Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0640/12
Data do Acordão:10/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
COLIGAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do disposto no art. 30º do CPC, subsidiariamente aplicável, é permitida a coligação de oponentes quando seja a mesma e única a causa de pedir, quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, ou quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
II - Não se verificando qualquer dos referidos requisitos, a coligação de oponentes constitui excepção dilatória, nos termos da al. f) do art. 494º do CPC, pelo que o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [al. e) do nº 1 do art. 288º do CPC].
Nº Convencional:JSTA000P14790
Nº do Documento:SA2201210310640
Data de Entrada:06/08/2012
Recorrente:A...... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……… e B………, com os demais sinais dos autos, recorrem da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, absolveu da instância a Fazenda Pública, na oposição por ambos deduzida contra a execução fiscal nº 0400201107000332 contra ambos também revertida e inicialmente instaurada contra C………, Lda., para cobrança de dívidas de IVA e IRC relativas aos anos de 2005 a 2009, no montante de € 262.266,56.

1.2. Os recorrentes terminam as alegações formulando as conclusões seguintes:
A-) Os factos jurídicos emergem da reversão das dívidas da C.......... A fundamentação principal decorre de se entender que o despacho de reversão deveria ser anulado uma vez que é totalmente desconhecida a forma como foram apurados os valores presumidos;
B-) A única questão que igualmente emerge da reversão é a posição relativa ao facto de a recorrente B......... não ter exercido em nenhum momento a gerência de facto, sendo apenas gerente de direito;
C-) A douta sentença recorrida, violou, entre outras, as normas contidas no artigo 30º do C.P.C.
Terminam pedindo o provimento do recurso e a consequente revogação da sentença recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Exmo. Procurador-geral adjunto neste STA pronuncia-se pela confirmação do julgado recorrido, por adesão ao teor do Parecer emitido pelo MP em 1ª instância, constante de fls. 72/74.

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Apesar de na sentença recorrida não se ter procedido à especificação formalmente autonomizada da matéria de facto (o que se compreende em face do teor da respectiva decisão - absolvição da instância), dela consta a seguinte factualidade pertinente à decisão:
- O Serviço de Finanças de Guimarães-2 instaurou contra a C………, Lda., NIPC ………, a execução fiscal nº 3476200601001329 e apensas, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA e de IRC dos anos de 2005 a 2009, no montante de € 262.266,56, tendo a mesma revertido contra os oponentes, ora recorrentes, os quais apresentaram, em 2/9/2011, naquele Serviço de Finanças, petição inicial de oposição a tal execução fiscal.

3.1. A presente oposição foi apresentada, conjuntamente, por A……… e B………, ambos revertidos nas execuções principal e apensas.
E a sentença absolveu a Fazenda Pública da instância, por considerar, em síntese e apelando à jurisprudência constante do acórdão deste STA, de 19/11/2008, no rec. nº 385/08, que:
a) Não se verificam os requisitos legais da coligação dos oponentes, uma vez que não existe identidade de causas de pedir, dado que, conforme resulta do teor da petição inicial, aqueles deduzem conjuntamente a oposição invocando fundamentos não coincidentes: a oponente B......... alega a ilegitimidade por não ter exercido, de facto, funções de gerente no período a que respeitam as dívidas exequendas, ao passo que o oponente A......... assume a respectiva gerência de facto e alega, igualmente, a ilegalidade das liquidações adicionais que constituem parte da dívida exequenda;
b) A coligação de autores, quando não exista a conexão exigida no art. 30º do CPC, constitui excepção dilatória, nos termos do disposto no art. 494º, al. f) do mesmo diploma legal e, por outro lado, os oponentes poderão lançar mão do disposto no art. 289º do CPC.

3.2. Os recorrentes insurgem-se contra a decisão, sustentando, em síntese:
- Na origem do pedido formulado pela recorrida está a reversão de dívidas da C........., Lda. e a causa de pedir central aproveita aos dois recorrentes, encontrando-se expressa nos arts. 19° a 25° da petição inicial, sendo, aliás, com esse fundamento que o pedido formulado sustenta a anulação do despacho que ordenou a reversão.
- Apesar de ser verdade que, cumulativamente, surge a posição da oponente B........., plasmada nos arts. 6° a 16° da PI, esta não encerra nenhuma incompatibilidade, pelo que pode e deve ser apreciada em conjunto, pois não se vislumbra porque razão se coloca a questão da coligação ilegal, sendo que os factos jurídicos emergem da reversão das dívidas da C......... e a fundamentação principal decorre de se entender que o despacho de reversão deveria ser anulado uma vez que é totalmente desconhecida a forma como foram apurados os valores presumidos.
- A única questão que igualmente emerge da reversão é a posição relativa ao facto de a recorrente B......... não ter exercido em nenhum momento a gerência de facto, sendo apenas gerente de direito, pelo que a oposição é compatível com o disposto no art. 30º do CPC, não devendo, assim, a recorrida ter sido absolvida da instância.

3.3. A questão a decidir é, portanto, a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quando entendeu não estarem verificados os requisitos legais para a coligação dos oponentes.
Vejamos.

4.1. Não sofre dúvida que o art. 30º do CPC é, por força do disposto na al. c) do art. 2º do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo de oposição à execução fiscal. (Como salienta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, «… aplicando o regime do art. 30º do CPC, adaptado ao processo de oposição à execução fiscal, será admissível a coligação de oponentes quando a causa de pedir (factos jurídicos de que emerge o pedido de extinção ou suspensão da execução fiscal) seja a mesma e única e quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas» - in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 11 ao art. 206º, pp. 542/543. )
E os nºs. 1 e 2 daquele normativo estabelecem o seguinte:
«1. É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
2. É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas».
É, pois, permitido a vários autores coligarem-se contra um mesmo réu, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando, sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito …
Ora, como refere a sentença, no caso vertente, embora os oponentes se apresentem em coligação a deduzir a oposição, não existe identidade de causas de pedir, dado que, conforme resulta do teor da petição inicial, os oponentes invocam fundamentos de oposição não coincidentes: a oponente B......... invoca a sua ilegitimidade (por não ter exercido, de facto, funções de gerente no período a que respeitam as dívidas exequendas) ao passo que o oponente A........., assumindo a respectiva legitimidade, invoca a ilegalidade das liquidações adicionais das quais emerge parte da dívida exequenda.
Independentemente, portanto, da própria admissibilidade do fundamento invocado pelo oponente A......... (legalidade concreta da dívida) não há, desde logo, invocação de uma única ou de causas de pedir diferentes em que, nesse caso, a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito.
A causa de pedir é o facto jurídico que suporta a pretensão deduzida (cfr. o nº 4 do art. 498º do CPC), isto é, o facto (ou conjunto de factos) que à luz da ordem normativa desencadeia consequências jurídicas, o facto jurídico concreto gerador do direito invocado pelo autor e em que este baseia o pedido.
Ora, no caso, as causas de pedir invocadas pelos oponentes são totalmente diferentes: por parte da oponente B........., a falta de responsabilidade pelas dívidas exequendas (por não ter exercido de facto a gerência da sociedade originariamente executada); e, por parte do oponente A........., a ilegalidade das liquidações que originam essas dívidas exequendas.
O que, como se diz na sentença recorrida, inviabiliza a aludida coligação por parte dos oponentes.

4.2. E nem se diga que, como pretendem os recorrentes, em face da reversão, a causa de pedir central (expressa nos arts. 19° a 25° da PI) aproveita a ambos e é com esse fundamento que o pedido formulado na oposição sustenta a anulação do despacho que ordenou a reversão.
Nesses artigos (19º a 25º da PI) alega-se, em síntese, (i) que os valores em dívida não correspondem à verdade, (ii) que os únicos valores que se aceitam são os resultantes das declarações periódicas apresentadas pela sociedade executada; (iii) que as «declarações adicionais» apresentadas pela Fazenda Pública não têm qualquer sustentabilidade fáctica ou jurídica, pelo que devem ser consideradas nulas e inexistentes, (iv) sendo que o oponente (A.........) desconhece com que base factual chegou a Fazenda Pública a tais valores, que são falsos, exagerados e superiores à actividade económica desenvolvida pela C........., Lda., e sendo, ainda, que a dívida desta é apenas a correspondente aos valores declarados e não pagos, e não a quaisquer outros presumidos, ou decorrentes de qualquer alteração à matéria colectável, que ele (A.........) desconhece.
Ora, por um lado, esta alegação constante dos ditos arts. 19º a 25º consubstancia questão suscitada apenas relativamente ao oponente A......... (é isso que decorre do teor do art. 17º da PI) e, por outro lado, ainda que assim não fosse, sempre se trataria de questão não enquadrável em nenhum fundamento de oposição (legalidade em concreto da dívida) – questão que, todavia, a sentença não apreciou.
Bem decidiu, portanto, a sentença recorrida, quando, apoiada na jurisprudência que cita, concluiu não ser possível a coligação, nos termos do art. 30º do CPC, o que constitui excepção dilatória, nos termos do disposto na al. f) do art. 494º do mesmo diploma legal, sendo que, nesta sequência, poderão os oponentes lançar mão do disposto no art. 289º, também do CPC.

4.3. De todo o modo, mesmo que se aceitasse a tese dos recorrentes (no sentido de que que aquela causa de pedir atinente à invocação da legalidade concreta da dívida exequenda aproveita a ambos os oponentes) a verdade é que, também independentemente do pedido formulado [seja julgada procedente a oposição e «… consequentemente anulado o despacho proferido (…) que ordenou a reversão das dívidas provenientes de IVA e IRC, dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, na importância de 262.266,5666, da responsabilidade da sociedade, C………, Lda., NIPC ………, contra os executados/opoentes …»] sempre se verificaria a invocação de uma outra causa de pedir, não comum a ambos os oponentes.
É que, como se refere no recente ac. deste STA, de 17/10/2012, no rec. nº 0702/12, «… o nº 1 do art. 30º do CPC, para permitir a coligação de autores com fundamento na mesma causa pedir não se basta com a exigência dessa identidade, exigindo ainda que a causa de pedir seja única (se bem interpretamos a norma, não no sentido de uma só, mas no de que não existam outras causas de pedir que não sejam comuns a todos os autores).
E bem se entende essa exigência: na verdade, não faria sentido permitir a coligação de autores que, a par da mesma causa de pedir, invocassem, cada um deles, causas de pedir próprias, sob pena de as razões de economia processual justificativas da coligação saírem postergadas.» Daí que, nos casos de alegação de uma válida causa de pedir comum, em simultâneo com outras causa de pedir exclusivas de um ou de ambos os oponentes, também não haja que ordenar-se o prosseguimento da oposição para conhecer da causa de pedir comum, absolvendo-se a Fazenda Pública da instância quanto ao mais. É que «mesmo nessa eventualidade, sempre os oponentes poderiam propor novas oposições dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado, renovando aí os pedidos com as causas de pedir próprias de cada um, caso em que as novas oposições se considerariam deduzidas na data em que a presente oposição deu entrada (art. 31º, nº 5, do CPC, aplicável analogicamente). O que significaria que, em vez das duas oposições que teríamos caso os oponentes não se tivessem coligado, seríamos confrontados com três oposições, numa pulverização processual de todo contrária ao princípio da celeridade visado pela possibilidade de coligação de autores
No caso vertente, todavia [e independentemente da questão de saber se aquela alegada causa de pedir (pretensamente comum e substanciada na ilegalidade em concreto da dívida exequenda) poderia constituir fundamento válido de oposição], sempre a coligação de oponentes claudicará em face da invocação de causa de pedir (ilegitimidade) própria e exclusiva da oponente B......... (que não do oponente A.........), como se fundamentou na sentença recorrida.
Acresce que não vindo questionada a questão da eventual aplicação do disposto no art. 31º-A do CPC, também não há agora que apreciá-la.
Não sendo possível, portanto, o suprimento da ilegal coligação de oponentes, a Fazenda Pública devia, como foi, ser absolvida da instância, por ocorrer excepção dilatória, nos termos da al. e) do nº 1 do art. 288° e da al. f) do art. 494°, ambos do CPC.
Improcedem, assim, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 31 de Outubro de 2012. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.