Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0996/11
Data do Acordão:05/02/2012
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
Sumário:I - Constituem requisitos do recurso por oposição de acórdãos, previsto no artº 284º do CPPT, os seguintes:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

II - Se em ambos os arestos se entendeu que o vício formal da preterição do direito de audiência previsto no artº 60º da LGT se podia degradar em formalidade não essencial se fosse de concluir que, mesmo que o contribuinte tivesse sido ouvido, o resultado final – liquidação – seria o mesmo, mas em face do probatório, se concluiu de forma diferente em ambos os arestos (no acórdão recorrido entendeu-se que a audição do contribuinte poderia contribuir para alterar a matéria tributável e a liquidação e no acórdão fundamento entendeu-se que essa matéria não seria já passível de alteração), não se verificam os requisitos para o recurso de oposição de acórdãos.
Nº Convencional:JSTA000P14088
Nº do Documento:SAP201205020996
Data de Entrada:03/14/2011
Recorrente:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, IP
Recorrido 1:A...... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP”, veio recorrer do acórdão proferido pelo TCA Sul no Processo nº 03318/09, por oposição com o acórdão de 30.03.2011, deste Supremo Tribunal, proferido no Processo nº 0879/09.

2. Por despacho do Relator de 20.09.2011 foi julgada verificada a oposição de acórdãos.

3. Em alegações proferidas ao abrigo do disposto no nº 5 do artº 284º do CPPT, veio a recorrente concluir:

1ª)Encontram-se preenchidos os requisitos da oposição de acórdãos;

2ª)Ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - versam sobre a questão fundamental de direito de saber se a preterição de audição prévia se degradou em formalidade não essencial e se deve aplicar-se o princípio do aproveitamento do acto;

3ª)Enquanto no acórdão recorrido a resposta a essa questão foi negativa já no acórdão fundamento foi dada resposta positiva;

4ª)Ambos os acórdãos referidos assentam em situações fácticas idênticas, na medida em que está em causa a impugnação de liquidação de tributos, com base em matéria de facto já concretizada e não susceptível de alteração ou influência pela Impugnante, além de que em ambos os casos essa matéria está documentalmente provada e só mediante um procedimento específico legalmente previsto poderia ser rectificada;

5ª) A Impugnante não alegou que os volumes de vendas considerados nas liquidações estão errados nem alegou quais os valores correctos;

6ª)A taxa (alíquota) aplicada pelo INFARMED é legalmente prevista para os produtos em causa;

7ª) Tal como aconteceu no acórdão fundamento, não existe qualquer indício de que as liquidações pudessem ter sido diferentes se tivesse sido promovida a audição prévia;

8ª)O acórdão fundamento transitou em julgado;

9ª) Ambos os acórdãos foram proferidos na vigência do n.° 2 do artigo 60.° da Lei Geral Tributária, na redacção anterior à da Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e da redacção actual do artigo 100.° do Código do Procedimento Administrativo;

10ª) Acórdão recorrido e acórdão fundamento foram proferidos em processos distintos;

11ª) A oposição entre os acórdãos diz respeito à solução jurídica dada por cada um deles para a mesma questão fundamental de direito, porquanto no acórdão recorrido, considerou-se que a preterição da audição prévia não se degradou em formalidade não essencial e não ser de aplicar o princípio do aproveitamento do acto, enquanto no acórdão fundamento, foi considerado que a preterição de audição prévia se degradou em formalidade não essencial e dever aplicar-se o princípio do aproveitamento do acto;

12ª) A solução jurídica adoptada no douto acórdão fundamento é a que melhor se coaduna com a natureza e os objectivos do direito de participação dos interessados na formação das decisões administrativas consagrado no artigo 267.°, n.° 5, da Constituição;
13ª) Essa solução é também a mais adequada, à luz dos princípios que norteiam a actividade administrativa, tais como os da proporcionalidade, eficiência e racionalidade administrativa, bem como de economia e celeridade procedimentais e, ainda, de utilidade para os direitos prosseguidos pelo interessado ou para as suas garantias de defesa;

14ª) A ordem jurídica admite a existência e eficácia de um acto administrativo praticado com preterição desse direito de participação, porque a sua violação apenas é sancionada com a regra geral da anulabilidade (artigo 135.° do Código do Procedimento Administrativo), que é sanável pelo decurso dos prazos de revogação e de impugnação judicial - ou, pelo menos, inimpugnável - pelo que, se não for atempadamente invocada é sanável ou deixa de poder ser anulada, em conjugação com o princípio da presunção de legalidade dos actos administrativos;

15ª) O direito de participação constitui um trâmite procedimental norteado e balizado pelos respectivos fins de utilidade para os direitos prosseguidos pelo interessado ou para as suas garantias de defesa, não sendo configurado pelo legislador como um direito absoluto e que deva ser assegurado em todos os casos, antes se encontrando também subordinado a princípios de proporcionalidade, eficiência e racionalidade administrativa, bem como de economia e celeridade procedimentais;

16ª) Tanto o artigo 103.° do Código do Procedimento Administrativo como os n°s 2 e 3 do artigo 60,° da Lei Geral Tributária prevêem diversas situações, nomeadamente, de dispensa da participação dos interessados norteadas pelas finalidades substanciais visadas pelo legislador;

17ª)Além disso, os interessados são livres de exercerem ou não esse direito e, nos casos de auto-liquidação de tributos, o direito de participação dos interessados nas decisões administrativas é assegurado através da faculdade que a lei lhes confere de eles próprios moldarem a decisão administrativa tributária, ao declararem a matéria tributável e ao procederem ao apuramento do tributo;

18ª)Por isso, num caso de auto-liquidação obrigatória, se o contribuinte não procedeu atempadamente à auto-liquidação, deverá entender-se que renunciou ao seu direito de participar na formação da decisão administrativa;

19ª) A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem adoptado o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, também conhecido por teoria dos vícios inoperantes, segundo o qual não há lugar à anulação de um acto viciado, quando seja seguro que o novo acto a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo;

20ª)Além disso, também não há lugar à anulação quando o acto inválido seja um acto vinculado ou quando ocorra a redução a zero da discricionariedade, ou seja, quando o Tribunal conclua que o conteúdo do acto praticado pela Administração encerra a única solução legalmente possível aplicável ao caso concreto:

21ª) O acórdão fundamento está em linha com esta orientação jurisprudencial, que corresponde à solução mais adequada tendo em conta os objectivos visados pelo legislador ao consagrar o direito de participação dos interessados

22ª) No caso vertente, as liquidações impugnadas consistiram em aplicar uma alíquota previamente definida pela lei a um volume de vendas expresso nos balancetes de vendas que integram a contabilidade organizada da Impugnante e que foram fornecidos por esta ao INFARMED, depois de certificados pelo seu Técnico Oficial de Contas, sendo que os elementos recolhidos directamente pelo INFARMED não conduziram a qualquer alteração desses valores, antes se destinaram a verificar, de forma cruzada, a sua veracidade; além disso, esses valores não podiam sequer ser influenciados por qualquer intervenção do INFARMED;

23ª)A Impugnante não alegou em momento algum que os volumes de vendas considerados pelo INFARMED estão errados e que deveriam ser outros os valores a considerar nem existe qualquer indício mínimo de que a liquidação efectuada pelo INFARMED seria diferente, caso tivesse sido promovida a audição prévia da Impugnante, pelo que, se as liquidações forem anuladas e promovida a audição prévia da Impugnante, o volume de vendas a considerar será o mesmo que foi considerado nas liquidações impugnadas e o tributo liquidado será também o mesmo, porque a taxa a aplicar a esse volume de vendas é a mesma;

24ª)Conclui-se, por isso, que a oposição de acórdãos deve ser resolvida no sentido preconizado pelo douto acórdão fundamento.

Pelo que, Ilustres Conselheiros, dando provimento ao presente recurso e julgando procedente a oposição de acórdãos ora invocada, bem como revogando ao acórdão recorrido e substituindo-o por outro que decida em termos consonantes com o acórdão fundamento, V, Exas. farão JUSTIÇA e cumprirão a LEI.

4. Por sua vez, a recorrida, veio concluir:

Iª) - Não se verifica a questão preliminar da existência de oposição de Acórdãos, por não se encontrarem preenchidos todos os respectivos requisitos legais cumulativos, a saber, a identidade substancial das situações fácticas e a adopção de solução jurídica oposta sobre a mesma questão fundamental de Direito, nos acórdãos em confronto.

2ª)- Não se verifica a identidade substancial das situações fácticas desde logo dada a diversidade dos tributos em causa nos acórdãos em confronto - Imposto sobre Sucessões e Doação no acórdão fundamento e taxas sobre comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal no acórdão recorrido.

3ª)- Também não se verifica a identidade das situações fácticas na medida em que no acórdão fundamento todos os factos relevantes para a liquidação de imposto se encontravam já concretizados e provados por escrituras públicas enquanto que no acórdão recorrido, a quantificação do valor sobre o qual incidiu a taxa assentou em elementos recolhidos da contabilidade no âmbito de uma acção de inspecção, sem que a impugnante se tenha pronunciado em qualquer fase do procedimento sobre tal quantificação.

4ª) - Tendo em conta a matéria de facto provada nos autos de cada um dos acórdãos em confronto e as respectivas previsões normativas, no acórdão fundamento podia-se concluir, sem margem para dúvidas, que não havia a mínima possibilidade de a audiência prévia ter influência sobre a decisão final; já no acórdão recorrido não era possível concluir, sem margem para dúvidas, que se tal formalidade tivesse sido cumprida o resultado fosse exactamente igual.

5ª) A solução jurídica para a questão fundamental de direito de saber se a preterição da formalidade de audiência prévia se degradou em formalidade não essencial, sendo de aplicar o princípio do aproveitamento do acto é só uma: a omissão de tal formalidade só se degrada em formalidade não essencial nos casos em que o tribunal, através de um juízo de prognose póstuma, possa concluir sem margem para dúvidas, que a audição do interessado não tinha a mais ténue possibilidade de influenciar a decisão tomada.

6ª) Quer no acórdão fundamento quer no acórdão recorrido a solução jurídica foi a mesma só que em sentido diverso, na medida em que, perante a diferente situação fáctica subjacente a cada um dos acórdãos, no acórdão fundamento concluiu-se que a omissão de audiência prévia se degradou em formalidade não essencial e no acórdão recorrido concluiu-se que a omissão de audiência prévia não se degradou em não essencial.

7ª) - Não existe assim oposição de julgados na medida em que não se verifica também o requisito da oposição das soluções jurídicas adoptadas para a mesma questão fundamental de direito, pelo que deve ser julgada improcedente a invocada oposição de acórdãos.

8ª)- O artigo 60º da LGT acolhe no procedimento tributário o princípio da participação consagrado no artigo 267º, nº 5 da CRP, sendo de aplicação subsidiária as normas do CPA sobre audiência dos interessados, como resulta do artigo 2º, alínea c) da LGT.

9ª) - Não obstante essa subsidiariedade, o princípio da participação vigora no procedimento tributário com as particularidades e com o alcance que lhe é dado pelo artigo 60® da LGT e que se traduz no direito de audição dos contribuintes antes da tomada de decisões que lhes digam respeitam, salvo nos casos de dispensa de audição, previstos no mesmo artigo 60a da LGT.

10ª) - Contrariamente ao que acontece na audiência dos interessados prevista no procedimento administrativo, no procedimento tributário a audição prévia do contribuinte assume a dupla função de defesa antecipada dos seus interesses e correcto apuramento dos factos tributários, em obediência ao princípio da verdade material.

11ª) - Os casos em que não há lugar a audiência prévia nos termos do ng 1 do artigo 1039 do CPA - decisão urgente, risco de comprometer a execução ou a utilidade da decisão, número de interessados muito elevado - não têm aplicação no procedimento tributário por não se harmonizarem com os valores e interesses que estão em causa no mesmo.

12ª) - Os casos de dispensa de audição prévia previstos no n° 2 do artigo 60a da LGT são taxativos, não podendo a administração dispensar a audição do contribuinte por entender que da mesma não vão resultar quaisquer elementos novos ou relevantes para a decisão.

13ª)- Como resulta do artigo 95º, n° 2 ali. a) da LGT, os casos de autoliquidação são equiparados aos de liquidação, podendo igualmente ser lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos do contribuinte, pelo que a falta de autoliquidação pelo contribuinte não implica uma renúncia ao direito de participar na formação da decisão.

14ª)- A jurisprudência dominante do STA tem entendido que a omissão da formalidade de audiência prévia só não é invalidante, nos casos em que o Tribunal, através de um juízo de prognose póstuma, possa concluir, sem margem para dúvidas que tal audiência não tinha a mais ténue possibilidade de exercer influência na decisão a proferir.

15ª) - Podendo apenas aplicar-se o princípio do aproveitamento do acto em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância da audiência sobre o conteúdo decisório do acto, tal conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão.

16ª) - Constitui também jurisprudência firmada deste Venerando Tribunal que o facto de o acto inválido ser um acto vinculado não é suficiente para concluir que o conteúdo do acto praticado pela administração encerra a única solução legalmente possível aplicável ao caso concreto, pois pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela.

17ª) - O douto Acórdão recorrido adoptou no caso em apreço a solução que melhor se coaduna com os objectivos visados pelo direito de participação dos interessados no âmbito do procedimento tributário, em conformidade com a orientação jurisprudencial sobre matéria.

18ª) - No caso vertente a quantificação dos volumes de vendas mensais sobre o qual incidiu a taxa foi feita pelo Infarmed, exclusivamente com base numa multiplicidade de elementos contabilísticos e fiscais recolhidos no âmbito de uma acção de inspecção interna, sem que tivesse sido dada à impugnante a oportunidade de se pronunciar sobre tal quantificação em qualquer fase do procedimento anterior à liquidação.

19ª)-Como expressamente alegou em sede de Impugnação, a Impugnante solicitou ao Infarmed para que este lhe indicasse, de entre a multiplicidade de elementos recolhidos, quais os que, em concreto, foram tidos em conta na determinação do volume de vendas, tendo aliás invocado a falta de fundamentação do acto de liquidação com este fundamento.

20ª) - E é certo que na previsão normativa existiam taxas diferentes para produtos diferentes.

21ª) - É assim manifesto que a base sobre a qual incidiu a taxa, no caso, a quantificação do volume de vendas não se mostrava consolidada, pelo que não se podia concluir, sem margem para dúvidas, que se a formalidade de audição prévia tivesse sido cumprida, o resultado teria sido exactamente igual.

22ª) - Felo que decidiu bem o Tribunal a quo, não haver degradação da formalidade de audição prévia em não essencial e não ser de aplicar o princípio do aproveitamento do acto, sendo esta a solução que melhor se coaduna com a situação factual subjacente e com os objectivos visados pelo legislador.

Nestes termos e nos demais de Direito que o Venerando Tribunal suprirá, deve ser julgada improcedente a invocada oposição de acórdãos e mantido o douto acórdão recorrido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

5. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

A) A impugnante foi notificada pelo INFARMED do início da acção inspectiva, através do ofício n° 52971, datado de 10/12/2004, conforme documento n° l de fls. 45 a 47 dos autos;

B)Em 12/01/2005 o INFARMED procedeu nas instalações da impugnante à recolha de documentação, ao abrigo do disposto no artº. 2º, n° 4 do Decreto-Lei n° 312/2002 de 20 de Dezembro, conforme consta dos autos de recolha de documentação que constituem o documento n° 6, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 93 a 97), os quais se encontram assinados por um representante da Impugnante, pelo TOC e pelo INFARMED.

C)Através de ofícios datados de 03/01/2006, foi a impugnante notificada das liquidações oficiosas relativas à taxa de comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal e respectivos juros compensatórios, referente aos períodos de Dezembro de 2000, Janeiro a Dezembro de 2003 e Janeiro a Dezembro de 2004 no montante global de € 964.149,89 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 73.027,28 (cfr. documento n°7 junto com a petição inicial de fls. 99 a 121, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

D)O termo do prazo de pagamento das liquidações referidas c) era o dia-31 de Janeiro de 2006 (cfr. documento n° 7 junto com a petição inicial de fls. 99 a 121, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

E) Das referidas notificações consta o seguinte:
"Face à não apresentação das declarações de vendas de produtos cosméticos e de higiene corporal e à não auto-liquidação e pagamento a este instituto da taxa sobre a comercialização dos mesmos produtos, procedeu o INFARMED à liquidação oficiosa da mesma taxa, nos termos dos artigos 7° e 2° do decreto-lei n° 312/2002, de 20 de Dezembro.
A referida liquidação teve por base as declarações e os elementos contabilísticos obtidos junto de V. Exa. (s), ao abrigo, designadamente, do n° 1 do artigo 31° e do n° 1 do artº. 63° da Lei Geral Tributária, estas liquidações evidenciam o volume de vendas realizadas que abaixo se indica.
A liquidação a que se procede, nos termos dos artigos 1º e 2° do Decreto-Lei n°3J2/2002, de 20 de Dezembro; dos artigos 35°, 60°, n° 2 e 77° da Lei Geral Tributária, do n° 1 do art. 559° do Código Civil e das Portarias n°s 263/99, de 12 de Abril, e 291/2003, de 8 de Abril é a seguinte (...)"

F) A presente impugnação deu entrada neste tribunal em 02/05/2006 (cf-, fls. 3 dos autos).

6. No acórdão fundamento foram dados como provados os seguintes factos:

A)- C…, casado em separação de bens com D…, contribuinte fiscal n.º …, residente no lugar de … São Romão do Coronado, Trofa, era usufrutuário de duas quotas sociais no valor nominal de dois milhões cento e vinte e cinco mil escudos, cada, e três do valor nominal de cento e vinte e cinco mil escudos, cada, no capital social da sociedade comercial por quotas denominada "E…, Limitada", pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida …, São Martinho de Bougado, Trofa, com o capital social de cinco milhões de escudos (fls. 19 e 20 do apenso).

B)- Por escritura pública exarada em 04/04/1989, no Segundo Cartório Notarial de Santo Tirso, C… havia cedido pelo respectivo valor nominal as duas primeiras quotas a B… e F…, seus filhos, e as restantes três a G…, H… e I…, seus netos, com reserva de usufruto para si (fls. 27 a 30 do apenso).

C)- B… e F… cederam as suas quotas à Impugnante por escritura de 27/12/1993 (fls. 31 do apenso).

D)- Por escritura pública exarada em 01/02/1994, no Segundo Cartório Notarial de Santo Tirso, C… renunciou ao usufruto das aludidas quotas, atribuindo a cada uma delas o mesmo valor (fls. 19 e 20 do apenso).

E)- C… faleceu em 21/07/1998 (fls. 34 do apenso).

F)- O processo de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações n.º 7680 foi instaurado na sequência do termo de declarações entregue por B… (fls. 31 do apenso).

G)- Em 01/03/2004 o Serviço de Finanças da Trofa procedeu à liquidação do imposto sobre as sucessões e doações, apurando um imposto devido no valor de 533.464,22 €, correspondente a soma da 1.ª anuidade de 26.673,23 e das restantes dezanove (19 X 26.673,23 €) - (fls. 7 dos autos e 24 do apenso).

H)- Atendendo a que o usufrutuário havia falecido em 21/07/1998, a liquidação apurou que estavam em dívida 4 anuidades, já vencidas, no valor de 106.692,86 € (fls. 7 e 24 do apenso).

I)-A liquidação do imposto sobre as sucessões e doações foi notificada a impugnante em 05/03/2004 (fls. 6 dos autos, 24 e 25 do apenso).

J)-O pagamento do imposto, de pronto, no montante de 106.692,86 €, tinha de ser efectuado durante o mês de Abril de 2004 (fls. 6, 24 e 25 do apenso).

K)-As quotas adquiridas pela Impugnante a B… e F… tinham um valor de 1.101.844,29 (fls. 7).

L)-A impugnante deduziu a impugnação em 03/06/2004 (fls. 2 e 12).

7.Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

8. Antes de mais, e não obstante ter sido reconhecida pelo respectivo relator do processo no TCA Sul a oposição de acórdãos, cabe referir que tal decisão não vincula este Supremo Tribunal (artº 687º, nº 4 do CPC – a que corresponde hoje o artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma), pelo que há que apreciar se ocorrem ou não os requisitos de que a lei faz depender o recurso para o Pleno.

Ora, tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de Janeiro de 2004, são aplicáveis as normas dos artºs 27º, alínea b) do ETAF de 2002 e 152º do CPTA (neste sentido, entre outros, v. o acórdão de 26/09/2007 do Pleno desta Secção, proferido no Processo nº 0452/07).

Sendo assim, a oposição depende da satisfação dos seguintes requisitos:

a) Existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

b) A decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

8.1. Quanto ao primeiro requisito, de acordo com o acórdão de 29.03.2006 – Recurso nº 01065/05, do Pleno desta mesma Secção, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, a saber:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- de 29.03.2006 – Processo nº 01065/05;
- de 17.01.2007 – Processo nº 048/06;
- de 06.03.2007 – Processo nº 0762/05;
- de 29.03.2007 – Processo nº 01233/06.
No mesmo sentido, v. ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha – Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, págs. 765-766).

A oposição deverá, por um lado, decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta e, por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

Vejamos então se no caso dos autos se verificam tais requisitos, começando pela questão da oposição entre os arestos acima identificados.

8.2. Na decisão recorrida entendeu-se ter sido violado o direito de audiência da impugnante e indicando-se depois as razões dessa violação nos seguintes termos:
”… Ora, na sentença recorrida entendeu-se que, como as “liquidações impugnadas foram efectuadas com base nas declarações e elementos fornecidos pela impugnante e certificados pelo seu técnico oficial de contas” o INFARMED estava dispensado de observar a formalidade de audição prévia, por força do disposto no artigo 60º, nº 2 da LGT.
Mas este entendimento não pode manter-se.

O que aconteceu no caso dos autos, em que o montante sobre o qual é aplicada a taxa - o volume de vendas de cada produto – foi recolhido da contabilidade e da demais escrita da ora recorrente, foi que esta não teve até à fase da liquidação a oportunidade legal de se pronunciar sobre tal quantificação, que assim se não mostra consolidada, uma vez que existem taxas de valores diferentes para produtos também diferentes – produtos farmacêuticos e homeopáticos, cosméticos e de higiene corporal - pelo que não se pode concluir que se tal formalidade fosse cumprida, o resultado fosse exactamente igual, não ocorrendo, assim, qualquer degradação de tal formalidade em não essencial, com a manutenção das liquidações impugnadas,
E como acompanhamos a generalidade da jurisprudência quando afirma que a degradação de tal formalidade em não essencial, só pode ter lugar para aqueles casos em que se demonstra que, mesmo a ser cumprida tal formalidade, a decisão final do procedimento não poderia deixar de ser a mesma, valendo em tais casos o principio do aproveitamento do acto, o que, como se viu, não é o caso, não se acompanha nesta parte a decisão recorrida”.

No acórdão fundamento, entendeu-se ter sido também violado o mesmo direito, mas atentos os factos ali dados como provados, considerou-se que tal violação acabou por não ter influência na liquidação, uma vez que, ainda que o impugnante tivesse sido ouvido, o que quer que ele pudesse vir dizer em nada alteraria a liquidação, entretanto, efectuada.

E concluiu-se do seguinte modo: ” Ora, como se deixou frisado na decisão recorrida, no caso em apreço, os factos relevantes para a liquidação estavam já todos concretizados. A audição da impugnante não alteraria em nada a fixação da matéria de facto relevante para a liquidação, uma vez que ela estava dependente de actos formais já apurados no processo de liquidação do imposto sucessório. Quais sejam: as transmissões das quotas sociais; os seus valores; a reserva do usufruto e a renúncia ao usufruto, tudo factos dependentes de prova documental que a impugnante não poderia alterar ou influenciar.
Sendo assim, é de concluir que foi correcta a aplicação do referido princípio do aproveitamento do acto, por se estar perante uma situação de solução legal evidente e em que não se vislumbra qualquer possibilidade de a omitida audição antes do acto de liquidação poder ter influência sobre o conteúdo desta”.

Do que ficou dito e escrito, resulta então que em ambos os casos se considerou ter sido violado o direito dos contribuintes, previsto no artº 60º da LGT. Mas, em face dos factos provados em cada um dos arestos, concluiu-se em sentido oposto quanto ao princípio do aproveitamento do acto.
Mas isto não significa oposição entre os arestos.

Como bem refere a recorrida nas suas conclusões 5ª) e 6ª), a solução jurídica para a questão fundamental de direito de saber se a preterição da formalidade de audiência prévia se degradou em formalidade não essencial, sendo de aplicar o princípio do aproveitamento do acto é só uma: a omissão de tal formalidade só se degrada em formalidade não essencial nos casos em que o tribunal, através de um juízo de prognose póstuma, possa concluir sem margem para dúvidas, que a audição do interessado não tinha a mais ténue possibilidade de influenciar a decisão tomada.

Ora, tanto no acórdão fundamento, como no acórdão recorrido, a solução jurídica foi a mesma só que em sentido diverso, na medida em que, perante a diferente situação fáctica subjacente a cada um dos acórdãos, no acórdão fundamento concluiu-se que a omissão de audiência prévia se degradou em formalidade não essencial e no acórdão recorrido concluiu-se que a omissão de audiência prévia não se degradou em não essencial.

Não existe assim oposição de julgados na medida em que não se verifica também o requisito da oposição das soluções jurídicas adoptadas para a mesma questão fundamental de direito.

Em conclusão: ambos os arestos partilharam da mesma solução jurídica tendo, no entanto, chegado a decisão divergente em face de entendimento baseado na matéria de facto provada em cada um daqueles arestos, pelo que não ocorrem os requisitos para o recurso por oposição de acórdãos, previsto no artº 284º do CPPT.

9. Nestes termos, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA em julgar findo o recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2 de Maio de 2012. – João António Valente Torrão (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves ­- Francisco António Pedrosa Areal Rothes ­– José da Ascensão Nunes Lopes – Pedro Manuel Dias Delgado - ­Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Lino José Batista Rodrigues Ribeiro.