Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0361/11
Data do Acordão:07/13/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:VERIFICAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - Após as alterações introduzida no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, os Tribunais Tributários continuam a ter competência para conhecer da matéria relativa à verificação e graduação de créditos, tendo ocorrido apenas uma alteração da via ou forma processual adequada ao seu conhecimento, que deixou de ser o processo judicial de verificação e graduação de créditos, para ser o processo judicial de reclamação da decisão proferida pelo órgão da execução sobre a matéria, passando, assim, esta reclamação a constituir a forma processual de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos.
II - Quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva - artigo 12.º, n.º 2 do C.Civil e artigo 12.º, n.º 3 da LGT. Porém, da submissão a esta regra geral exceptua-se o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma especial, como é o caso da norma contida no n.º 2 do artigo 142º do CPC, que determina que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta.
III - Por força dessa norma contida no n.º 2 do artigo 142.º do CPPT, que é subsidiariamente aplicável ao contencioso tributário por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a nova lei não pode ser aplicada aos processos de verificação e graduação de créditos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais em 1 de Janeiro de 2011, os quais continuam a seguir a forma processual vigente à data da sua instauração.
IV - À mesma conclusão se chegaria pela aplicação da norma contida no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, na medida em que a aplicação imediata da lei nova aos processos pendentes é susceptível de afectar os direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos das partes.
Nº Convencional:JSTA000P13134
Nº do Documento:SA2201107130361
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I - O Procurador da República, não se conformando com a decisão do Mmo. Juiz do TAF de Castelo Branco que, aplicando o artigo 64.º do CPC, determinou a remessa dos autos ao órgão de execução fiscal competente para a verificação e graduação de créditos (artigo 245.º, n.º 2 do CPPT, na redacção da Lei 55-A/2010, de 31/12), dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. Sendo a reclamação de créditos de data anterior a 1.01.2011,
2. não altera a LOE 2011 a competência para a verificação e graduação de créditos,
3. que continua a ser do Tribunal Tributário.
4. Tal conclusão busca fundamento no artigo 5.º do ETAF
5. e radica na concepção do preceito como norma de processo ou tramitação processual e não como norma de competência - o órgão não foi extinto, donde inexiste alteração de competência da nova lei para os casos pendentes; o processo continua a ser judicial (de execução) e há-de ser tramitado até final em tal sede judicial.
6. Pelo exposto, violou a decisão a quo o disposto nos artigos 245.º, n.º 2, do CPPT, na redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, e 5.º do ETAF-22.º da LOFTJ.
7. Assim sendo, revogando tal decisão e determinando a sua substituição por outra que determine a prossecução dos autos neste Tribunal,
farão Vossas Excelências Justiça!
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - É do seguinte teor a decisão recorrida:
«Os tribunais da jurisdição fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas fiscais, art.º 1.º do ETAF, [Lei 13/2002, de 19/2], não podendo, no julgamento, aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados, art.º 1.º/2 do ETAF.
O ETAF é diploma com cariz “judiciário” e não processual, que tem como objecto a disciplina da organização e funcionamento dos tribunais (fiscais), não se tratando de uma lei processual, que cuide da instauração, do desenvolvimento e da extinção da instância fiscal mas uma lei judiciária que delimita as causa cujo julgamento cabe aos TAF impondo a conclusão de que “as causas jurídico-fiscais só saem da esfera dos tribunais tributários se uma lei dispuser [validamente] em sentido contrário, adaptação do comentário de Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, anotados, Almedina, pág. 20.
Sendo os tribunais tributários, órgãos da jurisdição fiscal, art.º 8.º-c, ETAF, com sede e áreas de jurisdição determinadas por decreto-lei, são instalados por portaria do Ministro da Justiça, e funcionam com juiz singular, 45/1/3 e 46/1 ETAF [entendendo-se como juiz, aquele concreto órgão que resolve litígios, conflitos de interesses e tem o dever de administrar justiça proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes, art.º 156/1 do CPC].
Cabem no âmbito da jurisdição fiscal a apreciação dos litígios que tenham nomeadamente por objecto a tutela de direitos fundamentais, dos direitos e interesses dos particulares directamente fundados em normas de direito fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito fiscal, art.º 4/1-a, ETAF.
Tendo em conta que a competência dos tribunais da jurisdição fiscal se fixa no momento da propositura da causa, e que são irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, art.º 5/1 do ETAF.
E tendo em conta que na competência dos tribunais tributários, antes da alteração da LOE 2011, cabiam os processos de “verificação e graduação de créditos”, art.º 49/1-d do ETAF, processo judicial fiscal classificado na 9.ª espécie, cfr. deliberação n.º 825/2005 do CSTAF, DR II Série, n.º 11, pág. 8921.
Tendo em atenção que desde o dia 1 de Janeiro de 2011 o julgamento da questão material dos processos de “verificação e graduação de créditos” foi retirada do âmbito dos poderes de conhecimento judicial, não unicamente por ter sido alterada a regra da sua competência, mas por ser retirada do poder jurisdicional a própria matéria da graduação, que cabe agora a uma entidade administrativa, o órgão de execução nos processos de execução fiscal, ou seja, aos chefes dos serviços de finanças, art.º 149.º do CPPT.
Deste modo, a jurisdição [o poder de solucionar os conflitos de interesses, individuais e concretos através do meio processual da verificação e graduação de créditos reclamados], art.º 202/2 da CRP, que compreende o poder de dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, pelos tribunais, em matéria de verificação e graduação de créditos, ou seja, o poder de proferir sentença de graduação de créditos, a partir de 1 de Janeiro de 2011, por aplicação da Lei 55-A/2010, de 31/12, LOE 2011, foi retirado dos tribunais fiscais, passando a competir ao órgão de execução fiscal, art.º 245/2 do CPPT.
Mantendo, embora, a execução fiscal a sua natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional, art.º 103/1 da LGT, e sendo garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior, a atribuição do poder de decisão quanto à matéria da graduação dos créditos reclamados ao órgão de execução fiscal, integrando tal acto na sua esfera de decisão, desjurisdicionaliza o acto de graduação em acto administrativo, acto não jurisdicional.
A alteração da LOE 2011 implica, deste modo, o desaparecimento da ordem judiciária da espécie processual “verificação e graduação de créditos”, criando um novo meio processual jurisdicional, o processo judicial tributário de “reclamação da verificação e graduação de créditos”, art.º 49/1-d do ETAF, art.º 97/1-o do CPPT, com a consequente atribuição de competência de que inicialmente o juiz tributário carecia.
Esta alteração da natureza jurídica do acto afecta o poder jurisdicional de graduação, passando o juiz a poder decidir, art.º 151/1 do CPPT, “a reclamação dos actos praticados pelos órgãos da execução fiscal”, ou seja, um tipo novo de acto do órgão da execução que se lhe acrescenta de “reclamação da verificação e graduação de créditos”, art.º 97/1-o do CPPT, a que a LOE 2011 confere natureza de processo urgente, com efeito suspensivo do acto administrativo de graduação dos créditos, art.º 245/3/4 do CPPT.
Não existindo qualquer norma transitória de aplicação da LOE 2011 no tempo, entende-se que a Lei de Orçamento é de aplicação imediata, a partir da data em que entra em vigor, o dia 1 de Janeiro de 2011, art.ºs 1/1/2, 2/1 e 3/2-a da Lei 74/98, de 11/11, com a redacção da Lei 47/2007, de 24/8, e 187 da LOE 2011, por isso, aplica-se aos processos pendentes, ainda sem decisão judicial de graduação de créditos, todo o conjunto das alterações introduzidas pela LOE 2011, que constam do capítulo XV, procedimento, processo tributário e outras disposições, na secção II, operada pelo art.º 126, nos artigos 97.º, 150.º, 151.º, 185.º, 245.º, 247.º, 248.º, 252.º, 256.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e pelo art.º 129 do ETAF.
Pelo exposto,
Concluindo que a lei aplicável a situações jurídicas, não resolvidas definitivamente, reguladas por normas diferentes do momento do seu surgimento, como surge da publicação da LOE 2011, que fixa as consequências de factos jurídicos, deve ser de aplicação imediata, por atribuir ao juiz competência de que inicialmente carecia, em termos que conflituam com as normas anteriores que regiam o regime processual e, assim, atingindo as causas já instauradas e ainda não julgadas com trânsito em julgado e todos os termos processuais subsequentes, pelo que os processos em andamento seguem os termos da lei nova.
A LOE 2011, pela sua natureza formal e orgânica, assumiu outras e novas razões de interesse público, fixando normativamente que o interesse público a cumprir pela Fazenda Nacional e o interesse dos credores reclamantes são melhor protegidos com as decisões dos chefes dos serviços de finanças, em matéria de graduação dos créditos concorrentes reclamados com os da FN no processo de execução fiscal.
Também por razões de interesse instrumental, entendeu a LOE 2011 que o melhor modo de defender as graduações, em concurso de créditos, nos processos de execução fiscal, passa a ser pela via administrativa, sem que os direitos a graduar sejam afectados pelo conflito de interesses a dirimir.
Entendo, pois, que o princípio geral de que a lei rege para o futuro atinge os processos de verificação e graduação de créditos, ainda sem sentença de graduação, que se achem pendentes nos tribunais, sendo imediatamente aplicável aos actos processuais a praticar, entre os quais “o acto final de graduação”, que antes era “a sentença de graduação”, e agora é uma decisão administrativa, por estar doravante abrangido pela LOE 2011, na medida em que esta Lei alterou a pessoa jurídica competente para a produzir, já não com a natureza jurídica de sentença mas de decisão em matéria tributária e, portanto, deve incluir todas as situações ainda não decididas por decisão judicial, isto é, os processos pendentes, sem sentença de graduação de créditos.
Sendo a competência judicial a medida da jurisdição [concreta, material] para uma determinada causa, a lei que fixa a medida concreta da jurisdição dos tribunais, a sua competência, embora não tendo natureza de uma lei orgânica, pois não suprime qualquer dos existentes TAF(s), nem altera a sua composição ou área territorial, todavia, tem dimensão processual, pois atribui-lhes questões novas para as quais antes não eram os competentes, o conhecimento da reclamação da graduação de créditos pelo órgão de execução fiscal.
A LOE 2011 o que faz é retirar ao tribunal tributário e ao juiz o poder de julgar aquela espécie processual judicial, 9.ª espécie, [cfr. deliberação 825/2005 do CSTAF] designada de verificação e graduação de créditos, que desaparece da ordem judicial, para ser erigida num novo meio judicial, o da reclamação da decisão de graduação.
Assim, ao criar outra competência nova, para o conhecimento da “reclamação da graduação”, sempre modifica a sua competência anterior, que, por um lado suprime da sua jurisdição e por outro lado cria outra de que inicialmente carecia.
Deste modo,
As questões de graduação de créditos ainda não decididas devem ser apreciadas pelo órgão agora declarado, a partir de 1 de Janeiro de 2011, competente, mesmo em todas as causas pendentes, por aplicação imediata do art.º 64 CPC, “ocorrendo alteração da lei reguladora da competência considerada relevante quanto aos processos pendentes, o juiz ordena oficiosamente a sua remessa para o tribunal que a nova lei considere competente”.
A norma que rege a perpetuatio fori ou jurisdicionis, na jurisdição tributária, art.º 5/1 do ETAF, “a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito ocorridas posteriormente” não se deve aplicar, pois deixa de existir acção de verificação e graduação de créditos, desaparece a espécie, o tipo específico de processo, que passa a ser um procedimento administrativo, da competência de um órgão da AF, art.º 245/2 do CPPT, e deste modo, por se não se verificar uma mera modificação [irrelevante] da competência, pela lei nova, mas porque, enquanto se verifica o desaparecimento de uma espécie de processo judicial, que é doravante transformado na sua natureza e relegado para um mero “procedimento” de graduação de créditos, da competência de um órgão administrativo, surge a consequente atribuição de “uma nova competência” ao juiz que dela carecia.
Pelo exposto, aplicando o artigo 64 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2-e do Código de Procedimento e Processo Tributário, determino, após trânsito, a baixa dos autos na distribuição e a remessa ao órgão de execução fiscal competente para a verificação e graduação de créditos, art.º 245/2 do CPPT, na redacção da Lei 55-A/2010, de 31/12.
Sem custas.».
III - A questão que constitui o objecto do presente recurso é a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de interpretação e aplicação do direito ao ter julgado que, face às alterações introduzidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, os Tribunais Administrativos e Fiscais deixaram de ter competência para a apreciação e decisão dos processos judiciais de verificação e graduação de créditos e que, por isso, se impunha a remessa de todos os processos pendentes ao órgão de execução para que este procedesse à sua posterior tramitação e decisão.
Vejamos. O Mmo. Juiz “a quo” na decisão recorrida, a fls. 54 a 58 dos autos, aplicando o artigo 64.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º, al. e), do Código de Procedimento e Processo Tributário, determinou, após trânsito, a baixa dos autos na distribuição e a remessa ao órgão de execução fiscal competente para a verificação e graduação de créditos - artigo 245.º, n.º 2 do CPPT, na redacção da Lei 55-A/2010, de 31/12.
Do assim decidido discorda o recorrente Ministério Público, alegando que sendo a reclamação de créditos de data anterior a 1/1/2011, não altera a LOE 2011 a competência para a verificação e graduação de créditos, que continua a ser do Tribunal Tributário, ex vi do artigo 5.º do ETAF, pois que está em causa norma de processo ou de tramitação processual e não norma de competência, e uma vez que o órgão não foi extinto inexiste alteração de competência da nova lei para os casos pendentes, pelo que o processo continua a ser judicial (de execução) e há-de ser tramitado até final em tal sede judicial.
Questão idêntica à que constitui objecto do presente recurso foi já decidida por Acórdãos deste Supremo tribunal do passado dia 6 de Julho, proferidos nos recursos números 362/11 e 384/11, para cuja profícua fundamentação se remete e cuja decisão, no sentido de que as alterações legislativas decorrentes da Lei n.º 55-A/2010 não são aplicáveis aos processos judiciais de verificação e graduação de créditos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais em 1 de Janeiro de 2011, os quais continuam a seguir a forma processual vigente à data da sua instauração, também aqui se acolhe, pois que estamos integralmente convencidos quer dos argumentos, quer da decisão, o que conduz, inevitavelmente, à procedência do presente recurso.
Daí que, sem necessidade de mais considerações, haverá que conceder provimento ao presente recurso, revogar o despacho recorrido, baixando os autos ao tribunal “a quo” para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, se a tal nada mais obstar.
IV - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido, e, consequentemente, ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 13 de Julho de 2011. – António Calhau (relator) – Casimiro GonçalvesBrandão de Pinho.