Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0898/16
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22816
Nº do Documento:SA2201801240898
Data de Entrada:07/12/2016
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A sociedade A…………, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada na sequência da decisão que indeferiu o recurso hierárquico que interpôs contra o indeferimento da reclamação graciosa que deduziu contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) respeitante ao ano de 2010 e a vários imóveis de que é proprietária.

1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1. A Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento de Estado para 2007) estabeleceu a manutenção, nos termos em que foram concedidos, dos benefícios fiscais constantes das partes II e III do EBF, cujo direito tivesse sido constituído até 31/12/2006;

2. Entre os benefícios, assim mantidos, está o estabelecido no então art.º 46° do EBF — hoje, art.º 49º – referente aos Fundos de Investimento Imobiliário;

3. Tendo o ora recorrente sido constituído antes de 31/12/2006, obteve direito aos benefícios consagrados no referido art.º 46º do EBF;

4. Assim, a redução ou alteração dos benefícios fiscais estabelecidos no art.º 46º do EBF não é aplicável ao ora recorrente, na medida em que ele, nos termos do art.º 88º, a), da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, manteve o benefício fiscal anteriormente constituído na sua esfera;

5. Por outro lado, mesmo à luz do art.º 88º, j), da mesma Lei nº 53-A/2006, de 29/12, o recorrente manteve a isenção total de IMI;

6. É que, nos termos do indicado art.º 88º, j), da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, a nova redacção dada ao art.º 46º do EBF apenas se aplicava aos Fundos constituídos após 1/11/2006 ou que realizassem aumentos de capital após tal data, o que não é o caso do recorrente;

7. Por outro lado, como foi referido pelo Ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no voto proferido no Processo Arbitral nº 150/2012-T (Centro de Arbitragem Administrativa), a questão da aplicação no tempo destes benefícios atribuídos aos Fundos de Investimento Imobiliário tem que ser interpretado de acordo com o estabelecido no art.º 3º do EBF;

8. Ora, o art.º 3º do EBF tem como antecedente o art.º 14º, nº 1 da LGT, acabando por ser transposto, precisamente, para o art.º 3º do EBF;

9. Como chama a atenção o Juiz Conselheiro Lopes de Sousa, decorre da autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo para elaborar a LGT, que, em matéria de benefícios fiscais, o sentido era o de regular o período de vigência de tais benefícios, “em termos de assegurar a sua previsibilidade, em obediência ao princípio da segurança jurídica...”;

10. Ora, decorre do art.º 3º do EBF, que aí se estabelece não só um prazo máximo de duração dos benefícios, mas também um prazo mínimo durante o qual os contribuintes podem usufruí-lo;

11. Tributar, como fez a Administração Tributária, o ora recorrente, representa uma manifesta violação do princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático.

12. A douta sentença recorrida interpretou, assim, erroneamente, os artºs 3º e 46º do EBF, 88º da Lei nº 53º-A/2006, de 29/12.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto do STA emitiu o douto parecer que consta de 127 e segs. dos autos, onde conclui que deve ser negado provimento ao recurso por nenhuma censura merecer a sentença recorrida.

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante constitui-se como um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, gerido e representado pela B…………, S.A. — cf. fls. não numeradas do processo administrativo em apenso aos autos;

2. Em 10/03/2006, a B…………, S.A., sociedade gestora da impugnante, outorga escritura pública de “Compra e Venda”, com vista à aquisição dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Carnaxide sob os artigos 10756, 10832, 10840, 10841 e 11042 — cfr. fls. 11 a 18 do processo de R.H. em apenso aos autos;

3. Em 13/03/2006, a impugnante requereu a aplicação do disposto no artigo 13º, do CIMI e 46º do EBF aos imóveis identificados no ponto anterior — cfr. fls. 20 a 23 do processo de R.H. em apenso aos autos;

4. Em 23/06/2008, a B…………, SA., sociedade gestora da impugnante, outorga escritura pública de “Compra e Venda”, com vista à aquisição dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia da Cruz Quebrada, sob os artigos 97, 98, 99, 159 e 682, do concelho de Oeiras — cfr. fls. 24 a 27 do processo R.H. em apenso aos autos;

5. Em 22/07/2008, a impugnante requereu a aplicação do disposto no artigo 13º do CIMI e 46º do EBF aos imóveis identificados no ponto anterior — cfr. fls. 28 a 34 do processo de R.H. em apenso aos autos;

6. Em 23/07/2011, é emitida a liquidação nº 2010/453332003, correspondente à 2ª prestação do IMI do ano de 2010, no montante global de € 85.276,85, em que estão incluídas, entre outras, as matrizes prediais urbanas da freguesia de Carnaxide (artigos 10756, 10832, 10840, 10841e 11042) e da freguesia da Cruz Quebrada, concelho de Oeiras (artigo 97, 98, 99, 159 e 682) — cfr. fls. 7 a 10 do processo administrativo em apenso aos autos;

7. Não se conformando com tal liquidação a impugnante apresentou reclamação graciosa em 12/10/2011 — cf. fls. 3 e ss. do processo de reclamação em apenso aos autos;

8. Por despacho de 24/05/2012, aquela reclamação foi indeferida — cf. fls. 77 do processo de reclamação em apenso aos autos;

9. Decorre da informação que sustenta o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, a que se alude no ponto anterior, o seguinte “Face ao informado a fls. 74 e demais elementos que integram os autos, conclui-se que a reclamação, ora em apreciação, diz respeito à liquidação de IMI do ano de 2010/2ª prestação, referente aos prédios das matrizes urbanas pertencentes à freguesia de Carnaxide/Oeiras, a que correspondem os artigos 111671, 11042, 10841,10840, 10832 e 10756; e à freguesia da Cruz Quebrada/Oeiras a que correspondem os artigos 682, 159, 99, 98 e 97, com exceção da coleta do artigo 11167 que na liquidação notificada aquando da nota de cobrança da 1ª prestação era de 1.684,94 e agora é de € 1.658,84. A coleta dos restantes prédios é idêntica a da liquidação de IMI do ano de 2010/1ª prestação, que o sujeito passivo reclamou alegando ter direito ao beneficio fiscal reiterado na presente petição. A reclamação apresentada em 26/05/2011 contra a liquidação de IMI do ano de 2010/1ª prestação referente aos prédios aqui referidos, coube o nº 3522201104003063 e obteve despacho com data de 18/11/2011 no sentido do indeferimento. Pelo exposto sou de parecer que a reclamação contra a liquidação de IMI de 2010 referente ao prédio artigo 11167, da freguesia de Carnaxide deverá ser indeferida com os fundamentos expressos no ponto 2. B) da presente informação. Quanto à reclamação de IMI/2ª prestação dos restantes prédios deverá ser indeferida por intempestividade (...)” — cfr. fls. 73 verso do processo de reclamação em apenso aos autos;

10. Do despacho de indeferimento deduziu, então, recurso hierárquico em 22/06/2012 — cfr. fls. 2 do processo de R.H., em apenso aos autos;

11. Por despacho de 12/11/2012 da Subdiretora-Geral da A.T., o recurso hierárquico foi indeferido — cfr. fls. 28 e ss. do processo de R.H., em apenso aos autos;

12. O despacho de indeferimento do recurso hierárquico encontra fundamentação em informação, a qual se transcreve resumidamente:

«(...) Ora, o IMI subsume-se precisamente à previsão deste nº 2 do art.º 12º da IGT, já que não é um imposto de obrigação única, mas um imposto periódico, o respetivo facto tributário renova-se anualmente, em 31 de Dezembro, como resulta do determinado no nº 1 do art.º 113º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelo serviços centrais da Direção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e, em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita). (...) Assim sendo, o novo regime jurídico resultante da Lei 3-B/2010, de 28 de Abril aplica-se em sede de IMI, a todos os factos tributários ocorridos após a sua entrada em vigor, razão pela qual, sendo um fundo de investimento imobiliário fechado, a recorrente não possa, relativamente ao ano de 2010, aproveitar do benefício fiscal previsto no art.º 49º do EBF. A aplicação do novo regime legal à recorrente, relativamente à liquidação de IMI referente ao ano de 2010, contrariamente ao que vem alegado, tem, pois, arrimo legal e não consubstancia uma aplicação retroativa desse regime (…)» — cfr. fls. 28 a 30 do processo de R.H., em apenso aos autos;

13. Em 27/02/2013, por meio de correio registado, foi remetida a este tribunal petição inicial que consubstancia a presente impugnação judicial — cfr. fls. 2 a 21 dos autos.


3. Segundo a recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado improcedente a impugnação judicial com o argumento jurídico de que o disposto no nº 2 do art.º 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção conferida pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento Estado/2007), é aplicável aos imóveis da impugnante, por dele resultar que a partir de 1 de Janeiro de 2007 os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles perderam a isenção de IMI e de IMT de que beneficiavam, passando tais fundos a beneficiar apenas de redução de taxa desses impostos em 50%.

Na sua óptica, dado que se constitui como fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, em data anterior a 1 de Novembro de 2006, tendo, assim, adquirido o direito à isenção de IMI em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 53-A/2006, a alteração e redução dos benefícios fiscais não lhe é aplicável face ao disposto no art.º 88º, alínea a), da Lei nº 53-A/2006. Por outro lado, face ao disposto na alínea j) deste art.º 88º, a nova redacção dada ao art.º 46º do EBF só é aplicável a fundos constituídos após 1/11/2006 ou que realizassem aumentos de capital após tal data, o que não era o caso da recorrente.

Razão por que a questão que se coloca neste recurso consiste em saber se o benefício fiscal de isenção de IMI de que a recorrente gozava ao abrigo da norma contida no art.º 46º do EBF se manteve, ou não, após as alterações introduzidas pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

Tal questão já foi decidida nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos proferidos em 17.05.2017, no proc. n.º 1420/14, em 31.05.2017, no proc. n.º 01171/16 e em 7.06.2017, no proc. n.º 0377/15, nos quais, com fundamentação que merece a nossa adesão, se concluiu no sentido de que a partir de 1.01.2007, e em face do disposto na norma transitória contida na alínea j) do art.º 88º da Lei nº 53-A/2006, os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliários fechados de subscrição por investidores não qualificados perderam a isenção de IMI e de IMT de que beneficiavam, passando apenas a beneficiar de redução de taxa em 50%.

Deste modo, e atendendo também à regra constante nº 3 do art.º 8º do C.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – bem como à falta de nova argumentação que nos leve a inflectir ou a divergir do entendimento ali firmado, limitar-nos-emos a remeter para a fundamentação que consta desses arestos e que aqui se acolhe e subscreve na íntegra.

«Com a Lei do Orçamento do Estado para 2007, que aditou ao então artigo 46º do EBF um nº 2, o legislador restringiu a isenção de IMI e de IMT de que até então beneficiavam os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário - independentemente de serem abertos ou fechados, de subscrição pública ou particular, por investidores qualificados ou não qualificados, prevendo especificamente, através do nº 2 então aditado que: “Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas de IMI e de IMT reduzidas para metade”.
Ou seja, ao invés da isenção de que até então beneficiavam todos os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário, o legislador estabeleceu para os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles uma redução a metade da taxa de IMI ou IMT, ao invés da anterior isenção.
Consta do probatório fixado que o impugnante é um fundo de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular por investidor não qualificado, tendo tido início de actividade em momento anterior a 01.11.2006 […], daí que a partir da data da entrada em vigor da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro tenha perdido, para o futuro, a isenção de IMI de que gozava, passando apenas a beneficiar do direito à redução de 50% da taxa daquele imposto.
O regime transitório estabelecido pelo artigo 88º da Lei 53-A/2006 para as alterações introduzidas por esta Lei ao Estatuto dos Benefícios Fiscais estabelece, quanto a esta concreta alteração do EBF – cfr. a alínea j) do artigo 88.º da citada Lei – que: O disposto no nº 2 do artigo 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais é aplicável, a partir da entrada em vigor da presente lei, aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles constituídos após 1 de Novembro de 2006 ou que realizem aumentos de capital após esta data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação eram, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.
Ou seja, o legislador estabeleceu expressamente a aplicação da nova disposição legal, a partir da data da entrada em vigor da Lei (ou seja, 1 de Janeiro de 2007) aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles que (1) se constituíssem após 1 de Novembro de 2006, ou que (2) realizassem aumentos de capital depois dessa mesma data ou ainda (3) cujas unidades de participação fossem detidas exclusivamente, à data de 1 de Novembro de 2006, por investidores não qualificados.
Foi nesta última situação que a sentença recorrida enquadrou a impugnante, ora recorrente, o que se coaduna com o nº 1 do probatório fixado e não merece censura.
O legislador foi claro ao estabelecer a aplicabilidade imediata da nova redacção do nº 2 do artigo 46.º do EBF aos fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles em que se verificasse qualquer daquelas três situações, sendo que o recorrente, tendo embora sido constituído em data anterior a Novembro de 2006 e não tendo efectuado aumento de capital depois dessa data, teria as suas unidades de participação exclusivamente detidas por investidores não qualificados à data de Novembro de 2016, o que só por si determina que lhe fosse imediatamente aplicável o novo regime.
O legislador estabeleceu disposição transitória expressa para efeitos de aplicação no tempo do nº 2 do artigo 46º do EBF aos fundos de investimento imobiliário já constituídos, disposição esta que afasta – em razão da sua especialidade – a aplicabilidade da regra geral estabelecida na alínea a) do mesmo artigo 88º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, para a generalidade das alterações ao EBF introduzidas por aquela Lei do OE e não objecto de normação especial e que sempre afastaria igualmente, por constituir disposição expressa em sentido contrário, a alegada regra de manutenção por um período mínimo de cinco anos dos benefícios fiscais concedidos.
Bem decidiu, pois, a sentença recorrida, que não incorre no erro de julgamento que lhe é imputado, estando o recurso votado ao insucesso».
Pelo que fica exposto, e sem necessidade de mais longas considerações, não pode obter provimento o recurso.


4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.