Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01075/11
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS DE ADMISSÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
REQUISITOS DA CITAÇÃO
NULIDADE DE CITAÇÃO
Sumário:I – O recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após a entrada em vigor do ETAF de 2002 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

II – Verifica-se o 1.º requisito se os acórdãos em confronto assentam em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e está em causa o mesmo fundamento de direito, não tendo havido alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente e tendo sido perfilhada solução oposta, por decisões expressas e antagónicas.

III – Verifica-se o 2.º requisito se a orientação perfilhada no acórdão impugnado, embora perfilhe a corrente jurisprudencial actualmente dominante no STA, não pode ainda considerar-se como consolidada.

IV – A falta de inclusão, na citação do responsável subsidiário para a execução fiscal, dos elementos essenciais do acto de liquidação donde emerge a dívida exequenda, incluindo a respectiva fundamentação, representa a inobservância da formalidade legal prevista no n.º 4 do artigo 22.º da LGT, a qual configura uma nulidade à luz do regime contido no artigo 198.º do CPC.

Nº Convencional:JSTA00067792
Nº do Documento:SAP2012091901075
Data de Entrada:01/11/2012
Recorrente:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL IP
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCA NORTE DE 2011/09/07
AC TCA SUL PROC4609/11 DE 2011/04/08
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPC96 ART198 ART687 N4.
ETAF02 ART27 N1 B ART17 N2.
CPTA02 ART152 N1 A.
CPPTRIB99 ART2 E ART37 ART189 ART204 ART284 ART39 N9.
LGT98 ART22 N4 ART23 N4 ART103 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0452/07 DE 2007/09/26; AC STA PROC0599/12 DE 2012/07/11; AC STA PROC0569/11 DE 2012/04/19
Referência a Doutrina:AROSO DE ALMEIDA E OUTRO COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2005 PAG765.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VOLII PAG270 VOLIII PAG369.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. – O INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão que o Tribunal Central Administrativo Norte proferiu em 07/09/2011 no âmbito do recurso jurisdicional nº 981/11.9BEBRG, interposto pela executada/reclamante A…… da sentença do TAF de Braga, concedendo-lhe provimento e declarando nulo o acto de citação desta executada no processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade B……, Ldª, e que contra aquela revertera face à sua qualidade de responsável subsidiária pelo pagamento da quantia exequenda.

Por acórdão proferido em 14/12/2011 pela formação prevista no n.º 5 do artigo 150.º do CPTA, foi decidido convolar esse recurso de revista em recurso por oposição de acórdãos nos termos do disposto no artigo 284º do CPPT, tendo em conta que «por um lado, a recorrente “subscrevendo” implicitamente o entendimento afirmado no citado acórdão do TCAS, de 8/4/2011 (Conclusões 7 e 10), conclui que o acórdão recorrido está em clara contradição com aquele, que cita em abono da sua posição. E, por outro, não constitui obstáculo à convolação a falta de alegação de demonstração da oposição de acórdãos, uma vez que, ordenada a convolação, são anulados os actos não consentâneos com a nova forma processual.».

Notificada a Recorrente para apresentar alegações tendentes a demonstrar que entre o acórdão recorrido e o aludido acórdão fundamento ocorria a necessária oposição, apresentou as alegações que se encontram juntas a fls. 515 a 527.

Posteriormente, a Recorrente foi notificada para apresentar alegações sobre o objecto do recurso, nos termos do estatuído no artigo 282.º, n.º 3 do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 284.º, n.º 5, do mesmo Código, tendo apresentado as alegações que contam de fls. 619 a 632 e que se encontram rematadas com as seguintes conclusões:
1. Por tudo que ficou exposto, nos termos do n.º 2 do artigo 280.º e 284.º do CPPT, das decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos cabe recurso, com base em oposição de acórdãos, quando os acórdãos em confronto hajam sido proferidos no âmbito da mesma legislação e que, relativamente à mesma questão de direito, hajam perfilhado soluções opostas, ou seja, tenham aplicado os mesmos preceitos legais de forma divergente a idênticas situações de facto.

2. Ora no caso concreto, verifica-se uma divisão e diferença jurisprudencial que gera instabilidade e incerteza na resolução dos litígios, quanto à questão de saber se o regime de arguição de nulidades da citação perante o órgão de execução fiscal apenas pode ser aplicado às nulidades que têm origem na inobservância de formalidades da citação e estão conexas com o processo de execução fiscal e não as relativas à notificação da liquidação e sua fundamentação exigida para a citação dos responsáveis subsidiários às quais se aplicará o regime de sanação previsto no art. 37.º do CPPT, afastando a possibilidade de constituir nulidade de citação.

3. De facto, a jurisprudência encontra-se dividida quanto a saber se a preterição destas formalidades – relativas à notificação das liquidações e sua fundamentação exigida para a citação dos responsáveis subsidiários – constitui nulidade a ser arguida no processo de execução. A corrente que defende que a preterição dessas formalidades legais não constitui nulidade, assenta o seu raciocínio no facto de tais formalidades legais nada terem a ver com o próprio processo executivo, isto é, repercussão directa no processo.

4. No caso concreto, encontram-se em execução contribuições e cotizações e o processo de liquidação dos tributos não é da responsabilidade e incumbência da Segurança Social, tal incumbência recai única e exclusivamente sobre a devedora originária e dos responsáveis subsidiários enquanto representantes legais da devedora originária, pelo que não existe qualquer acto de liquidação por parte da entidade credora.

5. O acórdão do TCAN de que se recorre entendeu que: “o incumprimento das formalidades legais da citação no caso dos autos prende-se, assim, com a omissão dos elementos essenciais das liquidações e seus fundamentos, aquando da citação, formalidade imposta pelo n.º 4 do artigo 22.º da LGT. Assente que a preterição das formalidades legais da citação previstas no n.º 4 do artigo 22.º da LGT são, em principio, susceptíveis de consubstanciarem nulidade processual, importa verificar se no caso concreto tal nulidade ocorre, o que só acontecerá se tais irregularidades forem susceptíveis de prejudicar a defesa da recorrente. Ora, considerando o que acima ficou exposto sobre o que se considera defesa do citando e o que de deve entender por prejuízo, pode dizer-se que, em abstracto, existe a possibilidade de a recorrente haver sido prejudicada no exercício de todos os meios de defesa a que, por lei, tenha direito, em virtude que a citação que recebeu não conter os elementos essenciais, incluindo a fundamentação da liquidação da quantia exequenda, uma vez que sem eles o exercício do direito de impugnar graciosa ou contenciosamente fica limitado dado depender sobretudo do conhecimento dos fundamentos do acto. E se a possibilidade de prejuízo existe em abstracto, não estão demonstrados factos dos quais resulte que tal prejuízo não existiu, pelo que se verifica a arguida nulidade da citação." (Itálico nosso).

6. Tal entendimento encontra-se em clara contradição com o acórdão do TCAS de 08/04/2011 e com a doutrina perfilhada do Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que nós partilhamos no sentido de que o regime decorrente da previsão do art. 198.º n.º 1 CPC "deve ser aplicado às nulidades que derivam da inobservância de formalidades da citação que têm a ver com o processo de execução fiscal e não também, com as notificações da liquidação e sua fundamentação, exigidas pelo art.° 22.º n.º 4, da LGT para a citação de responsáveis solidários e subsidiários".

7. O regime das nulidades da citação arguidas perante o órgão de execução fiscal passível de reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT deve ser aplicável apenas às nulidades que derivam da inobservância das formalidades da citação intrinsecamente ligadas ao processo de execução, que não é o caso das notificações da liquidação e sua fundamentação, exigida pelo artigo 22.º n.º 4 da LGT para a citação dos responsáveis subsidiários. De facto, a impugnação da liquidação faz-se através do processo de impugnação judicial, devendo na ausência dos citados elementos recorrer ao expediente previsto no art. 37.º do CPPT, não podendo constituir nulidades da citação em processo e execução fiscal, pois não são insuficiências do processo de execução capazes de ter repercussões imediatas no processo de execução.

8. Neste sentido, não se pode considerar que esta irregularidade possa importar prejuízo ao exercício dos direitos de defesa, designadamente o direito de Oposição Judicial, que no caso concreto foi exercido.

9. Nestes termos, a inobservância da notificação da liquidação e sua fundamentação exigidas pelo art. 22.º da LGT não constituem nulidades da citação, decorrentes da previsão do artigo 198.º n.º 1 do CPC, aplica-se nesta sede o disposto no artigo 37.º do CPPT, tal como entendido no Acórdão do TCAS datado de 08-04-2011.

10. Ao não entender assim o Tribunal a quo viola as disposições contidas na lei nos seus artigos 22.º n.º 4 e 23.º n.º 4 da LGT, o artigo 276.º, 165.º e 37.º do CPPT e 198.º do CPC ex vi art. 2.º al. e) do CPPT.

TERMOS EM QUE, E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VS. EXAS., DEVERÁ SER ADMITIDO O PRESENTE RECURSO, SER JULGADO PROCEDENTE, E, EM CONSEQUÊNCIA SER REVOGADO O ACORDÃO RECORRIDO, COM TODOS OS DEVIDOS E EFEITOS LEGAIS, COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que se devia julgar verificada a oposição de acórdãos e de que se devia manter o decidido no acórdão recorrido.

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência do Pleno desta Secção.

2. No acórdão recorrido consta como provada a seguinte matéria de facto:

1. As dívidas exequendas revertidas contra a reclamante [A……] respeitam a contribuições e cotizações para a segurança social relativas aos períodos de Abril de 2003 até Janeiro de 2009, as quais resultaram de autoliquidação efectuada pela sociedade executada originária, de acordo com os trabalhadores que naqueles períodos tinha ao serviço;

2. A oponente foi notificada para exercer o direito de audição - cfr. elementos constantes a fls. 56/61, 68/70 e 74/93 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

3. A reclamante foi citada na qualidade de revertida a 25/5/2010;

4. Em 7/7/2010, não se conformando com a citação que lhe foi efectuada, a reclamante arguiu a nulidade da citação;

5. Em 10.03.2011, foi proferido despacho da autoria da Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Braga daquele Instituto, indeferindo tal requerimento – cfr. fls. 129 a 131 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

6. A reclamante foi notificada desse indeferimento a 17/3/2011;

7. A petição inicial foi apresentada a 29/3/2011;

8. A recorrente foi citada para a execução através do documento junto a fls. 76 dos autos, com o nº 040421 de 21-05-2010 da Secção de Processo Executivo de Braga, do qual consta, para além da identificação do citando/revertido, da forma de citação (pessoal) e do objecto e função da citação, a identificação da dívida em reversão nos seguintes termos que se transcrevem:

«IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM REVERSÃO
QUANTIA EXEQUENDA: 185.622,86 € ACRESCIDOS: 91.604,71 € TOTAL 277.227,51 €.».

9. No mesmo documento de citação referido em 8) é remetido para documento anexo os fundamentos da reversão;

10. A reversão da execução contra a ora recorrente foi determinada por despacho de 10-05-2010 da Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Braga que remete a fundamentação para a proposta que antecede tal despacho, documentos que acompanharam a citação (fls. 92 dos autos);

11. Consta da proposta referida em 10), além do mais (irrelevante para os autos), o seguinte (fls. 93 dos autos):

«Ordenadas que foram as buscas concluíram que os bens registados em nome da executada, ou outros de outro tipo, são manifestamente insuficientes face ao valor da dívida exequenda.

O art. 153.º, nº 2, do C.P.P.T. determina que o chamamento dos responsáveis subsidiários quando ocorra: “b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para satisfação da dívida exequenda e acrescido”.

Torna-se imperativo, então, chamar os responsáveis subsidiários ao processo, o que se faz por Reversão.

Nos termos do art. 24.º, da L.G.T. encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no nº 2 do art. 23.º, da L.G.T., em conjugação com o art. 153.º, do C.P.P.T.

Foi possível apurar que é responsável subsidiário da executada, tendo desenvolvido actividade de gerente, no período a que respeita a dívida exequenda:
- A ... – NIF …– pela totalidade do período da dívida exequenda ou seja de 04/2003 a 01/2009 (inclusive).».

12. Com a citação foram juntas as certidões de dívida de fls. 78 a 91, cujo teor se dá aqui por reproduzido e nas quais, no que respeita à natureza da dívida, é indicado o período a que respeitam, o tributo em causa (cotizações), o tipo (quantia exequenda) e o valor.

3. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão proferido em 7/09/2011 pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do recurso jurisdicional n.º 981/11.9BEBRG (acórdão recorrido), com o acórdão proferido em 8/04/2011 pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do recurso jurisdicional n.º 4609/11 (acórdão fundamento).

Importa, desde logo, apreciar se ocorre ou não a invocada oposição de acórdãos, pois tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Tribunal, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão numerosa, essa decisão não faz caso julgado e não desobriga o Tribunal de recurso de apreciar a questão (cfr. artigo 687.º, n.º 4, do CPC).

Está em causa um recurso por oposição de acórdãos interposto em reclamação deduzida contra acto praticado pelo órgão da execução fiscal instaurada no ano de 2007, ao qual é, assim, aplicável o ETAF de 2002 (Cfr., sobre o tema, o acórdão do Pleno desta Secção, de 26/09/2007, no recurso n.º 0452/07.), pelo que o seu conhecimento, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, n.º 1, alínea b), desse diploma legal, 152.º, n.º 1, alínea a), do CPTA e 284.º do CPPT, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais:

- que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

- que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.


E como também tem sido repetidamente explicitado pelo Pleno desta Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar essa contradição, e que são os seguintes:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe a presença de situações substancialmente idênticas - ou seja, é necessária tanto uma identidade jurídica como factual, o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica - a qual se verifica sempre que eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- que a oposição decorra de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos, então, se no caso ocorrem os enunciados requisitos legais, começando pela verificação da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

A questão colocada no recurso onde foi proferido o acórdão recorrido era a de saber se no acto de citação do executado por reversão da execução fiscal fora cometida uma nulidade processual à luz do regime contido no artigo 198º do Código de Processo Civil, por falta de observância do disposto no n.º 4 do artigo 22º da Lei Geral Tributária, isto é, por virtude de o acto de citação não conter indicação sobre elementos essenciais das liquidações das contribuições que constituem a dívida exequenda, mais concretamente, a indicação sobre a origem das liquidações – (se adicionais, oficiosas, ou autoliquidadas pela sociedade originária devedora).

Segundo a tese nele sufragada, a falta de observância da formalidade legal prevista no n.º 4 do artigo 22º da LGT é susceptível, em princípio, de consubstanciar uma nulidade processual (nulidade da citação), em harmonia com o regime previsto no artigo 198.º do CPC (aplicável ex vi do art.2.º, al. e), do CPPT), desde que possa prejudicar a defesa do citado, isto é, desde que seja possível configurar a existência de prejuízo para a defesa do citado no âmbito dos direitos processuais que podem ser exercidos na sequência desse acto de citação.

A mesma questão foi colocada no recurso que deu origem ao acórdão fundamento, onde o executado por reversão da execução instaurada com vista à cobrança de dívidas de IRC arguiu a nulidade da sua citação com base na circunstância de esta diligência não conter nem ter sido acompanhada dos elementos essenciais da liquidação da dívida exequenda, designadamente da sua fundamentação, desrespeitando, assim, a formalidade contida no n.º 4 do art.º 22.º da LGT.

Porém, segundo a tese sufragada neste aresto, a preterição dessa formalidade legal não constitui uma nulidade processual, mais concretamente uma nulidade do acto de citação, por a falta cometida não ter a ver com o processo executivo em si nem ter repercussão directa nesse processo, devendo essa falta de inclusão, no acto de citação, dos elementos essenciais da liquidação, designadamente da respectiva fundamentação, ser sanada através do meio previsto no artigo 37.º do CPPT.

Como assim, afigura-se-nos manifesta a oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, por ambos assentarem em situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais e estar em causa o mesmo fundamento de direito (interpretação e aplicação do n.º 4 do artigo 22.º da LGT e do artigo 198.º do CPC). E não tendo havido alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente, é manifesto que foi perfilhada solução oposta em cada um dos arestos, por decisões expressas e antagónicas.

E também se nos afigura preenchido o segundo requisito, pois a orientação perfilhada no acórdão impugnado, embora perfilhe a corrente jurisprudencial actualmente dominante no STA, não pode ainda considerar-se como consolidada.

Com efeito, julgamos que a exigência legal de que não exista, no sentido da decisão recorrida, jurisprudência recentemente consolidada do STA para que o recurso seja admitido, não se basta com a existência de vários acórdãos da Secção nesse sentido, pois, se assim fosse, o legislador teria estabelecido que obstava à admissão do recurso a circunstância de a orientação perfilhada no acórdão recorrido estar de acordo com as mais recentes decisões proferidas pelo STA.
A nosso ver, os diversos acórdãos que sobre a matéria têm vindo a ser emitidos por esta Secção de Contencioso Tributário traduzem, sem dúvida, uma forte corrente jurisprudencial, mas não revelam ainda uma inequívoca estabilidade de julgamento e uma inabalável constância decisória, isto é, não traduzem uma jurisprudência consolidada, a qual deve transparecer ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção (consoante prevê o art. 17º, nº 2, do actual ETAF) ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade em todas as formações da Secção.
Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (in” Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, pág. 765.), “a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas subsecções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente”, mas não se podendo inequivocamente afirmar, no caso, que as decisões mais recentes do STA sobre esta questão fundamental de direito traduzam jurisprudência uniforme, pacífica e constante, e visto que a questão está a ser pela primeira vez colocada no Pleno da Secção, o recurso não deve deixar de ser admitido.

Sendo patente a contradição entre os julgados, impõe-se agora decidir qual a solução que se deve considerar de harmonia com a ordem jurídica – se a do acórdão fundamento, reclamada pela recorrente; se a do acórdão recorrido.

Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 23.º da LGT, «A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de oposição»; e de acordo com o nº 4 do art. 22º da LGT «As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais.».

O que significa que, perante a lei processual tributária, a citação do responsável subsidiário revertido deve conter, além dos elementos necessariamente incluídos na citação do executado originário, os elementos essenciais do acto de liquidação donde provém a dívida exequenda, incluindo a respectiva fundamentação. O que se compreende, na medida em que o responsável subsidiário, ao contrário do devedor originário, não tem obrigação de conhecer (e pode, efectivamente, não conhecer) os elementos essenciais do acto de liquidação que está na origem da dívida que é chamado a pagar e que são, em princípio, necessários à sua defesa - seja por oposição à execução, seja por impugnação graciosa ou contenciosa desse acto tributário – pois a lei reconhece-lhe o direito de exercer todos esses meios de defesa nos mesmos termos do devedor principal.

Deste modo, e sabido que a reversão da execução contra o responsável subsidiário se concretiza através do acto processual de citação para o processo judicial de execução (arts. 103.º, n.º 1, da LGT e 189.º do CPPT) e que a lei processual tributária exige, relativamente ao acto de citação deste devedor, que ele contenha ou seja acompanhado dos elementos indicados no n.º 4 do art.º 22.º da LGT, a inobservância deste comando legal representará a preterição de uma formalidade que a lei prescreve como necessária para que o acto surta os efeitos desejados. E, como se sabe, a cominação que o nosso ordenamento jurídico prevê para um acto de citação praticado com desrespeito por formalidades legais é, em princípio, a nulidade do acto, em conformidade com o regime previsto no artigo 198º do CPC (aplicável ex vi do art. 2º, al. e), do CPPT) segundo o qual «... é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei» (n.º 1), embora a arguição dessa nulidade só possa ser atendida «se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado» (n.º 4) e o prazo para a sua arguição seja «o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo» (n.º 2).

Razão por que esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a pronunciar-se, de forma reiterada, no sentido de que, nos termos das disposições combinadas dos artigos 23.º n.º 4 e 22.º n.º 4 da LGT, a citação dos responsáveis revertidos em execução fiscal deve incluir a declaração fundamentada dos pressupostos e extensão da reversão e conter os elementos essenciais da respectiva liquidação, de forma a possibilitar-lhes o uso de todos os direitos processuais que podem ser exercidos na sequência da citação (oposição à execução, impugnação graciosa ou contenciosa da liquidação donde emerge a dívida), e que se o acto de citação não contiver esses elementos padecerá de nulidade caso se verifique a possibilidade de prejuízo para a defesa do citado, em conformidade com o regime contido na norma do nº 4 do art. 198º do CPC. E, consequentemente, a nulidade da citação decorrente da inobservância das formalidades previstas no n.º 4 do art.º 22.º da LGT, configurando uma nulidade processual, deve ser arguida perante o órgão da execução, cabendo reclamação da decisão que a indefira.

Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos: de 26 de Junho de 2002, no processo n.º 832/02; de 24 de Agosto de 2005, no processo n.º 934/05; de 21 de Maio de 2008, no processo n.º 309/08; de 28 de Maio de 2008 no processo n.º 154/058; de 10 de Fevereiro de 2010, no processo n.º 1178/09; de 12 de Maio de 2010, no processo n.º 632/09; 26 de Maio de 2010, no processo n.º137/10; de 13 de Outubro de 2010, no processo n.º 4939/10; de 19 de Janeiro de 2011, no processo n.º 1034/10; de 10 de Março de 2011, no processo n.º 42/11; de 21 de Setembro de 2011, no processo n.º 780/11; de 19 de Abril de 2012, no processo n.º 569/11; de 11 de Julho de 2012, no processo n.º 599/12, todos disponíveis no sítio www.dgsi.pt.

Acolhemos plenamente esta orientação jurisprudencial e respectiva fundamentação, tanto mais que a recorrente não aduz razões legais que a infirmem decisivamente.

É certo que a doutrina contrária, sustentada no acórdão fundamento, se apoiava na tese defendida pelo Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa na 5ª Edição do “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado” II vol. pág. 270, onde se afirmava que o regime da nulidade da citação contido no artigo 198.º do CPC só devia ser aplicado às nulidades que derivassem da inobservância de formalidades da citação que têm a ver com o próprio processo de execução, e não também com as regras de notificação da liquidação impostas pelo art. 22.º, n.º 4, da LGT, porquanto «a impugnação da liquidação com que estão conexionados estes requisitos da citação de responsáveis solidários subsidiários é feita fora do processo de execução fiscal, através de processo de impugnação judicial, pelo que não se pode justificar que a não observância destas formalidades constitua nulidade do processo de execução fiscal, pois apenas podem ter tal qualificação deficiências que tenham directa repercussão no processo.».

Todavia, como esse Ilustre Juiz Conselheiro teve oportunidade de clarificar na 6ª Edição daquela obra, embora a defesa do citado relativamente ao acto de liquidação deva ser levada a cabo, em princípio, fora do processo de execução (através de reclamação graciosa ou de impugnação judicial), devendo aplicar-se, por consequência lógica, às deficiências da notificação do acto tributário o regime previsto nos arts. 37.º e 39.º, n.º 9, do CPPT, o certo é que, na prática, é difícil implementar uma separação, pois que há sempre a possibilidade de na oposição à execução fiscal serem impugnados os actos de liquidação ao abrigo das alíneas a), g) e h), do n.º 1, do art.º 204.º do CPPT e, nestes casos, as deficiências da notificação dos elementos relativos à liquidação a incluir na citação terão repercussão nos direitos a exercer no processo de execução, o que justifica que provoquem a nulidade da citação. Por tal razão, acabou por concluir que «não podendo saber-se antecipadamente se o destinatário da citação vai querer impugnar a liquidação através de oposição à execução fiscal [o que, mesmo quando a lei prevê meio de impugnação judicial da liquidação, é sempre viável relativamente a situações enquadráveis na alínea a) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT], parece que a melhor solução, a que em todos os casos permite assegurar efectivamente ao destinatário da notificação todos os direitos processuais que a lei lhe confere (inclusivamente o de utilizar a oposição à execução fiscal como meio impugnatório do acto de liquidação) é a que o STA tem vindo a afirmar de a não inclusão na citação dos elementos respeitantes à liquidação, nos casos previstos no referido art.º 22.º, n.º 4, da LGT, constituir sempre nulidade de citação- vol. III, pág. 369.

Neste contexto – e tendo em conta que a questão decidenda se restringia unicamente a saber se a falta de observância da formalidade prevista no n.º 4 do art.º 22º da LGT no acto de citação do devedor subsidiário é susceptível de provocar a nulidade do acto nos termos do regime contido no art.º 198.º do CPC, ou se, pelo contrário, é insusceptível de provocar essa nulidade processual por não ter a ver com o processo executivo em si nem ter repercussão directa nele, representando uma deficiência que deve ser sanada através do mecanismo previsto no art.º 37.º do CPPT – é de concluir que o acórdão recorrido julgou de acordo com a lei aplicável e deve, por isso, ser confirmado.

4. Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.




Lisboa, 19 de Setembro de 2012. – Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) – Alfredo Aníbal Bravo Coelho Madureira – João António Valente Torrão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro – Pedro Manuel Dias Delgado – Maria Fernanda dos Santos Maçãs.