Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0589/17
Data do Acordão:09/27/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22273
Nº do Documento:SA2201709270589
Data de Entrada:05/18/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A………….., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença prolatada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra no âmbito de processo de oposição a execução fiscal contra si revertida.

1.1. Terminou as alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo:

1. O presente recurso vem interposto do Acórdão do TCA Norte que confirmou a decisão de primeira instância, e a manter-se esta decisão significa que o infeliz do recorrente, um jovem de 31 anos, ficará com o seu futuro, inexorável e irremediavelmente, hipotecado, porque amarrado, para o resto da sua vida, ao pagamento de uma suposta dívida de muitas centenas de milhares de euros, quando nenhuma responsabilidade teve ou tem.

2. Requer a admissão do presente recurso por se verificarem os respectivos requisitos, sendo que em relação à relevância jurídica fundamental verifica-se que as questões trazidas aos autos (nomeadamente os poderes de cognição do tribunal de 2ª instância mormente no âmbito da matéria facto) são de elevadíssima complexidade jurídica, constituindo até uma verdadeira vexata quaestio, que tem tido tratamento dissonante na jurisprudência (quer da jurisdição administrativo-tributária, quer da jurisdição civil).

3. Verificando-se, pois e assim, não só uma elevada dificuldade das concretas operações exegéticas a efectuar, como também por força de um enquadramento normativo intricado e da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos (uns previstos no CPC, outros previstos no CPPT e outros ainda no CPTA).

4. Por outro lado, estão ainda em causa valores jurídicos fundamentais, princípios estruturantes e direitos 1uncJ como sejam a segurança jurídica e a confiança, o efectivo duplo grau de jurisdição, ou ainda a tutela jurisdicional efectiva (corolários do estruturante princípio do Estado de direito democrático — cfr. art. 2.º da CRP).

5. Sendo que — o que se alega com a devida vénia — a decisão recorrida coloca em causa a própria vida, o desenvolvimento da personalidade e a integridade moral do recorrente) posto que, ressalvado o devido respeito, o acórdão recorrido corresponde a estar a destruir-se perfeitamente uma vida: estando assim em causa a própria dignidade da pessoa humana — cfr, arts. 1.º, 24.º, 25.º e 26.º da CRP.

6. Por seu turno, a relevância social fundamental da situação manifesta-se na medida em que a mesma apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, sendo que, acrescidamente, as questões da amplitude dos poderes de cognição do Tribunal de recurso e de incumprimento das regras da citação, são deveras frequentes na realidade quotidiana, pelo que a questão revela, pois, especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa claramente os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.

7. Por outro lado, como tentaremos demonstrar melhor infra, a situação apresenta uma clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito, não só, porque, como já vimos, existe a possibilidade (rectius, a certeza de repetição num indeterminado número de casos futuros e, por isso, avulta a necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias determinantes até aqui tratada de forma pouco consistente ou contraditória, pelo que impõe a intervenção deste Alto STA para dissipar dúvidas.

8. Por outro lado também e ressalvado o devido respeito, o Acórdão recorrido tratou a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo assim objectivamente útil a intervenção deste alto STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

9. Em suma e ressalvado o devido respeito, o acórdão recorrido padece, a vários passos, de erro de julgamento grosseiro ou notório, sendo que a resolução das questões que se levantam implicam a realização de operações lógico-jurídicas especialmente complexas e, por outro lado, contende com interesses particularmente importantes (na medida em que se prende com o direito de propriedade privada e com o próprio direito à vida e ao desenvolvimento da personalidade, e estando em causa a decisão que poderá vir a ser seguida em cerca de 15 processos em tudo similares em que o executado é o mesmo, em que estão em causa muitas centenas de milhares euros), pelo que pode tal questão levantar-se num elevado número de casos, presentes e futuros, o que tudo justifica a intervenção clarificadora deste STA.

10. Nas suas alegações de recurso, o recorrente citou doutrina e alegou a inconstitucionalidade do disposto no art. 190.º, n.º 6 do CPPT ou da sua interpretação, mormente por violação do direito fundamental da tutela jurisdicional efectiva, corolário dos estruturantes princípios da segurança jurídica e da confiança, o que igualmente levou às conclusões 51 e 52, o que aqui se considera devidamente reproduzido.

11. Todavia, e ressalvado o devido respeito, tal questão de constitucionalidade do art. 190.º, n.º 6 do CPPT ou da sua interpretação não foi apreciada e decidida pelo Tribunal, o que configura nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

12. O Acórdão recorrido defende que “a modificabilidade da matéria de facto pela Relação só deva ter lugar nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, ou seja, quando aquelas imponham de forma clara decisão diversa e não quando apenas permitam uma decisão diferente; significa isto que a alteração da decisão de facto pressupõe erro evidente e clamoroso na apreciação das provas e não apenas possibilidade meramente especulativa e argumentativa — cfr. Aresto a fls. 20, sendo nosso o realce.

13. Salva o devido respeito, tal interpretação viola e de forma insuportável, o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (art, 18.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP) e o efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto,

14. Mormente quando, como é por todos reconhecido, as sucessivas reformas e revisões da lei processual (sobretudo do CPC) têm conduzido, progressivamente, a um aumento ou maior poder de sindicabilidade por parte dos tribunais de recurso, instituindo a garantia do efectivo duplo grau de jurisdição da matéria de facto que não se coaduna com esta visão propugnada pelo acórdão recorrido - veja-se a título de exemplo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.

15. Na verdade, para que a prova indicada pelo recorrente imponha a alteração da decisão da matéria de facto, não é (nem pode arvorar-se como) necessário que a mesma torne, absolutamente e de forma “evidente e clamorosa”, implausível a decisão da matéria de facto do julgador em 1.ª instância ou que haja “manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida” — como em patente erro decidiu o aresto recorrido —, o que corresponderia a uma atuação tão-só e apenas formal, Ou seja, de pura verificação do raciocínio lógico, in abstracto, do julgador de 1.ª instância, contrariando o disposto no art. 662.º do CPC.

16. Nos termos da lei, basta que o julgador da 2.ª instância, depois de uma ponderosa análise da prova, tendo necessariamente em conta o facto de estar a analisar a mesma em 2.ª instância, verifique que a decisão de 1.ª instância não obstante ser uma das decisões possíveis — não é a correta, então, estará sob a imposição jurídico-legal de proceder à devida correção da matéria de facto, alterando a mesma.

17. A solução para a presente questão geradora de contradição jurisprudencial, não pode ser retirada apenas da apreciação do elemento literal, devendo antes ser obtida tendo em consideração a evolução legislativa supra referenciada (elemento histórico), bem como os princípios basilares do regime processual civil português (subsidiariamente aplicável em sede tributária), nomeadamente o principio fulcral da existência (material e portanto, não meramente formal ou abstrata) de um duplo grau de jurisdição, em sede factual, que é corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 18.º, 20.° e 268.º, n.º 4 da CRP).

18. Nos termos dos artigos 640.º e 662.º (antigos arts. 685º-B e 712.º) do CPC, aplicáveis, em concreto, ex vi alínea e), do artigo 2.° e do artigo 281.º ambos do CPPT, o TCA, enquanto tribunal de 2ª instância, tem poderes para alterar a matéria de facto, devendo analisar os elementos probatórios disponíveis nos autos e formar a sua própria convicção com base nos mesmos — tendo, necessária e adequadamente, em consideração as limitações inerentes ao facto de estar a julgar em 2.ª instância — não podendo cingir a sua atividade ao mero apuramento da razoabilidade, ou plausibilidade, da convicção do julgador da 1.ª instância, ou aos casos de “manifesta desconformidade”, como fez o aresto recorrido, por tal ser manifestamente inconciliável com a efetividade do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, vigente no nosso sistema jurídico-legal.

19. Na realidade e na síntese do Acórdão do TCA Norte, proferido em 30/4/2013, no âmbito do processo n.º 1459/10.3BEBRG: “A reapreciação da matéria de facto, pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil implica a reapreciação substancial da matéria de facto em recurso, só assim se efectivando o duplo grau de jurisdição (...) Na reapreciação da prova o Tribunal da Relação deve formar a sua própria convicção no gozo pleno da livre apreciação da prova, tendo a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância”.

20. Daí que este Tribunal deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas e sem que se lhe imponha qualquer limitação relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, na certeza de que o dever de reapreciação dos concretos pontos da matéria de facto à luz dos meios de prova indicados não impede o tribunal “ad quem” de alterar outros cuja apreciação não foi requerida desde que tal pronúncia vise evitar contradição entre o que se pretendia alterar e foi alterado e aquilo que fora aceite em sede de julgamento (cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 12.09.2013 – Proc. n.º 2154/089TBMGR.C1.S1).

21. Ressalvado o devido respeito, a decisão padece de evidente e notório erro, na medida em que apenas efectuou uma análise puramente formal da decisão da matéria de facto de 1.ª instância, apenas buscando a “manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida”, o “erro evidente e clamoroso”, o que conduziu a que tivesse mantido integralmente a decisão (mesmo quanto ao facto instrumental, que considerou provado e, por isso, deveria ter alterado o rol de factos considerados provados, o que não fez).

22. Sempre ressalvado o devido respeito, a decisão recorrida nem mesmo é razoável, até à luz das próprias regras da lógica, da vida e da experiência comum, posto que, salvo o devido respeito por opinião distinta, a testemunha B…………. (mãe do oponente) não hesitou, sendo o seu depoimento honesto, idóneo, convincente, sentido e assertivo nas respostas às perguntas que lhe foram feitas; revelando directo conhecimento dos factos e logrando assim convencer da verdade (ou pelo menos verosimilhança) do seu sentido depoimento.

23. Aliás, a testemunha demonstrou algum comedimento e moderação, que revelou ser próprio da sua personalidade e temperamento, de mulher de idade avançada (60 anos), doméstica, de diminuta instrução ou escolaridade (6.ª classe), e que nunca tinha estado em tribunal a prestar depoimento

24. Comedimento e moderação agudizados pelo facto (natural e expectável à luz das evidentes regras de vida) de constatar o mal que sucedeu e que está a suceder ao seu filho, por força de não lhe ter entregue as cartas das finanças, que recebeu, devido à situação por que passava aquela família (daí que a testemunha pudesse, de alguma forma, estar incomodada, amargurada, afligida ou até algo ansiosa, não só por esse facto, como também pela circunstância de ter de reconhecer, perante o Tribunal e terceiros, que efectivamente não entregou as cartas ao seu filho, mantendo-o na ignorância, com tudo o que de negativo isso representa e agravadamente acarretou, acarreta e pode ainda acarretar — quando o filho A………. (oponente) nenhuma culpa ou responsabilidade teve ou tem, o que é, pois, fonte de profundas desavenças familiares

25. Por conseguinte e ressalvado o devido respeito, que é muito, o Aresto do TCAN constitui uma mera confirmação dum juízo, não corresponde a uma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, e mormente no uso dos poderes oficiosos de investigação — ou seja, não foi realizada uma reapreciação substancial da matéria de facto.

26. O que viola, entre o mais, o princípio da descoberta da verdade material, o princípio da livre apreciação da prova, a garantia do (verdadeiro) duplo grau de jurisdição da matéria de facto, o art. 662.º do CPC e, assim e por conseguinte, o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (art. 18.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP), colocando em causa também a própria confiança e segurança jurídicas dos operadores no Direito.

27. Sem prescindir, temos que “deve considerar-se subsidiariamente aplicável o disposto no artigo 729.º, n.º 3, do CPC [actual art. 682.º, n.º 3 do NCPC], quando se verifique um erro de direito, em resultado de a matéria de facto ser insuficiente ou inconcludente ou conter contradições que afectem ou impossibilitem a correcta decisão jurídica do pleito”, ou seja e no que aqui importa, o Alto STA pode mandar ampliar a decisão sobre matéria de facto, “quando esta não constitua base suficiente para a decisão de direito ou ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica” cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, comentário ao CPTA, 3).ª ed. revista, 2010, pp. 984 e 988.

28. Ora, o acórdão recorrido refere que «o depoimento da declarante B………….. (mãe do oponente), o mesmo revela-se manifestamente insuficiente para dar por assente, entre o mais, que a carta de citação não foi oportunamente entregue ao próprio, que não teve dele oportuno conhecimento, e quanto à inobservância da advertência de pronta entrega.

29. Todavia, já quanto ao facto instrumental, que o Tribunal considera erroneamente que em nada aproveitará ao Recorrente, já considera a mesmíssima testemunha foi “convincente nessa parte” e permite concluir que “Aquando da entrega do oficio do Serviço de Finanças de Cantanhede dirigido ao ora Oponente, referido em 4. dos factos supra provados, o Oponente não se encontrava em casa, estando em Braga, vindo à sua residência todos os fins-de-semana”,,

30. Por um lado, o aresto recorrido incorre em profunda contradição, como forma de manter a outrance o julgamento de primeira instância (devido ao entendimento que censurámos de apenas intervir quando haja “erro evidente e clamoroso”, denegando por isso a reapreciação substancial da matéria de facto em recurso), porque para o que seria relevante o testemunho da mãe do recorrente revela “pouca consistência” e importa “relativizar”, no que já pouco importará (na errónea concepção do Tribunal a quo) o mesmo depoimento da mesma testemunha já é “convincente” (sendo até redobrada a contradição, posto que este facto — relativo ao filho se encontrar em Braga — também invoca fortemente a memória temporal da testemunha, que o Tribunal a quo, em patente erro, “relativizou” e desconsiderou) — mas ainda assim e em erro de julgamento, o Tribunal não alterou a lista de factos assentes.

31. Por outro lado, e salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido revela também contradição que impossibilita a correcta decisão jurídica do pleito na medida em que apela às regras de experiência de comum para referir que as pessoas devem apressar-se a entregar a carta aos destinatários e que a deveria colocar em lugar visível, todavia olvida que a situação familiar daquelas pessoas, como até revelou a testemunha, não era... de normalidade, mas sim assaz difícil, complexa, um verdadeiro “inferno”, devido à situação da devedora originária.

32. Além dos vários elementos que permitem concluir que o recorrente nunca chegou a tomar conhecimento da citação (aliás, ninguém no seu perfeito juízo se sujeitaria a ser obrigado a pagar uma divida pela qual não é responsável e, acrescidamente, muitos mais juros e encargos), é a própria pessoa que a recebeu (B……….) quem reconhece, de forma honesta, sentida e real, que se esqueceu e não entregou a carta ao recorrente.

33. Por último, se é o próprio tribunal que reconhece que «analisado o depoimento da declarante B………. (mãe do oponente), o mesmo revela-se manifestamente insuficiente para dar por assente que “O ofício do Serviço de Finanças de Cantanhede dirigido ao ora Oponente, referido em 4, dos factos supra provados, não foi oportunamente entregue ao próprio, que não teve dele oportuno conhecimento”», e que “não se pode pretender que a convicção do tribunal se forme unicamente com base no depoimento da declarante B…………. (que foi quem recebeu a carta), olvidando por completo o que consta do aviso de recepção”, então, e salvo o devido respeito, o TCA Norte sempre deveria, no mínimo e numa reapreciação substancial da matéria de facto, ter ordenado a ampliação da matéria de facto, o que deveria ter ordenado por ser indispensável e ao abrigo dos seus amplos poderes de investigação nessa sede probatória e aos poderes oficiosos no intuito da prossecução do valor da descoberta da verdade material — cfr, arts, 5.º e 662.º do CP e jurisprudência citada.

34. Na verdade e em ampliação da prova, poderia ter, por exemplo, ordenado a audição do distribuidor postal (assim o deveria ter ordenado oficiosamente o Tribunal) e ou, decisivamente, como é do conhecimento Tribunal, pelo menos mais uma das testemunhas arroladas pelo oponente (a saber; C………….. — pai do oponente) tem conhecimento directo sobre esta factualidade e poderia ter sido ordenado o seu depoimento — como sucedeu aliás noutros processos conexos (por exemplo, no âmbito dos processos n.º 323/13.9BECBR, 324/13.7BECBR e 325/13.5BECBR).

35. O que não fez, violando assim e de forma evidente e notória o princípio da descoberta da verdade material e o disposto nos art. 5.º e 662.º do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.e do CPPT, e o princípio da livre apreciação da prova, a garantia do (verdadeiro) duplo grau de jurisdição da matéria de facto, o art. 662º do CPC e, assim e por conseguinte, o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (art. 13.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).

36. No que concerne à questão do incumprimento do art. 241.º do CPC, que se verifica nos autos, em patente erro de julgamento e olvidando os seus amplos poderes oficiosos de investigação e de reapreciação substancial, o Tribunal a quo entendeu que deveria subsistir a presunção de ocorrência da citação do oponente.

37. Porém e ressalvado o devido respeito, decidiu em patente erro de julgamento, como o demonstra o decidido no Acórdão do TCA N de 30 de Abril de 2013, proferido no âmbito do processo nº 1459/10.3BEBRG, sendo que também no caso sub judice, considerando o Tribunal que existiria dúvida sobre os motivos que determinaram o não conhecimento do acto de citação por parte do executado, essa dúvida deveria ser valorada a favor do executado considerando o incumprimento da lei (art. 241.º) pela AT.

38. Assim, in casu, considerando a identidade factual do presente caso com a situação decidida pelo Acórdão proferido no proc. n.º 1459/10.3BEBRG, considerando, por outro lado, os amplos poderes do Tribunal de 2.ª instância, numa verdadeira reapreciação substancial da matéria de facto, e considerando ainda que o destinatário da citação alegou, como era seu ónus, que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável, deveria o Tribunal a quo ter decidido, tal como requerera o recorrente, que a carta não lhe fora entregue, pelo que não ocorreu caducidade do direito de oposição. Ou pelo menos, ficando o Tribunal na dúvida sobre se esse motivo corresponde ou não à realidade, deveria ter valorado essa dúvida em favor do executado repetindo a citação, pelo que não tendo assim decidido o Acórdão recorrido padece de erro patente e notório.

39. Repetição da citação essa que não trará qualquer prejuízo para a Administração Tributária, já que apenas representa uma repetição de parte do processado, sendo os custos da mesma verdadeiramente despiciendos.

40. Assim sendo, como não houve uma citação regulamentarmente efectuada e, como tal, não se pode pois lançar mão da presunção de que o recorrente teve conhecimento do acto citando, não relevando sequer saber se o desconhecimento desse acto ocorreu por motivo que lhe foi ou não imputável - existirá sempre falta de citação, devendo ser a mesma repetida.

41. Neste acertado sentido aponta a doutrina supra citada, mormente quando está em causa a tutela do direito à defesa do executado, que é um direito de cariz constitucional (art. 18.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP), e o princípio da cooperação para a melhor forma da justiça, sendo que a omissão do serviço de finanças não pode em caso algum prejudicar as partes atento o disposto no artigo 161.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.

42. Sem prescindir e mesmo que se entendesse estar perante uma nulidade da citação, como entendeu em patente erro o Tribunal a quo, a verdade é que a doutrina já há longo tempo vem reconhecendo que “o regime da simples nulidade é incongruente (cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, 1982), e preferível seria equipará-lo inteiramente ao da falta de citação, sem prejuízo de a omissão cometida só dever ser atendida se tivesse prejudicado ou pudesse prejudicar a defesa do citando (cfr. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 332), o sempre adensaria a necessidade de intervenção deste Alto STA.

43. Por outro lado, o acórdão recorrido entende que o oponente não logrou fazer prova dos factos que invocara como fundamento da nulidade da citação e da falta de citação e que a oposição seria manifestamente intempestiva.

44. Porém, numa situação em tudo idêntica ao presente, decidiu o já referido Acórdão do TCAN proferido no proc. n.º 1459/10.3BEBRG, que o executado logrou provar que carta de citação lhe não foi entregue e que foi extraviada pela pessoa que a recebeu, logrou ilidir a presunção, pelo que, estando perante uma situação de falta de citação, basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado.

45. Assim não tendo decidido, o Acórdão recorrido padece de ostensivo e patente erro de julgamento, violando o disposto nos arts. 165.º, 191.º, n.º 3, 192.º, n.º 1 do CPPT, os arts. 233.º, n.º 1 e 2, 236.º, 238.º, n.º 1, 239.º e 241.º do CPC, e o direito de tutela jurisdicional efectiva (art. 18.º, 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP), pelo que se impõe e se roga pela intervenção correctiva e para melhor aplicação do Direito por parte deste digno STA.



1.2. A recorrida não formulou contra-alegações.



1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que não se encontram reunidos os requisitos legais para a admissibilidade do recurso, argumentando o seguinte:

«(…)
2. O Requerente começa por arguir a nulidade do acórdão do TCA Norte, por não ter tomado conhecimento da questão da constitucionalidade, ao fazer-se recair sobre o citando o ónus da prova do não conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável.
Sucede que é jurisprudência pacífica do STA que o conhecimento de nulidade arguida do acórdão do TCA não é passível de conhecimento em sede do recurso de revista - cfr. neste sentido o acórdão de 16/12/2015, proc. 0624/15 ( «Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.° do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.° 4 do Código de Processo Civil».
Neste sentido os Acórdãos do STA de 26 de Maio de 2010, rec. nº 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. nº 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. nº 01522/13 e de 29 de Abril de 2015, rec. nº 01363/14.), e demais jurisprudência ali citada.
Concordando-se com tal jurisprudência, afigura-se-nos, que o conhecimento desta questão deve ser rejeitado.
3. Quanto à admissibilidade do recurso de revista
Nos termos do art. 150º, nº 1, do CPTA, das decisões proferidas em 1ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
A jurisprudência do STA (Vide acórdãos do STA de 30/05/2012, procs.nº 304/12 e 415/12, e demais jurisprudência ali citada.) tem assinalado os seguintes requisitos do recurso de revista: “Ocorrerá o 1º requisito quando se verificar uma relevância prática que tenha como ponto obrigatório de referência, o interesse objetivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular e não uma mera relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas.
Exige-se, assim, que a questão a apreciar seja de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efetuar, quando se esteja perante um enquadramento normativo particularmente complexo ou quando se verifique a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas. E tal relevância jurídica não pode ser meramente teórica, medida pelo exercício intelectual que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas uma relevância prática, com interesse e utilidade objetiva.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á nas situações em que esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, ou nas situações em que se possa entrever, ainda que reflexamente, a 2 existência de interesses comunitários especialmente relevantes ou em que esteja em causa matéria particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário
A jurisprudência do STA tem igualmente sublinhado a excecionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. E como a mesma jurisprudência tem realçado, trata-se não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.
3.1 Ora, pese embora os esforços do Recorrente em evidenciar esses elementos caraterizadores definidos pela jurisprudência do STA, afigura-se-nos que não logrou identificar qualquer questão que reúna tais requisitos. Com efeito, a par de enunciar de forma genérica tais requisitos de admissibilidade do recurso de revista, certo é que o que se evidencia das suas alegações é apenas a sua contestação à forma como as instâncias deram como assente a matéria de facto, designadamente o juízo que formularam sobre o valor do depoimento da testemunha oferecida pelo Recorrente e com o qual pretendia ilidir a presunção prevista no nº 1 do artigo 230º do CPC, ou seja, que a carta recebida por terceiro lhe foi oportunamente entregue.
Por outro lado embora o Recorrente pretenda centrar a questão nos poderes de julgamento da matéria de facto por parte da 2ª instância, o certo é que não se vislumbra do acórdão recorrido que o entendimento ali sufragado assuma relevância na solução dada à questão de facto supra enunciada. Com efeito, para efeitos de apreciação da questão suscitada pelo Recorrente, o TCA debruçou-se sobre o teor do depoimento da testemunha e sobre a sua credibilidade, não se alcançando do acórdão recorrido que essa apreciação tenha sido prejudicada pelo entendimento sobre os seus poderes de cognição da matéria de facto. Nem tal resultado é evidenciado pelo Recorrente, que se limita apenas a emitir o seu juízo sobre a forma como devia ser fixada a matéria de facto.
Afigura-se assim, que o Recorrente se limita a contestar a forma como as instâncias apreciaram a matéria de facto, designadamente a avaliação que fizeram sobre a ilisão da presunção prevista no nº 1 do artigo 230º do CPC. E nessa medida, atento o disposto no nº 4 do artigo 150º do CETA, tal matéria não é objecto do recurso de revista.
Entendemos, assim, que não se mostram reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revista.».


1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre proceder à apreciação liminar sumária a que se refere o nº 5 do artigo 15.º do CPTA.



2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA “das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Isto é, o preceito prevê, excepcionalmente, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, por expressa determinação dos nºs 2, 3 e 4 desse preceito legal, os poderes de cognição do STA estão limitados a matéria de direito, encontrando-se excluído do âmbito deste recurso a apreciação de eventuais erros na actividade de fixação dos factos materiais da causa, salvo se estiver em causa a ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
O que significa que, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado, e, por tal razão, nas questões de direito que tenham sido decididas com fundamento em matéria de facto que comprometa, de forma inexorável, o julgamento e decisão dessas questões, fica inviabilizada a revista.

No caso vertente, verifica-se que o acórdão recorrido apreciou e decidiu a questão de saber se o tribunal de 1ª instância errara, de facto e de direito, ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir oposição às execuções fiscais revertidas contra o oponente/recorrente.

No que toca ao julgamento da matéria de facto, o recorrente criticava essencialmente o desvalor conferido pelo tribunal recorrido ao teor do depoimento da testemunha B……….., sustentando, além do mais, que a partir desse depoimento se devia julgar que ela não fora advertida da obrigação de entregar a correspondência ao seu destinatário (executado/recorrente).
O TCAN manteve, todavia, o julgamento realizado em 1ª instância, argumentando que não detectava nele qualquer erro. Como aí se deixou consignado, «a modificabilidade da matéria de facto pela Relação só deva ter lugar nos casos de manifesta desconformidade entre as provas produzidas e a decisão proferida, ou seja, quando aquelas imponham de forma clara decisão diversa e não quando apenas permitam uma decisão diferente; significa isto que a alteração da decisão de facto pressupõe erro evidente e clamoroso na apreciação das provas e não apenas uma possibilidade meramente especulativa e argumentativa.
Ora, analisado o depoimento da declarante B……….. (mãe do oponente), o mesmo revela-se manifestamente insuficiente para dar por assente que “O ofício do Serviço de Finanças de Cantanhede dirigido ao ora Oponente, referido em 4. dos factos supra provados, não foi oportunamente entregue ao próprio, que não teve dele oportuno conhecimento”. E isso, não só pelas razões aduzidas na motivação da decisão de facto, como também pela pouca consistência do depoimento prestado, salientando-se que não é razoável que uma carta das finanças seja ocultada do destinatário por pessoas de bem. (…)
E quanto ao erro cometido no julgamento da factualidade vertida no ponto 5. do probatório, por, alegadamente, ela não corresponder à verdade, na medida em que nenhuma advertência teria sido feita pelo distribuidor postal à pessoa que recebeu a carta, nem esta teria assumido qualquer compromisso de a entrega ao destinatário, julgou-se que «a convicção do tribunal constrói-se com os dados objectivos dos documentos e outras provas constituídas, incluindo a análise conjugada das declarações e depoimentos prestados. Vem isto a propósito lembrar, porque não se pode pretender que a convicção do tribunal se forme unicamente com base no depoimento da declarante B……….. (que foi quem recebeu a carta), olvidando por completo o que consta do aviso de recepção. E a verdade é que desse documento consta que a advertência foi feita pelo carteiro e o compromisso prestado por quem dele recebeu a carta. E se tal declarou o distribuidor do serviço postal, nada impõe que se conclua o contrário unicamente com base no depoimento de quem recebeu a carta, que até importa relativizar pois se trata da mãe do oponente, e que revela já nem ter boa memória para datas, quanto mais para se lembrar, com rigor e seriedade, do que o carteiro lhe disse, ou do que ela própria àquele disse, na ocasião em que das mãos dele recebeu a carta.».

Já no que se refere ao imputado erro de julgamento em matéria de direito, o recorrente defendia que não tinha o ónus de provar o não recebimento da carta por não terem sido observadas as formalidades previstas para a citação no art.º 233º do CPC (anterior art. 241º).

O TCAN julgou, todavia, que se tratava de questão que não fora suscitada na petição de oposição, esclarecendo que «O que se passa é que o Recorrente, perante o insucesso da prova dos factos que alegou, quer para demonstrar o incumprimento das formalidades da citação (art.º 236, nºs 2 e 4 do CPC), quer para demonstrar que a carta não foi oportunamente entregue, pretende agora invocar questões novas», mais acrescentado que também não se antevia que a sentença tivesse incorrido em «erro de julgamento quanto ao regime do ónus de prova, pois que, não tendo o oponente logrado fazer prova dos factos que invocara como fundamento da arguida nulidade da citação (art.º 198º, nº 1, do CPC) por violação das formalidades previstas nos nºs 2 e 4 do art.º 236º do CPC, em vista do subsequentemente alegado na douta p.i., de duas uma: querendo o oponente invocar falta de citação, incumbia-lhe elidir a presunção de que lhe foi entregue a carta enviada para o citar, nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do art.º 195º do CPC; querendo elidir a presunção relativa ao momento da citação nos termos do disposto no nº 1 do art.º 238º do CPC, incumbia-lhe a prova de que apenas recebeu a carta em data posterior ao termo da dilação prevista no art.º 252º-A, nº 1 alínea a), do CPC. Ónus que, em qualquer caso, manifestamente não cumpriu. (…).

Neste recurso de revista, o recorrente invoca que (i) o acórdão recorrido é nulo por ter omitido pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade do art.º 190º, nº 6, do CPPT, (ii) que o TCA devia ter apreciado e julgado a matéria de facto ex novo, à margem do julgamento da 1ª instância, e ter dado como provado que a carta para citação não lhe fora oportunamente entregue, e, ainda, que (iii) o TCA devia ter julgado que na petição de oposição fora invocada a falta de citação e considerado ilidida a presunção de que a citação chegou ao conhecimento do destinatário.

No que toca à primeira questão – nulidade do acórdão – consideramos que a sua invocação é inadmissível em sede de recurso excepcional de revista. Como tem sido repetidamente salientado por este Tribunal, embora se trate de um recurso ordinário, ele tem natureza excepcional e o seu objecto não comporta tal arguição.

Em tal circunstancialismo, a nulidade podia e devia ter sido invocada perante o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615º, nº 4, do CPC, como acontece, aliás, no caso semelhante da oposição de acórdãos – neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 26/05/2010, no recurso nº 097/10, de 12/01/2012, no recurso nº 0899/11, de 8/01/2014, no recurso nº 01522/13, de 29/04/2015, no recurso nº 01363/14, de 11/05/2016, no recurso nº 0831/15, de 24/05/2016, no recurso nº 01117/15, e de 17/05/2017, no recurso nº 0541/16, cuja motivação jurídica aqui se renova e reitera.

Não será, pois, admitida a revista relativamente a esta questão.


Quanto à segunda questão, ela corporiza uma censura ao TCA por ter decidido manter o julgamento da matéria de facto efectuado em 1ª instância e, sobretudo, uma contestação à forma como as instâncias apreciaram e fixaram essa matéria de facto.
Todavia, tal questão exorbita dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, conforme decorre do disposto no nºs 3 e 4 do art.º 150º do CPTA.
Como bem refere o Exmº Magistrado do Ministério Público no douto parecer acima referido, pese embora os esforços do recorrente para evidenciar a existência dos requisitos previstos no art.º 150º do CPTA, o certo é que as alegações do recurso apenas evidenciam a contestação à forma como as instâncias deram como assente a matéria de facto, designadamente o juízo que formularam sobre o valor do depoimento da testemunha por si oferecida e com o qual pretendia ilidir a presunção prevista no nº 1 do art.º 230º do CPC. Por outro lado, embora o recorrente pretenda centrar a questão nos poderes de julgamento da matéria de facto por parte da 2ª instância, o certo é que não se vislumbra que o entendimento sufragado no acórdão recorrido assuma relevância, na medida em que o TCA acabou por se debruçar sobre o teor do depoimento da testemunha e sobre a sua credibilidade, não se alcançando do acórdão recorrido que essa apreciação tenha sido prejudicada pelo entendimento sobre os seus poderes de cognição da matéria de facto.
Acresce que, como acima deixámos referido, nas questões decididas pelo TCA com fundamento em matéria de facto que comprometa, de forma inexorável, a análise das questões de direito e o sentido da decisão, fica ultrapassado o interesse na discussão das questões jurídicas intrinsecamente ligadas a essa matéria de facto. A existir erro de julgamento, tal erro não se reporta ao quadro legal da citação, mas à prova do acto de citação em concreto, pelo que não se trata de questão de direito com relevância que ultrapasse a fronteira da controvérsia particular destes autos.
Finalmente, saber se o tribunal recorrido errou ao concluir que a falta de citação apenas fora invocada em sede de recurso é questão que não tem a virtualidade, na perspectiva jurídica ou de repercussão social, para transcender o caso em apreço. Isto é, o interesse da matéria não ultrapassa as fronteiras deste concreto e singular litígio e a questão não se apresenta como particularmente controversa ou problemática, não demandando a realização de operações exegéticas de especial dificuldade. Além de que não se detecta a existência de erro grosseiro, susceptível de legitimar a intervenção do STA em ordem a contribuir para uma melhor aplicação do direito.
Em suma, a discordância com o decidido – que, por si só, seria susceptível de legitimar/motivar um recurso jurisdicional ordinário se o mesmo fosse admissível – é processualmente ineficaz para o efeito jurídico a que se destina (admissibilidade de revista excepecional), já que este recurso não pode ser utilizado para a imputação de erros de julgamento ao acórdão sem a verificação dos requisitos previstos no artigo 150º do CPTA.

3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 27 de Setembro de 2017. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Casimiro Gonçalves.