Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0653/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23542
Nº do Documento:SA1201807120653
Data de Entrada:06/28/2018
Recorrente:A....,SA
Recorrido 1:INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL,IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…….., SA intentou, no TAF de Leiria, contra o INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, IP, acção administrativa especial, pedindo:
a) Anulação do acto administrativo praticado pela Directora de Segurança Social do Centro Distrital de Leiria do ISS, IP, em 20 de Novembro de 2014, no qual foi determinada a obrigação de a Autora proceder à restituição da quantia de € 19.128,00, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego devida à sua ex-trabalhadora B………;”

Aquele Tribunal julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Sul confirmou.

É desse acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Autora pretende a anulação do acto praticado, em 20/11/2014, pela Directora de Segurança Social do Centro Distrital de Leiria do ISS, IP que lhe ordenou a restituição de € 19.128,00, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação de desemprego devida à sua ex-trabalhadora B……….

O TAF de Leiria entendeu que os vícios invocados pela Autora improcediam pelo que absolveu o Réu do pedido.
Para decidir assim começou por afirmar que o desemprego era involuntário quando resultasse de acordo integrado num processo de redução de efectivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão. E era, ainda, involuntário quando fundado em motivos que permitissem o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho (art.ºs 9.°/1 e 10.º/1 e 4 do DL 220/2006, de 3/11).
Tendo prosseguido do seguinte modo:
“…. No caso dos autos a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção da trabalhadora, criada pela Autora, de que se encontravam preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo 10.º … sendo que, e como se viu, tal não se verificava. Assim sendo, a consequência é clara, à face da lei: o empregador fica obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.
7. Opõe-se a Autora invocando, desde logo, o facto de ter um processo de reestruturação em curso, bem como a profunda crise do sector em que se insere, o que a constrangeu a cessar diversos contratos por mútuo acordo … . Tal alegação, no entanto, não tem qualquer virtualidade para pôr em causa o acto impugnado. Porque o problema é outro, ou seja, não está em causa a liberdade de celebrar acordos de cessação de contrato, independentemente das razões subjacentes. O problema está, sim, e unicamente, no facto de o empregador criar a convicção no trabalhador de que a empresa se encontra numa das situações previstas no n.º 2 do artigo 10.º ou de que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar.
8. Não tendo isso acontecido, importa retomar a consequência constante do artigo 63.° do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro: o empregador fica obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego. Perante o modo como o legislador se exprimiu não existe espaço para a defesa do entendimento de que «só poderá ser exigido à A. o pagamento das prestações de desemprego efectivamente percebidas pela trabalhadora B…….» … .
…..
10. Ora, é precisamente em função do referido combate à fraude que o legislador, no artigo 63°, prevê o pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego e não apenas, como pretende a Autora, do montante efectivamente recebido pela trabalhadora. É que o que está em causa não é o ressarcimento da Segurança Social. É, sim, a penalização da entidade patronal, ainda que, e como é evidente, sem carácter penal ou contra-ordenacional, como refere a Autora nos artigos 34.° a 36.° da petição inicial. Não há, pois, lugar à invocação do disposto no artigo 32.°/10 da Constituição da República Portuguesa.
…..
13. Em face desta interpretação não se vê, evidentemente, de que modo a Entidade Demandada pode ter incorrido em abuso do direito, tal como alegou a Autora, nem se mostra invocável o disposto no artigo 562.° do Código Civil, pois não está em causa a reparação de um dano, como também se viu. Pela mesma razão inexiste qualquer enriquecimento sem causa por parte da Entidade Demandada.
14. Por último, e quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, cabe apenas dizer que o mesmo só tem autonomia e apenas releva juridicamente no âmbito da actividade discricionária. O acto impugnado foi proferido no exercício de poderes vinculados, no âmbito do qual o princípio da proporcionalidade é consumido pelo princípio da legalidade. Não pode, portanto, ter-se como violado no caso dos autos. A acção terá, pois, de improceder.

O TCA confirmou essa decisão com o seguinte discurso:
“…
Decorre da sentença recorrida e do próprio acto impugnado proferido em 20/11/2014, que a recorrente excedeu o limite das quotas disponíveis referido no art.º 10/4.º/a) do DL 220/2006, de 3/11, o que, aliás foi apurado após consulta ao sistema informático da Segurança Social, o que era expectável que ocorresse, e assim sendo e naturalmente a própria recorrente ficou sujeita ao regime estabelecido no art.º 63º do DL 220/2006, de 3/11, na redacção do DL nº 64/2012, de 15/3, o qual visa prevenir a fraude e salvaguardar os recursos da Segurança Social, não existindo qualquer fundamento legal que permita que a recorrente apenas seja responsável “pelo efectivo prejuízo causado ao recorrido”, como bem se refere a fls. 9, parágrafo 2º da sentença recorrida.
E assim sendo e também nos termos explicitados pela sentença recorrida, não é aceitável pretender que o despacho recorrido ao exigir a reposição do valor de 19.128,00 €, correspondente à totalidade do período da prestação inicial de desemprego em causa, possa ter violado o disposto no art.º 562º do C. Civil, que ocorra enriquecimento sem causa ou abuso por direito por parte da Segurança Social, e muito menos que ocorra violação do disposto no art.º 32º/1º da CRP ou do princípio da proporcionalidade, pois que a entidade recorrida teria que vinculadamente dar cumprimento ao disposto naquele art.º 63.º do DL 220/2006, de 3/11, verificado que foi que o limite de quotas acima referido se mostrava excedido, não havendo lugar à instauração de qualquer “processo contra-ordenacional ou sancionatório”, conforme pretendido pela recorrente, mas sem qualquer apoio constitucional ou legal.
Resta, pois, confirmar a sentença recorrida, o que se determina.”

Esse Acórdão teve um voto de vencido do seguinte teor:
“Voto vencido por entender que a aplicação estrita da norma legal em causa viola o princípio constitucional da proporcionalidade, na sua vertente da exigibilidade ou proporcionalidade “stricto senso”. O regime aplicado corresponde a um regime sancionatório e não (apenas) a uma regra de ressarcimento.”

3. A questão cuja reapreciação se requer é de saber qual a melhor interpretação do que se dispõe no art.º 63.º, do DL 220/2006, de 3/11, designadamente a de saber se a «totalidade» a que alude esta norma respeita à totalidade do montante que a Segurança Social efectivamente pagou a título de subsídio de desemprego, ou se essa «totalidade» respeita ao montante que a trabalhadora receberia se se mantivesse na situação de desemprego durante a totalidade do tempo a que teria direito ao subsídio.
Questão cuja relevância é inquestionável no quadro das relações laborais e das relações das empresas com a Segurança Social. O que, desde logo, justifica a intervenção deste Supremo Tribunal no quadro da revista.
Acresce que este Supremo, por Acórdão de 18/06/2014 (rec. 1308/13), já apreciou a questão acima identificada tendo concluído que:
“... o empregador só tem de compensar a Segurança Social pelo valor que esta efectivamente despendeu visto a responsabilidade ora em causa ser indemnizatória e, por essa razão, advir do prejuízo efectivamente sofrido pelo lesado e ter como medida o valor desse dano.
Nesta conformidade, e sendo ilegal ressarcir alguém de um prejuízo que ele não teve (art.º 483.º do CC), é forçoso concluir que se a Segurança Social, por qualquer razão, só pagou uma parte do subsídio de desemprego a que o trabalhador tinha direito a entidade responsável pelo ressarcimento dessa quantia só terá o dever de a compensar por esse valor visto, de outra forma, se estar a exceder o dever indemnizatório do empregador e a provocar um enriquecimento sem causa da Segurança Social.”
Ou seja, decidiu de forma contrária ao decidido pelo Acórdão recorrido.
O que também aconselha a que se admita o recurso.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas
Lisboa, 12 de Julho de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.