Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01143/18.0BELRA
Data do Acordão:09/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24864
Nº do Documento:SA22019091101143/18
Data de Entrada:03/14/2019
Recorrente:A.......UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A sociedade A……., Unipessoal, Lda, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, proferida em 3/12/2018, que rejeitou o recurso judicial de impugnação que deduziu contra decisões administrativas de aplicação de coimas proferidas em dezassete processos de contra-ordenação não apensados entre si mas remetidos ao tribunal com o recurso.

1.1. Formulou alegações que finalizou com as seguintes conclusões:

1. A Recorrente apresentou junto do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha um único recurso de contra-ordenação das decisões de aplicação de coimas, contemplando os dezassete processos de contra-ordenação relacionados em 1. do Probatório;

2. Entendeu o V. Tribunal “a quo” que deveriam ter sido apresentados dezassete recursos (um por cada processo de contra-ordenação), caso não tivessem sido apensados pelo Serviço de Finanças de Caldas da Rainha;

3. Consultado o aludido Serviço de Finanças, veio este informar não ter procedido à apensação dos processos em causa;

4. Destarte, por despacho de fls. 383 dos autos foi determinada a notificação à Recorrente a fim de proceder à indicação do recurso que pretendia ver apreciado, sob pena de rejeição liminar, por cumulação ilegal de recursos;

5. Através de requerimento de fls. 385 e 386 dos autos veio esta dizer, em relação a todos os processos, não prescindir de nenhum dos recursos, nos termos em que os apresentou perante aquele Tribunal;

6. Mais tendo requerido a sua apensação junto do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, na hipótese daquela não ter ainda sido realizada;

7. Prevenindo esta circunstância, ou seja admitindo que os processos não tivessem ainda sido apensados, mas porque a seu ver se encontravam em pleno reunidos os respectivos pressupostos, requereu por fim ao Tribunal “a quo” que, fazendo uso do disposto no art.º 25º do Código do Processo Penal, ordenasse a apensação dos processos naquele Tribunal, a qual nos termos deste preceito sempre se imporia;

8. Na sequência do entendimento anteriormente expresso, o Tribunal “a quo” decidiu rejeitar liminarmente a petição inicial de recurso de contra-ordenação;

9. A recorrente aceita como correspondendo à realidade a factualidade dada como provada descrita na Decisão recorrida;

10. Não já a sua subsunção ao direito;

11. Nos termos do disposto no art.º 25º do CPP, art.º 55º e art.º 57º nº 5 ambos da LGT, art.º 10º do CPA, e tal como constitui jurisprudência unânime desse V. Tribunal, deveria o Tribunal “a quo” ter feito uso do disposto no art.º 25º do Código do Processo Penal, ordenando a apensação dos processos naquele Tribunal;

12. Assim, a correcta subsunção dos factos ao direito que a Decisão recorrida acolheu, quando devidamente considerados, imporá salvo melhor opinião, conclusão diversa da decidida, devendo ser admitido o recurso relativo aos dezassete processos e em consequência, devendo ter sido estes apensados;

13. Devendo ser conhecido de mérito do pedido;

14. E revogar-se a Decisão recorrida;

15. O V. Tribunal “a quo”, na prolacção da Decisão sob recurso, ignorou os citados dispositivos constantes do art.º 55º e art.º 57º nº 5 ambos da LGT, do art.º 10º do CPA, e fez mal juízo do disposto no art.º 25º do CPP, os quais por tal motivo, resultaram violados;

16. Mais resultaram violados os normativos constantes das alíneas b) e c) do nº 2 do art.º 410º ambos do CPP.



1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, porquanto «a incorporação dos 17 processos de contraordenação tributária no processo único enviado a tribunal dispensa a sua apensação formal, permitindo a tramitação unitária do recurso interposto contra as coimas aplicadas em cada um daqueles (cf. ofício a fls. 2 do processo físico). CONCLUSÃO O recurso merece provimento. // A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão que ordene a devolução do processo ao tribunal tributário para tramitação unitária do recurso interposto, tendo por objecto as coimas aplicadas em cada um dos processos de contraordenação tributária incorporados (ou apensados).».

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Na decisão recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 23-03-2018 a Recorrente apresentou junto do Serviço de Finanças de Caldas da Rainha um recurso de contra-ordenação das decisões de aplicação de coima aplicadas nos processos de contra-ordenação nsº 13502018060000089860, 13502018060000089020, 13502018060000089720, 13502018060000089437, 13502018060000089003, 135020180600000898640, 13502018060000090028, 13502018060000089941, 13502018060000003184, 13502018060000001327, 1350201806000002749, 1350201806000001300, 13502018060000002234, 13502018060000002218, 13502018060000002692, 13502018060000002609, 13502018060000003265 – (cfr. fls. 178 a 191 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Por despacho de 03-10-2018 foi determinado que se oficiasse o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha para vir informar nos autos se os processos de contra-ordenação a cujas coimas foi apresentado o recurso identificado no número anterior se encontram apensados – (cfr. fls. 379 dos autos em suporte digital);

3. Em 1640-2018 deu entrada neste Tribunal ofício proveniente do Serviço de Finanças das Caldas da Rainha com o seguinte teor: Em resposta ao vosso ofício supra identificado, informo que os Processos de Contra ordenação nele descritos e objecto de recurso judicial não se encontram apensados pois já cumprem as regras da redacção dada à Lei 25/2006 de 30/06 pela Lei 61/2015 de 8/06 nomeadamente os nºs 4 e 5 do artigo 7º e nº 7 do artigo 9º – (cfr. fls. 382 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

4. Por despacho de 18-10-2018 foi determinada a notificação da Recorrente do teor do ofício identificado no número antecedente bem como para indicar que recurso pretende ver apreciado, sob pena de rejeição liminar – (cfr. fls. 383 dos autos, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

5. Por requerimento remetido em 08-11-2018 veio a Recorrente solicitar que a apensação seja efectuada pelo Tribunal – (cfr. fls. 385 e 386 dos autos em suporte digital, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. O presente recurso vem interposto da decisão que rejeitou o recurso de impugnação que a arguida interpôs de dezassete decisões administrativas de aplicação de coima, proferidas em dezassete processos de contra-ordenação não apensados entre si, numa situação em que não só ela requerera a prévia apensação dos processos, como, também, o Ministério Público formulara idêntica pretensão no acto de apresentação dos autos ao Juiz, tendo todos os processos de contra-ordenação sido remetidos para tribunal com o recurso.

Na decisão recorrida julgou-se, em suma, não ser legalmente permitido impugnar, através de uma única petição de recurso, diversas decisões de aplicação de coima proferidas em diversos processos de contra-ordenação que não se encontravam apensados, sendo obrigatário que a impugnação fosse apresentada separadamente para cada um dos processos de contra-ordenação.

Não se acompanha, todavia, este entendimento, que contraria, aliás, a jurisprudência já firmada sobre a matéria.

Com efeito, apesar de o Recorrente ter apresentado uma só petição de recurso para impugnar várias decisões administrativas de aplicação de coima proferidas em processos não apensados entre si, o certo é que, concomitantemente, identificou esses processos e requereu a sua apensação de modo a possibilitar-lhe a utilização de uma única petição para impugnar todas as decisões, no que foi acompanhado pelo Ministério Público quando fez a apresentação dos autos ao Juiz. E tendo o Serviço de Finanças remetido a tribunal, com a petição do recurso, os vários processos de contra-ordenação, nada obstava a que o Mmº Juiz procedesse à análise e decisão desse pedido.

Na verdade, a apensação dos dezassete processos onde foram proferidas as decisões administrativas impugnadas viabiliza a apresentação de uma única peça de judicial de impugnação para todas essas decisões, com ganhos de eficiência formais e substanciais, atenta a instrução, discussão e julgamento conjunto da legalidade das duas decisões, sendo esta a razão legal justificativa da junção por conexão.

Deste modo, impunha-se ao Mmº Juiz analisar e decidir o aludido pedido de apensação, pedido que, como tem sido frisado pela jurisprudência do STA, pode e deve ser acolhido caso se mostrem verificados os respetivos pressupostos legais, e que pode e deve ser ordenada (até oficiosamente) no despacho liminar, em qualquer momento antes de ser designada data para julgamento ou antes da prolação do despacho a que se refere o art.º 64º do RGCO – cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 17/06/2015, no proc. nº 0137/15, de 28/10/2015, no proc. nº 069/15, de 15/11/2017 no proc. nº 01026/17, de 20/03/2019, no proc. nº 01895/17, de 29/05/2017, nos procs. nº 01206/17.9BEPRT e nº 01826/17.1BEBRG, e de 5/06/2019, no proc. nº 02364/17.8BEPRT.

Como se deixou frisado no acórdão proferido no processo nº 0137/15, «o facto de não se ter ordenado a apensação de todos os processos na fase administrativa, não impede que seja ordenada essa mesma apensação na fase judicial, cfr. artigo 29º nº 2, no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho, cfr. artigo 64º do RGIMOS e 82º do RGIT. // Nesta medida, incumbe ao juiz a quem compete o julgamento das impugnações das decisões administrativas, apreciar da aplicabilidade do disposto naquele artigo 25º do CPP, configurando-se, assim, o reconhecimento da conexão de processos e a determinação da apensação dos mesmos como um dever e não como uma faculdade que é concedida ao juiz, tudo em vista da melhor realização da justiça e da economia de meios.».

Razão por que se impõe conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que aprecie e decida o pedido de apensação dos dois processos de contra-ordenação e, no caso do seu deferimento, que conheça, se a tal nada mais obstar, do mérito do recurso impugnatório das decisões que neles foram proferidas.



4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e determinar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para os efeitos supra referidos.
Sem custas.

Lisboa, 11 de Setembro de 2019. – Dulce Neto (relatora) – Aragão Seia – Ascensão Lopes.