Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01292/20.4BEBRG
Data do Acordão:02/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO
Sumário:A atuação e defesa do princípio da especialização dos exercícios/regime de periodização económica deve ser conciliada com a operância de outros primados, atuantes ao nível da disciplina jurídica global dos tributos, norteadores da atividade da autoridade tributária e aduaneira (AT), particularmente, os princípios da legalidade e da justiça, objetivando o melhor equilíbrio, possível, entre os respetivos domínios, de molde a obter um resultado justo, capaz de, por um lado, defender o interesse público da obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades e, por outro, respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos.
Nº Convencional:JSTA000P30542
Nº do Documento:SA22023020801292/20
Data de Entrada:11/16/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:I... – COMÉRCIO, IMOBILIÁRIA, TRANSPORTES E CONSTRUÇÃO, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, em 28 de abril de 2022, que julgou procedente impugnação judicial ( “e, consequentemente, anulo(u) o acto de indeferimento da reclamação graciosa.”.), apresentada por I... – Comércio, Imobiliária, Transportes e Construção, Lda., …, visando “despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa nº 0450202004000200, a qual havia sido deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) nº 2019.2310294714 (e correspondente liquidação de juros de mora), relativa ao exercício de 2018, com saldo a pagar de 287.098,55 €”.

A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «

I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida no âmbito da impugnação judicial supra identificada, que teve por objeto o despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa nº 0450202004000200, a qual havia sido deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) nº 2019.2310294714 (e correspondente liquidação de juros de mora), relativa ao exercício de 2018, com saldo a pagar de 287.098,55 €.

II. Tendo por base a factualidade dada como provada nos pontos A a N do probatório, o Tribunal “a quo”, chamou à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 05-12-2018, proferido no processo nº 0220/11, cuja fundamentação acolheu, tendo julgado procedente a impugnação judicial, concluindo o seguinte:

Nestes termos, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ao ter considerado que, por força do princípio da especialização dos exercícios, a resolução do contrato de compra e venda apenas se poderia reflectir no exercício de 2020, enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito, e, por conseguinte, terá que ser anulada, ficando prejudicado o conhecimento do outro fundamento da presente impugnação.

III. Não pondo a FP em causa os factos dados como provados, não pode, no entanto, concordar com as conclusões a que o Tribunal “a quo” chegou na douta sentença recorrida face aos mesmos, e que determinou a procedência da presente impugnação judicial, pelos motivos que se passam a expor:

IV. Conforme resulta dos factos dados como provados nos pontos E) e F) do probatório, a Impugnante dirigiu à AT um pedido de informação vinculativa acerca da situação fática em causa nos autos e, relevada nos pontos B) e C) do probatório, tendo a mesma sido emitida, com o teor que consta no ponto F) do probatório, que se transcreve:

F) Na sequência do pedido referido na alínea anterior, a AT emitiu a informação vinculativa solicitada, de cujo teor se destaca o seguinte:

12. Ora, para efeitos fiscais, o facto de a propriedade plena só ser transmitida posteriormente, com a satisfação integral do preço, não altera o critério de reconhecimento do rédito, pelo que será o momento da entrega material do bem que relevará para efeitos de periodização económica.

13. Assim, no caso concreto, tendo o imóvel em causa sido entregue na data da assinatura da escritura de compra e venda, isto é, em 17-01-2018, o rédito da venda do imóvel deve ser imputado na sua totalidade ao período de tributação de 2018, independentemente do valor recebido pela I... nesse período.

14. Mais se informa que qualquer facto tributário que decorra da entrada no tribunal, até 31 dezembro de 2018, da ação judicial de resolução do contrato, deve ser refletido no período de tributação de 2018.

15. Importa ainda referir que, em conformidade com a IES relativa ao período de 2017, as demonstrações financeiras da I... são preparadas de acordo com a Norma Contabilística para Microentidades (NC-ME).

16. Ora, a NC-ME não contempla uma disposição específica aplicável aos acontecimentos após a data do balanço, não estando também prevista a aplicação supletiva de outras normas.

17. Assim, caso a escritura de distrate ocorra entra 1 de Janeiro 2019 e 31 de março 2019, os ajustamentos contabilísticos que decorram desse acontecimento devem ser refletidos no período de 2019, sendo relevantes fiscalmente, nos termos do CIRC, também nesse período.

CONCLUSÃO

O rédito da venda do imóvel objeto do contrato de compra e venda com reserva de propriedade celebrado entre a I... (na qualidade de vendedor) e a P... (na qualidade de comprador) deve ser imputado na sua totalidade ao período de tributação de 2018, independentemente do valor recebido nesse período, em conformidade com o n.º 1, alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do art.º 18.º do CIRC.

Mais se informa que qualquer facto tributário que decorra da entrada no tribunal, até 31 dezembro de 2018, da ação judicial de resolução do contrato, deve ser refletido no período de 2018.

Sendo as demonstrações financeiras da I... preparadas de acordo com NC-ME, a qual não contempla uma disposição especifica aplicável aos acontecimentos após a data do balanço, nem a aplicação supletiva de outras normas, caso a escritura de distrate ocorra entre 1 de janeiro 2019 e 31 de março 2019, os ajustamentos contabilísticos que decorram desse acontecimento devem ser refletidos no período de 2019, sendo relevantes fiscalmente, nos termos do CIRC, também nesse período.

V. A decisão de indeferimento da pretensão da contribuinte, ora recorrida, proferida na reclamação graciosa que deduziu, sindicada nos presentes autos de impugnação judicial, tem subjacente o entendimento veiculado através da citada informação vinculativa emitida para a situação sub iudice a solicitação da contribuinte, ora recorrida, a que a AT (e esta FP) se encontram vinculadas nos termos do nº 14 do artigo 68º da LGT.

VI. Como resulta dos factos levados ao probatório na douta sentença, a resolução do contrato de compra e venda, frustrou-se, extrajudicialmente, no ano de 2018.

VII. A resolução do contrato de compra e venda em causa nos autos, apenas ocorreu por via da sentença judicial proferida 08-01-2020, conforme decorre do ponto D) e I) do probatório.

VIII. À luz do princípio definido no artigo 18º do CIRC - princípio da especialização dos exercícios -, os sujeitos passivos não podem definir, quando mais lhes convém, o momento para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua atividade.

IX. É-lhes, assim, vedado definirem como entenderem ou segundo critérios de oportunidade, o momento em que irão declarar os rendimentos e os gastos decorrentes da sua atividade comercial ou industrial, sendo-lhes legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente, no sentido de os obrigar a imputar esses rendimentos e gastos ao período a que digam respeito.

X. Visa o principio consagrado neste preceito legal, evitar práticas de manipulação do cálculo do lucro tributável, nomeadamente o adiamento da tributação ou a sua concentração em exercícios onde a tributação possa resultar mais favorável, pelo que, a lei fiscal consagra com grande rigidez este princípio da especialização dos exercícios.

XI. Assim, tendo a resolução do contrato de compra e venda apenas se verificado por via da decisão judicial proferida em 08-01-2020 e, encontrando-se a AT vinculada ao entendimento veiculado na informação vinculativa prestada à contribuinte, ora recorrida, bem andou a AT, em obediência, igualmente, ao principio da especialização dos exercícios, consagrado no artigo 18º do CIRC, ao indeferir a pretensão da contribuinte, ora recorrida, na decisão da reclamação graciosa, sindicada nestes autos, no sentido de que:

… com o trânsito em julgado da decisão da ação declarativa para a determinação da resolução do contrato de compra e venda com reserva de propriedade em 2020, a reclamante poderá refletir neste ano de 2020, uma variação patrimonial negativa no montante da mais valia tributada em 2018.

Todo este raciocínio está em consonância com a informação vinculativa prestada pela AT à reclamante.

XII. Deve, assim, no entender da FP, a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a impugnação judicial interposta pela impugnante, ora recorrida.

XIII. Ao não decidir assim, a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente, do artigo 18º do CIRC, devendo ser substituída por douto acórdão que considere improcedente a impugnação judicial interposta pela impugnante, ora recorrida, mantendo, consequentemente, na ordem jurídica a decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela ora recorrida, sindicada nos presentes autos, pois só assim se fará justiça!

XIV. Acresce que a douta sentença, ora recorrida, não se pronunciou quanto à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, razão pela qual, deve tal matéria ser apreciada por este Venerando Tribunal caso não seja dado provimento ao presente recurso, no que concerne à matéria supra referida.

XV. Nessa senda, vem a FP, recorrer da douta sentença, no segmento decisório da mesma que condenou a FP nas custas do processo, sem ter emitido pronuncia no que se refere à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

XVI. Estatui o n.° 7 do art. 6.° do Regulamento das Custas Processuais que nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerada na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes dispensar o pagamento.

XVII. No entender da FP, verificam-se os pressupostos previstos no nº 7 do art. 6.° do RCJ para efeitos de dispensa do remanescente da taxa de justiça devida nos autos, porquanto,

XVIII. Os autos não contêm articulados ou alegações prolixas;

XIX. A matéria em questão nos autos, não se reveste de elevada complexidade jurídica, especificidade técnica e não importa a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso;

XX. Não houve lugar à audiência de inquirição de testemunhas, nem a matéria em questão implicou a análise de meios de prova complexos;

XXI. A ora recorrente manteve ao longo de todo processo uma conduta processual íntegra e correta, não tendo praticado qualquer ato que possa ser entendido como dilatório ou prejudicial da normal marcha processual.

XXII. Nestes termos, no entender da FP, salvo o devido respeito, deverá a douta sentença recorrida, ser revogada no segmento decisório da mesma que condenou a FP nas custas do processo sem emitir pronuncia no que se refere à dispensa, ou não, do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida nos autos, e, substituída por douta decisão quanto à condenação em custas, que atendendo ao preceituado no nº 7, do artigo 6º do RCP, determine a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Nestes termos e no mais que for doutamente suprido por Vossas Excelências, concedendo-se provimento a este recurso, farão, agora como sempre, a costumada

JUSTIÇA »


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A sociedade recorrida (rda) formalizou contra-alegações e concluiu: «

A. Vem o presente recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”), da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente a impugnação deduzida pela Recorrida contra a liquidação de IRC n.º 2019.2310294714 (e correspondente liquidação de juros de mora), relativa ao exercício de 2018, com saldo a pagar de € 287.098,55.

B. A vexata quaestio no presente recurso prende-se com saber se, no plano tributário, se se deve dar relevância retroativa à anulação de um negócio que gerou o apuramento de uma mais-valia – caso em que teríamos que reabrir um exercício já encerrado, e proceder, em relação ao passado, às correções ditadas por um evento superveniente –, ou se as correções decorrentes da anulação só podem produzir efeitos no exercício em que a mesma ocorreu, através de um processo de contracontabilização.

C. As duas hipóteses não são indiferentes: na segunda hipótese, apenas se logrará compensar efetivamente o imposto pago por conta de um negócio cujos efeitos foram anulados se se apurar matéria tributável positiva – o que, no caso em apreço, não sucedeu (cfr. Modelo 22 junta aos autos); se, pelo contrário, a sociedade entrar em liquidação ou nunca mais obtiver resultados positivos, a correção não terá qualquer efeito prático.

D. Bem se vê, portanto, que esta segunda solução coloca seriamente em crise o princípio da capacidade contributiva, que opera tanto como condição como critério da tributação e que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe.

E. Assim, deve entender-se que a resolução de um contrato de compra e venda se repercute no plano tributário “eliminando o proveito com efeitos retroactivos e eficácia “ex tunc”, como se tal facto tributário nunca tivesse existido” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07/01/2020, proferido no âmbito do processo n.º 079/11.0BEAVR).

F. Sendo manifesto que a tributação de uma mais-valia que deixou de existir por força da resolução do negócio que lhe deu origem viola gravemente os princípios da capacidade contributiva, da tributação do lucro real, da justiça e da proporcionalidade, mesmo que se entenda que o princípio da especialização dos exercícios impede a destruição retroativa dos efeitos fiscais produzidos por aquele negócio – no que não se concede –, não poderá deixar de se dar prevalência àqueles princípios.

G. Foi este o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 01/07/2020 (079/11.0BEAVR), no qual se determinou a anulação da liquidação em crise, esclarecendo que “(…) o princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º n.º 1 do CIRC, não pode obstar a que os efeitos da resolução do contrato operem em matéria tributária face a princípios constitucionais como os da segurança jurídica, da proporcionalidade e da capacidade contributiva na tributação das empresas”.

H. Do quanto se expôs resulta que o ato de liquidação impugnado, por força da resolução do negócio que deu origem à mais-valia que ele corporiza, passou a enfermar de inequívoca ilegalidade, consubstanciada na ausência de rendimento a tributar, não podendo o seu desfecho, sob pena de manifesta violação do princípio da capacidade contributiva, ser outro que não o da sua anulação.

I. Assim, bem andou a sentença recorrida ao julgar procedente a impugnação deduzida.

TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. »


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A Exma. Procuradora-geral-adjunta emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

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# II.

Na sentença recorrida, consta: «

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) A impugnante é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, comércio de grande variedade de produtos, nomeadamente materiais de construção e afins, importação e exportação, transporte de mercadorias por conta de outrem, construção civil e alojamento e restauração (facto não controvertido);

B) Por escritura lavrada no dia 17-01-2018, no Cartório Notarial ..., a impugnante declarou vender à P... – INVESTIMENTOS, LDA., e esta declarou comprar àquela, com reserva de propriedade e pelo preço de 1.563.000,00 €, um prédio misto situado na Rua ..., na freguesia ... (São Jorge) do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória de Registo Predial de Guimarães sob o número ... ..., da freguesia ... (São Jorge), inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ... e na matriz predial rústica sob o artigo ...0, tendo as partes estipulado que o preço seria pago em diversas prestações mensais e intercalares de valores diversos (cfr. doc. 4 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C) A P... – INVESTIMENTOS, LDA. faltou ao pagamento das prestações devidas nas datas acordadas, o que levou a impugnante a dirigir-lhe interpelação para pôr fim à mora sob pena de considerar definitivamente incumprido o contrato e, perante a manutenção da situação de inadimplência por parte daquela, a impugnante notificou-a da resolução do contrato por incumprimento, dando conta da marcação da escritura de distrate, à qual aquela não compareceu (cfr. doc. 6 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D) Com referência ao negócio referido na alínea B), a impugnante propôs contra a P... – INVESTIMENTOS, LDA., no Juízo Central Cível de Guimarães do Tribunal da Comarca de Braga, uma acção declarativa sob a forma de processo comum na qual formulou os seguintes pedidos:

Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por via dela:

I - declarado:

a) o incumprimento definitivo do contrato de compra e venda com reserva de propriedade identificado no artigo 2º supra, por parte da Ré, e por facto que lhe é imputável;

b) a legítima e justificada perda de interesse da Autora em manter o identificado contrato de compra e venda;

c) a resolução do contrato de compra e venda com reserva de propriedade celebrado por escritura outorgada no dia 17 de Janeiro de 2018 referente ao prédio misto identificado no artigo 2º supra, por facto imputável à Ré;

d) perdidas a favor da Autora todas as quantias recebidas por conta do mencionado contrato de compra e venda;

II - ordenado:

e) o cancelamento do registo de aquisição inscrito sob a ap. ...41 de 2018/01/19 que incide sobre o prédio misto identificado no artigo 2.º supra;

III - e a Ré condenada:

f) a restituir, à Autora, o prédio misto identificado no artigo 2.º desta petição, livre de pessoas e de bens e com todas as suas chaves;

g) nas custas

(cfr. docs. 5 e 6 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E) Em 28-12-2018, a impugnante dirigiu à AT um pedido de informação vinculativa tendo por referência a situação descrita nas alíneas B) e C), de cujo teor se destaca o seguinte:

1. A escritura de compra e venda com reserva de propriedade configura um rendimento na sua totalidade no ano em que ocorreu a escritura, ano de 2018, ou apenas o valor efectivamente recebido?

2. Dando entrada no Tribunal Judicial a Acção de Resolução do contrato de compra e venda, até 31 Dezembro 2018, poderá esse facto ser considerado fiscalmente no exercício de 2018?

3. Na possibilidade de ocorrência de escritura de Distrate entre 1 de Janeiro 2019 a 31 de Março 2019, pela norma (SNC) dos acontecimentos subsequentes, pode esse facto ser fiscalmente reconhecido no exercício de 2018?

(cfr. doc. 7 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F) Na sequência do pedido referido na alínea anterior, a AT emitiu a informação vinculativa solicitada, de cujo teor se destaca o seguinte:

12. Ora, para efeitos fiscais, o facto de a propriedade plena só ser transmitida posteriormente, com a satisfação integral do preço, não altera o critério de reconhecimento do rédito, pelo que será o momento da entrega material do bem que relevará para efeitos de periodização económica.

13. Assim, no caso concreto, tendo o imóvel em causa sido entregue na data da assinatura da escritura de compra e venda, isto é, em 17-01-2018, o rédito da venda do imóvel deve ser imputado na sua totalidade ao período de tributação de 2018, independentemente do valor recebido pela I... nesse período.

14. Mais se informa que qualquer facto tributário que decorra da entrada no tribunal, até 31 dezembro de 2018, da ação judicial de resolução do contrato, deve ser refletido no período de tributação de 2018.

15. Importa ainda referir que, em conformidade com a IES relativa ao período de 2017, as demonstrações financeiras da I... são preparadas de acordo com a Norma Contabilística para Microentidades (NC-ME).

16. Ora, a NC-ME não contempla uma disposição específica aplicável aos acontecimentos após a data do balanço, não estando também prevista a aplicação supletiva de outras normas.

17. Assim, caso a escritura de distrate ocorra entra 1 de Janeiro 2019 e 31 de março 2019, os ajustamentos contabilísticos que decorram desse acontecimento devem ser refletidos no período de 2019, sendo relevantes fiscalmente, nos termos do CIRC, também nesse período.

CONCLUSÃO

O rédito da venda do imóvel objeto do contrato de compra e venda com reserva de propriedade celebrado entre a I... (na qualidade de vendedor) e a P... (na qualidade de comprador) deve ser imputado na sua totalidade ao período de tributação de 2018, independentemente do valor recebido nesse período, em conformidade com o n.º 1, alínea a) do n.º 3 e n.º 4 do art.º 18.º do CIRC.

Mais se informa que qualquer facto tributário que decorra da entrada no tribunal, até 31 dezembro de 2018, da ação judicial de resolução do contrato, deve ser refletido no período de 2018.

Sendo as demonstrações financeiras da I... preparadas de acordo com NC-ME, a qual não contempla uma disposição especifica aplicável aos acontecimentos após a data do balanço, nem a aplicação supletiva de outras normas, caso a escritura de distrate ocorra entre 1 de janeiro 2019 e 31 de março 2019, os ajustamentos contabilísticos que decorram desse acontecimento devem ser refletidos no período de 2019, sendo relevantes fiscalmente, nos termos do CIRC, também nesse período.

(cfr. doc. 8 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G) A impugnante declarou no modelo 22 de IRC, relativamente ao ano de 2018, o valor integral da escritura referida na alínea B) (facto não controvertido);

H) Da apresentação da declaração modelo 22 referida na alínea anterior resultou a liquidação de IRC nº 2019.2310294714, no valor total a pagar, incluindo juros de mora, de 287.098,55 € (cfr. docs. 3 e 9 da p.i.);

I) Por sentença de 08-01-2020, foi a acção referida na alínea D) julgada procedente, constando do respectivo segmento decisório o seguinte:

Julgo procedente o pedido formulado na presente acção pela Autora “I... – Comércio, Imobiliária, Transportes e Construção, Ld.ª”, contra a Ré “P... - investimentos, Ld.ª”

I. Declarando:

a) o incumprimento definitivo, por parte da Ré, do contrato de compra e venda com reserva de propriedade identificado no facto provado número 2, por facto imputável à Ré;

b) justificada a perda de interesse da Autora em manter o identificado contrato de compra e venda;

c) a resolução do contrato de compra e venda com reserva de propriedade celebrado por escritura outorgada no dia 17 de Janeiro de 2018, referente ao prédio identificado no facto provado número 2, por facto imputável à Ré;

d) perdidas a favor da Autora todas as quantias recebidas por conta do mencionado contrato de compra e venda.

II. Ordenando o cancelamento do registo da aquisição inscrito sob a ap. ...41 de 2018.01.19 que incide sobre o prédio misto identificado no facto provado número 2;

III. Condenando a Ré a restituir à Autora o prédio misto identificado no facto provado número 2, livre de pessoas e de bens e com todas as suas chaves.

(cfr. doc. 6 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J) Por requerimento remetido ao Serviço de Finanças de V.N. Famalicão 1 no dia 10-01-2020, a impugnante deduziu reclamação graciosa relativamente à liquidação referida na alínea H), alegando, em síntese, que a resolução do contrato celebrado com a P... – INVESTIMENTOS, LDA. implica não só a destruição dos seus efeitos jurídico-civis como também dos consequentes efeitos fiscais, dado que não existe rendimento a tributar (cfr. doc. 2 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 173 do PA);

K) Em 02-04-2020 foi elaborada, na Direcção de Finanças de Braga, uma proposta de indeferimento da reclamação graciosa referida na alínea anterior, de cujo teor se destaca o seguinte:

O que agora pretende a reclamante é que os efeitos fiscais sejam da venda (mais valias) sejam “destruídos”, mediante o reporte do efeito da resolução do contrato ao ano de 2018. Se assim não for, estar-se-á a sujeitar a tributação um facto que não existiu e pleno qual a reclamante apenas recebeu uma parte do rendimento.

A reclamante no seu pedido de informação vinculativa, efetuado nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, pretendia saber qual o enquadramento do negócio em causa, mais especificamente: (…)

Portanto, percebe-se que o que está em causa é a periodização do lucro tributável constante do artigo 18.º do CIRC.

Dispõe o n.º 1 do art.º 18.º do Código do IRC que os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica, com exceção das componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores que, na data do encerramento das contas de determinado período, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (n.º 2).

É, assim, vedado aos contribuintes definirem como entenderem ou segundo critérios de oportunidade, o momento em que irão declarar os rendimentos e os gastos decorrentes da sua atividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente, no sentido de os obrigar a imputar esses rendimentos e gastos ao período a que digam respeito.

Em consonância, a resposta ao pedido de informação vinculativa, foi nos termos que se seguem (apenas transcrevermos a resposta às questões colocadas pela reclamante): (…)

Desde logo, importa salientar, primeiro que as informações vinculativas têm um prazo de caducidade de quatro anos (n.º 15 do artigo 68.º da LGT), a não ser que existam alterações nos pressupostos de facto ou de direito em que assentaram. Em segundo lugar que existe uma a vinculação inter partes entre a AT e a entidade que solicita a informação.

Prosseguindo para o caso concreto, e não existindo alterações nos pressupostos de facto e de direito em que se baseou a informação prestada pela AT, a reclamante, deve, como o fez, fazer refletir a venda e consequente mais valia no ano de 2018. Assim como todos os gastos em que incorreu com a propositura da ação (custas judiciais, honorários, etc)

Sendo certo que, com o trânsito em julgado da decisão da ação declarativa para a determinação da resolução do contrato de compra e venda com reserva de propriedade em 2020, a reclamante poderá refletir neste ano de 2020, uma variação patrimonial negativa no montante da mais valia tributada em 2018.

Todo este raciocínio está em consonância com a informação vinculativa prestada pela AT à reclamante.

(cfr. doc. 15 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L) Por requerimento remetido à Direcção de Finanças de Braga no dia 26-06-2020, a impugnante pronunciou-se sobre a proposta de indeferimento referida na alínea anterior (cfr. doc. 16 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 187 do PA);

M) Na sequência do referido na alínea anterior, em 01-07-2020 foi elaborada, na Direcção de Finanças de Braga, uma proposta de indeferimento da reclamação graciosa referida na alínea anterior, de cujo teor se destaca o seguinte:

No exercício do seu direito de participação, exercido em 2020-06-26 a reclamante apenas reitera o alegado na sua petição. Para reforçar a sua posição invoca dois arestos: acórdão do STA de 28-11-2012 proferido no âmbito do processo n.º 0536/12 e o acórdão do TCA Sul de 08-05-2019 proferido no âmbito do processo 1039/06.BELSB.

Ora, nenhum dos acórdãos se pode aplicar a este caso concreto porque que o imposto em causa em ambos era o IRS – mais valias e a outorga celebração de distrate de contrato de promessa de compra e venda cujo objeto são bens futuros.

O IRS adota o conceito de rendimento acréscimo, constituindo, assim, a base de incidência deste tributo todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias. Já no que diz respeito ao IRC, e de uma forma geral a base da qual se parte para obter lucro tributável é a contabilidade que tem as suas regras próprias, com o principio da especialização dos exercícios, previsto também no código de IRC no seu artigo 18.º.

Assim, o alegado não é suscetível de alterar o projeto de decisão, sendo de confirmar o indeferimento do pedido.

(cfr. doc. 1 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

N) Em 02-07-2020 foi proferido despacho de concordância com a proposta referida na alínea anterior, tendo a reclamação graciosa referida na alínea J) sido indeferida (cfr. doc. 1 da p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido). »


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Mostrando-se resolvida, pelo tribunal recorrido (na sequência de baixa ordenada pelo relator), sem reparos, a matéria/questão identificada nas conclusões XIV. a XXII., o corrente recurso jurisdicional passou a ter como único mote a imputação de errado julgamento, quanto à decisão de julgar procedente a impugnação judicial e anular o ato de indeferimento, expresso, da apresentada reclamação graciosa, porque, ao que conseguimos percecionar, em primeira linha, este (ato de indeferir) se sustenta no entendimento vazado numa informação vinculativa, emitida a solicitação da impugnante (conclusões I. a V.), acrescendo, num segundo plano, o erro (da decisão judicial) na interpretação e aplicação do disposto no artigo (art.) 18.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) – conclusões VI. a XIII.

Por reporte ao conteúdo, integral, da sentença recorrida, verificamos que, após, a título de questões a decidir, ter sido assumido incumbir “apreciar e decidir se os actos impugnados (liquidação de IRC, liquidação de juros moratórios e indeferimento da reclamação graciosa) deverão ser anulados com base em algum dos seguintes fundamentos: a) Violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da justiça; b) Violação do disposto no art.º 68º da LGT e do princípio da boa-fé”, ao nível da subsunção dos factos ao direito, foram expendidos os argumentos/fundamentos que, de seguida, deixamos, em parte, reproduzidos.

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(…).
…, entendemos ser adequado começar a nossa análise pela alegada violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da justiça, dado que está aqui em causa alegação que bule com a própria validade substantiva da relação jurídico-tributária.
Vejamos então.

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Da periodização do lucro tributável e dos princípios da capacidade contributiva e da justiça
Tal como resulta do teor das propostas de indeferimento da reclamação graciosa que se deixaram reproduzidas sob as alíneas K) e M) do probatório, a entidade impugnada considera, em síntese, que a resolução do contrato celebrado entre a impugnante e a sociedade P... – INVESTIMENTOS, LDA. não poderá ter quaisquer reflexos na liquidação de IRC relativa ao exercício de 2018, por a tal se opor o princípio da periodização do lucro tributável consagrado no art.º 18º do Código do IRC (CIRC), devendo tal circunstância ser relevada no exercício de 2020 como variação patrimonial negativa.

(…).

Analisemos.
Os normativos do CIRC, no que se refere ao apuramento da matéria tributável, obedecem ao comando constitucional ínsito no art.º 104º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

(…).
É precisamente por reconhecer a natureza relativamente arbitrária desta segmentação temporal que o STA tem vindo a entender que o princípio da especialização dos exercícios, consagrado no art.º 18º do CIRC, não pode ser interpretado de forma rígida e inflexível, sob pena de, ao invés de dar cumprimento ao princípio constitucional da tributação das empresas segundo o rendimento real, redundar na sua negação.
(…).
Portanto, imbuída numa lógica de ponderação principiológica, que, se bem vemos, se firma como de utilização excepcional, esta posição tem em vista obviar, em situações limite, a que sejam cobrados impostos que não são devidos e, em última linha, que se frustre a tributação vinculada ao lucro real.
Aqui chegados importa ponderar se a situação que nos é trazida configura uma das tais situações limite que justifica a flexibilização da regra aparentemente rígida do art.º 18º do CIRC, questão à qual o STA já deu resposta afirmativa no seu acórdão de 01-07-2020, proferido no processo nº 079/11.0BEAVR, o qual, para além do mais, se pronunciou sobre uma situação que apresenta contornos fácticos em tudo idênticos aos que estão em causa nestes autos, dado que também aí estava em causa a resolução de um contrato de compra e venda de um imóvel.
Assim, com pertinência para o caso dos autos, ponderou-se, no mencionado acórdão, o seguinte:
(…).
Dada a similitude entre o caso que nos é trazido e o decido pelo STA no âmbito do processo nº 079/11.0BEAVR, e tendo em consideração que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (art.º 8º, nº 3, do CC), não vemos motivos para nos afastarmos da linha de entendimento que aí foi sufragada.
Nestes termos, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ao ter considerado que, por força do princípio da especialização dos exercícios, a resolução do contrato de compra e venda apenas se poderia reflectir no exercício de 2020, enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito, e, por conseguinte, terá que ser anulada, ficando prejudicado o conhecimento do outro fundamento da presente impugnação.
(…). »

A consideração e valoração destes fundamentos, que sustentam a decisão de reputar ilegal, por erro nos pressupostos de direito, o indeferimento da reclamação graciosa, identificada na alínea J) dos factos provados, permite-nos concluir que o tribunal recorrido acolheu e operou, entre outras, estas premissas:

- o art. 18.º n.º 1 do CIRC “consagra o princípio da especialização dos exercícios que, conjugado com o princípio da anualidade dos impostos, impõe que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, portanto, ao ano civil”;

- relativamente a este princípio, o STA, já, disse (além do mais) que dele “resulta, …, uma segmentação da vida das empresas em períodos relativamente independentes entre si – os exercícios económicos –, tendo em vista a tributação da riqueza gerada em cada um desses exercícios, independentemente do seu efectivo recebimento. Atende-se, pois, a um critério económico e não a um critério financeiro, pelo que devem ser considerados e contabilizados num determinado exercício todos os créditos e débitos respeitantes a esse exercício, e não somente os recebimentos e pagamentos que nele ocorram”;

- “o nosso sistema fiscal só visa a tributação dos ganhos reais ou potenciais, isto é, só deve ocorrer tributação quando se manifesta a capacidade contributiva pela ocorrência de um facto da vida real que importa para o interessado um acréscimo patrimonial, não visa a tributação de ganhos que não ocorreram, por falta de verificação do facto da vida real que o justifique, nem podem vir a ocorrer, ainda que por circunstâncias supervenientes, desde que esteja suficientemente demonstrada a inexistência de capacidade contributiva, ou seja, que não ocorreu o referido acréscimo patrimonial que justificaria a tributação”;

- “o princípio da especialização dos exercícios, previsto no artigo 18.º n.º 1 do CIRC, não pode obstar a que os efeitos da resolução do contrato operem em matéria tributária face a princípios constitucionais como os da segurança jurídica, da proporcionalidade e da capacidade contributiva na tributação das empresas”.

A estas máximas, que se nos apresentam acertadas e cabidas ao tratamento da situação sub judice, podemos aditar o apontamento, complementar, generalista, de que a atuação e defesa do princípio da especialização dos exercícios/regime de periodização económica deve ser conciliada com a operância de outros primados, atuantes ao nível da disciplina jurídica global dos tributos, norteadores da atividade da autoridade tributária e aduaneira (AT), particularmente, os princípios da legalidade e da justiça, objetivando o melhor equilíbrio, possível, entre os respetivos domínios, de molde a obter um resultado justo, capaz de, por um lado, defender o interesse público da obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades e, por outro, respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos.

Posto isto, presente a factualidade que enforma a relação jurídico-tributária subjacente a esta impugnação judicial, julgamos inatacável o decidido em 1.ª instância.

Efetivamente, sem prejuízo de, num primeiro momento, ter sido correto defender, tal como, regra geral, exige o princípio da especialização dos exercícios, que o valor (€ 1.563.000,00) da venda, pela sociedade impugnante, de um prédio misto, concretizada em escritura de 17 de janeiro de 2018, estava sujeito a ser declarado nesse montante total, mesmo que não recebido ou recebido parcialmente, na declaração modelo 22, de IRC, respeitante ao exercício de 2018, obrigação que aquela cumpriu (cf. ponto G) dos factos provados), os intervenientes serviços da AT não podiam, casuisticamente, deixar de considerar a circunstância, superveniente, levada ao seu conhecimento, mediante competente reclamação administrativa, pelo contribuinte/sujeito passivo, de, por força duma decisão judicial, transitada em julgado (portanto, em princípio, oponível a todas as entidades/autoridades), ter de ser, jurídica e financeiramente, entendido/reputado que este não recebeu, nem pode mais receber, aquela importância, referente ao preço do imóvel e inscrito, como proveito/ganho, para efeitos de IRC de 2018.

Não podiam porque, decisivamente, ocorreu, in casu, a particularidade de (pelo normal decurso dos prazos aplicáveis, presumimos) a impugnante ter tido a possibilidade de reclamar, graciosamente, da liquidação de IRC (e juros) do ano de 2018, comunicando, de forma decisiva e determinante, que o proveito/ganho, de € 1.563.000,00, inscrito na competente declaração de rendimentos, definitiva e seguramente, não foi (nem nunca vai ser) auferido, por virtude de o negócio/relação jurídica, que o previa, ter sido, sem deixar qualquer rasto ou efeito, apagado/a da ordem jurídica.

Portanto, ao invés do sustentado, pela rte, na conclusão XI. (em linha com a informação/decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cf. K), M) e N) dos factos provados) de que a solução passaria por “a reclamante poder(á) refletir neste ano de 2020, uma variação patrimonial negativa no montante da mais valia tributada em 2018”, a qual, em teoria, cogitamos, seria admissível num cenário de estabilização/definitividade da liquidação correspondente, envolvida, na situação presente, dada a possibilidade de, ainda, ser possível intervir no ato tributário, desde logo e em primeira linha, por parte da AT, impunha-se-lhe, em sintonia com o que, acima, veiculamos, a solução mais capaz de restabelecer a legalidade de não tributar esse inexistente proveito e prevenir alguma potencial injustiça que poderia advir de fazer uma correção por referência ao exercício, posterior, de 2020, desde logo, dependente da existência de matéria coletável positiva.

Resta dizer que, além de a sentença recorrida não haver tratado do fundamento (da impugnação) respeitante à “Violação do disposto no art.º 68º da LGT e do princípio da boa-fé”, por reputar prejudicado o seu conhecimento, ou seja, por não lhe reconhecer virtualidade para reforçar a conclusão no sentido da ocorrida violação do princípio da especialização dos exercícios, não obstante a existência de uma informação vinculativa, solicitada pela impugnante e que cumpriu, no que tange à declaração do disputado proveito no ano de 2018, mostra-se inconsequente aduzir, como tentativa de apoiar a melhor sorte deste apelo, que, a AT e a rFP “se encontram vinculadas nos termos do nº 14 do artigo 68º da LGT” e/ou “… as informações vinculativas têm um prazo de caducidade de quatro anos (n.º 15 do artigo 68.º da LGT), a não ser que existam alterações nos pressupostos de facto ou de direito em que assentaram. Em segundo lugar que existe uma a vinculação inter partes entre a AT e a entidade que solicita a informação”.

Importante e decisivo, como resulta deste caso, é, sempre, promover, dar lugar à legalidade e à justiça, desligando as amarras, mesmo que previstas na lei (e, portanto, com sentido), quando esta atitude proporcione o melhor cumprimento da lei e da Constituição.


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# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos negar provimento ao recurso.


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Custas pela recorrente, dispensando-se, o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que excede € 275.000,00, considerando, sobretudo, a complexidade, normal, da intervenção deste Supremo Tribunal.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 8 de fevereiro de 2023. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.