Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01383/09.2BELRA
Data do Acordão:07/03/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
PRESSUPOSTOS
Sumário:Se não se verifica divergência de soluções quanto à mesma questão de direito, deve o recurso ser julgado findo, por falta dos pressupostos desse recurso de oposição de acórdãos, nos termos do disposto no nº 5 do art. 284º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P24771
Nº do Documento:SAP2019070301383/09
Data de Entrada:11/12/2018
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, LDA, vem, interpor recurso da decisão proferida em 11 de Maio de 2017, na secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, por oposição com os acórdãos fundamento proferidos no Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos em 19 de Março de 2015, no processo nº 7208/13 e em 8 de Maio de 2001, no processo nº 3305/00.

O recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, existe oposição susceptível de determinar o prosseguimento do presente recurso.
B) Na verdade, parece-nos mais adequado concluir, como no Acórdão fundamento.
C) Isto é que as provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto. A consideração de uma provisão com custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos são princípios da contabilidade: o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido) e o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu - ainda que só meramente possível - custo).
D) E que verificando-se, num determinado exercício, um facto gerador de uma menos-valia potencial dos bens que integram os stocks, impõe-se, em nome de princípios como os da verdade e da especialização dos exercícios, que tal seja reflectivo na contabilidade.
E) No caso concreto os bens sobre os quais a provisão foi constituída eram componentes de máquinas fabricadas pela impugnante, nomeadamente tambores, carretos, coroas, corpos, anilhas, parafusos, facas, hélices, redutores, grelhas, eixos, raspadeiras, guias, pratos, batentes e embraiagens, ou seja, peças que eram utilizadas na composição de máquinas fabricadas pelo sujeito passivo, mas que por questões de mercado e evolução tecnológica deixaram de ser fabricadas no ano de 2004.
F) O facto de a impugnante ter deixado de fabricar as máquinas nas quais aquelas peças eram incorporadas obviamente gerou uma menos valia potencial daquelas peças, ou seja tais peças já não eram passíveis de utilização na fabricação de máquinas, contudo podiam ser eventualmente utilizadas como peças de substituição se acontecesse alguma avaria nas máquinas que os clientes da impugnante já possuíam e a que pertencessem aquelas peças.
G) Obviamente que isto também podia nunca acontecer, constituindo mesmo um risco de nunca vir a acontecer e acabando as peças por ir para a sucata ou por serem fundidas.
H) Houve assim uma perda potencial de valor daqueles bens.
I) As máquinas a que pertenciam aquelas peças deixaram de ser fabricadas em 2004, pelo que foi neste ano que se verificou a perda do seu valor de mercado, e foi neste ano que foi constituída a provisão estando por isso preenchido o princípio da prudência e da especialização dos exercícios.
J) As provisões para depreciação de existências, o seu objectivo é proteger a empresa de situações de deterioração de matérias-primas e outros produtos que tenha em stock, ou seja fazer face ao risco de o valor de venda dos bens ser inferior aquele pelo qual figuram nas contas da empresa.
K) Contudo entendeu o Tribunal a quo que no caso dos autos não se verifica o referido risco mas a perda total do valor dos produtos em causa.
L) Pese embora o valor dos bens tivesse diminuído drasticamente em função do já exposto os mesmos não podem ser considerados perda total e consequentemente retirados do inventário porque existe sempre a possibilidade de aparecer algum cliente que pretenda aquelas peças para substituição nas máquinas já existentes no mercado e que necessitem de reparações.
M) Sendo que se isso não viesse a acontecer passado um determinado período de tempo as peças iam para a sucata ou eram novamente fundidas e aí sim eram retiradas do inventário.
N) Pelo atento todo o exposto que sempre era de considerar a provisão para a depreciação de existências constituída pela impugnante no de 2004 no valor de 39.550,00 €
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser em julgada verificada a oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, concedendo-se provimento ao recurso, e revogando-se o acórdão recorrido, ordenando-se a devolução dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, a fim de aí prosseguirem os autos com respeito pelo ora decidido.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer concluindo da seguinte forma, “(…)entendemos que não se verifica no caso concreto os requisitos do recurso de oposição de acórdãos, dado que embora os acórdãos em confronto tenham por pano de fundo uma questão genérica relativa à constituição de provisões sobre existências, as questões jurídicas abordadas expressamente em ambos os acórdãos não revestem similitude, por terem assumido especificidades diversas, sendo certo que não foram perfilhadas soluções opostas.
Afigura-se-nos, assim, que o recurso deve ser julgado findo, nos termos do nº 5 do artigo 284º do CPPT.”.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Uma vez que não há controvérsia sobre a matéria de facto levada ao probatório, por razões de economia dá-se a mesma aqui por reproduzida tal como fixada pela instância.

Quanto aos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos proferido pelo TCA.
É pacífica a jurisprudência desta secção de contencioso tributário do STA que a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, que devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos então a questão identificada pela recorrente e o que sobre a mesma se decidiu no acórdão fundamento, recurso n.º 07208/13 do TCA Sul, e no acórdão recorrido.

A Recorrente tece as seguintes considerações a propósito da questão que pretende ver resolvida:
-Verificando-se num determinado exercício um facto gerador de uma menos valia potencial dos bens que integram stocks, impõe-se em nome de princípios como os da verdade e especialização dos exercícios que tal seja reflectido na contabilidade.
-A consideração de uma provisão com custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos são princípios da contabilidade: o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido) e o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu - ainda que só meramente possível- custo).
-Assim sendo, como resulta daquilo que ficou dito, como defende o acórdão fundamento. Verificando-se um facto gerador de uma menos-valia potencial dos bens que integram os stocks, impunha-se ao sujeito passivo que tal fosse reflectivo na contabilidade.
E conclui, pugnando para que seja proferida jurisprudência no sentido de que: Assim, deve ser fixada como jurisprudência desse Venerando Tribunal, a constante do douto Acórdão fundamento, isto é que as provisões são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto. A consideração de uma provisão com custo de um determinado exercício dá tradução prática a dois dos princípios da contabilidade: o princípio da prudência (tomam-se em consideração, no apuramento dos resultados do exercício, os riscos previsíveis e as perdas eventuais derivadas de um facto nele ocorrido) e o princípio da especialização dos exercícios (imputa-se ao exercício em que o facto ocorreu o seu - ainda que só meramente possível- custo).
E que, verificado, num determinado exercício, um facto gerador de uma menos-valia potencial dos bens que integram os stocks, impõe-se, em nome de princípios como os da verdade e da especialização dos exercícios, que tal seja reflectivo na contabilidade.

A propósito desta questão decidiu-se no acórdão recorrido:
A Administração Tributária considerou que a Impugnante (ora Recorrente) contabilizou como custo do exercício de 2004, provisões para depreciação de existências, no montante de €39.550,00, e não tendo apresentado justificação para a alegada perda de valor dos bens que foram adquiridos/produzidos em 2002 e ainda não haviam sido vendidos, continuando em inventários em 31.12.2004, pelo mesmo valor, não aceitou para efeitos fiscais a provisão constituída.
Portanto, o que determina a necessidade das empresas constituírem provisões, não é a incerteza da ocorrência futura de despesas ou perdas, mas antes a incerteza da sua exacta quantificação, ou seja, é a impossibilidade de determinar num dado exercício fiscal, aquele em que teve conhecimento da ocorrência da perda, despesa ou encargo - princípio da especialização dos exercícios-, o montante exacto dessa mesma despesa, perda ou encargo, que apenas será determinado e concretizado no(s) exercício(s) fiscal(is) seguinte(s)…
Para o que aqui importa, a conta provisão para depreciação de existências «serve para registar as diferenças relativas ao custo de aquisição ou de produção, resultantes da aplicação dos critérios definidos na valorimetria das existências». Tal como as demais provisões também esta «será constituída ou reforçada através da correspondente conta de custos, sendo debitada na medida em que se reduzam ou cessem as situações que a originaram».
A provisão para depreciação de existências justifica-se pelo facto de a empresa poder vir a suportar possíveis perdas de valor quanto aos bens que tenha em armazém (existências).
Como se consignou no acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 30.10.2010, proferido no processo n.º 03956/10, só haverá lugar à constituição de provisões para depreciação de existências quando ocorrem circunstâncias das quais resulta o risco de o valor de venda de alguns bens dos stocks poder a vir a ser inferior àquele pelo qual figuram nas contas da empresa (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
No nosso caso, resulta provado que «[D]as máquinas que não eram vendidas, umas peças iam para fundição, outras eram aproveitadas para outras máquinas e as restantes eram para a sucata.» [cfr. al. E) do probatório], assim, podemos concluir, que os custos pelos quais foram constituídas as provisões não tinham a necessária característica de incerteza que justifica a constituição das provisões, pelo que não há lugar à constituição da provisão em análise, verificando-se que, neste caso os bens em causa devem ser abatidos ao inventário e o respectivo valor contabilístico ser considerado como custo desse exercício.
Por isso que se tenha de concluir que o recurso improcede nesta parte.

Ou seja, no acórdão recorrido deu-se como provado que a perda de valor dos bens, que no entender da recorrente dariam lugar à constituição de provisões, se trataria de um valor efectivo já comprovado e, por isso, não se estaria perante uma incerteza de perda de valor que poderia dar lugar à constituição de provisões.

Por sua vez escreveu-se no acórdão fundamento:
Tendo em vista pôr em dúvida o veredicto que fez vencimento na instância, a recorrente invoca a norma de direito transitório material que se extrai do artigo 13.º (“Provisões”) do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o Código do IRC e os movimentos contabilísticos que alega ter realizado por referência à mesma.
Sucede, porém, como a recorrente aliás consignou nos autos e resulta do probatório (n.º 17), a impugnação judicial em apreço tem por objecto a correcção relativa à não-aceitação da provisão para depreciação de existências do exercício de 1990, no valor de Esc. 34.561.246 (€172.390,77), cujos pressupostos de constituição foram considerados não demonstrados, dado que o preço de mercado das viaturas em causa não se encontra justificado, pelo que o objecto da presente intenção impugnatória não diz respeito à aplicação feita do disposto na norma do artigo 13.º citado. Lidas as conclusões de recurso, verifica-se que os pressupostos em que assenta o acto tributário impugnado – antes referidos, confirmados pela sentença recorrida, os quais se reportam à não-aceitação da provisão para depreciação de existências do exercício de 1990, no valor de Esc. 34.561.246 (€172.390,77), e consequente acréscimo da matéria colectável – não são postos em causa pela recorrente. Por outras palavras, «[a]quando da análise da declaração do exercício de 1990, concluiu-se do não enquadramento no artigo 35.º do CIRC do montante de Esc. 34.561.246$00, referente à constituição de provisões para depreciação de existências, procedendo-se a um acréscimo ao lucro tributável de igual montante, sem que ao mesmo correspondesse qualquer custo do exercício. // Dos movimentos contabilísticos atrás descritos resultou que aquando da constituição destas provisões não aceites fiscalmente, ocorresse uma diminuição do mesmo montante das provisões a repor nos termos do Código de Contribuição Industrial/CCI. // Porém, não obstante o exposto, de acordo com a Informação IRC n.º 139/93, constante do Despacho de 16/3/93, do SAIR, a reposição das provisões constituídas ao abrigo das alíneas c) e d), do artigo 33.º do CCI (artigo 13.º, n.º 2, alínea b), do DL n.º 442-B/88, de 30 de Novembro), no montante de Esc. 34.561.246$, deverá manter-se»(7). Em síntese, a mudança nas contas do balanço não afecta os resultados do exercício, cujo acréscimo foi imposto pela correcção em causa nos autos, a qual não respeita, nem contende com os movimentos contabilísticos associados às contas de provisões a repor nos termos do Código de Contribuição Industrial/CCI e do artigo 13.º, n.º 2, alínea b), do DL n.º 442-B/88, citado.

Neste acórdão decidiu-se que as provisões feitas pela recorrente não poderiam ser consideradas, quer porque não havia sido demonstrado o respectivo valor, quer porque não se tratava de situação enquadrável no âmbito do disposto no artigo 13.º, n.º 2, alínea b), do DL n.º 442-B/88 de 30.11.

Do que se deixa transcrito dos dois acórdãos é manifesto que embora estejam em causa questões relacionadas com a não aceitação por parte da AT de provisões constituídas pelos contribuintes relativas a existências, certo é que os respetivos julgados não são passíveis de confrontação, uma vez que as pronúncias do tribunal tiveram por objecto realidades jurídicas diversas, sendo certo também que não conduziram a soluções opostas (em ambos os casos não são aceites as provisões constituídas pelos sujeitos passivos).
Na verdade, em ambos os arestos é citada a mesma doutrina e jurisprudência para caracterizar a figura jurídica das "provisões", sendo certo que ambos os arestos confirmam a legalidade da decisão da AT de não aceitação das provisões.
Por outro lado as razões dessas decisões assentam em especificidades do caso concreto, já que no caso do acórdão fundamento a Recorrente apenas questionava junto do TCA a aplicação da norma transitória do artigo 13º do Dec.-Lei nº 442-B/88, de 30/11, e não propriamente a argumentação da AT para não aceitar as provisões constituídas (falta de comprovação da correspondência entre os valores inscritos na contabilidade e os preços de mercado).

A Recorrente para fundamentar a oposição necessária à admissão deste recurso, limita-se a extrair do acórdão que serve de fundamento um excerto de transcrição de doutrina que é citada para caracterizar a figura das "provisões", com vista a contestar o entendimento vertido no acórdão recorrido sobre o caso concreto. Ora, em nenhum dos arestos e nomeadamente no acórdão recorrido foi dado como verificado "um facto gerador de uma menos-valia potencial dos bens que integravam os stocks". Mas ainda que assim fosse, quando muito podíamos estar perante erro de julgamento, mas o recurso de oposição de acórdãos previsto no artigo 284º do CPPT não tem por desiderato constituir um terceiro grau de recurso.
Em face do exposto, temos que concluir que não se verificam no caso concreto os requisitos do recurso de oposição de acórdãos, dado que embora os acórdãos em confronto tenham por pano de fundo uma questão genérica relativa à constituição de provisões sobre existências, as questões jurídicas abordadas expressamente em ambos os acórdãos não revestem similitude, por terem assumido especificidades diversas, sendo certo que não foram perfilhadas soluções opostas.

Pelo exposto, julga-se findo o recurso nos termos do nº 5 do artigo 284º do CPPT.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 3 de Julho de 2019. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Ana Paula da Fonseca Lobo - Pedro Manuel Dias Delgado - Dulce Manuel da Conceição Neto - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – António José Pimpão - Joaquim Casimiro Gonçalves.