Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0368/12.6BEAVR-C
Data do Acordão:09/09/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24845
Nº do Documento:SA1201909090368/12
Data de Entrada:07/03/2019
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………, L.da, deduziu os presentes embargos de executado, no TAF de Aveiro, contra o Município de Oliveira do Bairro, peticionando a sua procedência e, consequentemente, a extinção da execução.

O TAF julgou os embargos procedentes e, em consequência, declarou extinta a execução, ordenando o levantamento da penhora e o cancelamento do respectivo registo.

E o TCA Norte, para onde o Município de Oliveira do Bairro apelou, concedeu provimento ao recurso.

É desse Acórdão que o A………… vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Câmara Municipal de Oliveira do Bairro deliberou, em 23/02/2012, ordenar à Embargante que cessasse a “utilização de todas as edificações existentes no lote C32 (restaurante, edifício polivalente, boxes, armazém, oficina e pista de Kart) nos termos do n.º 1 artigo 109.º do RJUE, no prazo de 30 dias úteis, sob pena de em caso de incumprimento ser determinado o despejo administrativo dos edifícios (nº 2 do artigo 109º do RJUE) e incorrer em responsabilidade criminal pela prática de um crime de desobediência.”
Deliberação que foi notificada à Embargante por ofício enviado em 28.02.2012.
Inconformada, requereu, em 02.04.2012, a suspensão de eficácia daquele acto e, em 27.04.2012, instaurou, por apenso a essa providência cautelar, acção administrativa especial peticionando a sua anulação.
Em 18.07.2012, o TAF decretou a suspensão da eficácia da referida deliberação, decisão que o TCAN, em parte, revogou visto, por um lado, ter mantido o pedido de suspensão da eficácia do ato em apreço mas, por outro, ter condicionado o deferimento deste pedido ao pagamento mensal, no primeiro dia de cada mês, do valor de 4.000 € (quatro mil euros) ao Município Requerido.
Em 29.10.2015, deu entrada no TAF a execução que aqui vem embargada cujo título executivo é o Acórdão do TCA.

O TAF julgou esses embargos procedentes por considerar que inexistia “título executivo, mais concretamente, sentença condenatória que legitime a execução a que se reportam os presentes embargos.” Com efeito,
“Resulta da factualidade assente que a sentença que serve de título à presente execução é o acórdão proferido em sede de recurso jurisdicional da providência cautelar instaurada pela Executada contra o Exequente (onde aquele peticionava a suspensão da eficácia do ato praticado pelo Presidente da Câmara que determinou à Executada a cessação de utilização das edificações existentes no lote C32, da Zona Industrial de O…), no qual aquele Tribunal decidiu condicionar o deferimento deste pedido de suspensão de eficácia ao pagamento mensal, no primeiro dia de cada mês, do valor de 4.000 €, ao Exequente (factos assentes nas alíneas a) a g) e o)).
...
Com efeito, o deferimento do pedido de suspensão de eficácia daquele ato ficou sujeito ao cumprimento da condição ali fixada (o pagamento de uma quantia mensal, a favor do Exequente), atenta a ponderação de interesses a que ali se procedeu.
Sucede que isto não corresponde ao reconhecimento da existência do dever da Executada pagar a Exequente aquela prestação em virtude de um qualquer direito deste em recebê-lo daquela, ou seja, o Tribunal não conheceu e decidiu sobre a existência de qualquer relação entre a Executada e o Exequente de onde resultasse para aquela a obrigação de proceder àquele pagamento a este (não tendo, assim, reconhecido a existência de um direito subjetivo do Exequente e o correspondente dever jurídico de prestar da Executada).
Assim, conclui-se que nesta sentença não foi declarada a existência de uma obrigação (de dare) por parte da Executada, mais concretamente, a obrigação da Executada pagar uma prestação mensal pela utilização das edificações existentes naquele prédio e, consequentemente, não foi a Executada condenada a cumprir tal obrigação.

Decisão que o TCAN revogou, com o seguinte discurso fundamentador:
“Em face de tudo quanto vem de se expender, é de mediana clareza que o acórdão exequendo, face ao qual foram apresentados os Embargos de Executado, contém uma condenação, e no que aqui releva, do A…………, no pagamento de uma contrapartida pecuniária pela utilização do prédio, enquanto perdurasse a providência cautelar, obrigação que não podia deixar de cumprir.
Aliás, foi este TCAN quem, no acórdão de 05/04/2013, afirmou já expressamente que a imposição da condição "constitui uma autêntica condenação", o que foi percecionado pelo embargante ao ter confessadamente elaborado uma conta-corrente das rendas mensais, a qual, não obstante se ter tratado de uma mera operação contabilística, que não implicou a efetivação de qualquer pagamento, denotou, no entanto, a consciência de que tinha a obrigação de efetivar tal pagamento.
....
Em face do que precede, tendo a decisão exequenda determinado, designadamente, que o A………… deveria pagar mensalmente 4.000€ pela ocupação do Kartódromo, impedir que o município possa receber a referida contrapartida na pendência da providência cautelar, como judicialmente determinado, consubstanciar-se-ia, no mínimo, na violação do interesse público e das decisões judiciais, violando, desde logo o estatuído no nº 1 do Artº 158º do CPTA (Obrigatoriedade das decisões judiciais).
Termos em que, concedendo provimento ao presente recurso jurisdicional e revogando a decisão recorrida julgam-se improcedentes, por não provados, os embargos deduzidos, determinando-se consequentemente a baixa dos autos à 1ª instância a fim de ser retomada a normal tramitação da Execução.”

3. O Autor não se conforma com esse Acórdão, pelo que pede a admissão desta revista, para a qual formula, entre outras, as seguintes conclusões:
“B - O aresto em recurso incorre em erro de julgamento ao considerar, que o exequente e ora recorrido, munido de Acórdão proferido no âmbito de providência cautelar de suspensão de eficácia que estabelece como condição de suspensão o pagamento de uma quantia, tem um título executivo bastante para exigir coercivamente a condição, quanto a própria providência foi revogada em consequência de incumprimento, após pedido para tal formulado pelo Município.
C - Atribuir efeitos condenatórios ao Acórdão dado à execução, distorce por completo a base de uma tutela cautelar administrativa, que foi pedida pelo Administrado contra a Administração.
D - Porque implica, desde logo, considerar que a decisão tanto pudesse ser exigida para por termo aos efeitos suspensivos da providência, como para exigir o cumprimento de uma obrigação, como se de uma condenação em processo comum se tratasse, levando a que de uma tutela cautelar se passasse para uma tutela definitiva (ainda que durante um certo período de tempo).
E - O erro de julgamento que aqui se assinala é patente e existe quando, da fixação de uma condição para manutenção dos efeitos suspensivos de uma providência cautelar de suspensão da eficácia do ato administrativo, se extrai uma verdadeira condenação que permita a sua executoriedade fora do âmbito da própria providência.
J - Pretende-se, assim, que este Supremo Tribunal interprete a natureza jurídica de uma condição de pagamento de uma quantia pecuniária estabelecida em sentença proferida em providência cautelar de suspensão de eficácia de acto, o que importa um incurso aprofundado pelos princípios da tutela cautelar administrativa, nomeadamente a sua provisoriedade e instrumentalidade, resolvendo a incerteza e instabilidade que a interpretação do artigo 122.º, n.º 2 do CPTA suscita quanto a condição a que se sujeita determinada providência tem cariz pecuniário.

4. A questão suscitada nesta revista é a de saber se uma decisão proferida em sede cautelar instaurada pela Executada contra a Exequente - onde se peticionou a suspensão de eficácia do acto que ordenou à Executada que cessasse a utilização das edificações existentes num lote de terreno pertencente à Câmara e se decidiu condicionar o deferimento desse pedido ao pagamento de 4.000 € mensais à Exequentepode constituir título executivo. Ou seja, e dito de forma diferente, cumpre decidir se uma sentença que faz depender o deferimento de uma providência cautelar do cumprimento de uma condição pode servir de título executivo se aquela condição não for cumprida.
Conforme se viu as instâncias deram respostas divergentes a essa interrogação.
E há que reconhecer que se trata de uma questão juridicamente relevante cuja resolução implica raciocínios de dificuldade superior ao comum.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 9 de Setembro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.