Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:091/21.0BCLSB
Data do Acordão:02/24/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
SANÇÃO DISCIPLINAR
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I – Não é de admitir revista se o acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência deste Supremo na matéria questionada no recurso de apelação, não havendo necessidade de recebimento do recurso de revista, para reanálise do assunto com vista a uma melhor aplicação do direito. Não se vendo igualmente, que a questão detenha uma relevância jurídica ou social superior ao normal para este tipo de problemática.
II – As questões de inconstitucionalidade na interpretação dos arts. 187º, nº 1, als. a) e b), 168º, nºs 1 e 2 e 183º, nºs 1 e 2, todos do RDLPFP por alegadamente violadora dos arts. 20º, nºs 1 e 5 e 268º, nº 4 da CRP, como esta Formação tem reiteradamente entendido, não constituem objecto próprio de revista, já que sobre elas pode ser interposto recurso directamente para o Tribunal Constitucional.
Nº Convencional:JSTA000P29036
Nº do Documento:SA120220224091/21
Data de Entrada:02/07/2022
Recorrente:SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL, SAD
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD (Benfica, SAD) recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em sede de arbitragem necessária, tendo o TAD proferido acórdão, em 15.07.2021, julgando procedente o recurso da decisão proferida em plenário, do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), de 11.08.2020., que, no âmbito do processo disciplinar nº 55-19/20, decidiu condenar a Demandante pela prática de infracções disciplinares previstas e punidas pelo art. 187º, nº 1, al. a) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol (RDLFPP 2019), [punível ainda com a sanção acessória de reparação de acordo com o art. 188º, nº 1 do RD], aplicando uma pena de multa no valor de €34.068,00, por referência à violação dos deveres contemplados no art. 35º, nº 1, als. b), c) e o) do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, e do art. 10º, nº 1, als. i), j) e o do Regulamento da Prevenção da Violência, constante do Anexo VI do RCLFPF 2019, contra a Federação Portuguesa de Futebol, pedindo a revogação do acórdão sancionatório.

Interposto recurso jurisdicional pela Benfica, SAD, em 16.12.2021 o TCA Sul proferiu acórdão que concedeu parcial provimento ao recurso, anulou o acto impugnado no segmento em que condenou a Recorrente pela pratica da infracção disciplinar p. e p. pelo art. 187º, nº 1, al. a) do RDLPFP 2019, e no mais confirmou o acórdão recorrido e manteve a sanção disciplinar que foi aplicada à aqui Recorrente pelo Conselho de Disciplina da FPF, pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 183º, nºs 1 e 2, 186º, nºs 1 e 2 e 187º, nº 1, al. b) do RDLPFP 2019, na pena de multa de €33.150,00.

A Benfica, SAD não se conforma com esta decisão, interpondo a presente revista, alegando que esta visa a apreciação de questão com relevância jurídica fundamental.

Em contra-alegações a Recorrida FPF defende a inadmissibilidade do recurso, ou a sua improcedência.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Recorrente impugnou no TAD a deliberação do Plenário do Conselho de Disciplina (Secção Profissional) da FPF de 11.08.2020 que o condenara a pagar uma multa no valor total de € 34.068,00 pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelo art. 187º, nº 1, al. a) do RDLFPP 2019, aplicando a referida pena de multa, por referência à violação dos deveres contemplados no art. 35º, nº 1, als. b), c) e o) do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, e do art. 10º, nº 1, als. i), j) e o do Regulamento da Prevenção da Violência, constante do Anexo VI do RCLFPF 2019.

O TAD julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

O TCA Sul para o qual a Benfica, SAD apelou, revogou aquela decisão, no segmento respeitante à infracção disciplinar p. e p. no art. 187º, nº 1, al. a) do RDLPFPF 2019, na forma tentada, concedendo nessa parte, provimento ao recurso e, no mais, confirmando o acórdão arbitral que condenou a Recorrente pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 183º, nºs 1 e 2, 186º, nº 1 e 2, 187º, nº 1, al. b) do referido RD, na pena de multa de €33.150,00.
Começou o acórdão recorrido por analisar o erro de julgamento imputado à decisão arbitral quanto à fixação da matéria de facto, tendo procedido ao aditamento da mesma nos termos constantes a págs. 24 e 25 do acórdão, indeferindo, no mais, os aditamentos requeridos pela Recorrente.
Quanto à apreciação das infracções disciplinares em causa nos autos, socorreu-se o acórdão recorrido do aresto proferido por este STA em 07.05.2020, no Proc. nº 074/19.0BCLSB (que citou), o qual, por sua vez refere jurisprudência também deste STA, nos acs. de 05.09.2019, Proc. 065/18, de 02.05.2019, Proc. 073/18 e de 21.09.2019, Proc. nº 033/18 (a qual, apesar de referida no acórdão do TCA Sul então em recurso, não foi por ele seguida, como faz notar o referido acórdão) e cuja jurisprudência seguiu.
Referiu, nomeadamente o acórdão recorrido que o entendimento que havia transcrito do acórdão acima indicado é uniforme no STA, constando de diversos acórdãos deste STA que versaram sobre a matéria em causa nos autos, e que cita. Como igualmente o ac. do Tribunal Constitucional nº 730/95, de 14/12 no qual se entendeu que subjacente aos precitos no domínio da prevenção da violência no desporto, encontra-se uma responsabilidade dos clubes de futebol baseada na culpa, concretamente na denominada culpa in vigilando e in formando, e não uma responsabilidade objectiva.
Concluiu, assim, que “a Benfica SAD incumpriu culposamente os deveres de vigilância, controlo e formação a que estava adstrita, interpretação que não padece de qualquer inconstitucionalidade, cumprindo salientar que no acórdão arbitral recorrido não se presumiu que os adeptos envolvidos nas perturbações da ordem pública são associados da Benfica SAD, antes se tendo presumido, face às regras de experiência [presunção judicial], que os adeptos que se encontravam na bancada topo norte superior (local reservado em exclusivo aos adeptos afectos à equipa visitante, ou seja, in casu o Benfica), os quais envergavam vestes, cachecóis e bandeiras com as cores do Benfica e tarjas com as inscrições “NN”, “E Pluribus Unum” e “DIABOS” (utilizadas pelas claques do Benfica), eram adeptos (e não associados) da Benfica SAD [sendo certo que a utilização desta presunção judicial, e pelas razões acima enunciadas, não pode suscitar reservas].

Alega a Recorrente na presente revista que está em causa no recurso a aplicação, em processo sancionatório, de uma presunção de culpa, a qual é violadora da Constituição e, conexa com esta, a questão da responsabilidade objectiva dos clubes e sociedades desportivas, por assentar numa presunção de culpa interpretada e aplicada de forma ilegal, se desconsidera as condutas encetadas pela Recorrente com vista ao combate do fenómeno da violência no desporto.
Defende, em síntese, que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao não proceder às alterações da matéria de facto que requereu, sob pretensa irrelevância, quando, na verdade, valora negativamente tais factos ao arrepio da prova produzida. E, igualmente, que é inconstitucional a presunção estabelecida de que os adeptos envolvidos em perturbações da ordem pública são, em função da roupa que envergam ou da bancada em que se situam, associados da sociedade desportiva, ou clube. Mais alega que em momento algum o acórdão recorrido indica em que factos se materializa a alegada violação dos deveres por parte da Recorrente e dos demais clubes e/ou sociedades desportivas, sendo inconstitucional, por violação dos arts. 20º, nºs 1 e 5 e 268º, nº 4 da CRP, a interpretação dos arts. 187º, nº 1, als. a) e b), 168º, nºs 1 e 2 e 183º, nºs 1 e 2, todos do RDLPFP, segundo a qual, a culpa do Clube ou Sociedade Desportiva pode ser aferida exclusivamente em função do incumprimento dos deveres por parte de cidadãos assistentes ao evento desportivos, porquanto estabelece uma presunção de culpa violadora dos citados preceitos e princípios constitucionais.

A Recorrente questiona a decisão do acórdão recorrido quanto à matéria de facto, alegando mesmo que a decisão seria nula por falta de fundamentação.
Não indica, no entanto, qual a disposição que consubstanciaria tal invocada nulidade, sendo que não se vislumbra que o acórdão recorrido tenha incorrido na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 615º do CPC, visto que está fundamentada de facto e, igualmente, quanto ao que motivou que apenas tenha procedido ao aditamento de determinados factos e não de outros, como pretendia a Recorrente.
De todo o modo, a apreciação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, mesmo em caso de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, sendo que a Recorrente não invoca que se esteja perante qualquer uma das circunstâncias previstas na segunda parte do nº 4 do art. 150º do CPTA que permita esse juízo. Termos em que, atento o disposto no art. 150º, nºs 2, 3 e 4 do CPTA, a revista não é nessa parte admissível.
Quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 187º, nº 1, als. a) e b), 168º, nºs 1 e 2 e 183º, nºs 1 e 2, todos do RDLPFP por ser alegadamente violadora dos arts. 20º, nºs 1 e 5 e 268º, nº 4 da CRP, esta Formação tem reiteradamente entendido que as questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio de revista. Com efeito, sobre elas pode ser interposto recurso directamente para o Tribunal Constitucional, não se justificando a admissão da revista quanto a elas, por não ser definitiva a decisão que viesse a ser proferida pelo STA nessa matéria, face àquela possibilidade de recurso [cfr. neste sentido, v.g., o ac. desta Formação de 18.11.2021, Proc. nº 0434/20.4BEPRT-S1 e a jurisprudência nele indicada].
Assim sendo, e porque as instâncias decidiram, no essencial [o acórdão recorrido apenas anulou o acto impugnado quanto à infracção disciplinar p. e p. no art. 187º, nº 1, al. a) do RDLPFPF 2019, na forma tentada, concedendo nessa parte, provimento ao recurso], no mesmo sentido e o acórdão recorrido parece estar correctamente fundamentado, através de um discurso plausível, quanto às questões submetidas pela Recorrente à sua apreciação, não se justifica a admissão da revista.
Com efeito, o acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência deste Supremo na matéria questionada no recurso de apelação (nele indicada e acima mencionada), não havendo necessidade de recebimento do recurso de revista, para reanálise do assunto com vista a uma melhor aplicação do direito. Não se vendo igualmente, que a questão detenha uma relevância jurídica ou social superior ao normal para este tipo de problemática, pelo que não se justifica postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Face ao exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.