Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0756/18
Data do Acordão:09/05/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23558
Nº do Documento:SA2201809050756
Data de Entrada:07/27/2018
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A…………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que julgou improcedente a reclamação judicial que deduziu contra o despacho proferido em 26/03/2018 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, no âmbito do processo de execução fiscal nº 0140200201005693, indeferindo o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda.

1.1. Formulou conclusões que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

1. Salvo o devido respeito e melhor opinião, a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão jurídica alegada respetivamente nos artigos 11º a 16º e constante do ponto 3 das conclusões da reclamação apresentada ao Tribunal a quo, ou seja, não se pronunciou sobre a violação do disposto no artigo 49º, nº 2, da Lei Geral Tributária (LGT), na redação em vigor até 01/01/2007 e revogado pelo artigo 90º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, por parte da decisão do órgão de execução fiscal reclamada nos autos.

2. Com efeito, a sentença recorrida não se pronunciou sobre os efeitos provocados no caso concreto pelo facto do referido processo de impugnação (que entrou em Tribunal a 12/04/2002) ter estado parado por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo antes de 01/01/2007, omitindo quais os respetivos efeitos na contagem do prazo prescricional das dívidas fiscais em apreço.

3. A análise e pronúncia, em termos de contagem efetiva do prazo prescricional, dos efeitos provocados pelo facto do referido processo de impugnação ter estado parado por período superior a um ano antes de 01/01/2007 é, assim, essencial à boa decisão dos presentes autos, dado o vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 49º, nº 2, da LGT, assacado pela Reclamante à decisão do órgão de execução fiscal reclamada nos autos.

4. Acontece que, estando o Tribunal a quo obrigado a resolver todas as questões que ora Reclamante submeteu à sua apreciação, dúvidas inexistem em como deveria ter-se pronunciado sobre quais os efeitos no prazo prescricional desse período de paragem do processo, uma vez que aplicação do artigo 49º, nº 2, da LGT ao caso concreto - normativo aplicável in casu tendo em conta que os factos se reportam aos exercícios dos anos de 1997, 1998 e 1999 quando ainda vigorava aquela disposição - tem relevância no julgamento da invocada prescrição das dívidas fiscais dos anos de 1997, 1998 e 1999 exigidas ao Reclamante/Recorrente no processo de execução n.º 0140200201005693.

5. A decisão recorrida padece assim de vício de omissão de pronúncia, o que acarreta a sua nulidade nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2 e 615º, nº 1 al. d), ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 2º al, e) do CPPT, tal como, aliás, a abundante e segura jurisprudência há muito definiu.

6. Pelo que, não podendo este Supremo Tribunal Administrativo conhecer em substituição das questões relativamente às quais tenha havido omissão de pronúncia (artigo 12.º, n.º 5 do ETAF e artigos 679º e 684º nº 1 e 2 do CPC), deverá ser anulada a decisão recorrida por omissão de pronúncia e determinada a baixa do processo para conhecimento da questão cujo conhecimento foi omitido.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, no entendimento de que ocorria a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

1.4. Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a reclamação judicial que o executado deduziu contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira do Bairro, no âmbito do processo de execução fiscal nº 0140200201005693, de indeferimento de pedido de declaração de prescrição das dívidas exequendas.

Segundo o recorrente, a sentença é nula por omissão de pronúncia, porquanto, na apreciação e decisão da questão da prescrição, não se pronunciou sobre a violação do disposto no art.º 49º, nº 2 da LGT, na redação em vigor até 1/01/2007 e revogado pelo art.º 90º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, isto é, não se pronunciou sobre os efeitos provocados pela paragem do processo de impugnação judicial por período superior a um ano, ocorrida antes de 1/01/2007, por facto não imputável ao executado, descurando essa circunstância factual na contagem do prazo de prescrição das dívidas exequendas.

Vejamos.

Como se sabe, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista tanto no art.º 125º do CPPT como no art.º 615º, nº 1, aI. d), do CPC, ocorre sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre "questão" que devesse apreciar, o que se encontra em consonância com o dever que lhe é imposto pelo art.º 660º, nº 2, do CPC, de resolver todas as questões que tenham sido submetidas à sua apreciação, exceptuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por tal modo que é a omissão ou infracção a esse dever que concretiza a dita nulidade.

Trata-se, por conseguinte, de uma nulidade que ocorre sempre que o juiz não toma posição sobre determinada "questão" colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento, não indica razões para justificar a abstenção de conhecimento e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.

Daí que a omissão de pronúncia só exista quando o julgador deixe, em absoluto, de apreciar e decidir as questões ou problemas concretos que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de considerar e ponderar argumentos e razões (factuais ou jurídicas) invocadas pela parte em sustentação do seu ponto de vista.

O que significa que não existe omissão de pronúncia quando o juiz, ao conhecer uma questão, não pondera determinadas circunstâncias factuais e/ou jurídicas, ainda que estas sejam essenciais para uma correcta análise e decisão dessa questão. Na verdade, o facto de não serem consideradas essas circunstâncias poderá corporizar um erro de julgamento da questão analisada e decidida, mas nunca nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

No caso vertente, a questão colocada - e que foi apreciada na sentença - consistia em saber se a dívida exequenda, que emerge de actos de liquidação de IRS referentes aos anos de 1997, 1998 e 1999, se encontrava ou não extinta por prescrição.

Questão que o Mmº Juiz apreciou, tendo concluído que não ocorrera ainda o prazo de prescrição de 8 anos previsto no art.º 48º da LGT, tendo em conta, sobretudo, a instauração da impugnação judicial em 12/04/2002, que considerou ter sido o único facto interruptivo que ocorreu em face da ausência de citação pessoal do executado, e que provocou a «inutilização do período temporal entretanto já decorrido [3 anos, 3 meses e 11 dias para as dívidas de 1997 e 1998, e de 2 anos, 3 meses e 11 dias para a dívida de 1999] e, para além deste efeito instantâneo, teve o efeito de obstar a que novo prazo se iniciasse [efeito duradouro] enquanto não tivesse ocorrido a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo [cfr. artigo 49º, nº 2, da LGT, na redacção anterior à Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro]».

Ora, a circunstância de não ter sido averiguado se antes de 01/01/2007 essa impugnação judicial esteve ou não parada por período superior a um ano por facto não imputável ao executado, e, no caso afirmativo, de não terem sido ponderados os efeitos dessa paragem sobre o prazo de prescrição, não integra uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas, tão só, um eventual erro no julgamento da questão da prescrição por desconsideração de circunstâncias factuais e jurídicas relevantes para a sua decisão.

Razão por que não se verifica a arguida nulidade.

Não estando, porém, este tribunal de recurso impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença - já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (cfr. art.º 5º, nº 3, do CPC) - e visto que se deve considerar como implicitamente invocado o erro de julgamento, cumpre examinar a matéria alegada na apontada perspectiva.

E, conhecendo, logo se dirá que é juridicamente relevante para o correcto conhecimento da questão da prescrição saber se a impugnação judicial esteve ou não parada por período superior a um ano por facto não imputável ao executado, isto é, se ela sofreu esse tipo de paragem antes da alteração que a Lei nº 53-A/2006 introduziu no art.º 49º, nº 2, da LGT, e, no caso afirmativo, ponderar os efeitos dessa paragem sobre o prazo de prescrição, tendo em conta que o art.º 91º desta Lei dispõe que "A revogação do nº 2 do artigo 49º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.".

Trata-se, todavia, de uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o STA, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto.

Neste contexto, e considerando que este Tribunal não dispõe de base factual para decidir se a questão da prescrição foi ou não corretamente decidida à luz do disposto no art.º 49º, nº 2 da LGT, torna-se essencial que o tribunal "a quo" amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento dessa questão.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal "a quo" para que decida a questão da prescrição após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou.

Custas do recurso pela recorrida, mas com dispensa de taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 5 de Setembro de 2018. - Dulce Neto (relatora) - Pedro Delgado - Isabel Marques da Silva.