Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0660/15
Data do Acordão:10/04/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IRS
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O nº 1 do artigo 45 da LGT, ao preceituar que o direito a liquidar caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, considera a falta de notificação uma preterição de formalidade integrada no complexo procedimento administrativo da liquidação que afecta a validade do acto notificado e não apenas a sua eficácia.
II - No direito público e mormente no direito fiscal a notificação adquire a relevância de princípio essencial no procedimento administrativo, como direito e garantia dos administrados ex vi do disposto no artigo 268 do CRP.
III - O artigo 45 da LGT explicitando essa relevância e exigência constitucional, integrou a exigência de notificação da liquidação no prazo de caducidade do direito à liquidação fazendo decorrer a interrupção do prazo da caducidade do direito de liquidar pela AT, não do momento em que pratica o acto de liquidação, mas do momento da sua notificação ao sujeito passivo desse acto.
IV - A alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT não pode ser considerada como norma revogatória do nº 1 do artigo 45 na parte em que considera a falta de notificação da liquidação como afectando a validade do acto já que tal contenderia com a limitação decorrente do artigo 1º do CPPT.
V - A falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade é por força da alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT um fundamento mais de oposição à execução fiscal por tal facto determinar a inexigibilidade da dívida exequenda.
Nº Convencional:JSTA00070339
Nº do Documento:SA2201710040660
Data de Entrada:05/22/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N4.
CONST76 ART268.
CPPTRIB99 ART1 ART204 N1 A E G H.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0473/11 DE 2011/09/28.
Referência a Doutrina:JUAN MARIN SERRANO, GABRIEL OLLERO E JOSÉ LOPEZ IN CURSO DE DERECHO FINANCIERO Y TRIBUTÁRIO PAG377.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. A………………., identificado nos autos, interpôs recurso, no TCA Sul, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou a impugnação improcedente, mantendo o acto de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2001, no valor de € 6.789,45, na ordem jurídica.

2. Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
1. Nos termos do artigo 45°. da LGT o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo legal.
2. Na PI o Recorrente alegou no sentido da procedência da sua Impugnação Judicial invocando para o efeito, que foi notificado da liquidação de IRS de 2001, em 2 de Janeiro de 2006, ou seja, houve falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade.
3. A douta sentença dá como provado esse facto (alínea n) dos factos dados como provados — pág. 5 da douta sentença.
4. A douta sentença, proferida em 30 de Abril de 2012, indevidamente, aplica com efeitos retroactivos, o n°6 do artigo 45 ° da LGT, com a redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29DEZ – OE, que entrou em vigor no dia 1JAN2007.
5. A citação do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, peca por parcial e distorce a opinião deste reconhecido autor que opina no sentido inverso da douta sentença quando refere:
- se o contribuinte é notificado de um acto de liquidação fora do limite temporal fixado pelo art.° 45. n.° 1, da LGT ... poderá deduzir impugnação judicial, com fundamento nessa intempestividade da notificação;
6. Aliás, o mesmo autor in “CPPT Anotado e Comentado”, volume I, na página 707, nas anotações ao artigo 99°. do CPPT — “Fundamentos da impugnação”, refere como se transcreve, com negrito e sublinhado nossos:
No entanto, se tal falta de notificação for invocada em processo de impugnação judicial e estiver já esgotado o prazo de caducidade, ela constituirá um obstáculo definitivo à prática de um acto de liquidação válido pelo que será de aventar a possibilidade de se conhecer daquela como um fundamento de inutilidade superveniente da lide, por não ter qualquer utilidade apreciar se é válido um acto que não pode vir a ter eficácia.
7. Aqui, nesta anotação, o Exmo. Senhor Conselheiro considera que uma notificação intempestiva configura um acto de liquidação inválido, o que contraria o referido na douta sentença.
8. Ao longo do processo foram violados os seguintes preceitos legais:
a. O n.º 1 do artigo 92.º do CIRS,
b. O artigo 45.º da LGT,
c. Faz-se uma aplicação retroactiva, e consequentemente ilegal, do actual n.° 6 do artigo 45.° da LGT.
Face ao exposto, nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas. se dignem dar provimento ao recurso, mandando revogar a douta sentença, devendo ser anulada a liquidação n.° 2005 00013202766, referente ao IRS de 2001, no valor de 6.789,45 Euros, sendo considerada procedente a impugnação judicial, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. O TCA Sul, por acórdão de fls. 145 e segs., declarou-se incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, e competente a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

5. Remetidos os autos a este Tribunal, o magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso, de acordo com o seguinte parecer:
Vem interposto recurso da sentença do TAF de Lisboa de 30.04.12 que julgou improcedente a impugnação, mantendo na ordem jurídica o acto impugnado.
São as Conclusões da Alegação que definem e delimitam o objecto do recurso e, no caso vertente, a questão do recurso gira unicamente em torno da caducidade do direito à liquidação.
Vejamos se assiste ao recorrente.
O direito de liquidar os tributos caduca, nos termos do art. 45.°, n.° 1 da LGT, se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro (cfr. também o art. 92°, n.° 1 do CIRS).
O prazo conta-se, no caso dos impostos periódicos, como é o caso, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (n°4 do mesmo preceito).
Assim, no que respeita à liquidação impugnada, que é referente ao ano de 2001, o prazo dos 4 anos para a AF efectuar a liquidação começava a contar a partir de 31.12.2001 e terminava em 31.12.2005.
No caso vertente, como resulta dos factos provados, a liquidação impugnada foi emitida em 17.12.2005 e dela foi notificado o impugnante em 02.01.2006 (cfr. alíneas m) e n) do probatório), ou seja, a liquidação foi efectuada dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação mas a notificação já ocorreu fora desse prazo, sendo certo que tudo se passou antes da publicação da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dez., que aditou o n.° 6 ao art. 45.° da LGT.
A possibilidade da invocação, como fundamento de impugnação judicial, da notificação do acto de liquidação fora do prazo de caducidade é questão controversa desde logo porque não se mostra isenta de dificuldades a tarefa de compatibilizar o disposto no art. 45º, n.º 1 da LGT com o disposto no art. 204º, n.º 1, al. e) do CPPT.
Considero, porém, que a norma do art. 45.° da LGT dá suporte ao entendimento da possibilidade da invocação da intempestividade da notificação em processo de impugnação judicial no contexto do fundamento da caducidade do direito à liquidação.
Com efeito, como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado, vol III, 6ª edição, pp. 488 e 489, ao estabelecer que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos” o n.° 1, do art. 45.° da LGT «tem ínsito que a falta de notificação nesse prazo afecta o direito de liquidação, afectando a sua legalidade, sendo esse, aliás, o regime vigente no momento em que a LGT foi publicada, antes do CPPT». E não se olvidará, como acentua o mesmo autor, que o art. 1.º do CPPT, que estabelece que este diploma se aplica sem prejuízo do disposto na LGT, «é uma norma geral que limita o alcance de todas as disposições (do CPPT), pelo que se chega à conclusão de que não pode, com base na referida alínea e) do n.º 1 do art. 204.º, considerar-se revogado o art. 45.º, n.° 1, na parte em que atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidade».
Entende, assim, o mesmo autor, que «haverá uma dupla possibilidade de invocação da intempestividade da notificação à face do art. 45.º, n.° 1 da LGT tanto como fundamento de impugnação judicial como fundamento de oposição».
De facto, o que resulta do art. 45°, n° 1 da LGT é que a caducidade só não se verifica se dentro do respectivo prazo for efectuada não só a liquidação como também a sua notificação ao sujeito passivo. O essencial, para que ocorra a caducidade é, como se pondera no douto Acórdão de 28.11.2012, in Rec n.° 0457/12, “que dentro do prazo de quatro anos não tenha havido uma liquidação com eficácia externa; que “só a liquidação com eficácia externa é capaz de impedir a caducidade”.
Ora, resultando dos factos provados, que a notificação da liquidação impugnada ocorreu para além do prazo de quatro anos previsto no art. 45°, n° 1 da LGT e não sendo aqui ponderável a regra inserta no n.° 6 ao art. 45.° da LGT, fatalmente se concluirá que, no caso, operou a invocada caducidade do direito à liquidação.
Nesta conformidade, concedendo-se provimento ao presente recurso, deverá ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser julgada procedente a impugnação, anulando-se a liquidação impugnada, com fundamento no invocado vício da caducidade do direito à liquidação.
É o meu parecer.

6. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto
a) Em 15 de Julho de 2002, o impugnante apresentou a declaração de rendimentos, Modelo 3, relativa aos rendimentos do ano 2001, no estado civil de casado, onde constava, como sujeito passivo B, B…………………… [documento de fls. 19 a 25 dos autos].
b) No Anexo A da declaração referida em a), o impugnante, sujeito passivo A, declarou, a título de retenções na fonte, o valor de €6786.29 [documento de fls. 19 a 25 dos autos].
c) O valor referido em b) corresponde ao valor da retenção na fonte efectuada pela entidade patronal do impugnante com sede em Espanha para efeitos do “Impuesto sobre la Renta de las Personas Fisicas” [facto não controvertido].
d) No Anexo J da mesma declaração, relativo a rendimentos obtidos no estrangeiro, o impugnante declarou o valor de €6786.29 [documento de fls. 19 a 25 dos autos].
e) Em 14 de Outubro de 2002, foi emitida a liquidação de IRS n° 4613870516, tendo sido apurado um imposto a reembolsar no valor de €7.358.83 [documento de fls. 37 do processo administrativo tributário].
f) Na liquidação referida em e), foi deduzido à colecta o valor de €7.655.02, a título de “deduções à colecta”, e o valor de €7.355.67, a título de “retenções na fonte” [documento de fls. 37 do processo administrativo tributário].
g) Em 22 de Outubro de 2002, foi efectuado o reembolso referido em e), por transferência da Direcção-Geral do Tesouro n° T0011105189 [documento de fls. 63 do processo administrativo tributário].
h) Em 9 de Dezembro de 2005, foi elaborado o Documento de Correcção Único, onde consta no Anexo A - campo 402 — Retenções na fonte o valor de €569.38 [documento de fls. 24 a 33 do processo administrativo tributário].
i) No Anexo J — Rendimentos obtidos no estrangeiro do Documento referido em h), consta no campo 401 - imposto pago no estrangeiro o valor de €6.786.29 [documento de fls. 24 a 33 do processo administrativo tributário].
j) Em 17 de Dezembro de 2005, foi emitida a liquidação n° 2005 4004480162, relativa ao IRS de 2001, tendo sido apurado um valor a reembolsar de €569.38 [documento de fls. 8, 53 e 54 do processo administrativo tributário].
k) Na liquidação referida em j), foi deduzido à colecta o valor de €7.655.02, a título de “deduções à colecta”, e o valor de €569.38, como “retenções na fonte” [documento de fls. 8, 53 e 54 do processo administrativo tributário].
l) Em consequência, foi efectuado o seguinte acerto de contas, tendo sido apurado um saldo a pagar de €6.789.45:
“(…)

(…)”
[documento de fls. 9 do processo administrativo tributário].
m) A demonstração da liquidação referida em j) e a demonstração do acerto de contas referida em l) foram enviadas para o impugnante através de carta registada de 23 de Dezembro de 2005 [documento de fls. 22 do processo administrativo tributário].
n) A carta referida em m) foi entregue ao impugnante em 2 de Janeiro de 2006 [documento de fls. 8, 9, 21, 22 e 23 do processo administrativo tributário].
o) Em 24 de Abril de 2006, o impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em j) [documento de fls. 2 a 7 do processo administrativo tributário].
p) Por despacho de 18 de Maio de 2007, exarado em Informação da mesma data, a reclamação graciosa referida em j) foi indeferida [documento de fls. 49 a 52 dos autos].
q) Na Informação referida em p), consta, além do mais, o seguinte: “(...)
Para análise do pedido
Da análise dos documentos juntos aos autos, assim como da consulta do sistema informático resultam os seguintes factos:
O Reclamante procedeu à entrega, em 10-10-2002, da declaração de rendimentos n.° 02, lote 12348, no estado civil de casado, da qual também o Sujeito Passivo B — B………………….., NIF ……………… e os anexos A, H e J.
A referida declaração de rendimentos originou o reembolso n.º 2002 1891176, no valor de €7.358,83.
Posteriormente, foi elaborada a declaração oficiosa n.° 28, lote D0163, datada de 2005-12-15, da qual constava o ora Reclamante no estado civil de casado, assim como o Sujeito Passivo B e os anexos supra referidos.
A referida declaração oficiosa (da qual resultou a liquidação ora reclamada) teve como fundamento o facto de os rendimentos obtidos no estrangeiro, assim como o imposto pago, terem sido declarados em duplicado (no anexo A e J), quando apenas deveriam tê-lo sido no anexo J,
Da referida declaração resultou imposto a pagar no valor de €6.789,45, que por não terem sido pagos dentro do prazo de pagamento voluntário, originaram a certidão de dívida n°2006 698047 e o processo de execução fiscal n.° 3344200601054252.
Expostos os argumentos invocados, cumpre apreciar a sua viabilidade.
A presente liquidação adveio da elaboração oficiosa da declaração de rendimentos, a qual apenas se encontra validada no sistema em 2005-12-15.
Verifica-se igualmente que a referida liquidação foi notificada ao reclamante em 2005-12-21 através do registo dos CTT RY323559065PT.
De igual modo, a primeira declaração entregue originou um reembolso que foi igualmente notificado ao Reclamante, tendo mesmo sido pago em 2002-10-22.
Deste modo, mostram-se cumpridos os requisitos substanciais e formais referentes à notificação, pelo que não prevalece o argumento da caducidade do direito de liquidação.
No que se refere aos restantes argumentos invocados, verifica-se que se mostram cumpridos todos os trâmites processuais e materiais referentes à situação ora em análise.
De acordo com a Informação n.° 558/07 emitida pela Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativamente ao facto de na liquidação não ter sido considerado o imposto pago em Espanha, refere-se que na liquidação reclamada foi considerado o crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto no artigo 81° do CIRS.
Deste modo, verifica-se que a liquidação não padece de qualquer erro.
Face ao exposto, atendendo aos elementos supra citados, é de Indeferir a presente Reclamação nos termos peticionados.
r) Pelo ofício 1102951, de 18 de Maio de 2007, O impugnante foi notificado do despacho de indeferimento referido em p) [documento de fls. 48 dos autos].

De direito
Tendo o impugnante A…………………… deduzido impugnação judicial contra a liquidação de IRS, respeitante ao ano de 2001, no montante de € 6.789,45, invocando entre outras ilegalidades a caducidade do direito de liquidação por tal acto tributário não ter sido validamente notificado ao impugnante no prazo de 4 anos o mº juiz “a quo” perante a factualidade dada como provada entendendo que a questão de direito era de decidir se a falta de notificação contende com a validade do acto de liquidação ferindo-o de ilegalidade ou se apenas contende com a sua eficácia tornando a dívida dela decorrente inexigível, entendendo que com a entrada em vigor do CPPT a falta de notificação do tributo no prazo de caducidade passou a constituir apenas fundamento de oposição à execução, dado o acto de notificação ser exterior ao acto notificado considerou que desde que este – o acto tributário da liquidação - tenha sido efectuado dentro do prazo da caducidade a sua validade e perfeição não são atingidos pelo facto de o mesmo ter sido notificado fora do prazo ocorrendo apenas a sua ineficácia determinante da sua inexigibilidade.
Por tal razão julgou não verificada a invocada excepção da caducidade do direito de liquidar.

É contra esta decisão que se insurge a recorrente que como se vê do teor das suas alegações l e conclusões do recurso entende que face ao disposto no artigo 45 da LGT o direito de liquidar caduca se a liquidação do imposto não for validamente notificada ao contribuinte no prazo da liquidação.
Pelo que estando provado que a notificação ocorreu em 02 de Janeiro de 2006 reportando-se a liquidação a IRS do ano de 2001 se tem de haver tal acto tributário ferido de ilegalidade dada a caducidade do direito a tal liquidação.
Vejamos.
A única questão a decidir é se pelo facto de no CPPT a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade constituir fundamento de oposição à execução fiscal por tal falta determinar a inexigibilidade da dívida, o facto de a liquidação ter sido efectuada dentro do período de 4 anos nos termos do artigo 45 da LGT, mas tendo a sua notificação sido efectuada para além desse prazo, esta preterição contende ou não com a validade do acto tributário da liquidação ou o torna apenas ineficaz dado a notificação ser um acto externo a este.
Sob a epígrafe caducidade do direito à liquidação preceitua o artigo 45 da LGT:
1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
E o nº 4:
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário. (Redação dada pela Lei 55-B/2004,de 30 de dezembro)
A doutrina e a jurisprudência não questionando o facto de serem distintos o acto tributário da liquidação e o acto da notificação, já antes da vigência do CPT e do artigo 45 da LGT divergiam na consideração da notificação configurar requisito de perfeição desse acto tributário.
Alberto Xavier defendia que a notificação constituía requisito da validade do acto da liquidação in Conceito e Natureza do Acto Tributário a pag 240 na consideração de o acto tributário ser um acto receptício.
Já para o STA designadamente no acórdão do Pleno de 13 04 1983 in AD 262 p1205 a notificação era acto externo não sendo por isso requisito de validade do acto notificando.
Com a vigência do CPT e mais concreta do artigo 45 da LGT a notificação do acto da liquidação foi considerada como requisito da perfeição do acto já que só ele torna dívida decorrente da liquidação certa e exigível.
Como se sabe o termo liquidação na LGT é empregue com um duplo sentido: o de procedimento e o de acto administrativo que culmina o procedimento e quer num sentido quer noutro a sua função consiste em fixar o “an e o quantum” da obrigação tributária e exigi-la ao obrigado tributário
A liquidação contém, assim, uma manifestação unilateral, da Administração Tributária sobre o montante da prestação que fixa de modo exacto indicando para tanto ao obrigado tributário o prazo e o órgão onde efectuar o pagamento bem como os meios de defesa quer administrativos quer contenciosos que pode utilizar.
E só com a notificação válida do acto da liquidação é que se pode considerar totalmente encerrado o procedimento de liquidação.
Neste sentido entre outros autores Juan Marin Queralt Carmelo lozano Serrano, Gabriel Casado Ollero e José m. Tejerizo López in Curso De Derecho Financiero y Tributário tecnos p377.
Neste entendimento há que convir que embora quer conceptualmente quer materialmente distintos o acto administrativo da liquidação e o acto que o notifica, a notificação não deixa de integrar o procedimento de liquidação e embora não seja pressuposto da legalidade do acto da liquidação na medida em que a notificação é sempre um acto posterior é contudo pressuposto da sua eficácia donde o prazo de caducidade continuar a correr enquanto não ocorrer a notificação válida do acto que o interrompa.
E dado que neste caso e em todo o direito público a notificação adquire a relevância de principio essencial no procedimento administrativo, como direito e garantia dos administrados ex vi do disposto no artigo 268 do CRP, o artigo 45 da LGT explicitando essa relevância e exigência constitucional, integrando a exigência de notificação da liquidação no prazo de caducidade do direito à liquidação faz decorrer a interrupção do prazo da caducidade do direito de liquidar pela AT não do momento em que pratica o acto de liquidação mas do momento da sua notificação ao sujeito passivo desse acto.
E decorrido o prazo de caducidade da liquidação sem que a sua notificação válida tenha ocorrido tal acto ainda que praticado dentro do prazo não deixa por força do artigo 45 da LGT de estar ferido de ilegalidade.
E não é pelo facto de o legislador no CPPT, no artigo 204 do CPPT ter consagrado a falta de notificação do tributo no prazo da caducidade como fundamento de oposição à execução fiscal que, como refere o Mº juiz “a quo” se pode considerar que com tal facto a notificação deixa de ser requisito de validade do acto tributário e que por tal razão se manteria na ordem jurídica.
Acompanhando o Mº P, escudado na doutrina de Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado vol III 6ª edição pp488 e segs consideramos também que preceituando o artigo 1º do CPPT que as normas do CPPT se aplicam “sem prejuízo do disposto no direito comunitário, noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na ordem interna, na lei tributária ou legislação especial incluindo as normas que regulam a liquidação e cobrança dos tributos parafiscais podemos concluir que a LGT limitando o alcance de todas as disposições do CPPT não consente que o intérprete possa concluir que a alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT revogou o nº 1 do artigo 45 da LGT na parte em que atribui à falta de notificação tempestiva eficácia invalidante.
O que sucede é que com a redacção da alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT a ilegalidade da falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade (4 anos contados nos termos do nº 4 do artigo 45 da LGT) constitui ilegalidade não só invalidante do acto de liquidação mas também fundamento de oposição determinante da inexigibilidade da dívida decorrente desse acto.
Como se refere no acórdão deste STA de 28 09 2011 in processo 0473/11 onde expressamente se assume ser o acto de notificação distinto do acto de liquidação e ser por tal razão requisito da sua eficácia o certo é que esta ilegalidade pode também ser apreciada no processo de execução fiscal, como sucede com outros caso de ilegalidade de que padeça a dívida exequenda desde que enquadrado nas alíneas a) g) e h) do nº 1 do artigo 204 do CPPT.
Mas o facto da intempestividade da notificação da liquidação em qualquer caso, incluindo a falta da sua notificação ao contribuinte no prazo da caducidade poder ser fundamento de oposição não significa nem implica que por tal razão que quando essa falta for determinante da caducidade do direito de liquidação não possa ex. vi do preceituado no artigo 45/1 da LGT ser ilegalidade invalidante desse acto e como tal fundamento de impugnação judicial.

Decisão
Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e dada a manifesta caducidade do direito de liquidar por parte da AT, em substituição, julgar a impugnação totalmente procedente anulando a liquidação impugnada.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 4 de Outubro de 2017. - Fonseca Carvalho (relator) - Isabel Marques da Silva - Pedro Delgado.