Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0703/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22681
Nº do Documento:SA2201712130703
Data de Entrada:06/08/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A Fazenda Pública vem recorrer para este Supremo Tribunal do segmento da sentença de 16/12/2016 (fls. 32/34), proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que a condenou em custas processuais.
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1.2. Termina as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto referencialmente à douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, no segmento em que determinou a condenação da Fazenda Pública no pagamento das custas do processo;
2. A questão de direito controvertida foi alvo de pronúncia no Tribunal a quo em pelo menos cinco decisões judiciais (que se anexam), externadas em sentido oposto ao do aresto sob recurso e convergente com o aqui defendido;
3. A Fazenda Pública não é parte no processo nem teve, ou despoletou qualquer impulso processual durante o decorrer da instância;
4. Compete ao Ministério Público introduzir o feito em juízo, tornando-o presente ao juiz, valendo esse acto como acusação [cf. artigo 62.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT];
5. No processo contra-ordenacional tributário tem aplicação mediata o regime de custas estatuído nos artigo 92.º a 94.º do RGCO e, imediatamente — porque especial relativamente àqueloutras — a norma contida no artigo 66.º do RGIT;
6. Atento o regime legal de custas aplicável em sede de processos de contra-ordenação tributária manifesto é concluir pela inexistência de norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas;
7. Pese embora a Fazenda Pública não beneficie de qualquer isenção no pagamento de custas no âmbito dos processos judiciais tributários (cf. art. 4.º, nºs. 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 324/2003 de 27 de dezembro), o mesmo se pode afirmar no que concerne à presente espécie processual, uma vez que no regime anterior ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02, em vigor desde 20/04/2009, o regime de custas em processo de contra-ordenação tributária passou a ser regulado, em primeira linha pelos normativos constantes dos artigos 92.º a 94.º do RGCO;
8. Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66.º do RGIT e 94.º, nºs. 3 e 4 do RGCO, será de concluir, contrariamente ao decidido no douto aresto sob recurso, que nos processos — como o aqui em causa — em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º, n.º 1 alínea d), ex vi do artigo 79.º, n.º 1 alíneas b) e c) e artigo 27.º, todos do RGIT, e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.».
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1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.4. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«A recorrente, FAZENDA PÚBLICA, vem sindicar a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, exarada a fls. 32/34, em 16 de Dezembro de 2016, que julgou verificada a nulidade insuprível prevista nos artigos 63.º/1/ d) ex vi do artigo 79.º/1/c) e 27.º do RGIT, no segmento em que a condenou nas custas do processo.
A recorrente termina a motivação com as conclusões de fls. 44/45.
Não houve resposta à motivação do recurso.
O recurso merece, claramente, provimento.
Vejamos.
Antes de mais diga-se que, como bem sustenta a recorrente, o recurso deve ser admitido, ao abrigo do disposto no artigo 73.º 2 do RGCO, tendo em vista a melhoria da aplicação do direito e a uniformidade da jurisprudência.
A decisão recorrida julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1 / d), ex vi do artigo 79.º/1 c) e 27.º do RGIT, anulou a decisão de aplicação da coima e condenou a Fazenda Pública em custas, que fixou em 2 UCs.
No processo de contraordenação tributária a Fazenda Pública não é parte no processo, sendo que incumbe ao Ministério Público (MP) introduzir o feito em juízo depois de recebido o recurso proveniente da autoridade administrativa, tornando-o presente ao juiz, valendo esse ato como acusação (artigo 62.º/1 do RGCO ex vi do artigo 3.º/ b) do RGIT).
O recurso de decisão de aplicação de coima tributária, sendo um meio processual tributário, nos termos do estatuído no artigo 101.º/ c) da LGT, não consta do elenco constante do artigo 97.º do CPPT e é regulado no RGIT, com aplicação subsidiária do RGCO e CPP,
Tendo o RCPT sido revogado (exceto relativamente a normas referentes aos atos na fase administrativa do processo) pelo DL 324/2003, de 27/12, por força do estatuído no artigo 66.º do RGIT, no processo contraordenacional tributário haverá que aplicar o regime de custas estatuído nos artigos 92.º a 94.º do RGCO com aplicação subsidiária do regime das custas criminais.
Não obstante a Fazenda Pública ter perdido a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01/01/2004, o mesmo não acontece no que concerne ao recurso de decisão e aplicação de coima e sanções por contraordenações de natureza tributária, uma vez que no regime anterior ao RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02, em vigor a 20/04/2009, o regime de custas em processo de contraordenação tributária passou a ser regulado, em primeira linha pelos incisos dos artigos 92.º a 94.º do RGCO.
Ora, do regime legal de custas aplicável em processo de contraordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas.
No sentido que vem sendo defendido vai a jurisprudência do STA, plasmada no acórdão de 24/02/2016, proferido no recurso n.º 01408/15, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt e acórdão de 23/11/2016, proferido no recurso n.º 01106/16).
A decisão recorrida merece, assim, censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a decisão recorrida e, em substituição, determinar-se que o processo fica sem custas.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

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3.1. A sentença recorrida julgou verificada a “nulidade insuprível prevista no artº 63º 1d), ex vi do artigo 79º, nº 1 al.c), e 27º, todos do RGIT” e anulou “a decisão de fls. … e de todo o processado subsequente. Artº 63º nº 3 do RGIT”.
Acrescentou, ainda, custas pela FP, fixando a taxa de justiça em 2 UC.”.
Refere o MP que o recurso deve ser admitido, ao abrigo do disposto no artigo 73.º 2 do RGCO, tendo em vista a melhoria da aplicação do direito e a uniformidade da jurisprudência.
É certo que a recorrente FP afirmou, fls. 43, que vem recorrer nos termos do artigo 83º 2 do RGIT e 280º nº 5 do CPPT e acrescentou (fls. 44 – 14º) que “no sentido aqui defendido, refira-se a jurisprudência do STA, plasmada no acórdão de 24-02-2016, proferido no recurso nº 01408/15 e, mais recentemente, no acórdão de 23-11-2016, proferido no recurso nº 01106/16, relativo a recurso que correu termos no Tribunal a quo, numa situação em tudo análoga à dos presentes autos (vide documento nº 6).
Com efeito e conforme resulta do artigo 5º nº 3 do CPC o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito pelo que se deve entender, conforme sustenta o MP, que o recurso deve ser admitido, ao abrigo do disposto no artigo 73.º 2 do RGCO, tendo em vista a melhoria da aplicação do direito e a uniformidade da jurisprudência.
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3.2. No presente recurso a FP recorre da sentença de 16/12/2016 (fls. 32/34), proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que a condenou em custas processuais.
A questão controvertida foi já apreciada neste STA nos referidos acórdãos de 24-02-2016, recurso 01408 e 23-11-2016, recurso 01106.
Acompanhamos o caminho que os mesmos trilharam e por inexistirem motivos para dos mesmos divergir transcreveremos o conteúdo deste último que foi proferido sobre sentença do mesmo tribunal.
Neste se escreveu que:

6. Do objecto do recurso
Como se constata das alegações e respectivas conclusões a única questão objecto do recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida no segmento em que determinou a condenação em custas da Fazenda Pública.
A decisão recorrida julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT, anulou a decisão de aplicação da coima e condenou a Fazenda Pública em custas, que fixou em 2 UCs.
Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública argumentando que não teve, nem promoveu qualquer impulso processual nos autos tal como previsto no artº 6º, nº do RCP e que o Regime Geral das Contra-ordenações estabelece que dão lugar a pagamento de taxa de justiça as decisões judiciais desfavoráveis ao arguido (artº 93º, nº 3 do RGCO), o que não é o caso.
Mais argumenta que do artº 94º, nº 3 e 4 do RGCO resulta que as custas não imputadas ao arguido são suportadas pelo erário público.
6.1 Da responsabilidade da Fazenda Pública por custas nos processos de contra-ordenações tributárias.
Como é sabido, por força do disposto no art. 4º, nºs. 4 e 5, do citado Dec.Lei n.º 324/2003, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01.01.2004.
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas e sanções por contra-ordenações tributárias que, sendo um «meio processual tributário» (art. 101.º, alínea c), da LGT), não está incluído, actualmente, no conceito de «processo judicial tributário», pois deixou de estar incluído na lista de processos judiciais tributários que consta do art. 97.º, n.º 1, do CPPT.
Como sublinham Lopes de Sousa e Simas Santos (Ob. citada, pag. 458.) «embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela alínea q) do mesmo número), a comparação da lista que consta deste art. 97.º, com a que constava da norma equivalente do CPT (que era o art. 118.º, n.º 2, em que expressamente se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os «processos judiciais tributários»), revela inequivocamente que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de processo judicial tributário, opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no RGIT, de aplicar subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário o RGCO e a respectiva legislação complementar e não o CPPT, limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas».
Ora, em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a do art. 66.º do RGIT.
Dispõe aquele normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT).
Sucede que o n.º 6 do art. 4º do DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o RCPT, com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa.
Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele Decreto-Lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido artº 66º do RGIT, o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no RGCO para as contra-ordenações comuns, nomeadamente o disposto nos artigos 92.º a 94.º do RGCO. (Vide, neste sentido, Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4ª edição, pag. 458.).
Ora nos termos do nº 3 do artº 93º do RGCO, há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. E resulta também do nº 3 artº 94º do RGCO que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (nº 4 do mesmo normativo).
Em suma do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas (Neste sentido se decidiu também no Acórdão desta Secção de Contencioso Tributário citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto.).
Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66.º do RGIT e 94.º, nºs. 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contraordenação tributária, como o dos presentes autos, em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.
A decisão recorrida padece, pois, do erro de julgamento que lhe é imputado, pelo que não pode ser confirmada.”.
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Num processo de contraordenação tributária em que tenha sido anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Fazenda Pública em custas e, em substituição, determinar que o processo fica sem custas.
Sem custas.
Lisboa, 13 de dezembro de 2017. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.