Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01100/16
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
VENDA DE ACÇÕES
RETROACTIVIDADE
Sumário:I - As alterações introduzidas ao regime tributário das mais-valias mobiliárias pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho aplicam-se apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor (27 de Julho de 2010 – art. 5.º da Lei n.º 15/2010).
II - Nas mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação (artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS), sendo esse o momento relevante para efeitos de aplicação no tempo da lei nova, na ausência de disposição expressa do legislador em sentido diverso (artigos 12.º n.º 1 da LGT e do CC).
III - Sendo o rendimento anual para efeitos de IRS um facto complexo de formação sucessiva, na ausência de norma expressa em sentido diverso, poderá aplicar-se, sem retroactividade própria ou autêntica, a lei nova aos factos que o integram ocorridos a partir da sua entrada em vigor (artigo 12.º n.º 2 da Lei Geral Tributária).
Nº Convencional:JSTA000P22587
Nº do Documento:SA22017112201100
Data de Entrada:09/30/2016
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão proferida pelo TAF de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., melhor identificado nos autos, contra a liquidação adicional de IRS, do período de tributação de 2010, no valor de € 33.880.11.
Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«I. A Lei 15/2010 de 26/07 entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, introduzindo um novo regime de tributação das mais-valias mobiliárias, agravando, por um lado, a taxa prevista no art. 72.º n.º 4, CIRS em dez pontos percentuais, cifrando-se em 20%, e, por outro lado, revogando o art. 10º nº 2 e 4, CIRS, extinguindo assim a exclusão tributária vigente, relativa a mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas pelos seus titulares há mais de 12 meses.
II. Até 1997, uma lei fiscal seria inconstitucional apenas quando fosse imposto um grau de retroatividade tal que ousasse chocar a consciência jurídica e frustrando as expectativas fundadas dos contribuintes (cfr. neste sentido, por exemplo o parecer da comissão Constitucional nº 25/81, em pareceres da comissão Constitucional, 16ª Vol., p. 257; o Parecer nº 14/82, em Pareceres…, 19º Vol. P.183) Através deste critério subjetivo enunciou o Tribunal Constitucional por diversas vezes que, a retroatividade das leis fiscais seria constitucionalmente legítima sempre que não ferisse “de forma inadmissível ou intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela afetadas; ou que não trai de forma arbitrária e injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência das factos que os geraram.” (Cfr. o Acórdão do Tribunal nº 11/83, em Acórdãos do Tribunal constitucional, 12 vol. p. 11; o Acórdão nº 141/85, em Acórdão..., 6º voI., p. 39; e ainda os Acórdãos nºs 409/89, 216/90, 410/95 e 1006/96, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional pt).
III. A partir de 1997, e formalizado que ficou na Constituição o princípio da não retroatividade em matéria fiscal, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (de ora em diante TC) tem vindo a entender, num processo contínuo de sedimentação que, o escopo da norma extraída do nº 3, do art. 103º CRP revela, não uma dimensão subjetiva, mas, tão só, objetiva.
IV. Porém, mesmo após introdução expressa deste princípio no texto constitucional, a sua concretização prestou-se (e presta-se) a sérias dificuldades de apreensão do seu alcance.
V. Como sustenta o prof. Alberto Xavier: “não basta afirmar que a lei fiscal não pode ser retroactiva, pois a concretização deste princípio envolve sérias dificuldades, atendendo a que se podem descortinar dentro dele diversos graus, sendo que, do ponto de visto constitucional, alguns são mais gravemente desvalorados do que outros” (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Lisboa 1974, p. 196 e segs; idem, “O problema da retroactividade das leis sobre imposto de renda”, in Textos Seleccionados de Direito Tributário, coord. de Sampaio Dória, São Paulo, 1983, p. 77 e segs. Mais recentemente cfr. Américo Fernando Brás Carlos, Impostos — Teoria Geral, 3 ed., Coimbra, 2010, p. 142 e segs).
VI. Na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional vazada dos acórdãos nº 18/2011 de 12 de janeiro e 0399/2010, não se produziram todos os efeitos relativos ao quantum tributário, designadamente, o apuramento do saldo, e outros, relativos à liquidação e pagamento dos impostos.
VII. O IRS caracteriza-se por ser um imposto direto e periódico que tributa os rendimentos das pessoas singulares. Este imposto, apesar de compartimentado por categorias ou tipos de rendimentos, assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que, o facto tributário complexo sujeito a imposto, só se estabiliza no fim do ano fiscal, em 31 de dezembro de cada ano.
VIII. É certo que o rendimento objeto da presente impugnação tem a sua incidência prevista no art. 10º, nº 1, alínea b), CIRS. Estamos, efetivamente, na presença de uma eventual mais-valia proveniente da alienação de valores mobiliários.
IX. Todavia, é decisivo que se vinque: que o que é tributado nesta categoria, não é a mais-valia potencial, mas o saldo apurado entre as mais e as menos valias realizadas no respetivo ano, nos temos do art. 43º, nº 1, do CIRS. Labor que, invariavelmente, só poderá ser realizado no fim do ano fiscal
X. No caso sub judice estamos na presença de um rendimento sujeito à taxa especial do art. 72º, nº 4, CIRS, pelo que a parcela de imposto só vem a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com os restantes rendimentos tributáveis em sede de IRS.
Xl. Cumpre ainda referir que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição se moldam de um modo coerente ao caráter anual do imposto. Estipula o artigo 45º, n.º 4, da LGT que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, e o artigo 48.º n.º 1, LGT determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.
XI Ora, se o facto tributário complexo só se forma no final de cada ano, e se, no caso concreto, a Lei 15/2010 já vigorava desde o dia 27/07/2010, de modo algum se mostra violado o disposto no art. 12.º, LGT.
XIII. A Administração Fiscal entende, à luz do douto acórdão prolatado pelo Tribunal Constitucional em 12 de janeiro, no recurso 18/2011, que o momento relevante é o do facto tributário complexo. Aquele que se forma não na data da alienação das participações sociais mas no momento em que o seu quantum se estabiliza com o apuramento do saldo. Até lá o que há é um juízo de mera potencialidade.
XIV. Sendo inolvidável que face à natureza dos impostos sobre o rendimento vigentes na nossa Ordem Jurídica Tributária, nem o IRS nem o IRC tributam mais-valias potenciais ou latentes.
XV. Quem defende que o facto tributário relevante é o da alienação da participação suporta-se não numa certeza, mas na pressuposição que vai haver ganho. Isto, só por si, é revelador da falta de autonomia que o facto tributário simples tem face ao facto tributário complexo, e, da prevalência que este assume perante o primeiro. Idiossincrasias difíceis de eliminar da lei fiscal, ou da interpretação que se faça dela.
XVI. A Fazenda Pública conclui, pois, contrariamente ao que foi entendido pelo douto tribunal a quo que a liquidação emitida nestes termos, situou-se não no plano da retroatividade autêntica, mas, no plano tipológico da paradigmática retrospetividade ou retroatividade impura
XVII. Pelo que, se à data do apuramento da mais-valia já vigorava a Lei 15/2010 de 27 de julho de 2010, então forçoso é concluir que a taxa aplicável é a que resulta da lei vigente e que foi aplicada na liquidação impugnada.
XVIII. A sentença recorrida ao assim não entender não fez correta apreciação da matéria de direito, impondo-se a sua revogação e substituição por decisão que, suportada na interpretação ora expendida julgue procedente o presente recurso e, consequentemente, improcedente os presentes autos de Impugnação Judicial.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.»
O recorrido, A…………….. veio apresentar as suas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«A) Em 02.07.2010, o Recorrido vendeu um conjunto de acções, tendo, em consequência, declarado no Anexo G à declaração de rendimentos referentes ao ano de 2010, a referida alienação, facto este que deu origem a uma mais-valia tributada pela Autoridade Tributária.
B) A Administração Tributária fez incidir sobre a referida mais-valia a tributação autónoma de 20% por aplicação do número 4 do artigo 72.º do CIRS na redacção que lhe foi dada nela Lei n.º 15/2010, de 26.07.
C) O Recorrido considerou que a taxa a aplicar à tributação da mais-valia deveria ter sido a taxa prevista no número 4 do artigo 72.º do CIRS na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 07.11, anterior à redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26/07.
D) A liquidação efectuada pela Administração Tributária padece de uma ilegalidade na medida em que implica a aplicação retroactiva da referida norma ao arrepio das regras de interpretação da lei aplicáveis.
E) O Tribunal recorrido confirmou essa ilegalidade e decidiu — bem, sublinhe-se — julgar totalmente procedente a impugnação judicial apresentada, determinando a anulação do acto tributário contestado na parte em que aplica a taxa especial de 20% aos rendimentos provenientes de mais-valias decorrentes da alienação onerosa dos valores mobiliários.
F) A Fazenda Pública defende que a liquidação tal como foi efectuada não é ilegal com base na tese de que a mais-valia realizada pelo Recorrido, no dia 02.07.2010, é um facto tributário de formação sucessiva, pelo que, se o facto tributário complexo só se forma no final de cada ano, e se, no caso em concreto, a Lei 15/2010 já vigorava desde o dia 27/07/2010, não foi violado o disposto no artigo 12.º da LGT.
G) A Fazenda Pública entende que, no caso sub judice, o facto tributário forma-se, não na data da alienação das participações sociais, mas no momento em que o seu quantum se estabiliza com o apuramento do saldo — pois até lá o que há é um juízo de mera potencialidade.
H) Entende, assim, que o que é tributado não é a mais-valia potencial mas o saldo apurado entre as mais e as menos valias realizadas no respectivo ano — o que só poderá ser realizado no fim do ano fiscal;
I) Conclui então erradamente que se à data do apuramento da mais-valia já vigorava a Lei n.°15/2010, de 26/07, então a taxa a aplicar é a que resulta da lei vigente e que foi aplicada na liquidação impugnada.
J) A tese apresentada pela Fazenda Pública assenta numa manifesta confusão conceptual entre o que é - o momento da verificação do facto tributário e - o momento do apuramento da matéria colectável — razão pela qual, não lhe assiste qualquer razão.
K) Porém, não se está, aqui, perante um facto tributário complexo de formação sucessiva mas antes perante um facto tributário instantâneo. Que se considera verificado na data da alienação.
L) Dispõe a alínea b) do número 1 do artigo 10.º do CIRS, na redacção vigente à data dos factos, que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de partes sociais incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia. (negrito e sublinhado nosso).
M) Dispõe, por sua vez, o número 3 do artigo do artigo 10.º do CIRS que, os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1. (sublinhado e negrito nossos).
N) A alienação onerosa das acções ocorreu em 02.07.2010, pelo que, é nessa data que se tem por verificado o facto tributário — e é essa data que releva para efeitos de a no tempo da lei nova.
O) Decorre do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 08-01-2014 no âmbito do processo n.º 1078/2012 que um dos princípios gerais da sua tributação é, desde logo, o princípio da realização isto é, só há tributação quando a mais-valia é realizada, quando o ativo é transacionado e que em sede de IRS, o art. 10.º, n.°1, aI. b) do Código insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de partes sociais e valores mobiliários, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa o facto gerador (sublinhados e negritos nossos)
P) O acto de compra e venda de acções configura um acto tributário de constituição única, instantâneo, que não se renova — antes, se esgotando nesse acto e tanto assim é que se prevê a possibilidade de tributar com uma taxa especial autónoma, diferente da taxa aplicável à generalidade dos restantes rendimentos englobados do sujeito passivo, a mais-valia, o ganho resultante desse acto.
Q) O Recorrido não fez a opção pelo englobamento deste rendimento, no Anexo G à sua declaração de rendimentos.
R) Não é, por isso, correcto considerar — como fez a Recorrente — que o momento relevante é o do facto tributário complexo. Aquele que se forma não na data da alienação das participações sociais mas no momento em que o seu quantum se estabiliza com o apuramento do saldo.
S) Este entendimento não é afastado pelo facto do rendimento colectável corresponder ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme decorre do artigo 43.º do CIRS.
T) Não deve confundir-se o facto gerador do imposto com o processo de determinação do rendimento colectável.
U) Conforme explica o referido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 08-01-2014 no âmbito do processo n.º 1078/2012, nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais, o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria colectável sobre a qual vai incidir a taxa especial ou que vai ser englobada aos rendimentos das demais categorias (sublinhados e negritos nossos).
V) Assim, bem andou o Tribunal recorrido em considerar que a operação de agregação das mais-valias e menos-valias é apenas uma das etapas do cálculo do Imposto, não possuindo a virtualidade de alterar a natureza do facto tributário.
W) Uma vez que os ganhos, qualificados como mais-valias, resultantes da alienação onerosa das acções realizada pelo Recorrido, se consideram obtidos no momento da prática do acto da alienação, é esse, o momento relevante para efeitos de determinação da aplicação no tempo Ia Lei n.º 15/2010 de 26/07;
Y) A Lei n.º 35/2010, de 26/07 veio, no que interessa para os presentes autos, introduzir uma alteração ao regime de tributação das mais-valias mobiliárias, agravando a taxa prevista no número 4 do artigo 72.º do CIRS, a qual, passou de 10% para 20%;
Z) Tendo estabelecido expressamente a data da sua entrada em vigor: o dia seguinte ao da sua publicação, nada mais estabelecendo quanto à sua aplicação no tempo, pelo que apenas se aplica aos factos tributário ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor;
AA) Sendo a Lei absolutamente omissa quanto a regras específicas sobre a sua aplicação no tempo, impunha-se, assim, aplicar a regra geral que rege a aplicação da lei fiscal no tempo plasmada no artigo 12.º da Lei Geral Tributária;
BB) Dispõe o número 1 do artigo 12.º da LGT que As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos, sendo este a tradução do princípio constitucional da irretroactividade da lei fiscal ínsito no número 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa;
CC) A alteração operada ao número 4 do artigo 72.° do CIRS pela Lei n.º 15/2010, de 26/7, no sentido de tributar à taxa de 20% as mais-valias mobiliárias, apenas pode valorar para o futuro ou seja apenas pode ser aplicada a factos tributários ocorridos após a sua entrada em vigor;
DD) Se a Lei n.º 15/2010, de 26/07 ainda não estava em vigor na data da alienação onerosa das acções do Recorrido (02.07.2010), não poderia a Autoridade Tributária aplicar a taxa que aplicou — o que consubstancia uma aplicação manifestamente retroactiva das alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010.
EE) Bem andando o Tribunal recorrido ao decidir que, entrando a nova Lei em vigor em data posterior à da verificação do facto tributário — que ocorreu em 02.07.2010 — a taxa a aplicar ao caso sub judice é de 10%, determinando assim a anulação do acto tributário na parte em que aplica a taxa especial de 20%;
FF) O Recorrido não efectuou qualquer outra alienação onerosa de partes sociais após o dia 02.07.2010, pelo que, esse saldo é o que resulta de operações exclusivamente praticadas antes da entrada em vigor da nova redacção do mencionado número 4 do artigo 72.º do CIRS;
GG) Assim, tendo o facto ocorrido antes da entrada em vigor da alteração legislativa, a Administração Tributária ao tributar as mais-valias realizadas pelo Recorrido à taxa de 20%, e não atender a que a sua alienação ocorreu na totalidade no dia 02.07.2010 — ou seja, antes de 27.07.2010 — é manifesto que aplicou retroactivamente as alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26/07, tratando-se de retroactividade autêntica constitucionalmente vedada pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República;
HH) No sentido adoptado pelo Tribunal recorrido e, portanto, defendido pelo Recorrido, se decidiu também em Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo proferidos em 20-05-2015, no âmbito do processo n.º 13/15 e em 16-09-2015, no âmbito do processo n.º 1292/14 e muito recentemente no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 13-04-2016 no âmbito do processo n.º 376/15, no qual inclusivamente se conclui que tal entendimento constitui jurisprudência consolidada,
II) Também o princípio da segurança jurídica limita o legislador na edição de normas fiscais retroactivas, desfavoráveis ao contribuinte, constituindo uma marca indelével de um Estado de Direito, como salvaguarda dos cidadãos face aos poderes dos entes públicos, e do qual encontramos tradução no artigo 12.° da LGT;
JJ) No caso em apreço, é manifesto que o Recorrido não poderia razoavelmente contar com a alteração concretizada pela Lei n.º 15/2010, pelo que, é inadmissível, ante o princípio do Estado de Direito Democrático, uma afectação das suas legítimas expectativas;
KK) Mesmo que se admitisse que estamos perante um facto tributário complexo de natureza sucessiva — o que não se concede e apenas por mera cautela de raciocínio se considera - sempre deveria ser tomado em conta o disposto no número 2 do artigo 12.° da LGT que dispõe que Se o facto tributário for deformação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor;
LL) Pelo que, mesmo nesse caso, a tributação à taxa de 20% só se aplicaria às mais-valias obtidas no período decorrido a partir de 27.07.2010 e o Recorrido não efectuou qualquer outra alienação onerosa de partes sociais após o dia 02.07.2010
MM) A Sentença não violou qualquer preceito legal, sendo, assim e em consequência, merecedora de ser mantida na ordem jurídica, como decorrência da improcedência do recurso.»
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Sintra de 12.04.2016 que julgou totalmente procedente a impugnação, determinando a anulação do acto impugnado “na parte em que aplica a taxa especial de 20% aos rendimentos provenientes de mais valias derivadas da alienação onerosa de valores mobiliários, sendo de corrigir os juros compensatórios apurados face à consideração do retardamento parcial da liquidação de imposto devido por aplicação da de 10% àqueles rendimentos de mais-valias”.
Tal como a recorrente configura o recurso controvertida à a questão de saber se a alteração ao regime da tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários operada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, apenas se aplica às alienações que ocorram após a entrada em vigor daquela Lei ou se, pelo contrário, se aplica ao saldo final das mais valias geradas ao longo de todo o ano de 2010, e assim também às alienações que ocorreram antes da sua entrada em vigor.
A questão assim colocada convoca a questão prévia de saber se nas mais-valias mobiliárias o facto tributário ocorre no momento da alienação ou apenas no final do ano, no momento do apuramento do respectivo saldo.
Segundo a Recorrente, “o momento relevante é o do facto tributário complexo. Aquele que se forma não na data da alienação das participações sociais mas no momento em que o seu quantum se estabiliza com o apuramento do saldo”; “o facto tributário complexo só se forma no final de cada ano” (c Conclusões X e XIII).
Contudo, é pacífica a jurisprudência deste STA no sentido de que os ganhos decorrentes da alienação onerosa de participações sociais se consideram obtidos no momento da alienação; que “o facto tributário nasce e esgota-se no momento autónomo e completo da alienação e da realização das mais-valias, sendo, por isso, um facto tributário instantâneo e não um facto tributário complexo de formação sucessiva ao longo de um ano, pese embora o valor a considerar para a determinação da base tributável para efeitos de IRS seja o correspondente ao saldo anual apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano” (cfr. o douto Ac. do Pleno de 26.10.2015 — Proc. n.º 1292114; no mesmo sentido os doutos Acs. do Pleno de 18.05.2016 — Proc. 0784/15 e do STA de 04.12.2013, 08.01.2014 e de 2005.2015, in Procs. 01582/13, 01078/12 e 013/15, respectivamente). E é essa a doutrina que, em meu entender, melhor se e harmoniza com o quadro legal aplicável e para a qual o texto da norma (art. 12.º da LGT e arts. 10.º e 43°, ambos do CIRS), ponto de partida da actividade interpretativa, mais fortemente aponta.
De facto, em matéria de incidência, o que dispõe o art. 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS é que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que (...) resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”, dispondo o n.º 3 do preceito que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, (…)“, ou seja, no momento da alienação. Por outro lado, embora a existência de mais-valias esteja condicionada à verificação de um saldo positivo entre estas e as eventuais menos-valias esse saldo mais não é do que o resultado de uma mera operação de determinação da matéria colectável no que se reporta aos rendimentos resultantes de mais- valias. Ora, o momento da verificação do facto tributário tem que ser aferido à luz da norma de incidência e o art. 43.º do CIRS não é uma norma de incidência, estando incluído no âmbito do CIRS, no Capítulo II, referente à determinação do rendimento colectável.
Assim, uma vez que a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, nada estabeleceu quanto à sua aplicação no tempo, salvo a menção da sua entrada em vigor no dia seguinte ao da publicação (art. 5°), será de entender, como se entendeu na jurisprudência citada, que a alteração ao regime da tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários operada por essa Lei, apenas se aplica às alienações que ocorram em data posterior à sua entrada em vigor, em conformidade com o disposto no art. 12º, n.º 1 da LGT.
No caso, como resulta do probatório, os factos geradores das questionadas mais-valias ocorreram em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 15/2010.
Nesta conformidade e na linha do parecer do MP de fls. 133 e 134 e da sentença recorrida, pronuncio-me pela total improcedência do presente recurso e, em consequência, pela manutenção do julgado.
É o meu parecer.»

2 - Fundamentação
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 02 de Julho de 2010, o Impugnante vendeu um conjunto de acções à sociedade B…………. — S.G.P.S., SA (cfr. artigo 7.° da p.i., admitido por acordo, e contrato de compra e venda, a fls. 24 a 57, dos autos);
2. No dia 09 de Abril de 2012, o Impugnante entregou uma declaração de substituição modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2010, na qual corrigiu o valor do ganho obtida na alienação onerosa das partes sociais referidas supra (cfr. declaração n.º 3654-J3669-13, a fls. 18 a 23, dos autos);
3. No anexo G da declaração identificada no ponto n.º 2 do probatório, o Impugnante indicou, designadamente, rendimentos provenientes de alienação onerosa de acções da qual consta um valor de realização no montante de € 225.882,88, o qual havia sido adquirido no mesmo mês, pela importância de € 29.261,76, tendo suportado os respectivos encargos inerentes à venda, no montante de € 14.756,12 (cfr. anexo G da declaração, a fls. 21 dos autos);
4. Com base na declaração identificada nos pontos n.ºs 2 e 3 do probatório, no dia 17 de Abril de 2012, os serviços da Administração Tributária efectuaram uma liquidação adicional de imposto, no valor de € 33.880,11, a pagar pelo Impugnante, a qual compreendia uma tributação autónoma relativa àquela mais — valias, no montante de € 36.373,00 e de juros compensatórios no valor de € 524,20 (cfr. liquidação de IRS n.º 2011 5004663793, a fls. 21 dos autos);
5. Na liquidação identificada no ponto anterior estão incluídas tributações autónomas à taxa especial de 20%, por aplicação do n° 4, do art° 72°, do CIRS, na redacção introduzida pela Lei n° 15/2010, de 26.07. (cfr. liquidação de IRS, a fls. 21 e art°s 28° a 34° da Informação prestada pelos serviços, de fls 108 a 118, dos autos);
6. No dia 5 de Setembro de 2012, o Impugnante enviou ao Tribunal a presente impugnação judicial (cfr. registo dos CTT aposto na pi, a fls. 2 dos autos);
3- Do Direito:
Para se decidir pela procedência da impugnação considerou a decisão sob recurso a seguinte fundamentação jurídica que se apresenta por extracto.
(…) A questão que cumpre a este Tribunal solucionar, consiste em determinar qual a taxa a aplicar às mais-valias mobiliárias obtidas pelo impugnante com a alienação onerosa de acções.
Para o Impugnante, essa taxa é de 10%, em conformidade com o art. 72.º, n.º 4 do Código do IRS (CIRS), na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 07.11.
Para a Fazenda Pública, a taxa é de 20%, nos termos do art. 72.º, n.º 4 do CIRS, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 15/2010, de 26.07.
Cumpre, por isso, apreciar e decidir
No caso sub judice, está em causa a problemática da aplicação da lei tributária no tempo.
Como é sabido, nos termos do art. 103.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) “pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
Esta norma da Lei Fundamental consagra assim o princípio da proibição retroactividade da lei fiscal.
De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, este princípio abrange apenas a chamada retroactividade “própria” ou “autêntica”, proibindo a aplicação de uma lei fiscal nova, desfavorável, a um facto tributário ocorrido totalmente durante a vigência da lei fiscal anterior (vide Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, Vol. 1, 1974, Lisboa, págs. 190 e seguintes; José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 6.ª edição, 2010, Almedina, pág. 144 a 147; e, entre outros, acórdãos do TC n.º 128/2009, de 12.03.2009, n.º 85/2010, de 03.03.2010, n.º 399/10, de 27.10.2010, e n.º 310/2012, de 20.06.2012).
Este tipo de retroactividade é sempre proibida, não sendo necessário tecer quaisquer outas considerações.
Já a retroactividade “imprópria” ou “inautêntica”, a qual compreende os casos em que a lei fiscal nova se aplica a factos tributários que ainda não se tenham completado durante a vigência da lei fiscal anterior, e a “retrospectividade” ou “não retroactividade”, que se refere a factos tributários totalmente novos mas que assentam num contexto anterior, apenas são proibidas se violarem o princípio da tutela da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art. 2.º da CRP (vide Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, Vol. 1, 1974, Lisboa, págs. 190 e seguintes; José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 6ª edição, 2010, Almedina, pág. 144 a 147; e, entre outros, acórdãos do TC n.º 128/2009, de 12.03.2009, e 85/2010, de 03.03.2010).
Para que se considere violado este princípio é necessário que estejam reunidos dois pressupostos essenciais: por um lado, que sejam afectadas de forma inadmissível as legítimas expectativas dos destinatários da lei fiscal nova e, por outro lado, que a introdução da lei fiscal nova na ordem jurídica não seja ditada por um interesse público prevalecente, o que implica uma ponderação cuidada, à luz do princípio da proporcionalidade, previsto no art. 18.º, n.º 2 da CRP (vide, entre outros, acórdãos do TC n.º 287/90, de 30.10.1990, e n.º 85/2010, de 03.03.2010).
Sobre a aplicação da lei tributária no tempo rege, igualmente, o art. 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), o qual estabelece o seguinte:
“1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor; não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2 - Se o facto tributário for deformação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.
3 - Às normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.
4 - Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária.”
Como se pode constatar, este artigo concretiza, no plano infra-constitucional, os princípios da proibição da retroactividade da lei fiscal e da protecção da confiança.
Com efeito, o art. 12.º, n.º 1 da LGT limita-se a reiterar o disposto no art. 103.º, n.º 3 da CRP, proibindo a aplicação de uma lei fiscal nova, desfavorável, a factos ou situações ocorridas no passado.
O art. 12.°, n.º 2 da LGT estabelece a tributação em conformidade com o método “pro rata temporis”, o qual é de aplicar apenas aos casos em que é possível o fraccionamento de um facto tributário de formação sucessiva.
O art. 12.º, n.ºs 3 e 4 da LGT determinam que as normas de natureza procedimental ou processual são, em regra, de aplicação imediata, excepto quando desenvolvam as normas de incidência tributária, caso em que só podem ser aplicadas nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 anteriormente analisados (vide António Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária, Anotada, 2001, Rei dos Livros, págs. 88 a 94; José Maria Fernandes Pires, Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 2015, Almedina, págs. 101 a 112; Miguel Camelo, in LGT, colectânea de Códigos Anotados & Comentados, 2015, Lexit, págs. 36 a 43).
Vejamos então.
Do elenco dos factos provados retira-se que o impugnante vendeu um conjunto de acções à sociedade B………… — S.G.P.S., SA, no dia 02 de Julho de 2010 (cfr. ponto n.º 1 do probatório).
Ora, de acordo com o art. 10.º, n.º 1, al. b) do CIRS constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da “alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia” (redacção vigente à data dos factos).
Para além disso, nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal “os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1 …”.
Perante a leitura conjugada das normas anteriormente transcritas, constata-se que, neste tipo de rendimentos, o facto tributário considera-se verificado na data da alienação.
Com efeito, é nessa data que o sujeito passivo de imposto obtém um ganho, o qual é medido pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição das acções alienadas, acrescido das despesas com a respectiva alienação, nos termos dos arts. 10.º n.º 4, al. a) e 51.°, al. b) do CIRS.
Deste modo, trata-se de um facto tributário de natureza instantânea, que nasce e esgota-se no preciso momento da alienação.
Este entendimento não é afastado pelo facto do IRS ser um imposto de natureza periódica, o qual renova-se anualmente, em conformidade com o art. 1.º, n.º 1 do CIRS.
Isto porque os rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS encerram em si realidades muito distintas, contrapondo-se os rendimentos regulares, que têm na sua origem uma fonte produtiva (rendimento-produto), aos rendimentos irregulares, que constituem um acréscimo de capacidade contributiva obtida sem esforço ou por acaso da sorte (rendimento-acréscimo).
As mais-valias constituem, precisamente, o exemplo paradigmático deste último tipo de rendimentos, reflectindo o desejo do legislador em alcançar a justiça tributária, conforme expresso no preâmbulo do CIRS.
Este entendimento não é, igualmente, afastado pelo facto do rendimento colectável corresponder ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, em conformidade com o art. 43.º, n.º 1 do CIRS.
Com efeito, a operação de agregação das mais-valias e menos- valias é apenas uma das etapas do cálculo do imposto, não possuindo a virtualidade de alterar a natureza do facto tributário (vide acórdão do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 26.10.2015, processo n.º 1292/14; e, acórdãos do STA, de 04.12.2013, processo n.º 01582/13, de 08.01.2014, processo n.º 01078/12, de 20.05.2015, processo n.º 013/15).
Posto isto, ficando assente a natureza do facto tributário que subjaz às mais-valias mobiliárias, resta determinar qual a taxa a que estão sujeitas.
De acordo com o art. 72.º, n.º 4 do CIRS, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 192/2005, de 07.11, “(o) saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e,) ,f), e g,) do n.º 1 do artigo 10.º é tributado à taxa de 10%”.
Por sua vez, nos termos da mesma disposição legal, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26.07, “saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b.), e.), f.) e g.) do n.º 1 do artigo 10º é tributado à taxa de 20%”.
Nos termos do art. 5.° da Lei n.º 15/2010, de 26.07, a nova redacção do art. 72.°, n.º 4 do CIRS entrou em vigor no dia 27 de Julho de 2010.
Ora, considerando que o facto tributário ocorreu no dia 02 de Julho de 2010 e que a nova lei entrou em vigor em data posterior, conclui-se que a taxa a aplicar ao caso sub judice é de 10%.
Admitir o contrário seria permitir a aplicação de uma lei fiscal nova, desfavorável, a um facto tributário que se verificou, na totalidade, durante a vigência da lei anterior, o que é absolutamente vedado pelo princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, consagrado no art. 103.°, n.º 3 da CRP e reproduzido pelo art. 12.º, n.º 1 da LGT.
Termos em que é procedente o pedido do Impugnante.
Dispositivo
Atento o exposto, a presente impugnação judicial é totalmente procedente, devendo proceder-se à anulação do acto tributário contestado na parte em que aplica a taxa especial de 20% aos rendimentos provenientes de mais-valias derivadas da alienação onerosa de valores mobiliários, sendo de corrigir os juros compensatórios apurados face à consideração do retardamento parcial da liquidação de imposto devido por aplicação da taxa de 10% àqueles rendimentos de mais-valias. — cfr artº 35º da LGT(…)”.

3- DO DIREITO:
DECIDINDO NESTE STA
No presente recurso questiona-se a decisão de 1ª Instância que considerou ilegal a liquidação de IRS efectuada, na consideração de que às mais valias geradas pela venda de acções em 02/07/2010 não se aplica a Lei 15/2010 de 26 de Julho.
A questão a decidir, é a seguinte: incidência de tributação de IRS sobre as mais-valias resultantes da alienação onerosa de acções antes da revogação do art.10° n°2 CIRS pelo art.2° Lei n° 15/2010, 26 Julho. Dito de outro modo, na fórmula expressa pelo Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, no seu parecer supra destacado: impõe-se saber se a alteração ao regime da tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários operada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, apenas se aplica às alienações que ocorram após a entrada em vigor daquela Lei ou se, pelo contrário, se aplica ao saldo final das mais valias geradas ao longo de todo o ano de 2010, e assim também às alienações que ocorreram antes da sua entrada em vigor.

Esta questão obriga ao esclarecimento/indagação sobre quando se verificou o facto tributário. Importa apurar se a mais-valia realizada no dia 02/07/2010 é ou não um facto tributário de formação sucessiva defendendo a recorrente que o mesmo continua a formar-se já na vigência da nova lei.
De modo diverso, o recorrido sustenta que não se está perante um facto tributário de formação sucessiva, mas antes perante um facto tributário que ocorreu anteriormente à entrada em vigor da nova lei.
O quadro legal:
Artº 1º do CIRS:
1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:
(…)
Categoria E - Rendimentos de capitais;

Artº 10º nºs 1, 2 e 3 do CIRS
Mais-Valias
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
(…)
b) Alienação onerosa de partes sociais, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, e de outros valores mobiliários e, bem assim, o valor atribuído aos associados em resultado da partilha que, nos termos do artigo 75.º do Código do IRC, seja considerado como mais-valia;
2 - (Revogado pelo artigo 2.º da Lei 15/2010, de 26/07). Antes tinha a seguinte redacção: Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de:
a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
b) (…)
3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato;
b) Nos casos de afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas.
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;
b) (…)
c) (…)
d) (…)
Artº 72º nº 4 do CIRS (versão em vigor até Março de 2010)
O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 10%. (Redacção do DL 192/2005, de 7 de Novembro - A vigorar a partir de 01.01.2006).
Artigo 72.º nºs 4 e 7 (Versão em vigor de Abril a Junho/2010)
Taxas especiais
4 - O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 10%. (Redacção do DL 192/2005, de 7 de Novembro - A vigorar a partir de 01.01.2006)
7 - Os rendimentos previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português. (Redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, que produz efeitos desde 01/01/2009)

Artigo 72.º nºs 4 e 7 (Versão em vigor de Julho a Dezembro/2010)

Taxas especiais
4 - O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, é tributado à taxa de 20 %. (Redacção dada pelo artigo 1.º da Lei 15/2010, de 26/07)
7 - Os rendimentos previstos nos n.ºs 4, 5 e 6 podem ser englobados por opção dos respectivos titulares residentes em território português. (Redacção dada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09, que produz efeitos desde 01/01/2009)

A Lei 15/2010 de 26/07, foi publicada no DR, Série I, n° 143, desse dia, introduzindo um regime de tributação das mais-valias mobiliárias à taxa de 20% com regime de isenção para os pequenos investidores, para o que alterou o CIRS e o EBF.
Para o efeito, o seu artigo 1° deu nova redacção aos artigos 10, 43, 72, 119 e 123, do CIRS, aprovado pelo DL 442-A/88, de 30/11, passando o artigo 10° nº 11 a ter seguinte redacção: «(...) 11- Os sujeitos passivos devem declarar a alienação onerosa das acções, bem como a data das respectivas aquisições.(...)» . Por sua vez o n.º 4 do art. 72.º do mesmo código passou a prever que: “O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operaçoÞes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º é tributado à taxa de 20%”.

Para o mesmo efeito, o seu artigo 2° dispôs que «São revogados os n°s 2 e 12 do artigo 10º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n° 442-A./88, de 30 de Novembro.».
Para o mesmo efeito ainda, o seu artigo 5°, sob a epígrafe «Entrada em vigor», estatuiu que «A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.».

Da aplicação rectroactiva da lei fiscal:

Permitimo-nos sobre esta matéria citar o ac. deste STA de 04/12/2013 tirado no recurso nº 01582/13 no qual o ora relator interveio como 2º Juiz Adjunto. Ali se pode ler: “( …) O principio da proibição da retroatividade fiscal encontra-se consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição que dispõe que «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
Escreveu-se a respeito deste normativo no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 319/2012, que “Assim, para que o Estado possa cobrar um imposto ele terá que ser previamente aprovado pelos representantes do povo e terá que estar perfeitamente determinado em lei geral e abstrata, só assim se evitando que esse poder possa ser exercido de forma abusiva e arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de direito.
Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a tributação de atos praticados quando ela ainda não existia, sob pena de se permitir que o Estado imponha determinadas consequências a uma realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem que os seus atores tivessem podido adequar a sua atuação de acordo com as novas regras.
Esta exigência revela as preocupações do princípio da proteção da confiança dos cidadãos, também ele princípio estruturante do Estado de direito democrático, refletidas na vertente do princípio da legalidade, segundo o qual, a lei, numa atitude de lealdade com os seus destinatários, só deve reger para o futuro, só assim se garantindo uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o Estado.
É neste sentido que deve ser entendida a opção do legislador constituinte de, na revisão constitucional de 1997, consagrar no artigo 103.º, n.º 3, a regra da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável. Com esta alteração constitucional não se visou explicitar uma simples refração do princípio geral da proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda a atividade do Estado de direito democrático, mas sim expressar uma regra absoluta de definição do âmbito de validade temporal das leis criadoras ou agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a existência de um perigo abstrato de grave violação daquela confiança.
O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que esta proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais que produziram um agravamento da posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).”
Mais se note que a propósito da aplicação da lei tributária no tempo rege o art. 12.º da Lei Geral Tributária entre o mais que,
“1. As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2. Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.”
Tecidas estas considerações vejamos se na situação dos autos ocorreu a aplicação do retroativa das alterações ao CIRS introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.
Para isso importa que, previamente, se analise o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e especificamente a tributação das mais-valias mobiliárias em sede de IRS.
A respeito do IRS, no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 399/10 deu-se conta que “O IRS caracteriza-se, em primeiro lugar, por ser um imposto directo, em que se tributam os rendimentos das pessoas singulares. Este imposto assenta em factos tributários de formação sucessiva, sendo que o facto tributário sujeito a imposto só está completo no último dia do período de tributação. O facto tributário que dá origem ao imposto é, pois, complexo.
A configuração do elemento temporal do facto tributário é, no IRS, duradoura, pelo que se trata de um imposto periódico. Ou seja, a relação jurídica fonte da obrigação de imposto tem na sua base situações estáveis que se prolongam no tempo.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do CIRS, “o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos”. Ou seja, trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si (embora a retenção na fonte possa, por vezes, obnubilar esta realidade), mas sim o englobamento de todos os rendimentos recebidos num determinado ano. O que significa que só no final do ano de 2010 se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere.
Acresce ainda que as normas relativas à caducidade do direito à liquidação e à prescrição apontam igualmente no sentido do carácter anual do imposto. Assim, o artigo 45.º, n.º 4, da LGT estabelece que nos impostos periódicos o prazo de caducidade se conta a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e o artigo 48.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, determina que as dívidas tributárias prescrevem nos impostos periódicos, no prazo de oito anos, contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Quer dizer, para efeitos de caducidade do direito à liquidação e de prescrição cada facto gerador de rendimento individualmente considerado não é por si só considerado um facto tributário autónomo.”
No que se reporta às mais-valias estas constituem aumentos inesperados do valor dos ativos patrimoniais, não sendo por definição um rendimento-produto, por não constituírem a contrapartida da participação na atividade produtiva (cf. neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 379).
Um dos princípios gerais da sua tributação é, desde logo, o princípio da realização, isto é, só há tributação quando a mais-valia é realizada, quando o ativo é transacionado, excluindo-se de tributação os aumentos de valor dos ativos que não tenham sido objeto de alienação onerosa. O que se justifica por razões de dificuldades administrativas, as dificuldades de liquidez e a dificuldade de compreensão da tributação de meros paper gains.
Em sede de IRS, o art. 10.º, n.º 1, al. b) do Código insere no campo de incidência da tributação as mais-valias de partes sociais e valores mobiliários, sendo que esta incidência supõe a realização da mais-valia, ou seja, a sua alienação onerosa. E é esta alienação onerosa o facto gerador (vd. José Guilherme Xavier de Basto, IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397).
Como escreve José Guilherme Xavier de Basto (in IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, p. 397 e 427) “No que respeita ao momento em que o imposto é exigível […] rege o n.º 3 do artigo 10.º, que estabelece, como regra geral, que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1”. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento do ato que “realiza” a mais-valia. Dir-se-á, em termos gerais, que o momento relevante é, pois, o da alienação do activo em que se apuraram mais-valias tributáveis, ou operação a ela equiparada.”. Daqui resulta que, em geral (opostamente ao que sucede na alínea b) deste normativo), a exigibilidade do imposto coincide com o momento em que se verifica o seu facto gerador.
Quanto ao seu regime fiscal, no caso das mais-valias mobiliárias ele passa pela não obrigatoriedade do englobamento das mais-valias tributáveis (72.º, n.º 7 do CIRS) e pela tributação a uma taxa especial (art. 72.º, n.º 4 do CIRS). E nos termos do art. 43.º, n.,º 1 do CIRS o que se tributa nas mais-valias é “o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano”.
Assim, optando pelo englobamento os rendimentos de mais-valias (ou melhor o saldo entre mais-valias e menos-valias) serão adicionados aos demais rendimentos para que sejam tributados pela globalidade às taxas gerais aplicáveis à situação particular, em função da totalidade dos rendimentos englobados. Não optando pelo englobamento a mais-valia apurada é sujeita a tributação a uma taxa especial.(…)”.Fim de citação.


Ora, no caso dos autos estão em causa mais-valias provenientes da transacção de participações sociais sendo o facto gerador do imposto a sua alienação onerosa. A nosso ver e tal como se decidiu no acórdão supra referenciado estamos perante um facto tributário de formação instantânea que se esgota na realização da mais-valia (O imposto de mais – valias já era tido como de obrigação única - cf. Ac. do STA de 18.1.1995, P. 18287).
Trata-se, como se refere no citado acórdão deste STA, de 04/12/2013, de uma situação semelhante às tributações autónomas em sede de IRC, onde se concluiu que “o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação [...]” [cf. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 310/2012].
Com efeito, também nas mais-valias resultantes da alienação de participações sociais o tributo incide sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, surgindo o facto gerador do tributo isolado no tempo. Simplesmente há uma consolidação anual das mais-valias e menos-valias para efeito de apuramento da matéria colectável, sobre a qual vai incidir a taxa especial ou que vai ser englobada aos rendimentos das demais categorias.
A similitude com as situações de tributação autónoma é ainda maior quando, o contribuinte não opta pelo englobamento, já que aqui ocorre verdadeiramente uma tributação separada, por aplicação de uma taxa fixa (vd. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS; Almedina, 2.ª edição, p. 171). Ou seja, a taxa vai ser aplicada ao saldo anual, não havendo qualquer influência da grandeza desse saldo na determinação da taxa.
Tendo em conta que a “(…) a linha demarcadora do âmbito da retroactividade fiscal constitucionalmente admissível passará, desde logo, pela distinção entre situações tributárias «permanentes» e «periódicas» e «factos» cuja eficácia fiscal se esgota ou se firma «instantaneamente», para cada um deles «de per si» (maxime, pela distinção entre «impostos periódicos» e «impostos de obrigação única»), e passará provavelmente, depois, no que concerne àquele primeiro tipo de situações, pela distância temporal que já tiver mediado entre o período de produção dos rendimentos e a criação (ou modificação) do correspondente imposto. Isto, de todo o modo, sem prejuízo do relevo de outras circunstâncias, cujo possível peso não poderá ignorar-se.” (Cfr. Cardoso da Costa, "O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal", in Perspetivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição, Vol. II, Coimbra, 1997, p. 418).
Entendemos pois, como se defendeu no aresto a que vimos fazendo referência, que no caso da tributação das mais-valias estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, sem prejuízo de a matéria coletável ser apurada anualmente. É que nos termos do n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS os ganhos, qualificados como mais-valias, resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários, consideram-se obtidos no momento da prática do acto de alienação destes, sendo esse, pois, o da alienação (e não o do apuramento da matéria colectável, da declaração, da liquidação, ou outro) o momento relevante para efeitos de determinação da aplicação no tempo da lei nova quando esta não disponha em sentido diverso. Ora, a Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, como se disse não estabeleceu nenhum regime transitório estabelecendo apenas que entraria em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. o seu artigo 5.º), razão pela qual se deve entender, em conformidade com o disposto no n.º 1 dos artigos 12.º da Lei Geral Tributária e do Código Civil, que as alterações por ela introduzidas ao regime tributário em IRS das mais-valias mobiliárias se aplicam apenas aos factos tributários ocorridos em data posterior à sua entrada em vigor.

Face ao exposto vejamos, então, se ocorreu a aplicação retroactiva das alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho.

A Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação, não estabelecendo nenhum regime transitório.
Com a revogação do art. 10.º, n.º 2 do CIRS passaram, então, a estar também abrangidas pela norma de incidência, portanto não excluídas de tributação, as mais-valias obtidas com a alienação onerosa de participações sociais ainda que detidas há mais de doze meses.
Ou seja, eliminou-se a não sujeição tributária (art. 3.º, n.º 2 do EBF) prevista naquele art. 10.º, n.º 2 do CIRS (na redação anterior à Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho).

Ora, considerando que o facto tributário ocorre à data da realização da mais-valia, ou seja, no momento da sua alienação, a Administração Tributária ao tributar a totalidade do saldo anual das mais-valias e mais-valias realizadas pela Impugnante à taxa de 20%, e ao não atender a que a sua alienação ocorreu na totalidade antes de 26 de Julho de 2010 e que as mesmas já eram detidas, à data da sua alienação, há mais de 12 meses é manifesto que aplicou retroactivamente as alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, tratando-se de retroactividade autêntica constitucionalmente vedada pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República.
Assim, está vedada a eficácia retroactiva às alterações introduzidas pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, desde logo no que respeita à revogação da não sujeição tributária prevista no art. 10.º, n.º 2 do CIRS quanto às mais valias ditas de longo prazo, por as participações sociais serem detidas há mais de 12 meses como sucede no caso dos autos.

A título complementar deixamos expresso que, ainda que fosse de aceitar entendimento da AF de que estamos perante um facto jurídico-fiscal complexo de natureza sucessiva, sempre deveria ser tomado em conta o art. 12.º, n.º 2 da LGT o qual dispõe que: “se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”. Ou seja, apenas podia ser tributado à taxa de 20% o saldo entre as mais-valias e menos-valias relativo ao período decorrido a partir de 27.7.2010, (alienação que no caso dos autos inexiste) sendo o saldo relativo ao período anterior a essa data tributado à luz das regras vigentes antes da entrada em vigor da lei nova – isto é, excluindo de tributação a alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses e tributando a alienação de acções detidas pelo seu titular durante menos de 12 meses à taxa de 10%.
Em apoio da linha de orientação defendida supra para além do acórdão do STA de 04/12/2013, podemos ver ainda o ac. do STA de 06/07/2011 tirado no recurso 0281/11 o qual embora verse sobre distinta matéria de facto aborda as questões da não retroactividade da lei fiscal em fundamentação muito elucidativa e esclarecedora. E, mais recentemente os acórdãos deste STA de 08/01/2014; 20/05/2015; 13/04/2016 e 07/06/2017 (este do Pleno da Secção) tirados respectivamente nos recursos nºs 01078/12; 013/15; 0376/15 e 014/71 sendo que o primeiro e último destes acórdãos mais recentes foram relatados pelo ora relator.
Por tudo o que ficou dito consideramos, que nenhuma censura merece a sentença recorrida, a qual deve ser confirmada.

4- Decisão -
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 22 de Novembro de 2016. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Dulce Neto.