Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02831/11.7BEPRT
Data do Acordão:01/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ANULAÇÃO
PENA DE DEMISSÃO
Sumário:Justifica-se admitir revista de acórdão que anulou uma pena de demissão aplicada na sequência de faltas injustificadas, por um período de cerca de um ano.
Nº Convencional:JSTA000P24085
Nº do Documento:SA12019011102831/11
Recorrente:CENTRO HOSPITALAR SÃO JOÃO, E.P.E.
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.


Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O CENTRO HOSPITALAR DE SÃO JOÃO EPE recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 15 de Junho de 2018, que na ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra si intentada por A……………………., manteve a sentença proferida pelo TAF do Porto e anulou a deliberação de 20-6-2011 que lhe aplicou a pena de demissão.

1.2. Justifica a admissão da revista, relativamente a três questões: insindicabilidade do poder discricionário da Administração; conhecimento oficioso de questão, que não constitui vício; violação do princípio da legalidade. Considera ser claramente necessária a intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito.

1.3. A autora, ora recorrida, pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A primeira instância julgou parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, anulou a deliberação que aplicou à autora a pena de demissão e condenou o réu a readmitir a autora ao seu serviço e a pagar-lhe uma indemnização no valor de €6.720,57 acrescido de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

O TCA Norte, embora com fundamentação diversa, manteve a decisão da primeira instância. Com efeito, a primeira instância julgou verificado o erro de facto e de direito e a falta de fundamentação. O TCA Norte, após delimitar o âmbito do vício de violação de lei imputado ao acto, entendeu que o que estava verdadeiramente em causa era saber se o comportamento da autora (faltas injustificadas ao serviço), eram ou não, adequadas à pena de demissão que lhe foi aplicada.

Apreciou, depois, esta questão para a qual considerou relevante a circunstância da autora ter faltado à junta médica da CGA em 9-12-2008. Essa falta levou a CGA a arquivar o pedido de aposentação. A autora não compareceu ao serviço desde então. Os serviços do réu em 23-11-2009 solicitaram à CGA a informação sobre a situação profissional da autora, tendo esta entidade respondido, em 7-10-2010, que a interessada faltara à Junta Médica, sem que tenha justificado a falta e que o processo, por esse motivo, tinha sido arquivado. Em 7-1-2010, o Conselho de Administração do réu deliberou considerar injustificadas as faltas da autora a partir de 9 de Dezembro de 2008 e instaurar-lhe o processo disciplinar que veio a culminar com a aplicação da pena de demissão, ora em causa.

Perante este quadro factual entendeu o TCA Norte que o mesmo implicava uma significativa redução do grau da culpa da arguida, pelo prolongamento, verdadeiramente anómalo, da sua ausência ao serviço. “E sobretudo – diz ainda o acórdão recorrido – fez crer que a inviabilização da relação funcional não pode ser exclusivamente imputada ao seu comportamento, ainda que constitutivo de infracção disciplinar, mas também à incúria da liderança do Serviço”.

Conclui, assim, o TCA Norte que a pena de demissão era ilegal.

3.3. Neste recurso o réu suscita, essencialmente três questões: (i) insindicabilidade do poder discricionário; (ii) conhecimento oficioso de questão que não constitui vício e (iii) conhecimento de questão, em violação do princípio da igualdade. Considera ainda ser necessária a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.

Relativamente à primeira questão diz o réu que a graduação da culpa em matéria disciplinar é matéria exclusiva da Administração, só sendo sindicável pelos tribunais em caso de erro manifesto e grosseiro; ou então, em caso de violação de princípios como o da justiça ou da proporcionalidade.

Quanto à segunda questão, diz o réu que questão da inviabilidade da manutenção da relação funcional não foi alegada pelas partes, não foi apreciada na sentença, nem foi objecto do processo.

Quanto à terceira questão, diz o réu que o TCA não poderia invocar qualquer circunstância atenuante com vista à redução da culpa.

3.4.Como decorre da síntese da decisão e do ataque que lhe é feito, as questões deste processo são claramente especiais e anormais.

Na verdade, estamos perante um largo período de tempo em que a autora faltou ao serviço; nem sequer é questionável que as faltas ao serviço desde 9 de Dezembro de 2008 até 31 de Dezembro de 2009 (praticamente um ano) não foram justificadas; mas, como sublinhou o TCA, é anómalo que os serviços do réu tenham esperado tanto tempo para se inteirarem da situação. Como é anómalo que a autora, após ter faltado à Junta Médica da CGA, não tenha informado os serviços da situação em que se encontrava, continuando todavia a faltar ao serviço. A situação apreciada de atenuação da culpa da autora, com vista a apurar a inviabilidade da manutenção da relação funcional, é assim uma situação de tal modo anómala que não é previsível a sua repetição.

Contudo, esta formação tem atribuído relevância social às questões relativas a sanções disciplinares extintivas da relação funcional, dada a especial gravidade decorrente da quebra definitiva de uma relação de trabalho. Para além da relevância social da questão, por estar em causa um acto de demissão, a concreta situação da autora requer uma especial ponderação justificando a reapreciação do caso pelo STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do Direito, face às especificidades do caso já assinaladas e à natureza do poder exercido pela entidade recorrida e o âmbito da sua sindicabilidade pelos Tribunais.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Porto, 11 de Janeiro de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.