todas as eventuais dúvidas quanto ao momento da entrega dos rendimentos de capitais aos sócios são dissipadas tendo em conta que a informação constante nas demonstrações financeiras declaradas pelo SP ao longo dos anos (seja respeitante aos seus activos, onde se encontram os "saldos bancários", seja a que se reporta às "reservas" e aos resultados obtidos, ou ainda as operações que se referem a entregas de valores de "depósitos à ordem" aos sócios) constitui uma informação aprovada e certificada pelos sócios anualmente, em Assembleia-geral e comunicada a várias entidades.
Assim, atendendo a todas as evidências anteriormente expostas, considera-se que a distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros ocorreu no momento em que se reconheceu contabilisticamente a sua colocação à disposição dos sócios, registando as entregas efectivas dos saldos de contas de "depósitos à ordem" em contas específicas de empréstimos aos sócios. Ou seja, quanto ao momento da tributação foi fixado o mês em que as entregas de valores ocorreram – art. 7º do CIRS, definindo-se esse momento em que o imposto se torna exigível.
O quadro seguinte apresenta a repartição dos rendimentos de capitais - lucros e adiantamento por conta de lucros - distribuídos aos sócios, por período (mês), sujeitos a uma taxa de retenção na fonte à taxa de 28%, sem que tivesse sido efetuado pelo SP, apurando-se o respetivo montante de retenção em falta.
Do quadro acima, concluímos que os montantes de retenção em falta apurados em cada exercício em análise, por terem sido colocados à disposição dos sócios, enquanto rendimentos de capitais, ascendem a € 376.600,00 em 2013, € 74.340,00 em 2014 e € 207.984,00 em 2015.
Na sequência da acção inspectiva, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de retenções na fonte relativa ao ano de 2013 n.º 2017..., de 11-12-2017 e respetiva liquidação de juros compensatórios n.º 2017..., no valor global de € 433.884,47, sendo € 376.600 de retenções na fonte e de € 57.284,47 de juros compensatórios (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Em 16-01-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada de € 433.884,47 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Na Declaração Patrimonial da conta da Requerente na D... refere-se que, em 31-12-2012, a Requerente titulava um montante total de depósitos à ordem de € 46.415,65 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Do extracto bancário da conta da Requerente na D... refere-se que, em 31-12-2013, a Requerente titulava um montante total de depósitos à ordem e depósitos a prazo de € 517.145,60, dividido por € 82.145,60 de Depósitos à Ordem e por € 435.000,00 de Depósitos a Prazo (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
Os movimentos históricos de 01-01-2013 até 31-12-2013 da conta da Requerente na D... são os que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
Os saldos na referida conta naquele período oscilaram entre o mínimo de € 8.128,76 (em 17-02-2013) e o máximo de € 492.328,13 (em 22-02-2013), sendo de € 46.415,65, a 01-01-2013 e de € 82.145,60, a 31-12-2013 (documento n.º 6);
O montante de € 435.000,00 que foi transferido para a conta da Requerente em 22-02-2013, foi aplicado na mesma data em depósitos a prazo com os n.ºs ...(€ 250.000,00) e ... (€ 185.000) que foram mantidos até 22-02-2015 (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
Os contratos de mútuo celebrados pela Requerente datados de 30-12-2013 foram realizados depois de ter sido efectuada disponibilização de quantias pela Requerente aos seus sócios, com a finalidade de justificar a saída de receitas da sociedade (declaração do sócio-gerente da Requerente, reproduzido no Relatório da Inspecção Tributária, página 7);
A maior parte das operações bancárias realizadas pela Requerente era efectuada através da D... (Relatório da Inspecção Tributária, página 10);
No ano de 2013, verificaram-se as seguintes diferenças entre os valores depositados na conta à ordem da Requerente na D... e os valores que constavam da conta 121 Depósitos à Ordem/D...:
Em 31-12-2013 foi efectuado um registo contabilístico com a indicação de que respeitava a empréstimos ao sócio B..., com estes elementos:
Em 04-04-2018, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados
Não se provou que durante o ano de 2013 tivessem sido colocados pela Requerente à disposição dos seus sócios a quantia total de € 1.345.000,00.
Na verdade, não foi apurado que a Requerente dispusesse dessa quantia no ano de 2013, e a conta bancária da Requerente na D... aponta no sentido de não dispor.

Há agora que apreciar da admissão do presente recurso.
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), ao abrigo da qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).
Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.
Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral invocada como fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:
- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;
- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
Vejamos.

O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto da decisão arbitral proferida no processo nº 733/2019-T do CAAD, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 25º, nº2 e 3 do RJAT, e do artigo 152º do CPTA, e com o fundamento de aquela decisão se encontrar em oposição com a doutrina da decisão arbitral proferida no processo nº 200/2018-T do mesmo CAAD.
A recorrente após concluir que a matéria de facto é substancialmente idêntica, identifica do seguinte modo a questão fundamental de direito que no seu entender foi decidida em sentido contraditório nas decisões em confronto:
qual seja, o momento em que deve considerar-se que os rendimentos são colocados à disposição dos sócios de determinada sociedade, para efeitos de tributação em sede de IRS mediante aplicação da presunção constante do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS, em conjugação com a subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do Código do IRS.

Na decisão fundamento escreveu-se a este propósito:
A Requerente defende que a prova produzida aponta no sentido de não dispor em 2013 da importância de € 1.345.00,00 que foi objecto dos ficcionados contratos de mútuo e, na verdade, não há qualquer indício de disponibilidade de uma quantia que se aproxime daquela.
Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no Relatório da Inspecção Tributária que a conta bancária da Requerente mais relevante era a da D..., não atribuindo sequer a relevância às outras contas bancárias que refere.
Essa conta bancária tinha um saldo de depósitos à ordem de € 46.415,65 em 31-12-2012 e de € 82.145,60 em 30-12-2013 (último dia indicado no extracto que consta do documento n.º 6, em que se refere que se reporta aos movimentos de 01-01-2013 até 31-12-2013), sendo de € 138.990,59, em 25-11-2013, o valor máximo de saldo da conta à ordem.
Mesmo considerando os depósitos a prazo, no valor de € 435.000,00 está-se muito longe do valor de € 1.345.000 considerado pela Autoridade Tributária e Aduaneira como sendo o valor disponibilizado aos sócios no ano de 2013. Para além disso, este valor de € 435.000,00 de depósitos a prazo foi mantido até 22-02-2015 (documento n.º 7), pelo que não pode ter sido disponibilizado aos sócios no ano de 2013.
O facto invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária de que «nos exercícios em análise (a partir de 2013), a sociedade reconheceu no seu balanço, empréstimos concedidos aos sócios, lançados contabilisticamente em contas correntes de empréstimos a sócios como confirmámos, declarando-os na IES/DA daqueles exercícios, onde transpôs os documentos de prestação de contas da sociedade daqueles exercícios, que foram objecto de deliberação e aprovação pelos sócios em Assembleia-geral, já comunicadas quer à Administração Tributária, quer à Conservatória do Registo Comercial, dando a conhecer a informação financeira sobre a gestão e a situação patrimonial da sociedade daqueles exercícios», não afasta esta conclusão pois não se vê que existisse nesse ano a quantia necessária para fazer a disponibilização aos sócios.
Pelo contrário, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária «em 01/01/2013 o dinheiro da sociedade contabilizado em depósitos à ordem, no valor de € 1.284.317,88 (na conta 121 Depósitos à Ordem/D...), que justifica os resultados transitados acumulados pela sociedade ao longo de vários anos, efetivamente não se encontrava na sociedade, uma vez que o saldo inicial dos extratos bancários da sociedade daquela instituição bancária (D...), naquela data, só justifica €46.415,65» (negrito nosso).
Assim, se em 01-01-2013, o valor de € 1.284.317,88 contabilizado como existente na conta à ordem «já não se encontrava na sociedade», tem de se concluir que a disponibilização aos sócios ocorreu antes do ano de 2013.
Pelo exposto, é de concluir que a prova produzida aponta claramente no sentido de não ter sido disponibilizado aos sócios durante o ano de 2013 o valor de € 1.345.00,00, em que assenta a liquidação impugnada.
Por outro lado, a presunção de que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros» reporta-se apenas à qualificação jurídica das quantias disponibilizadas e não à data em que elas ocorreram, designadamente não se estabelecendo uma presunção de que a disponibilização ocorre na data em que foi efectuado o lançamento contabilístico.
Pelo contrário, a previsão dos lucros e adiantamentos como rendimentos de capitais consta da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, e o artigo 7.º, n.ºs 1 e 3, alínea 2) estabelecem, no que aqui interessa, que aqueles rendimentos ficam sujeitos a tributação «desde o momento em que ... são colocados à disposição do seu titular», portanto independentemente de ser ou não efectuado o lançamento contabilístico.
Por isso, não há fundamento para presumir que a colocação dos rendimentos à disposição dos sócios da Requerente tenha ocorrido na data em que foram efectuados os lançamentos.
De qualquer modo, mesmo que fosse aplicável aquela presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, que é invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ela deveria considerar-se ilidida pela prova em contrário produzida.
Por isso, não tinha a Requerente de proceder, no ano de 2013, às retenções na fonte cuja falta está subjacente à liquidação impugnada, pelo que esta enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.
No mínimo, é de concluir que não se prova a existência, no ano de 2013, do facto tributário que está subjacente à liquidação impugnada, o que é suficiente para justificar a anulação da liquidação, em face do preceituado no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que estabelece que «sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado».

Já na decisão recorrida escreveu-se:
Por força do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, estão sujeitos a tributação em sede de IRS «os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros».
O n.º 4 do artigo 6.º do mesmo Código estabelece que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».
A Requerente defende que a sua contabilidade da Requerente não espelha a sua situação fáctica e não existe reconciliação bancária e que a divergência é explicada por contratos de mútuo celebrados com os seus sócios, os quais ocorreram em exercícios anteriores a 2014, mas que, por lapso, apenas foram relevados na contabilidade da Requerente no exercício de 2014.
Como resulta da matéria de facto fixada não se provou que os lançamentos efectuados na contabilidade em 2014 e registados no SAFT em Março de 2015 respeitem a mútuos celebrados antes de 2014.
Na verdade, o contrato de mútuo e os recibos apresentados pela Requerente em que se refere terem sido recebidas quantias a título de mútuos não merecem qualquer credibilidade, desde logo porque a própria Requerente diz que não foram efectuados mútuos nem entregues quaisquer quantias nas datas que neles são referidos, mas em anos anteriores. Por outro lado, embora nesses documentos se refira que nas datas neles apostas foram entregues as quantias que neles se indicam, não foram comprovados quaisquer movimentos financeiros que permitam concluir que tais afirmações correspondam à realidade.
O facto tributário previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS é consubstanciado pela colocação à disposição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros.
É a colocação à disposição que determina a sujeição a tributação, como se confirma pela subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do mesmo Código.
A colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros pressupõe um ato da sociedade de que se possa concluir que decidiu atribuir aos sócios quantias, o que não sucede quando, à revelia da vontade social, haja uma mera apropriação por sócios de quantias retiradas da sociedade ou que não chegaram sequer a ser entregues à sociedade, sem qualquer título que permita concluir que a sociedade dispôs de quantias a favor de sócios.
Isto não significa que a eventual apropriação ilícita afaste a tributação em sede de IRS no âmbito da categoria E, já que a ilicitude da obtenção de rendimentos de capitais não afasta a tributação em IRS, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, do CIRS. Na verdade, como se infere do uso da palavra «designadamente» ao elencar as várias situações descritas nas alíneas do n.º 2 do artigo 5.º do CIRC, estas são mera concretização não exaustiva dos rendimentos de capitais tributáveis genericamente definidos no seu n.º 1.
Mas, o facto de, eventualmente, terem ocorrido factos em anos anteriores a 2014, de que tenha resultado a detenção por sócios de quantias pertencentes à sociedade, que poderiam ser tributados no âmbito da categoria E de IRS, relativamente às quantias que em 2014 vieram a ser indicadas como objecto de mútuos, não obsta a que seja aplicada a tributação a factos tributários que ocorreram em 2014, designadamente a colocação à disposição pela sociedade de lucros ou adiantamentos por conta de lucros a que se refere a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS. Na verdade, são frequentes ( ) as situações em que as normas de incidência tributária são potencialmente aplicáveis a uma mesma realidade económica substancial, como é o caso, desde logo, da própria alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º, ao prever cumulativamente a tributação da colocação à disposição dos associados do adiantamento por conta de lucros e dos próprios lucros quando vierem a ser distribuídos. Em situações deste tipo, de concurso de normas de incidência tributária, será de afastar, em regra, a cumulação de tributação relativamente a um mesmo rendimento (por força dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da justiça), mas não haverá qualquer fundamento para não aplicar qualquer das normas, se não ocorreu a cumulativa aplicação de outra.
Por isso, no caso em apreço, não tendo havido tributação por qualquer facto anterior a 2014 conexionada com a detenção pelos sócios da Requerente das quantias que foram indicadas como objecto de contratos de mútuo em 2014, a questão que se coloca é apenas a de saber se os factos ocorridos se inserem no âmbito de incidência do referido artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRC.
Como se referiu, a colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros que a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS configura como facto tributário que pressupõe um acto da sociedade de que se possa concluir que esta decidiu transferir quantias para a disponibilidade dos sócios.
Os factos provados de que se pode inferir que a Requerente decidiu disponibilizar quantias aos sócios são os lançamentos efectuados nas contas 268111, 268211 e 268212, no exercício de 2014. À face da prova produzida, é com estes actos que se pode considerar que as quantias objecto de lançamento nas contas referidas foram disponibilizadas aos sócios, independentemente dos momentos anteriores ou posteriores em que tenham sido concretizados movimentos financeiros.
Por outro lado, resulta da prova produzida que tais lançamentos não resultaram de mútuos. Foi formalizado por escrito um contrato de mútuo e emitidos recibos, mas resulta da prova produzida que não ocorreu a materialidade que lhes deveria corresponder, designadamente de que tenha ocorrido por efeito de contratos de mútuo a transferência de bens que é característica essencial do contrato de mútuo. Na verdade, «o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa» ( ), sendo a entrega um efeito do contrato.
Não se coloca, assim, a questão da requalificação de actos (mútuos) em distribuição de lucros, pois aqueles não existiram, subsistindo provada apenas a materialidade dos lançamentos efectuados no exercício de 2014. Por isso, não se está perante situação em que fosse necessário accionar a cláusula geral antiabuso.
Neste contexto, tendo-se provado os lançamentos nas contas dos sócios e que estes não resultaram dos mútuos invocados pela Requerente e não sendo sequer aventado que aqueles resultem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, verificam-se todos os requisitos da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, pelo que é de concluir que os lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
De qualquer modo, sendo a existência de mútuos alegada pela Requerente e não havendo razões para crer que eles existiram, a hipotética dúvida que subsistisse sobre essa existência sempre teria de ser valorada processualmente contra a Requerente, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, já que é ela quem alega a sua existência.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto aos vícios de erro sobre os pressupostos de facto por inexistência de facto tributário e de erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS.

Da leitura comparada que se faz de ambas as decisões facilmente se pode surpreender que, enquanto que na decisão fundamento se anulou a decisão com fundamento na inexistência de facto tributário, já na decisão recorrida não se anulou a liquidação por se ter provado a existência do facto tributário, ou seja, ambas as decisões concluíram de modo diferente por se ter provado uma factualidade diferente, a própria existência, ou não, do facto tributário, a qual igualmente resulta de uma diferente valoração da prova produzida, tanto bastando, para que não ocorra qualquer contradição entre ambas as decisões uma vez que no caso da decisão fundamento, a questão que a recorrente coloca apenas pode ser colocada em abstracto uma vez que a mesma nem sequer é essencial para a resolução do pedido arbitral.
Em face do exposto, conclui-se que não se verificam os requisitos supra enunciados e que constituem pressuposto do recurso para uniformização de jurisprudência, ou seja, a divergência de jurisprudência sobre a apreciação da mesma questão de direito, tudo visando a apreciação do respectivo mérito.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.
Custas pela recorrente.
Comunique ao CAAD.
D.n.

Lisboa, 29 de Junho de 2022. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Fernanda Paula Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.