Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0210/18.4BELLE
Data do Acordão:04/08/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:ASSINATURA ELECTRÓNICA
Sumário:I - Um ficheiro/documento eletrónico, em suporte PDF, ainda que comportando vários documentos é um documento em si mesmo pelo que a sua assinatura implica a assinatura todos os documentos que o integram.
II - A submissão de proposta nesse ficheiro/documento eletrónico em suporte PDF, assinada, não integra a previsão do art 54º nº5 da Lei 96/2015 de 17.08.
Nº Convencional:JSTA00071104
Nº do Documento:SA1202104080210/18
Data de Entrada:02/05/2021
Recorrente:DOCAPESCA - PORTOS E LOTAS, S.A.
Recorrido 1:A....., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
Legislação Nacional:ARTIGOS N.º 54º NºS 1 E 5 DA LEI 96/2015 DE 17.08 E ARTIGOS N.ºS. 57º, 132º E 146º DO CCP
Aditamento:
Texto Integral: 1. Docapesca - Portos e Lotas, SA vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA do acórdão do TCAS, de 15.10.2020, que concedeu provimento ao
2. recurso _ revogando a sentença do TAF de Loulé de improcedência da ação de contencioso pré-contratual instaurada por A…….., LDA, de impugnação do ato de exclusão da sua proposta no concurso público para a aquisição de serviços para “concessão de Exploração do Serviço de Transporte Regular de Exploração de passageiros entre Cabanas e a Ilha de Cabanas no Algarve”, _e julgou procedente o pedido de anulação do ato de exclusão da sua proposta.

2. A recorrente alegou em conclusão:

“1. A decisão do Tribunal Central Administrativo Sul em crise, é imprevista, atento o facto de ser jurisprudência firme do Supremo Tribunal Administrativo e do próprio Tribunal Central Administrativo Sul, que a assinatura do ficheiro que contém em si vários documentos distintos da proposta não equivale à assinatura de cada um desses documentos, de forma individualizada, como requer a lei aplicável.

2. Note-se, aliás, que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo vem acompanhado de um voto de vencido da Exma. Sra. Juíza Desembargadora Catarina Vasconcelos, de acordo com o qual "julgo (...) que a falta de assinatura de todos os documentos que constituem a proposta - ainda que inseridos num ficheiro que se encontra assinados - é fundamento de exclusão da proposta, seguindo o entendimento, com o qual concordo, plasmado nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de setembro de 2018 (processo 0322/16.9) e deste Tribunal Central Administrativo de 15 de fevereiro de 2018 e de 19 de junho de 2019 (processos 0322/16.9 e 2226/18.1)".

3. O presente recurso de revista deve ser admitido, porquanto se afigura, sem qualquer dúvida, necessário para uma melhor aplicação do direito, na medida em que o Acórdão do Tribunal a quo contraria, como mencionado, jurisprudência constante, firme e unânime deste Supremo Tribunal Administrativo e do próprio Tribunal Central Administrativo Sul (cf., concretamente, e entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de dezembro de 2015, processo n.º 01028/15; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de setembro de 2018, processo n.º 0322/16.9BEFUN; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de maio de 2016, proc. n.º 13093/16; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15 de fevereiro de 2018, processo n.° 0322/16.9BEFUN; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de junho de 2019, processo n.° 2226/18.1BELSB; todos disponíveis em vvvvw.dgsi.pt).

4. Ora, na esteira do que vem afirmando este Colendo Tribunal, "a circunstância de o acórdão do TCA Sul contrariar a orientação uniforme deste STA (...) justifica o recebimento da presente revista, em ordem a possibilitar uma melhor aplicação do direito’’ (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de março de 2009, proc. 0208/09, disponível em www.dgsi.pt.).

5. A Recorrida apresentou um ficheiro informático que contém todos os documentos relevantes da proposta, tendo-o assinado eletronicamente, só que o que a lei exige, inequivocamente, é que todos e cada um dos documentos da proposta sejam assinados eletronicamente, isto é, impõe que todos os documentos da proposta sejam individualmente assinados.

6. Com efeito, de acordo com o preceituado pelo artigo 54.º, n.° 1, da Lei n.° 96/2015, de 17 de agosto, "[o]s documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada ".

7. Trata-se de disposição que já constava, com ligeiras diferenças de redação, da anterior Portaria 701-G/2008, de 29 de julho, cujo artigo 27.º; n.° 1, dispunha que "[t]odos os documentos carregados nas plataformas eletrónicas deverão ser assinados eletronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica qualificada".

8. Além disso, dispõe o artigo 54º,n.º 5, da Lei n.° 96/2015, que "[n]os documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita, incluindo os que exijam processamento informático para serem convertidos em representação como declaração escrita, designadamente, processos de compressão, descompressão, agregação e desagregação, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada deve ocorrer em cada um dos documentos eletrónicos que os constituem".

9. O que resulta inequivocamente das normas transcritas é, pois, "que exigida uma assinatura electrónica individualizada das propostas (isto é, uma assinatura electrónica para cada documento relativo a uma determinada proposta carregado na plataforma eletrónica) '' (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de dezembro de 2015, proc. n.° 01028/15, disponível em www.dgsi.pt; destaque nosso).

10. E se aquele quadro legislativo é explícito, mais claro e inequívoco é o quadro regulamentar aplicável ao caso vertente, pois o artigo 11.º, n.º 5, do Programa de Concurso determina que "[t]odos e quaisquer documentos carregados na Plataforma Eletrónica deverão ser assinados eletronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica qualificada, nós termos da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto, não sendo admissível, por exemplo, a mera assinatura eletrónica de ficheiros "zip" ou equivalentes que contenham vários documentos eletrónicos, os quais devem ser individualmente assinados" (destaque nosso).

11. Foi esta exigência que, in casu, não foi cumprida pela concorrente A……...

12. Assim, atentas as normas legais e regulamentares convocáveis no caso em apreço, e tendo presente a jurisprudência firmada dos nossos tribunais superiores, a ora Recorrente estava vinculada a excluir a proposta da A………, o que fez, e fez bem, ao abrigo do artigo 146.°, n.° 2, alínea l), do CCP.

13. Deste modo, andou mal o Tribunal a quo ao ter revogado a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e ao ter considerado ilegal a exclusão da proposta da A……...

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, confirmando-se, então, a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e o acerto da decisão de exclusão da proposta da A………..(...)”

3. A Contrainteressada, B…….., LDA., uma vez notificada das alegações, veio manifestar a sua adesão ao recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo interposto pela DocaPesca - Portos e Lotas, S.A., nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 634.º do Código de Processo Civil (aplicável supletivamente ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e concluindo o seguinte:

“A. O acórdão recorrido do TCA Sul merece censura, na medida em que inflete, com o devido respeito, injustificada e erradamente, a jurisprudência consolidada do STA, mas também do próprio TCA Sul.

B. No que tange ao STA, a sua jurisprudência é constante, e consolidada, no sentido de que os documentos da proposta têm obrigatoriamente de ser individualmente assinados eletronicamente.

C. O acórdão recorrido inflete, injustificadamente, esta jurisprudência consolidada, porquanto a máxima de decisão — “ou seja, o critério normativo que conduziu o juiz à solução do caso” (Oliveira Ascensão) — que subjazeu aos arestos que dão corpo a essa jurisprudência consolidada não se alterou.

D. Erradamente, porque a lei (artigos 54.º/1 e 68.º/4 da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto), mas, outrossim, no caso sub judice, o programa do concurso (artigo 11.º/5), exige uma assinatura eletrónica individualizada dos documentos da proposta.

E. Ainda que a exigência de uma assinatura eletrónica individualizada dos documentos da proposta não resultasse da lei — o que não é o caso —, a entidade adjudicante DOCAPESCA — PORTOS E LOTAS, S.A., podia, ao abrigo da faculdade conferida às entidades adjudicantes pelo n.º 4 do artigo 132.º do Código dos Contratos Públicos —impor essa exigência às propostas dos concorrentes.

F. Sendo a “factualidade evidente” — na expressão usada pelo TCA Sul no acórdão recorrido — no sentido de a A………, LDA., não ter assinado eletronicamente, de forma individualizada, os documentos da sua proposta, a sua proposta teria de ser excluída, como foi, pela entidade adjudicante (DOCAPESCA — PORTOS E LOTAS, S.A.), nos termos da alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos.

G. O recurso de revista interposto pela DOCAPESCA — PORTOS E LOTAS, S.A., deve, pois, ser não só admitido, como, outrossim, ser julgado procedente, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido do TCA Sul, mais se confirmando a validade da exclusão da proposta da A………, LDA..”

4. Não foram deduzidas contra-alegações.

5. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 14.01.2021.

5. O MP emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

6. Notificadas as partes do mesmo parecer, nada disseram.

7. Sem vistos (art. 36º, nºs 1, al. c) e 2 CPTA), cumpre decidir.


*

FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO fixada pelas instâncias

A) Através de anúncio nº 6654/2016, publicado no Diário da República nº 203 de 21/10/2016, foi publicitado o Concurso Público para “Concessão de Exploração do Serviço de Transporte Regular com embarcações de passageiros entre Cabanas e a Ilha de Cabanas, no Algarve” nº 2016/S 207-374611 (cfr. p.a.);

B) Na mesma data foi publicado o caderno de encargos e programa de procedimento para o concurso referido na alínea anterior, que se encontra junto aos autos e ao processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dos quais se transcrevem as seguintes cláusulas pela sua relevância a decisão da causa:

“Programa de concurso:

Artigo 8.º

Documentos que constituem a proposta

1. A proposta apresentada deve ser constituída pelos seguintes documentos, sob pena de exclusão:

a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao Código dos Contratos Públicos;

b) Declaração de Proposta elaborada de acordo com o Anexo IV ao Programa do Concurso;

b.1) Para cada embarcação, indicada no documento referido na alínea b) anterior, que não seja da propriedade, ou afretada, pelo concorrente, deve ser apresentada obrigatoriamente uma Declaração, nos termos do modelo em Anexo IV – A ao Programa do Concurso;

b.2) Documento com a indicação de horários e tabela de preços elaborado nos termos do modelo em Anexo IV-B ao Programa do Concurso;

c) Memória descritiva e justificativa da proposta para a prestação de serviços de transporte regular com embarcações de passageiros entre Cabanas e a Ilha de Cabanas, devendo a sua estrutura e conteúdo respeitar o modelo indicado em Anexo VI ao Programa do Concurso;

d) As declarações elaboradas nos termos dos Anexos II (quando aplicável) e III ao Programa do Concurso, como referido no artigo anterior;

e) Quaisquer outros documentos que, em função do objeto do contrato e dos aspetos submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;

f) Declaração com a identificação completa do concorrente ou de todos os membros do agrupamento, com os seguintes elementos: (i) endereço, (ii) telefone, (iii) telecopiadora, (iv) correio electrónico, (v) número de identificação de pessoa coletiva ou equivalente e (vi) nomes dos titulares dos corpos gerentes e de outras pessoas com poderes para obrigar o concorrente, ou cada um dos membros do agrupamento concorrente, perante a entidade adjudicante;

g) Cópia da certidão permanente do registo comercial, do concorrente ou de todos os membros do agrupamento concorrente, autenticada ou acompanhada dos respetivos códigos de acesso, ou, quando estão não seja suficiente para comprovar os poderes de representação da(s) pessoa(s) que assina(m) os documentos que integram a proposta, documento(s) do(s) qual(ais) resultem comprovados esses poderes;

h) Documento que contenha os esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo, quando exigível ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP.

2. Os documentos da proposta são obrigatoriamente redigidos em língua portuguesa.

3. A apresentação dos documentos previstos nos números anteriores obedece, nomeadamente, ao disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos e na Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto.

4. Na elaboração das propostas os concorrentes devem ter em consideração o disposto no Caderno de Encargos.

5. Os documentos constitutivos da proposta não podem conter emendas, rasuras ou alterações, salvo se do contexto for possível extrair em termos inequívocos a vontade declarada nos mesmos pelo respetivo autor.(…)” (cfr. p.a.);

C) Apresentaram proposta as seguintes sociedades:

-A………, LDA. (doravante A………);

- B………. LDA. (doravante B………..); e

- C………… LDA. (doravante C………..).(cfr. P.a.);

A proposta da A. que, aqui se dá por integralmente reproduzida, foi apresentada no dia 16/01/2017 na plataforma eletrónica competente com as seguintes assinaturas:


Proposta
170112- A………._Proposta STREPCTIC2016 170112- A………._Proposta STRE P_CT_IC_2016
Sim

N° de Anexos 5

[Segue imagem, aqui dada por reproduzida]

(…)

(cfr. Doc. 7 junto com a p.i.);

E) A A. apresentou modelo I onde se pode ler que junta os seguintes documentos:

“1 – Declara também que executará o referido contrato nos termos previstos nos seguintes documentos, que junta em anexo:

(...) Declaração de Proposta de acordo com o Anexo IV ao Programa de Concurso, incluindo a indicação de horários e tabela de preços nos termos do Anexo IV-B ao Programa de Concurso,

ii) Declaração para cada embarcação, que não seja da propriedade, afretada, nos termos do Anexo IV-A ao Programa de Concurso,

iii) Memória Descritiva e Justificativa estruturada nos termos do Anexo VI ao Programa de Concurso,

iv) Declaração de Constituição de Sociedade Comercial, no caso de adjudicação, nos termos do Anexo III ao Programa de Concurso,

v) Outros Documentos.

F) Em 04/09/2017, foi elaborado pelo júri do concurso o relatório preliminar que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta, com relevância para os presentes autos, o seguinte:

“(…) 6. CONCLUSÕES

Analisadas as propostas apresentadas, os termos e com os fundamentos que antecedem, o Júri delibera:

i) Nos termos do artigo 146.º, n.º 2, alínea l) do CCP, excluir as propostas das concorrentes n.º2 – B………, LDA. e n.º 3 – C………, Lda. uma vez que todos os documentos que compõem as respetivas propostas não se encontram assinados eletronicamente, incumprindo com o disposto no n.º5 do art.º11.º do Programa de Concurso (PC), segundo o qual todos os documentos que instruem a proposta devem “ser assinados eletronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica qualificada, nos termos da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto”;

ii) Admitir a proposta apresentada pela concorrente A…….., LDA., face à sanação das irregularidades detetadas e à inexistência de outras irregularidades que obstem à sua admissão nos termos do n.º2 do art.º72.º do CCP, uma vez que esta se encontra constituída com todos os documentos constantes do artigo 8.ºdo PC, verificando, igualmente, que foi apresentada nos termos e condições indicadas no artigo 11.º do PC e que os documentos que a constituem se encontram assinados eletronicamente, fazendo-se acompanhar de todos os anexos e elementos exigidos no Caderno de Encargos e no PC;

iii) Submeter o presente Relatório Preliminar ao Conselho de Administração da Docapesca tendo em vista o seu posterior envio aos concorrentes para realização da audiência prévia a que alude o n.º 3 do artigo 15.º do PC conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 123.º do CCP, para que todos os concorrentes se pronunciem, por escrito, em prazo não inferior a 5 (cinco) dias e máximo de 15 (quinze) dias, propondo-se para o efeito um prazo de pronúncia de 10 (dez) dias.(cfr. p.a.);

G) Em sede de audiência prévia, a Contra-interessada apresentou reclamação que aqui se dá por integralmente reproduzida, alegando que a proposta da A. deveria ser excluída por falta de assinatura digital qualificada de cada um dos documentos apresentados pela mesma junto com a proposta; (cfr. p.a.);

H) Em 24/11/2017, o júri do concurso elaborou o “2º Relatório Preliminar”, que aqui se dá por integralmente reproduzido e no qual consta, nomeadamente, o seguinte: (…).

“II. Quanto à admissão da proposta da A……..

1. Segundo o concorrente B………., ao contrário dos documentos que integram a sua proposta, são os documentos que integram a proposta da A…….. que não se apresentam todos, um a um/individualmente assinados eletronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica qualificada, tal como exige o n.º 5 do artigo 11.º do Programa de Concurso, pelo que, nos termos da alínea l), do n.º 2, do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos, se impõe excluir a proposta deste concorrente.

2. Efetivamente, o Júri verifica que o concorrente A………. se limita a assinar eletronicamente cada um dos ficheiros carregados na plataforma mas já não o documento, ou seja, «o quid que o ficheiro contém»1. Surge assim a questão de saber se, por forma a dar cumprimento à exigência de assinatura individualizada, basta ao concorrente assinar eletronicamente cada um dos ficheiros, ou se é necessário que este aponha também assinatura no interior do ficheiro (quando estes contenham mais do que um documento).

3. Ora, tem sido entendido pelos tribunais administrativos que (i) não apenas os ficheiros mas todos os documentos têm que ser eletronicamente assinados e que (ii) a consequência da falta de tal assinatura em todos os documentos é a exclusão da proposta.

4. Neste sentido, veja-se o Acórdão do STA, de 3/12/2015 no qual, perante uma situação em tudo idêntica à que aqui se coloca quanto à proposta da A…….. (o concorrente submeteu um ficheiro com a compilação de vários documentos da proposta, em formato PDF, assinado eletronicamente), o tribunal entendeu que:

“[a]ssim, perante a matéria de facto assente, que não pode modificar-se no âmbito do presente recurso (art.º 150.º, n.º 4, do CPTA), tem de concluir-se que a contra interessada não cumpriu as exigências legais quanto ao modo de apresentação da sua proposta. Está provado que não assinou de modo individualizado os documentos que a constituem, ou seja, os documentos por si elaborados ou preenchidos a que se refere o art.º 57.º do CCP. A consequência da violação dessa exigência é a exclusão da proposta, nos termos da al. l) do n.º 2 do art.º 146.º do CCP». (sublinhado nosso)

Atente-se ainda num outro caso semelhante em que o «o ficheiro acima descrito sob a alínea b) [“Proposta PEjJFBenfica.pdf‟] – em formato PDF -, e conforme decorre do teor do processo instrutor, é constituído por 65 páginas, dele fazendo parte diversos documentos, como é o caso dos descritos nas als. D) a F), dos factos provados, o que significa que a recorrente, tendo apenas assinado tal ficheiro, não assinou de forma individual os diversos documentos que nele estão inseridos, o que constitui uma violação do art. 27º n.º 1, da Portaria 701-G/2008, de 29/7», tendo o Tribunal decidido na linha do Acórdão supra referido de 3/12/2015. (Acórdão TCA Sul, Processo n.º 13093/16, in www.dgsi-pt)

Do exposto resulta que os documentos – e não apenas os ficheiros – têm que ser individualmente assinados eletronicamente, e que a falta de tal assinatura determina inelutavelmente a exclusão da proposta apresentada pela A...... (…)

3. PROJETO DE DECISÃO:

1. Ponderadas as observações feitas ao abrigo do direito de audiência prévia, com base no atrás exposto e no 1.º relatório preliminar, em conclusão, o Júri do Concurso delibera, por unanimidade e nos termos da alínea l), do n.º 2, do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos:

a) A exclusão da proposta apresentada pelo concorrente A………, uma vez que este não respeita a exigência de assinatura individualizada de cada um dos documentos – e não apenas dos ficheiros -, constante no artigo 68.º, n.º 4, da Lei 96/2017, de 17 de agosto;

b) Manter a exclusão da proposta apresentada pelo concorrente B……….., uma vez que não foi aposta assinatura nos documentos da proposta previamente à respetiva submissão na plataforma eletrónica;

c) Manter a exclusão da proposta apresentada pelo concorrente C………., nos termos já explicitados no 1.º relatório preliminar

d) Não haver lugar, com base nos fundamentos expostos, a adjudicação – nos termos e para os efeitos da alínea b) do artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos -, na medida em que todas as propostas devem ser excluídas. (cfr. p.a.);

I) A A. foi notificada para se pronunciar em sede de audiência prévia tendo a A. apresentado requerimento onde conclui que os documentos e ficheiros estão assinados digitalmente, pelo que, decerto que houve lapso do júri no exame efectuado à sua proposta após a audição da CI que induziu em erro o júri (cfr. p.a.);

J) Em 15/02/2018, o júri voltou a reunir para elaborar o relatório final e no qual se decidiu que:

“1. IDENTIFICAÇÃO DO CONCURSO E ÂMBITO DO RELATÓRIO

1. A decisão de contratar foi tomada, por deliberação de 18 de outubro de 2016 e no uso de competências próprias nos termos do n.º 1 do artigo 3.º e das alíneas a), b) e p) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 16/2004, de 3 de fevereiro, pelo Conselho de Administração da Docapesca, Portos e Lotas, S.A..

2. Em conformidade, foi aberto o presente concurso público para “Concessão de Exploração do Serviço de Transporte Regular com Embarcações de Passageiros entre Cabanas e Ilha de Cabanas, no Algarve”, através de anúncios publicados no Diário da República, II Série, de 21 de Outubro de 2016 (anúncio n.º 6654/2016) e no Jornal Oficial da União Europeia, de 26 de outubro de 2016.

3. Dentro do prazo estipulado para apresentação de propostas, o qual terminou a 31 de janeiro de 2017, apresentaram-se a procedimento 3 (três) concorrentes, cujas propostas foram apresentadas pela seguinte ordem cronológica:

- A……… LDA. (doravante A……….);

-B………. LDA. (doravante B………..); e

- C…….. LDA. (doravante C…….).(…)

1. Ponderadas as observações feitas ao abrigo do direito de audiência prévia, com base no atrás exposto e em ambos os Relatórios Preliminares, em conclusão, o Júri do Concurso delibera, por unanimidade e nos termos da alínea l), do n.º 2, do art. 146.º do Código dos Contratos Públicos:

a) Manter a proposta de exclusão da proposta apresentada pela concorrente A…….., uma vez que esta não respeita a exigência de assinatura individualizada de cada um dos documentos – e não apenas dos ficheiros -, constante da Lei 96/2015 de 17 de agosto;

b) Manter a exclusão da proposta apresentada pelo concorrente C………., nos termos já explicitados no 1.º Relatório Preliminar;

c) Não haver lugar, com base nos fundamentos expostos, a adjudicação – nos termos e para os efeitos da alínea b) do artigo 79.º do Código dos Contratos Públicos -, na medida em que todas as propostas devem ser excluídas (cfr. p.a.);

K) Em 09/03/2018, o Conselho de Administração Entidade Demandada, proferiu despacho de concordância com o relatório final e não procedeu à adjudicação do serviço, excluindo todas as propostas (cfr. p.a.);

L) Em 20/04/2018, a CI intentou ação de contencioso pré-contratual no TAF de Sintra, cuja sentença foi proferida em 25/01/2019 e na qual se decidiu o seguinte:

“IV – Decisão

Pelo exposto,

Julga-se procedente a presente ação e, em consequência:

a) Anula-se o ato impugnado nos presentes autos, consubstanciado na decisão de exclusão da proposta da demandante, constante do Relatório Final aprovado pelo Conselho de Administração da DOCAPESCA, em 9 de Março de 2018, devendo a proposta da Autora ser admitida

b) Anula-se a decisão de não adjudicação, nos termos do artº 79º al b) do CCP e melhor identificada no nº 11 do probatório, devendo ser apreciadas a proposta da Autora e qualquer outra de qualquer outro concorrente, cuja exclusão venha a ser anulada.

c) Caso não seja possível a retoma do Concurso Público dos autos, verificando-se causa legítima de inexecução, seguir-se-ão os trâmites consignado nos arts. 178º e ss. do CPTA. (cfr. certidão junta em 08/07/2019)

Quanto a factos não provados, refere o Tribunal a quo não ter ficado provado que a A. tenha assinado os documentos individualmente, assentando a sua convicção na documentação junta com os articulados, bem como no processo administrativo, tendo sido essencial a análise ao documento 7 junto com a PI.”

*

O DIREITO

A autora e aqui recorrida veio impugnar nesta ação o ato da aqui recorrente que, no âmbito de um concurso público para “Concessão de Exploração do Serviço de Transporte Regular com embarcações de passageiros entre Cabanas e a Ilha de Cabanas, no Algarve” excluiu a sua proposta, a única que então subsistia (no âmbito de três apresentadas), porque os documentos que compunham o ficheiro por ela enviado e assinado careciam de assinaturas eletrónicas individualizadas.

O TAF julgou a ação improcedente baseando-se no acórdão do STA de 3/12/2015 processo n.° 1028/15.

Não obstante com um voto de vencido o acórdão aqui recorrido revogou a sentença de 1ª instância e julgou procedente a ação e anulou o ato que excluiu a então autora e aqui recorrida.

Entendeu a decisão recorrida que:

“Ainda que a recorrente não tenha assinado digitalmente todos os documentos, a sua assinatura eletrónica consta do ficheiro pdf que os contém, pelo que se encontra inequivocamente vinculada a cumprir o que dali consta.

Mostrando-se cumpridas as finalidades identificadora, confirmadora e de inalterabilidade, pretendidas pela lei, deve considerar-se degradada em não essencial a formalidade preterida de assinatura de todos os documentos.”

E fê-lo chamando à colação o acórdão deste STA - Proc. 0278/17 de 6/12/2018, que não obstante perante factualidade diversa, admitiu a possibilidade de, no domínio das assinaturas eletrónicas, as respetivas exigências se poderem degradar como não essenciais.

Pretende a aqui recorrente que este entendimento viola o artigo 54º n.ºs 1 e 5 da Lei n.° 96/2015, o artigo 11.º, n.° 5, do Programa de Concurso e o art. 146.°, n.° 2, alínea l), do CCP, tal como resulta da jurisprudência vigente.

Na verdade, a seu ver, a situação dos autos integrar-se-ia neste nº5 exigindo-se a assinatura digital de cada um dos documentos.

Sendo que, de qualquer forma, o art. 11º nº5 do Programa de Concurso também o exige.

Vejamos então se esta decisão é de revogar como pretendem a recorrente por se impor a decisão proferida em 1ª instância.

Determina o referido art. 54º nºs 1 e 5 da Lei n.° 96/2015 que:

-“1 - Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.ºs 2 a 6. (...)

5-Nos documentos eletrónicos cujo conteúdo não seja suscetível de representação como declaração escrita, incluindo os que exijam processamento informático para serem convertidos em representação como declaração escrita, designadamente, processos de compressão, descompressão, agregação e desagregação, a aposição de uma assinatura eletrónica qualificada deve ocorrer em cada um dos documentos eletrónicos que os constituem, assegurando-lhes dessa forma a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil e do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de abril, sob pena de causa de exclusão da proposta nos termos do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos.”

Por outro lado o próprio artigo 11.º, n.° 5, do Programa de Concurso determina que "[t]todos e quaisquer documentos carregados na Plataforma Eletrónica deverão ser assinados eletronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica qualificada, nos termos da Lei n.° 96/2015, de 17 de agosto, não sendo admissível, por exemplo, a mera assinatura eletrónica de ficheiros "zip" ou equivalentes que contenham vários documentos eletrónicos, os quais devem ser individualmente assinados".

Importa, assim, saber se a lei e/ou o programa de concurso exigem que todos e cada um dos documentos de uma proposta inserida em plataforma eletrónica têm que ser sejam individualmente assinados eletronicamente nos termos do referido nº5 do art. 54º da Lei n.° 96/2015 e o artigo 11.º, n.° 5, do Programa de Concurso e quais as consequências que daí advêm.

A questão sobre a assinatura dos documentos que integram as propostas submetidas em plataformas eletrónicas já se colocava no âmbito da redação do CCP anterior à Lei n.º 96/2005, de 17/8, e nomeadamente do art. 27º da Portaria n.º 701-G/2008, de 29/7, revogado pela referida Lei n.º 96/2015, de 17/8, que já dispunha:

“1 - Todos os documentos carregados nas plataformas eletrónicas deverão ser assinados eletronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura eletrónica qualificada.(...)”

Normativo que veio a ser mantido pelo artigo 54ºnº1 desta nova lei.

Assim como no artigo 69.º nº1 da mesma lei:

“Encriptação e classificação de documentos

1 - Os documentos que constituem a proposta, a candidatura ou a solução são encriptados, sendo-lhes aposta assinaturas eletrónicas qualificadas.”

A letra da lei levou a que efetivamente a jurisprudência deste STA, nomeadamente no acórdão de 27/9/2018, proferido no processo 322/16 e nos acórdãos de 30/1/2013 e em 3/12/2015, proferidos respetivamente nos recursos nºs 01123/12 e nº 01028/15, tenham concluído que os documentos da proposta têm de ser assinados individual e eletronicamente, não sendo legalmente permitida apenas a assinatura do ficheiro/documento em suporte PDF que contenha tais documentos, em decorrência do teor dos referidos artigos 54º nº 1 e 5 e 68º nº 4 da Lei nº 96/2015, de 17/08.

Esta questão foi, contudo, objeto de uma profunda análise em recente artigo publicado na Revista de Contratos Públicos, nº 24, com o título “ A assinatura eletrónica das propostas: alguns problemas criados ou não resolvidos pela Lei nº 96/15”, de Luís Verde Sousa, páginas 57 e seguintes.

E, não obstante se concluir por entendimento diverso do seguido pela jurisprudência atrás referida, acaba por se reconhecer que o legislador não foi muito feliz na redação dada na Lei n.º 96/2015 relativamente à questão aqui em causa:

«Uma adequada perceção das caraterísticas técnicas da assinatura eletrónica qualificada, designadamente no seu confronto com a assinatura autógrafa realizada num documento com forma escrita em suporte de papel, parece-nos suficiente para afastar algumas "leitura formalistas" das exigências legalmente previstas quanto à assinatura eletrónica dos documentos apresentados através da plataforma eletrónica. No entanto, a análise empreendida permite igualmente concluir que a "culpa" deste excessivo formalismo não é apenas ou principalmente do intérprete, sendo clara a necessidade de uma alteração clarificadora da Lei nº 96/2015 quanto a esta matéria».

Neste artigo o autor procura perceber e resolver equívocos que a matéria tem suscitado, a que não é imune a “falta de rigor do legislador na Lei n.º 96/2015”.

Como dele se extrai:

“ Em primeiro lugar, importa referir que a assinatura eletrónica qualificada, enquanto uma das modalidades de assinatura eletrónica, incide necessariamente sobre um documento eletrónico. Assim, e apesar de apenas os números 3, 5 e 7 do artigo 54º da Lei nº 96/2015, se referirem a documentos eletrónicos dúvidas não restam que os documentos, a que se referem os números 1, 2 e 4 do mesmo artigo, são documentos eletrónicos, pois apenas estes podem ser objeto de uma assinatura eletrónica. Na verdade, não há assinaturas eletrónicas sobre documentos em suporte de papel. (…)

Se o objeto da assinatura eletrónica qualificada é o documento eletrónico, importa apurar em que consiste um documento eletrónico. Ora, de acordo com o disposto no nº 35 do artigo 3º do Regulamento (Regulamento (UE) nº 910/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho), documento eletrónico é “qualquer conteúdo armazenado em formato eletrónico, nomeadamente texto ou gravação sonora, visual ou audiovisual”. …Tomando de empréstimo as palavras de Afonso Patrão, se articularmos com a definição de documento constante do artigo 362º do Código Civil, podemos concluir que o documento eletrónico “ é qualquer objeto elaborado mediante processamento eletrónico de dados com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. (…)Trata-se, pois, de um objeto redigido em linguagem binária (correspondente a uma sequência de bits), armazenado em formato eletrónico, que reproduz algo que pode ser apreendido mediante a utilização de um programa informático.”

Assim, não podemos deixar de considerar que um ficheiro/documento em formato PDF, apesar de poder conter ou incluir no seu conteúdo vários documentos, nomeadamente de uma proposta, é um documento eletrónico.

Através da aposição de uma assinatura digital qualificada num documento digital o signatário está a assumir, de forma inequívoca, a sua autoria.

Daí que ao certificar/assinar um ficheiro/documento em suporte PDF o ente/sujeito que o faz indica que aprovou o conteúdo integral do mesmo, valendo a assinatura ali aposta, independentemente do local em que visualmente a mesma surge ou se encontra, para a integralidade do documento, incluindo-se, nessa medida, os eventuais segmentos ou partes do seu conteúdo, na certeza de que se forem inseridas/removidas páginas ao documento, ou adicionados comentários ao mesmo, tais alterações ficarão sinalizadas.

Nessa medida, à assinatura eletrónica qualificada de ficheiro/documento em formato PDF, apesar de poder conter vários documentos da proposta, não se aplica o disposto no nº 5 do artigo 54º da Lei nº 96/2015.

O que se pretende evitar com este preceito é que possam existir documentos eletrónicos que não estejam eletronicamente assinados, pondo em causa as garantias, nomeadamente as de integridade/inalterabilidade subjacentes à assinatura eletrónica qualificada.

É o caso de documentos arquivados em pastas informáticas compactadas que não se compara com a situação de um ficheiro/documento eletrónico em formato PDF, já que independentemente do número de documentos que o mesmo possa conter, no caso do documento integrante da proposta, trata-se de um único documento e, por isso a assinatura nele aposta abrange todo o conteúdo do documento.

Tanto assim de que qualquer tentativa de retomar uma anterior versão desse documento ou de eliminar algum dos documentos da proposta irá ser detetada através da utilização da chave pública do certificado, garantindo a assinatura eletrónica qualificada de um ficheiro/documento em suporte PDF a assinatura de todos os documentos constantes desse ficheiro/documento e não apenas do local do documento [no caso da proposta] em que seja visível o desenho/sinal ou aplicação que o permite, de forma mais simples, verificar da validade da assinatura e aceder ao respetivo certificado.

Como refere o referido autor:

“Fazendo um paralelismo com a assinatura autógrafa, importa referir que a assinatura eletrónica qualificada exigida não é uma assinatura realizada com uma caneta digital sobre um tablet, num determinado “local” do documento eletrónico, para que se possa sustentar que o concorrente apenas se encontra vinculado à declaração correspondente ao “espaço” em que assinou. Pelo que, ao escolher um “local”, o concorrente não está a apor a sua assinatura apenas aí. Com a sua chave privada, o concorrente está a cifrar todos os dados constantes do documento eletrónico, que se tornam inalteráveis sem que a chave pública o detete, vinculando-se a todo esse conteúdo.

Ora, (i) se um ficheiro em formato PDF que contém vários documentos de uma proposta é um único documento eletrónico, não integrando o tipo de documentos eletrónicos a que se refere o n.° 5 do artigo 54º da Lei n.° 96/2015; e (ii) se a assinatura eletrónica qualificada é um resumo cifrado de todos os dados constantes do documento eletrónico, independentemente do “local” em que seja visível o desenho ou a aplicação que permite, de forma mais simples, verificar a validade da assinatura e aceder ao respetivo certificado, dúvidas não parecem restar que não é necessário ao autor apor diferentes assinaturas eletrónicas qualificadas num mesmo ficheiro PDF, apenas por este conter diferentes documentos da proposta. Além de desnecessária, essa multiplicidade de assinaturas do mesmo autor afigurar-se-ia algo tecnicamente ilógico, porquanto se estaria a criar sucessivos resumos cifrados dos mesmos dados (sempre globais e nunca autonomizados, por documento da proposta), elaborados através da mesma chave privada, já reconhecida por uma entidade certificadora como pertencente a um determinado titular. No fundo, o autor estaria a repetir desnecessária e ilogicamente um processo apenas para que, quando o documento eletrónico fosse consultado, se pudesse ver e aceder ao certificado em diferentes “locais” do documento eletrónico, como se de uma assinatura autógrafa se tratasse. Ora, este é um típico comportamento da “era do papel”, que justamente se pretendeu afastar com a entrada da contratação pública na “era eletrónica”.

Não podemos, assim, deixar de concluir que a assinatura digital de um ficheiro/documento eletrónico em formato PDF, sendo um só documento, não integra a previsão do art. 54º nº5 da Lei n.º 96/2015, de 17/08, preceito que a recorrente alega ter sido violado.

Pelo que, a exclusão de uma proposta, com fundamento no facto de se ter apresentado um ficheiro/documento eletrónico em formato PDF contendo vários documentos da proposta por alegadamente não terem sido individualmente assinados, não pode sê-lo com fundamento na referida normatividade em vigor.

Questão diversa será a existir uma disposição que obrigasse o concorrente a fazer corresponder cada um dos documentos da proposta a um documento eletrónico autónomo.

Ou seja, teria de ser imposto no programa de procedimento.

O que nada teria que ver com a assinatura eletrónica qualificada, porquanto, como se viu, os diferentes documentos da proposta, incluídos num mesmo ficheiro/documento eletrónico em formato PDF, não deixariam de estar (todos) assinados.

Seria, antes, uma regra respeitante ao modo de apresentação dos documentos exigível no programa do procedimento que não se encontra prevista no CCP, nem na Lei nº 96/2015.

Pelo que a sua exclusão com o referido fundamento só poderia ter lugar ao abrigo do disposto da alínea n) do nº 2 do artigo 146.° do CCP, se a entidade adjudicante, no âmbito do seu poder de autorregulação procedimental, previsto no n.º 4 do artigo 132.º do CCP e sancionasse, de forma expressa, o seu incumprimento com a exclusão da proposta.

Atenhamo-nos, então, ao caso sub judice.

Da matéria de facto resulta que a A. a quando a submissão da sua proposta na plataforma eletrónica inseriu ficheiro/documento eletrónico em suporte PDF, que comporta vários documentos e que o mesmo se encontra assinado.

Em suma, não sendo a situação dos autos de falta de assinatura é de entender que o ficheiro/documento (eletrónico) que contém a proposta da A. composta pelos documentos do probatório se encontra assinado de acordo com os artigos 54º da Lei nº 96/2015 de 17.08 e 57º nº 4 do CCP.

Pelo que não foi preterido o referido art. 54º, nomeadamente o seu nº5, da Lei n.º 96/2015, de 17.08, e art. 57° do Código dos Contratos Públicos

Cumpre, então, apenas aferir se foram cumpridas as regras de apresentação dos ficheiros/documentos na plataforma eletrónica e a sua assinatura nos termos do também art. 11° n° 5 do Programa de Concurso.

A propósito diz a recorrente que, ainda que a exigência de uma assinatura eletrónica individualizada dos documentos da proposta não resultasse da lei a entidade adjudicante DOCAPESCA — PORTOS E LOTAS, S.A., podia, o que fez, ao abrigo da faculdade conferida às entidades adjudicantes pelo n.º 4 do artigo 132.º do Código dos Contratos Públicos, impor essa exigência às propostas dos concorrentes.

Então vejamos.

É certo que resulta deste art 11º nº 5 que "[t]todos e quaisquer documentos carregados na Plataforma Eletrónica deverão ser assinados eletronicamente “e não são admissíveis,” por exemplo, a mera assinatura eletrónica de ficheiros "zip" ou equivalentes que contenham vários documentos eletrónicos, os quais devem ser individualmente assinados".

Ora, um ficheiro/documento eletrónico em formato PDF não constitui uma pasta compactada [v.g. ficheiro “zip”] nem um seu equivalente, e, no caso, o referido documento, constituindo um único documento, como vimos, mostrava-se já assinado a quando da sua inserção na plataforma eletrónica, respeitando o artigo 11º nº5 já que nada do previsto neste preceito procedimental nos permite extrair em termos de imposição da assinatura individualizada de cada um dos documentos contidos no ficheiro/documento em formato PDF antes da inserção do mesmo na plataforma eletrónica e de o incumprimento da exigência de assinatura individualizada implicar a exclusão da proposta.

Pelo que, tendo ocorrido a assinatura eletrónica qualificada conforme alínea c) da matéria de facto, com submissão validada na plataforma, não pode a mesma justificar a exclusão da proposta nos termos da alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º do Código dos Contratos Públicos.

Não ocorre, pois, o erro invocado pela recorrente sendo de manter a decisão recorrida com a presente fundamentação.

*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter com a presente fundamentação a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

08/04/2021

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, o Relator atesta que os Juízes Conselheiros Adjuntos Dr. Adriano Cunha e Carlos Luís Medeiros de Carvalho têm voto de conformidade.

Ana Paula Portela