Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01490/13
Data do Acordão:01/22/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
CULPA
ATRASO NA LIQUIDAÇÃO
Sumário:Nos termos do disposto no art. 35° da LGT e no actual art. 96º (correspondente ao anterior art. 89º) do CIVA, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.
A responsabilidade por juros compensatórios depende, portanto, de nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência).
Nº Convencional:JSTA00068556
Nº do Documento:SAP2014012201490
Data de Entrada:10/02/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCA SUL DE 2012/06/19 - AC STA PROC0587/10 DE 2010/12/16
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:LGT ART35 N1
CIVA ART96
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC022325 DE 1998/02/18
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - JUROS NAS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO 1999 PAG146 E SEGS
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……………., S.A., com os demais sinais dos autos, recorre, por oposição de acórdãos, do aresto proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 19/6/2012, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual, por sua vez, julgara improcedente a impugnação judicial do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação adicional de juros compensatórios.
Invoca existência de oposição de acórdãos entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em 16/12/2010, no proc. nº 587/10.

1.2. Admitido o recurso, a recorrente apresentou, nos termos do disposto no nº 3 do art. 284º do CPPT, alegações com vista a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 284-294).

1.3. Por despacho do Exmo. Relator (fls. 313-314) considerou-se existir a invocada oposição de acórdãos e foi ordenada a notificação das partes para deduzirem alegações.

1.4. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes:
A) A impugnante, ora recorrente, na sequência de indeferimento tácito de reclamação graciosa, deduziu impugnação judicial contra o referido indeferimento e ainda contra os actos tributários de liquidação adicional de juros compensatórios (objecto da referida reclamação graciosa), imputando-lhe os vícios de violação dos artigos 35º da LGT e 89º do CIVA e de violação do direito de audiência prévia, tendo a mesma sido declarada improcedente por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 12.06.2008.
B) Não se conformando com o seu conteúdo e sentido, interpôs recurso jurisdicional, tendo o mesmo sido julgado improcedente pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão datado de 19.06.2012 (acórdão recorrido).
C) Considerando que o acórdão recorrido encerra uma errada interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, contrária à jurisprudência dos Tribunais Administrativos Superiores, mormente o Acórdão do STA, de 16.12.10, a recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional.
D) A recorrente fundamentou o pedido de anulação dos actos tributários, entre outros, na violação dos artigos 35º da LGT e 89º do CIVA, por considerar que, em particular no caso do IVA, aqueles apenas são devidos quando, cumulativamente se verifique que: (i) tenha existido um retardamento da liquidação do imposto (IVA); (ii) o retardamento da liquidação (IVA) causar prejuízo patrimonial ao credor tributário; e (iii) o retardamento da liquidação (IVA) ser imputável aos sujeitos passivos.
E) De referir que, no presente recurso, apenas está em causa apenas este último requisito (abreviadamente designado por requisito da culpa).
F) Quanto a este requisito, a posição acolhida no acórdão recorrido foi a de que, no caso, o retardamento da liquidação (IVA) era imputável à ora recorrente; segundo o Tribunal a quo compete ao sujeito passivo proceder à autoliquidação do imposto através da apresentação de liquidação periódica, pelo que o conhecimento do respectivo enquadramento legal é um dever assacável ao operador zeloso e diligente do sector de actividade económica em causa; considerou ainda o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, que a conduta de terceiros é absolutamente irrelevante para efeitos da determinação da culpa do sujeito passivo, não cabendo por isso invocar comportamentos alheios (seja da AGEM, seja do Município de VNG, seja da AF).
G) A recorrente discorda deste entendimento, considerando que o acórdão recorrido fez uma errada aplicação da lei (artigos 89º do CIVA e artigo 35º da LGT) ao caso em apreço, infringindo estes mesmos preceitos.
H) De resto, o acórdão recorrido encerra em si uma interpretação e aplicação da lei contrária à abundante jurisprudência (do STA e TCAN) que, sobre esta mesmíssima matéria (não apenas do ponto de vista jurídico mas também factual), tem sido produzida.
I) Ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, a culpa, enquanto requisito dos juros compensatórios, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bom pai de família, devendo considerar-se excluída quando o sujeito passivo tenha actuado com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, não sendo devidos os referidos juros quando o retardamento da liquidação tenha resultado de compreensível divergência de critérios entre a Administração Fiscal e o contribuinte relativamente à qualificação de determinada situação tributária bem como em caso de erro desculpável do contribuinte.
J) Nesta medida, para efeitos da apreciação da culpa, relevam, pois, aspectos (que foram desconsiderados no acórdão recorrido) como a clareza das normas jurídicas, a clareza e a perceptibilidade das realidades jurídicas em presença assim como a conduta e comportamentos assumidos por agentes distintos do sujeito passivo, mas cuja intervenção se assume relevante para efeitos da completa percepção dos termos em que aquele deverá proceder aquando da liquidação do IVA.
K) Concretizando esta interpretação e aplicação do requisito da culpa, o STA, no acórdão de 16.12.10, chamado a pronunciar-se sobre uma situação idêntica à presente (tanto do ponto de vista factual como jurídica), afirmou que, para compreender a razão pela qual a Impugnante vinha liquidando à AGEM IVA à taxa de 5%, há que recordar que (i) esta resultou da transformação dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMAS) da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia numa empresa pública municipal e que (ii) nas empreitadas havia figurado o SMAS como dona de obra a taxa de IVA aplicável era de 5%, aspecto que determinou que após a transformação dos Serviços em empresa municipal a Impugnante tenha continuado a liquidar-lhe IVA à mesma taxa, com o natural consentimento desta.
L) Notou ainda o STA, no referido aresto, que os sujeitos envolvidos no caso em apreciação (a recorrente e a AGEM) não terão atentado na natureza jurídica das empresas municipais, nada indiciando que a falta de consideração e ponderação de tal aspecto jurídico tenha sido propositado ou intencional por parte das empresas envolvidas, mas que, em sentido diverso, face à específica configuração da situação, que tudo indiciaria que todas as entidades envolvidas terão agido convencidas da legalidade da sua actuação.
M) Mais considerou o STA que a específica configuração da situação, para a qual contribui o facto de a transformação dos SMAS na AGEM constituir, à primeira vista, uma mera transformação formal, terá determinado que as entidades não tenham detectado logo o exacto alcance e sentido dessa modificação, incluindo-se neste grupo (também) a própria Administração Fiscal, na medida em que esta (também) não tinha uma percepção clara e definitiva do exacto alcance e sentido da referida transformação.
N) Neste seguimento, concluiu o STA, no acórdão citado, que não se pode formular um juízo de censura – que é o mesmo que dizer que não se pode dar como preenchido o requisito da culpa – à actuação por parte do sujeito passivo de IVA até ao momento em que é avisada pela Administração Fiscal do erro em que estava a incorrer na aplicação da taxa do IVA, pois esse erro é claramente desculpável quando lido à luz de todo o circunstancialismo acima referido.
O) Este entendimento jurisprudencial foi também acolhido pelo STA, no acórdão de 11.03.2009, proferido no Processo nº 0961/08 e ainda por diversos acórdãos proferidos pelo TCA Norte.
P) Em linhas gerais, o requisito em análise consiste em saber, com base nas regras de experiência e nas provas obtidas, se o retardamento da liquidação se ficou a dever a uma actuação culposa do sujeito passivo ou se este actuou com a diligência normal no cumprimento das obrigações fiscais a que está adstrito, considerando-se, para aquele efeito, os deveres gerais de diligência, aptidão, conhecimento e, mesmo, de perícia de um bonus pater familias, tendo sempre presente que, tendo os juros compensatórios a natureza de uma reparação civil, é à Administração Fiscal que, em respeito do estipulado no artigo 572º do Código Civil, compete fazer prova da culpa do sujeito passivo.
Q) Tecidas estas considerações quanto à culpa, a ora recorrente, divergindo do Acórdão recorrido e acompanhando a jurisprudência (largamente maioritária) que tem sido produzida sobre esta matéria, não pode deixar de afirmar que o retardamento da liquidação do IVA (à taxa de 19% em vez da liquidação à taxa de 5%) não deve ter-se por facto a ela imputável, em virtude de, neste processo, ter actuado de acordo com o que dela seria de esperar segundo as regras de experiência.
R) Contrariamente ao que resulta do acórdão recorrido, o retardamento deveu-se à específica configuração da situação, para a qual contribuíram os comportamentos adoptados, de um lado, pelo município de Vila Nova de Gaia e pela AGEM e, do outro lado, pela própria Administração Fiscal.
S) Sendo que, para efeitos deste requisito, todos os comportamentos se revelam essenciais, não podendo, por isso, ser desconsiderados os contributos “prestados” pelo município, pela AGEM e, ainda pela Administração Fiscal, incorrendo, por isso, o acórdão recorrido numa errada aplicação da lei ao caso concreto.
T) Quanto à específica configuração da situação, é preciso ter em conta que a transformação dos SMAS na AGEM constituiu uma mera transformação formal/jurídica traduzida na reorganização do serviço público de abastecimento de água e de saneamento básico, pois onde antes tínhamos os SMAS de VNG, um serviço da administração directa ou imediata municipal, passámos a ter a AGEM, uma empresa municipal integrante da administração indirecta ou mediata municipal.
U) Sendo este o sentido subjacente à modificação, não admira que se não tenha dado conta do exacto alcance e sentido dessa modificação. O que se verificou quer em relação à AGEM e ao Município de VNG, quer em relação à Administração fiscal.
V) Para além disso, diferentemente do que sucedeu na sentença recorrida, são de ter em devida consideração o comportamento da recorrente e da AGEM, que, atento o recorte da situação, terão actuado de boa-fé.
W) Ao que deverá ainda acrescer – tendo contribuído para não questionar sobre a alteração da solução legal com a substituição dos SMAS pela AGEM – o facto de a recorrente ter confiado na actuação dos entes públicos (da AGEM, Município de Vila Nova de Gaia e Administração fiscal) sobre os quais impende um particular dever de cumprir e fazer cumprir a lei.
X) Em termos sumários, o retardamento não pode considerar-se imputável à recorrente na medida em que, na apreciação da culpa, ao contrário do que resulta do acórdão recorrido, relevam e devem, portanto, ser consideradas as seguintes circunstâncias:
i. O facto de a configuração da situação em causa envolver a apreensão de questões estritamente jurídicas, como a natureza jurídica de uma empresa municipal e as consequências em sede de IVA da transformação de um órgão municipal numa empresa municipal;
ii. O facto de a transformação assumir natureza meramente formal e suas repercussões em sede de IVA não serem facilmente apreensíveis;
iii. O facto de as entidades envolvidas terem agido convencidas da legalidade da sua actuação, não tendo detectado de imediato o exacto alcance e o sentido daquela modificação e contribuindo para consumação da liquidação desconforme;
iv. A ausência de fundamentos para considerar que liquidação do IVA em termos desconformes tenha procedido de negligência ou de má-fé da parte do sujeito passivo;
v. O facto de o sujeito passivo ter procedido à regularização da situação imediatamente após a comunicação da Administração Fiscal.
Y) Do exposto, resulta, pois, com clareza que o atraso da liquidação não é imputável à ora recorrente, pelo que, nessa sequência, se tem de considerar como não verificados os pressupostos de aplicação de juros compensatórios consagrados no artigo 35º da LGT, para o qual remete o artigo 89º do CIVA, razão pela qual, com este fundamento, o acórdão recorrido deve ser revogado, por violação dos preceitos constantes dos artigos 35º LGT e 89º do CIVA, julgando-se procedente a impugnação e anulados os actos tributários impugnados, com fundamento na não verificação dos requisitos dos juros compensatórios, previstos nos referidos artigos.
Termina pedindo a procedência do presente recurso, a revogação do acórdão recorrido e a consequente procedência da impugnação judicial deduzida, anulando-se os actos tributários de liquidação impugnados, com fundamento em violação dos arts. 35º da LGT e 89º do CIVA, por, no caso concreto, não se verificarem os pressupostos de aplicação dos juros compensatórios consagrados nos dispositivos normativos citados.
Mais requer que, com fundamento nos arts. 53º da LGT e 171º do CPPT, seja declarada a existência de erro imputável aos serviços na liquidação dos tributos em questão e, em consequência, seja fixada indemnização pela prestação de garantia bancária indevida.

1.5. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.6. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«Recorre A………., SA do douto Acórdão do TCA Norte de 19.06.2012, proferido nos autos supra referenciados, com fundamento na circunstância do mesmo estar em oposição com o douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 16.12.2010, proferido no processo nº 0587/10.
Como é jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal, sintetizada, nomeadamente, no douto Acórdão de 12-12-2012, proferido no processo nº 0932/12, o “recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após a entrada em vigor do ETAF de 2002 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA”, verificando-se o 1.º requisito enunciado se os acórdãos em confronto assentarem em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e esteja em causa o mesmo fundamento de direito, não tendo havido alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente e tendo sido perfilhada solução oposta, por decisões expressas e antagónicas.
No caso em apreço mostram-se verificados, salvo melhor entendimento, os requisitos da invocada oposição de julgados.
Com efeito, quer no Acórdão recorrido quer no Acórdão fundamento está em causa a aplicação das mesmas normas legais e a mesma questão de direito – o pressuposto da culpa na liquidação de juros compensatórios, nos termos do disposto no art. 35º, nº 1 da LGT e 89º, nº 1 do CIVA (actual art. 96º do CIVA), sendo substancialmente idênticas, nos seus contornos essenciais, as situações de facto em que assentam os arestos em cotejo. Por outro lado, em ambos os acórdãos foi tido em conta o mesmo quadro legal da regulamentação jurídica, sendo claramente antagónicas as decisões proferidas.
Assim, estando em causa, em ambos os arestos em confronto, a liquidação de juros compensatórios, nos termos do disposto no art. 35º, nº 1 da LGT e 89º, nº 1 do CIVA (actual art. 96º do CIVA, considerou o douto Acórdão recorrido, no que ao pressuposto da culpa respeita, além do mais, que “(...) a natureza de pessoa jurídica de direito privado (da AGEM) não podia ter sido obliterada pela impugnante, enquanto parceiro contratual da AGEM, já que, tendo em vista a defesa dos direitos emergentes do contrato, sempre lhe competia indagar da natureza e regime aplicável ao co-contratante; de nada valendo a invocação de sobre a aceitação por parte da AGEM da liquidação de IVA, à taxa de 5%, porquanto, é sobre a recorrente, enquanto sujeito passivo do imposto, que «impendia a obrigação de liquidar/apurar o IVA devido pela prestação de bens e serviços que tenha feito à Agem» (...)”.
Considerou ainda, no que respeita à liquidação do IVA, que “(…) o conhecimento do respectivo enquadramento legal é um dever assacável ao operador zeloso e diligente do sector de actividade económica em causa, pelo que não cabe à recorrente invocar comportamentos alheios, seja da AGEM, seja do Município de VNG, seja do AF; tanto mais que no que respeita à AF, a mesma não foi solicitada por parte da impugnante a emitir qualquer posição ou informação sobre a liquidação devida do imposto para este caso concreto, pelo que forçoso se torna concluir pelo preenchimento do requisito da culpa, porquanto a recorrente, dada a posição em que intervém no mercado, tem ou devia ter conhecimento do regime jurídico fiscal aplicável, exigência que decorre do modelo do operador económico típico para aquele sector de actividade”.
Julgou assim verificado o douto Acórdão recorrido o requisito da culpa, pressuposto indispensável para produzir o fenómeno reparatório previsto nas normas citadas, a título de juros compensatórios.
Já o douto Acórdão fundamento, em relação a uma situação perfeitamente similar, ponderou, além do mais, não se poder considerar preenchido o requisito da culpa “(…) por parte do sujeito passivo de IVA, atenta a natural e compreensível falta de percepção, por todas as entidades envolvidas, nomeadamente por parte da Administração Fiscal, de que o dono da obra deixara de ser a autarquia (era a AGEM), com o consequente falta de noção de que cessara a situação que permitia a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 18º conjugado com a verba 2.17 da Lista I, ambas do Código do IVA”.
Ponderou ainda não se poder formular um juízo de censura à actuação da Impugnante (Sociedade que como a ora recorrente se dedica a actividade de empreitadas de obras públicas) “(...) até ao momento em que é avisada pela AF do erro em que estava a incorrer na aplicação da taxa do IVA, pois esse erro é claramente desculpável quando lido à luz de todo o circunstancialismo acima referido (Circunstancialismo perfeitamente idêntico ao que se nos oferece no Acórdão recorrido).”
Sendo patentemente antagónicas as soluções em confronto, sou de parecer que a decisão do presente recurso deverá pender para a doutrina em que se louva o douto Acórdão fundamento, que é aquela que a meu ver, à luz dos factos provados e das regras da experiência comum, melhor se harmoniza com o quadro legal aplicável e para a qual o texto da norma, ponto de partida da actividade interpretativa, mais fortemente aponta.
É o meu parecer.»

1.7. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Nas instâncias julgaram-se provados os factos seguintes [os constantes das alíneas h) e i) do Probatório foram aditados pelo TCAS, ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 1, al. a) do CPC (redacção à data)]:
a) Na sequência de notificação da administração tributária para regularizar o IVA de todas as facturas emitidas com a taxa de 5% a Aguas de Gaia, Empresa Municipal (AGEM), a ora Impugnante apresentou em 10, 11 e 14 de Marco de 2005 declarações periódicas de substituição (IVA) – Cfr. documentos constantes do processo administrativo junto aos autos;
b) Em 22/03/2005, efectuou o pagamento do IVA devido – Cfr. documento constante do processo administrativo junto aos autos;
c) Em 12/04/2005 foram enviadas à Impugnante notificações dos actos tributários de liquidação adicional de juros compensatórios com os números 05125189, 05125535, 05125542, 05125548, 05125556, 05125558, 05125566, 05125774, dos quais resultou o valor total a pagar de € 89.281,54, relativos, respectivamente, aos períodos 0112, 0206, 0208, 0209, 0210, 0211, 0212, 0310 – Cfr. documentos 1 a 8 juntos com a p.i., os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos;
d) Em 12/07/2005 a ora impugnante apresentou, no Serviço de Finanças de Oeiras 3, reclamação graciosa relativa aos actos de liquidação de juros compensatórios referidos na alínea antecedente – Cfr. documento 9 junto com a p.i. e constante do processo administrativo junto aos autos;
e) Em 08/08/2005 foi a Impugnante citada no âmbito do processo de execução fiscal nº 352220050185298 – Cfr. documento 10 junto com a p.i.;
f) Em 06/09/2005 a Impugnante prestou garantia bancária pelo montante de €143.847,27, no âmbito do processo de execução fiscal nº 352220050185298 – Cfr. documento 11 junto com a p.i;
g) Em 10/04/2006 deu entrada a presente Impugnação Judicial – Cfr. registo dos CTT aposto na p.i., a fls. 2.
h) Em 12.07.2005, a impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações em causa – fls. 2 do p.a.
i) Em 05.07.2006, a DGCI elaborou informação sobre a reclamação graciosa em referência, da qual consta, designadamente, que: «1. A reclamante estava, indevidamente, a liquidar IVA a 5%, quando a taxa correcta seria a de 19% e, virtude da alteração dos SMAS para a AGEM, como acima referido. // 2. A AF convidou-a a regularizar a situação apresentando declarações de substituição e entregando nos cofres do Estado a diferença de taxa, o que veio a acontecer. // 3. Tendo havido retardamento do imposto, sendo a reclamante a responsável pela sua liquidação e pagamento, ficando a Fazenda Pública privada desse montante durante um certo período de tempo, são devidos juros compensatórios nos termos da lei. // 4. Através das declarações de substituição verifica-se que, em todas elas houve apuramento de imposto a favor do Estado, então o Estado esteve privado desse montante por um certo período de tempo. // 5. Sendo a reclamante a entidade que emitia as facturas e liquidava o imposto, competindo-lhe de seguida, nas declarações periódicas, a sua entrega nos cofres do Estado, é ela a responsável pelo retardamento, não obstante os argumentos invocados na petição, o que é certo é que em termos fiscais, ela é a responsável pela liquidação e entrega do IVA que se mostrar devido. // 6. Havendo retardamento, como ficou apurado, facto que a reclamante não contesta, tendo o ficado privado do imposto, como se comprova das declarações periódicas de substituição, é a reclamante responsável pelo pagamento de juros compensatórios, por estarem reunidos os requisitos de que depende a sua aplicação. // 7. Tendo sido apresentadas declarações periódicas de substituição, em que foi apurado um imposto a favor do Estado, e tendo esse imposto entrado nos cofres do Estado para além do prazo legal, são devidos juros compensatórios. // 8. Na sequência da apresentação dessas declarações periódicas fora do prazo, com imposto a pagar, os juros são liquidados automaticamente, sem necessidade de audição prévia, nos termos do n.º 2 do art.º 60.º da LGT. A liquidação dos juros efectuou-se na sequência da apresentação da declaração de substituição fora do prazo legal. // 9. Nestes casos, a audição prévia é dispensada, uma vez que a liquidação é efectuada na sequência de valores declarados pelo sujeito passivo, e tendo e conta a data da sua apresentação, liquidando-se juros sempre que a sua apresentação ocorra para além do prazo legal. // Conclusão // Nestes termos, face aos elemento probatórios existentes nos autos e que suportam o pedido, proponho o indeferimento do mesmo, de harmonia com os fundamentos invocados na presente informação».

3.1. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido na Secção de Contencioso Tributário do TCA Sul, em 19/6/2012 (fls. 250/263), invocando a recorrente que aquele está em oposição com acórdão proferido pelo STA em 16/12/2010, no proc. nº 587/10.
E como acima se referiu, por despacho proferido em 6/6/2013 (fls. 313/314), o Exmo. relator do acórdão recorrido considerou verificada a apontada oposição de acórdãos.
Mas porque tal decisão do relator não faz, nesse âmbito, caso julgado, nem impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar - cfr. art. 685º-C, nº 5 do (antigo) CPC – podendo, se for caso disso, ser julgado findo o respectivo recurso, (Cfr. o ac. deste STA, de 7/5/2003, proc. nº 1149/02: «o eventual reconhecimento judicial da alegada oposição de julgados pelo tribunal recorrido, ao abrigo, nos termos e para os efeitos do disposto no referido art. 284° nº 5 do CPPT não só não faz, sobre o ponto, caso julgado, pois apenas releva em sede de tramitação/instrução do respectivo recurso, como, por isso, não obsta a que o Tribunal Superior, ao proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão daquele recurso jurisdicional, considere antes que aquela oposição se não verifica e, em consequência, julgue findo o recurso».
Cfr. também neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284º) importa, então, averiguar se a alegada oposição de acórdãos se verifica.

3.2. Sendo ao caso aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos arts. 2º, nº 1, e 4º, nº 2, da Lei nº 13/2002, de 19/2, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31/12, a admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27º, al. b) do ETAF e 152º do CPTA, depende, como se deixou expresso no ac. de 26/9/2007, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, no processo nº 0452/07, da satisfação dos seguintes requisitos:
«– existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Como já entendeu o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (( ) Acórdão de 29-3-2006, recurso nº 1065/05), relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
– a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da SCA:
– de 29-3-2006, recurso n.º 1065/05;
– de 17-1-2007, recurso n.º 48/06;
– de 6-3-2007, recurso n.º 762/05;
– de 29-3-2007, recurso n.º 1233/06.
No mesmo sentido, pode ver-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, páginas 765-766.)».
Por um lado, portanto, a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

3.3. Neste contexto, importa, então, apreciar se se verifica, ou não, a suscitada oposição no que respeita à questão em apreciação nos acórdãos em confronto e que se prende com o pressuposto da culpa na liquidação de juros compensatórios, nos termos do disposto nos arts. 35º, nº 1 da LGT e 89º, nº 1 (actual art. 96º) do CIVA.
Vejamos, pois.
O acórdão recorrido considerou, no que ao pressuposto da culpa respeita, além do mais, que “(...) a natureza de pessoa jurídica de direito privado (da AGEM) não podia ter sido obliterada pela impugnante, enquanto parceiro contratual da AGEM, já que, tendo em vista a defesa dos direitos emergentes do contrato, sempre lhe competia indagar da natureza e regime aplicável ao co-contratante; de nada valendo a invocação de sobre a aceitação por parte da AGEM da liquidação de IVA, à taxa de 5%, porquanto, é sobre a recorrente, enquanto sujeito passivo do imposto, que «impendia a obrigação de liquidar/apurar o IVA devido pela prestação de bens e serviços que tenha feito à Agem» (...)”.
E considerou ainda, no que respeita à liquidação do IVA, que “(…) o conhecimento do respectivo enquadramento legal é um dever assacável ao operador zeloso e diligente do sector de actividade económica em causa, pelo que não cabe à recorrente invocar comportamentos alheios, seja da AGEM, seja do Município de VNG, seja do AF; tanto mais que no que respeita à AF, a mesma não foi solicitada por parte da impugnante a emitir qualquer posição ou informação sobre a liquidação devida do imposto para este caso concreto, pelo que forçoso se torna concluir pelo preenchimento do requisito da culpa, porquanto a recorrente, dada a posição em que intervém no mercado, tem ou devia ter conhecimento do regime jurídico fiscal aplicável, exigência que decorre do modelo do operador económico típico para aquele sector de actividade”.
E neste contexto o acórdão recorrido julgou verificado o requisito da culpa, pressuposto indispensável para produzir o fenómeno reparatório previsto nas normas citadas, a título de juros compensatórios.
Já o acórdão fundamento ponderou, em caso idêntico, não se poder considerar preenchido o requisito da culpa «(…) por parte do sujeito passivo de IVA, atenta a natural e compreensível falta de percepção, por todas as entidades envolvidas, nomeadamente por parte da Administração Fiscal, de que o dono da obra deixara de ser a autarquia (era a AGEM), com o consequente falta de noção de que cessara a situação que permitia a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 18º conjugado com a verba 2.17 da Lista I, ambas do Código do IVA».
Ponderou ainda não se poder formular um juízo de censura à actuação da ali impugnante (uma sociedade que, como a ora recorrente, se dedica a actividade de empreitadas de obras públicas) «(...) até ao momento em que é avisada pela AF do erro em que estava a incorrer na aplicação da taxa do IVA, pois esse erro é claramente desculpável quando lido à luz de todo o circunstancialismo acima referido» (circunstancialismo perfeitamente idêntico ao se nos oferece no acórdão recorrido).

3.4. É, pois, manifesta a oposição, como, aliás, o próprio tribunal a quo o reconheceu – no citado despacho de fls. 313/314.
Pelo que há que conhecer de mérito.
Isto é, há que apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento quanto ao entendimento de que se encontram preenchidos todos os requisitos legais (retardamento da liquidação, prejuízo do credor tributário, retardamento da liquidação de IVA imputável ao sujeito passivo) para a liquidação dos juros compensatórios previstos e regulados nos arts. 35º da LGT e 89º (actual art. 96º) do CIVA, que a AT efectuou à impugnante, com base no facto de ela ter liquidado IVA à taxa reduzida de 5% nas facturas que emitiu durante os anos de 2002 a 2005 no âmbito de contratos de empreitada celebrados com “Águas de Gaia, Empresa Municipal” (AGEM).

4.1. A decisão recorrida julgou improcedente a impugnação judicial, não anulando o acto de liquidação de juros compensatórios, por considerar que o retardamento (da liquidação de IVA) é imputável ao sujeito passivo e foi originado pela actuação deste, pois que apresentou declarações de substituição, as quais deram origem a liquidação tardia de imposto, sendo que o erro na aplicação da taxa correcta de IVA nas facturas só pode ser imputável à impugnante, até porque o desconhecimento invocado não é justificação aceitável e foi a própria impugnante a corrigir a situação ao entregar as declarações de substituição.
Considerou-se, ainda, que “(…) a transformação do SMAS na AGEM não constitui, ao invés do postulado pela recorrente, uma transformação meramente formal; é que os serviços municipalizados são «serviços públicos de interesse local, que [têm] por objecto explorar, sob a forma industrial, [algumas das actividades que integram as atribuições do município]»; «são, do ponto de vista material, verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo personalidade jurídica, estão integrados na pessoa colectiva município; ao passo, que a AGEM, enquanto empresa pública municipal, goza de personalidade jurídica própria e é dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial e sujeição ao regime de direito privado (artigos 2° e 3° da Lei n° 58/98, de 18 de Agosto); a natureza de pessoa jurídica de direito privado não podia ter sido obliterada pela impugnante, enquanto parceiro contratual da AGEM, já que, tendo em vista a defesa dos direitos emergentes do contrato, sempre lhe competia indagar da natureza e regime aplicável ao co-contratante; de nada valendo a invocação de sobre a aceitação por parte da AGEM da liquidação de IVA, à taxa reduzida de 5%, porquanto, é sobre a recorrente, enquanto sujeito passivo do imposto, que «impendia a obrigação de liquidar/apurar o IVA devido pela prestação de bens e serviços que tenha feito à Agem» No que se reporta à asserção de que a recorrente confiou na actuação dos entes públicos (da AGEM, Município de VNG e AF), sobre os quais impende um particular dever de cumprir e fazer cumprir a lei, de referir como segue.
«[A] dívida de imposto de cada sujeito passivo é calculada pelo mecanismo de crédito de imposto, que consiste em, aplicada a taxa ao valor global das transacções do sujeito passivo em determinado período, se deduzir ao montante assim obtido o imposto por ele suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas respectivas facturas de aquisição» compete ao sujeito passivo proceder à auto-liquidação do imposto através da apresentação de declaração de liquidação periódica, nos termos dos artigos 28°/l/c) e 40°/l, do CIVA; o conhecimento do respectivo enquadramento legal é um dever assacável ao operador zeloso e diligente do sector de actividade económica em causa, pelo que não cabe à recorrente invocar comportamentos alheios, seja da AGEM, seja do Município de VNG, seja da AF; tanto mais que no que respeita à AF, a mesma não foi solicitada por parte da impugnante a emitir qualquer posição ou informação sobre a liquidação devida do imposto para este caso concreto, pelo que forçoso se torna concluir pelo preenchimento do requisito da culpa, porquanto a recorrente, dada a posição em que intervém no mercado, tem ou devia ter conhecimento do regime jurídico fiscal aplicável, exigência que decorre do modelo do operador económico típico para aquele sector de actividade.”
Não sufragamos, contudo, este entendimento.

4.2. Vejamos.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 35º da LGT, «São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.»
Regra que surge, igualmente, positivada no nº 1 do actual art. 96º (correspondente ao anterior art. 89º) do CIVA: «1. Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação ou tenha sido recebido reembolso superior ao devido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios nos termos do artigo 35º da lei geral tributária.»
E daqui decorre, desde logo, que para que o sujeito passivo deva juros compensatórios se exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto (Cfr. sobre esta matéria o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Juros nas relações tributárias, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, 1999, pp. 146 e ss.) e sendo que a desculpabilidade ou razoabilidade, em termos de um contribuinte normal ou médio, do critério adoptado, em divergência com o Fisco, mesmo que erróneo, afasta a culpa (cfr. ac. do STA, de 18/2/98, rec. n° 22.325).
Ora, no caso, como decorre do Probatório, a liquidação dos juros teve origem na comunicação que a AT efectuou à impugnante dando-lhe conta de que havia procedido indevidamente à liquidação de IVA à taxa reduzida de 5% nas facturas que emitira para a dona da obra AGEM [pois que não era possível aplicar a taxa reduzida de IVA (5%) às empreitadas adjudicadas pelas empresas municipais e intermunicipais, em virtude de se estar a incorrer em violação do direito comunitário] e de que deveria proceder à regularização do imposto em falta mediante a apresentação de declarações periódicas de substituição, alterando a taxa de 5% para 19%.
O que foi imediatamente cumprido pela impugnante, que logo em 10, 11 e 14 de Março de 2005 entregou as declarações periódicas de substituição e procedeu, no dia 22 desse mesmo mês, ao pagamento do imposto em falta, após o que a Administração efectuou a liquidação de juros compensatórios com fundamento no retardamento da liquidação de parte do imposto devido.
Refira-se que a Águas de Gaia, Empresa Municipal (AGEM) resultou da transformação dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento (SMAS) da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia numa empresa pública municipal, ao abrigo da Lei nº 58/98, de 18/8, e que nas empreitadas em que havia figurado o SMAS como dona da obra a taxa de IVA aplicável era de 5% face ao disposto no art. 18º, nº 1, al. a) do CIVA, conjugado com a verba 2.17 da sua Lista I, que abrangia «As empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra autarquias locais, associações de municípios ou associações e corporações de bombeiros, desde que, em qualquer caso, as referidas empreitadas sejam directamente contratadas com o empreiteiro». Ou seja, quanto aos contratos de empreitada outorgados com os Serviços Municipalizados, os empreiteiros liquidavam o IVA à taxa reduzida de 5%, ao abrigo do referido art. 18º, nº 1, al. a) do CIVA, pois que esses Serviços constituíam um órgão da autarquia e a autarquia era, assim, a verdadeira e directa dona da obra.
Sendo que, após a transformação dos ditos Serviços (SMAS) em empresa municipal, a impugnante continuou a liquidar-lhe IVA à mesma taxa (5%), com o natural assentimento daquela, nenhuma (nem a sociedade construtora/empreiteira nem a dona da obra) tendo atentado na diferente natureza jurídica das empresas municipais constituídas ao abrigo da Lei nº 58/98 e na essência dessa nova realidade jurídica: empresas que, diversamente do que sucedia com os Serviços Municipalizados, deixaram de constituir órgãos da autarquia e passaram a sociedades de capitais exclusivamente públicos, gozando de personalidade jurídica e sendo dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (art. 2º), estando sujeitas a tributação directa e indirecta nos termos gerais (art. 36º). Empresas que deixaram, portanto, de se confundir juridicamente com a autarquia local, constituindo-se como entidade de direito privado, ainda que possuam, por atribuição legal, o exercício de poderes públicos.
Ora, como se diz no acórdão fundamento (com cuja fundamentação se concorda e é aqui totalmente aplicável), «nada indicia que a falta de consideração e ponderação deste aspecto jurídico de relevo para a liquidação do IVA tenha sido propositado ou intencional por parte das empresas envolvidas (empreiteiro e dona da obra) ou, sequer, que tenha havido negligência ou má-fé da sua parte ao abraçarem o pressuposto de que a dona da obra continuava a ser a autarquia local. Pelo contrário, a específica configuração de toda esta situação, que envolve a apreensão de questões estritamente jurídicas, como seja a natureza legal de uma empresa municipal e a compreensão do alcance jurídico e fiscal da transformação de um órgão municipal numa empresa municipal, indica que todas as entidades envolvidas terão agido convencidas da legalidade da sua actuação.
Com efeito, não pode esquecer-se a específica configuração desta situação, para a qual contribui o facto de a transformação dos SMAS na AGEM constituir, à primeira vista, uma mera transformação formal, traduzida na reorganização do serviço público de abastecimento de água e de saneamento básico. Ou seja, a modificação verificada na organização do serviço municipal de águas e saneamento de Vila Nova de Gaia não foi particularmente visível, pois que se traduziu na transformação de um serviço até então organizado como um órgão municipal, isto é, como uma empresa pública municipal sem personalidade jurídica, num serviço organizado como entidade dotada de personalidade jurídica, numa empresa pública personalizada. E, neste contexto, não admira que essas entidades não tenham detectado logo o exacto alcance e sentido dessa modificação e que, por essa razão, tenham (ainda que erradamente) continuado a aplicar a taxa reduzida nas empreitadas contratadas após a transformação dos SMAS na AGEM.
Aliás, repare-se que nem a própria Administração Fiscal terá detectado logo o alcance fiscal da transformação verificada, pois como decorre do teor da “Informação nº 80”, dimanada do gabinete do Subdirector-Geral dos Serviços do IVA em 1/08/2002 e que mereceu despacho de concordância do SEAF em 7/08/2002, só nessa altura a Administração equacionou e resolveu a questão de saber se nas empreitadas em que os donos da obra eram empresas municipais se devia ou não continuar a liquidar o IVA à taxa de 5%. Não obstante, dois anos mais tarde os Serviços do IVA prestaram a informação documentada a fls. 61 a 64, a propósito de um pedido de “reactivação de crédito do IVA” que a AGEM apresentara em 17/03/03 em nome dos Serviços Municipalizados da Câmara de Vila Nova de Gaia, informação que foi sancionada por despacho do Director de Serviços do IVA em 8/07/04 e onde se concluía que «Os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a empresa Águas de Gaia, EM, são um único e mesmo sujeito passivo, ainda que, com números de identificação diferentes para além da designação social pelo que em vez de ter procedido à entrega duma declaração de cessação de actividade, e simultaneamente, ter entregue a outra declaração de início de actividade, deveria ter procedido à entrega de uma declaração de alterações de acordo com o art. 31º do CIVA. (...) Tratando-se do mesmo sujeito passivo, não existe qualquer objecção à utilização da Comunicação de Crédito cuja reactivação é solicitada, pelo que, para os devidos efeitos, se deverá dar conhecimento à Direcção de Serviços de Cobrança do IVA».
O que manifestamente denota que em meados de 2004 continuava a não haver, por parte da Administração Fiscal, uma percepção clara e definitiva do exacto alcance e sentido da referida transformação, pois nessa altura ainda afirma que os Serviços Municipalizados e a AGEM são um único e mesmo sujeito passivo, tendo-lhe reconhecido, por essa razão, o direito comunicação de créditos.
Por fim, há ainda a salientar que a Impugnante pagou o IVA logo que é alertada pela Administração Fiscal para o erro que vinha cometendo na liquidação do IVA à taxa reduzida, o que não pode deixar de constituir um elemento evidenciador da boa-fé e da confiança na actuação de um ente público como é a AGEM, na medida em que esta empresa pública continuou a aceitar a liquidação do IVA à taxa de 5% e a pagar apenas esse imposto que lhe é liquidado pelo empreiteiro.
Neste concreto enquadramento, e sabido que por força do preceituado nos artigos 35° da LGT e 89° do CIVA constituem requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de um atraso na efectivação da liquidação e a imputabilidade (culposa) desse atraso à actuação do contribuinte, julgamos que não se pode considerar preenchido este último requisito, isto é, a culpa por parte do sujeito passivo de IVA, atenta a natural e compreensível falta de percepção, por todas as entidades envolvidas, nomeadamente por parte da Administração Fiscal, de que o dono da obra deixara de ser a autarquia, com a consequente falta de noção de que cessara a situação que permitia a aplicação da taxa reduzida de IVA ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 18º conjugado com a verba 2.17 da Lista I, ambos do Código do IVA.
Na verdade, constitui entendimento jurisprudencial pacífico (Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 8-7-92, proferido no recurso nº 12147; de 28-6-95, proferido no recurso nº 19014; de 20-3-96, proferido no recurso nº 20042; de 2-10-96, proferido no recurso nº 20605; de 18-2-98, proferido no recurso nº 22325; de 3-10-2001, proferido no recurso nº 25034; de 16-02-2005, proferido no recurso nº 1006/04; de 12-07-2005 proferido no recurso nº 12649 e de 19-11-2008, proferido no recurso nº 325/08.) que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e que, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência). Ou seja, depende, da existência de culpa, a qual consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (face à diligência de um bom pai de família) e que, por isso, tem de ser apreciada segundo os deveres gerais de diligência e aptidão de um bónus pater famílias (Sobre a matéria pode ler-se o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa in “Juros nas relações tributárias”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 145, bem como o Professor Casalta Nabais no parecer junto aos presentes autos.).
Deste modo, e apesar de a doutrina e a jurisprudência também sufragarem a tese de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária, o certo é que essa culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte actuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais. E, por essa razão, a jurisprudência firmou-se no entendimento de que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, por exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte (cfr. os acórdãos referidos em nota de rodapé).
Ora, aplicando a citada doutrina e jurisprudência, julgamos que não se pode formular um juízo de censura à actuação da Impugnante até ao momento em que é avisada pela Administração Fiscal do erro em que estava a incorrer na aplicação da taxa do IVA, pois esse erro é claramente desculpável quando lido à luz de todo o circunstancialismo acima referido.
Neste contexto, e tornando-se inadmissível imputar um juízo de censura à actuação da Impugnante em relação ao retardamento da liquidação de IVA à taxa normal devida, há que considerar como excluída a sua culpa e, consequentemente, afastada a sua responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios por falta de verificação de um dos pressupostos consagrados no artigo 35º da LGT, para o qual remete o artigo. 89° do CIVA.»
Ao contrário, portanto, do que se conclui no acórdão recorrido, não seria, no caso e para este efeito, exigível impor à impugnante o conhecimento de que a AGEM detinha a natureza de pessoa jurídica de direito privado e que também ela não poderia ter aceite a liquidação de IVA, à taxa reduzida de 5%.
Ou seja, é de concluir, face ao circunstancialismo referido, que não pode formular-se o juízo de censura afirmado no acórdão recorrido, no que respeita à actuação da impugnante até ao momento em que é avisada pela AT do erro em que estava a incorrer na aplicação da taxa reduzida do IVA.
O mesmo acórdão recorrido não pode, portanto, manter-se, impondo-se, assim, a respectiva revogação, bem como a revogação da decisão, proferida em 1ª instância, de improcedência da impugnação.

5. Quanto ao também formulado pedido de que «seja declarada a existência de erro imputável aos serviços na liquidação dos tributos em questão e, em consequência, seja fixada indemnização pela prestação de garantia bancária indevida» não pode o mesmo ser aqui apreciado.
Com efeito, a apreciação de tal pedido, demandando a pertinente apreciação factual, extravasa claramente o âmbito do presente recurso (oposição de acórdãos).
Sem prejuízo de eventualmente poder vir a ser formulado em sede de execução de julgados.


DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, julgando verificada a invocada oposição de acórdãos, dar provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e, julgando procedente a impugnação judicial, anular a liquidação de juros compensatórios aqui impugnada.

Sem custas.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2014. – Joaquim Casimiro Gonçalves (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Dulce Manuel da Conceição Neto.