Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0987/17.4BALSB
Data do Acordão:11/29/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - De harmonia com o disposto conjugadamente nos arts. 763.º a 770.º do CPC [na redação anterior à introduzida pelos arts. 03.º e 17.º, n.º 1, do DL n.º 329-A/95, de 12.12] e nos arts. 103.º da LPTA, e 24.º, al. b), do ETAF/84, constituíam pressupostos de verificação cumulativa quanto à admissibilidade dos recursos por oposição de julgados os seguintes: i) os quadros normativos [sejam eles substantivos ou processuais] e as realidades factuais subjacentes ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento deverem ser substancialmente idênticos e, por isso, a contradição ter de decorrer de uma divergente interpretação jurídica; ii) a oposição ter de decorrer de decisões expressas e não de julgamentos implícitos; iii) só relevar a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos de outro; iv) o acórdão invocado como fundamento ter de estar transitado em julgado, presumindo-se, porém, esse trânsito se o recorrido nada alegasse em sentido contrário [cfr. n.º 4 do art. 763.º, do CPC]; v) para cada questão relativamente à qual se pretendesse ocorrer oposição dever o recorrente indicar um e um só acórdão.
II - O recurso com fundamento em oposição de julgados não será de admitir, nomeadamente quando no acórdão recorrido e no acórdão invocado como fundamento, não forem expressamente perfilhadas soluções opostas, relativamente à mesma questão fundamental de direito e na ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica.
III - Não existe contraditoriedade decisória sobre a mesma questão fundamental de direito se se mostrar impossível extrair dos dois arestos em confronto duas proposições jurídicas que se articulem em recíproca oposição lógica quanto à mesma «quaestio juris».
Nº Convencional:JSTA000P23910
Nº do Documento:SAP201811290987/17
Data de Entrada:04/11/2018
Recorrente:A.................
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. “A………………….., LDA.”, devidamente identificada nos autos, inconformada com os acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, datados de 09.11.2017 e de 01.02.2018 [este último deferindo parcialmente a arguição de nulidade deduzida relativamente ao primeiro], proferidos no âmbito da ação declarativa de condenação, com processo comum, forma ordinária, instaurada nos termos dos arts. 73.º da LPTA e 51.º, n.º 1, al. h), do ETAF/84, contra “MUNICÍPIO DE LISBOA” [doravante «MdL»] no segmento em que negaram provimento ao recurso jurisdicional e ao pedido indemnizatório quanto aos encargos e despesas respeitantes aos presentes autos, incluindo honorários devidos aos advogados, dos mesmos veio interpor recurso por oposição de julgados nos termos dos arts. 103.º, n.º 1, al. a), da LPTA, 24.º, al. b), do ETAF/84, apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 529 e segs. e fls. 551 e segs. - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]:
«
A - DA IDENTIDADE DA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
1.ª Os doutos Acórdãos recorridos, de 2018.02.01 e de 2017.11.09, e o douto Acórdão fundamento, de 2017.06.20, apreciaram e decidiram a seguinte questão jurídica fundamental:
- Autonomia e exigibilidade de despesas judiciais, extrajudiciais e honorários devidos pelos meios judiciais que o particular foi forçado a acionar para obter a reconstituição da sua situação hipotética atual, caso não tivesse sido praticado o ato judicialmente anulado - cfr. texto n.ºs 1 a 6;
2.ª As situações de facto subjacentes aos arestos sub judice são coincidentes no essencial, não se verificou qualquer alteração relevante da regulamentação e princípios jurídicos aplicáveis, e não foram as particularidades de cada caso que determinaram as soluções opostas da mesma questão fundamental de direito - cfr. texto n.ºs 1 a 6;
B - DA CONSAGRAÇÃO DE SOLUÇÕES OPOSTAS
3.ª Os acórdãos recorridos e fundamento consagraram soluções opostas para a mesma questão jurídica fundamental, pois no Acórdão recorrido, de 2018.02.01, considerou-se que “não se pode falar, in casu, em ato ilícito que tenha dado origem, fosse de que forma fosse, a quaisquer despesas e honorários que a autora tenha tido e terá de despender nesta ação”, e no Acórdão fundamento, de 2017.12.06, decidiu-se de acordo com tese oposta, que, “sendo o mandato judicial obrigatório no contencioso administrativo, a jurisprudência deste STA tem considerado que as despesas com honorários de advogados, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração geradora do dever de indemnizar, são danos indemnizáveis” - cfr. texto n.ºs 7 e 8 ...».

2. Devidamente notificado o “MdL” não veio produzir quaisquer contra-alegações [cfr. fls. 546, e 565 e segs.].

3. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado emitiu pronúncia no sentido da não admissão do recurso [cfr. fls. 569/570], pronúncia que, objeto de contraditório, mereceu resposta discordante da A./recorrente [cfr. fls. 575/579].

4. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO

5. Nos termos do disposto no art. 713.º, n.º 6, do CPC ex vi dos arts. 01.º e 102.º, da LPTA, dão-se aqui como reproduzidas as factualidades pertinentes dadas como provadas nos acórdãos recorrido e fundamento.

*
DE DIREITO
6. Considerando os quadros factuais nos quais se estribaram, respetivamente, acórdão recorrido e acórdão fundamento, passemos, então, à apreciação das questões que constituem objeto deste recurso.
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DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSÃO DO RECURSO E SUA VERIFICAÇÃO

7. Nos termos do disposto conjugadamente nos arts. 103.º da LPTA e 24.º, al. b), do ETAF/84, compete ao Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal conhecer dos recursos de acórdãos da Secção que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção, sendo que ainda, conforme jurisprudência constante e uniforme deste mesmo Supremo, apesar da revogação dos arts. 763.º a 770.º do CPC [operada pelos arts. 03.º e 17.º, n.º 1, do DL n.º 329-A/95, de 12.12] a tramitação dos recursos com fundamento em oposição de julgados continua a fazer-se de acordo com aquelas normas, especialmente os arts. 765.º e 767.º [cfr., entre outros, os Acs. do STA/Pleno de 07.05.1996 - Proc. n.º 036829, de 08.05.2003 - Proc. n.º 048103, de 31.01.2008 - Proc. n.º 0777/06, de 27.02.2008 - Proc.(s) n.º(s) 0105/07 e 0272/06, de 10.04.2008 - Proc. n.º 059/07, de 14.01.2010 - Proc. n.º 0914/09, consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].

8. Na vigência do referido quadro normativo e aqui aplicável aos presentes autos [cfr. arts. 02.º da Lei n.º 13/2002, de 19.02, e 05.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 15/2002, de 22.02] e de harmonia também com a jurisprudência uniforme deste Tribunal, constituíam pressupostos de verificação cumulativa do recurso com fundamento em oposição de julgados os previstos para idêntico recurso no art. 763.º, 765.º e 767.º todos do CPC [na redação anterior à introduzida pelo referido DL n.º 329-A/95].

9. Assim, exigia-se, em suma, que: i) os quadros normativos [sejam eles substantivos ou processuais] e as realidades factuais subjacentes ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento deveriam ser substancialmente idênticos e, por isso, a contradição teria de decorrer de uma divergente interpretação jurídica; ii) a oposição teria de decorrer de decisões expressas e não de julgamentos implícitos; iii) só relevaria a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos de outro; iv) o acórdão invocado como fundamento teria de estar transitado em julgado, presumindo-se, porém, esse trânsito se o recorrido nada alegasse em sentido contrário [cfr. n.º 4 do art. 763.º, do CPC]; v) para cada questão relativamente à qual se pretendesse ocorrer oposição deveria o recorrente indicar um e um só acórdão.

10. Tal como aludido supra estes pressupostos mostram-se de verificação cumulativa, pelo que a falha de um bastará para impedir o prosseguimento do presente recurso.
Analisemos, então, do seu preenchimento.

11. Sustenta-se no presente recurso fundado em alegada oposição de julgados que o acórdão recorrido proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo em 09.11.2017 [com a alteração nele introduzida pelo acórdão de 01.02.2018] e o acórdão fundamento proferido pela mesma Secção e Tribunal em 20.06.2017 [Proc. n.º 0247/15], apreciaram e decidiram de forma oposta, no contexto do mesmo quadro factual e jurídico, a questão da exigibilidade pelo particular lesado do pagamento dos encargos e despesas [extrajudiciais e judiciais, nomeadamente honorários] havidos por aquele uma vez forçado a acionar meios contenciosos para impugnação de ato reputado de ilegal e lesivo e para obter a reconstituição da sua situação não fora a prática daquele ato.

12. No acórdão fundamento, proferido no quadro de ação declarativa de condenação, com processo comum, sob forma ordinária, deduzida também na vigência do ETAF/84 e da LPTA e emergente de responsabilidade civil extracontratual do Estado em consequência da emissão de despacho ilegal que havia ordenado o embargo de obra e que conduziu à paralisação durante um certo lapso temporal da construção de empreendimento que estava em curso, considerou-se como verificados in casu todos os pressupostos legalmente exigidos, nomeadamente, os da ilicitude, do dano e do nexo de causalidade, pelo que condenou o ali R., no que aqui releva, no pagamento ao lesado da «quantia que vier a ser liquidada, a título de honorários dos mandatários judiciais da A. nos processos judiciais que ficaram identificados», fundamentando tal decisão no facto de que «sendo o mandato judicial obrigatório no contencioso administrativo, a jurisprudência deste STA tem considerado que as despesas com honorários de advogados, desde que adequadas e necessárias para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração geradora do dever de indemnizar, são danos indemnizáveis, uma vez que constitui princípio do direito processual civil que a necessidade de recorrer a juízo não ocasione dano à parte que tem razão, sob pena de se deslocar irremediável e definitivamente para esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante (…)» e que «estando provado que a A. requereu a suspensão de eficácia e recorreu contenciosamente do despacho que decretou o embargo (…), processos sujeitos a mandato obrigatório e adequados e necessários a evitar a produção de efeitos pelo ato ilícito, tem de se concluir que as despesas respeitantes aos honorários dos advogados que a representaram nesses e no presente processo constituem um dano indemnizável que é de imputar ao ato ilícito».

13. Por sua vez, no acórdão recorrido, ciente dos termos e teor do acórdão fundamento a que, aliás, faz expressa referência, veio, por um lado, arbitrar-se indemnização pelos encargos e despesas judiciais, mormente como os honorários de advogados que a A. teve e terá de suportar respeitantes ao processo judicial n.º 872/96 [recurso contencioso de anulação que teve por objeto a impugnação do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa («CML»), datado de 14.08.1996, e que havia indeferido o pedido formulado pela A. de pagamento em prestações do montante devido pela emissão de alvará de construção, recurso esse que foi julgado procedente já que ilegal o fundamento utilizado no despacho para o indeferimento e que se prendia com uma pretensa caducidade do licenciamento que havia sido aprovado inicialmente por despacho de 01.06.1989].

14. E, por outro lado, quanto à pretensão indemnizatória no segmento relativo aos custos suportados com as despesas e os encargos judiciais, mormente com os honorários de advogados havidos com a dedução da presente ação declarativa condenatória emergente de responsabilidade civil extracontratual do R., veio a negar-se provimento ao recurso jurisdicional e à pretensão da A., argumentando-se para o efeito que o seu ressarcimento «só assume relevância quando possa ser imputado ao ato ilícito que a autora elegeu como sendo o ato que lhe provocou os danos» e que «no caso concreto, a presente ação foi julgada improcedente por não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, pelo que não se pode falar, in casu, em ato ilícito que tenha dado origem, fosse de que forma fosse, a quaisquer despesas e honorários que a autora tenha tido e terá de despender nesta ação», razão pela qual não podem «esses danos ser considerados danos emergentes da ilicitude do ato aqui em causa, porque não foi considerado que o R. tivesse praticado qualquer ato ilícito».

15. Com efeito, em sede de análise da pretensão indemnizatória formulada na presente ação havia-se considerado como não demonstrado o pressuposto ou requisito do nexo causal, já que a ilegalidade do despacho de 14.08.1996 do Presidente da «CML», afirmada por acórdão deste Supremo Tribunal, não se revelou in casu como constituindo «a causa adequada ao não licenciamento e à não emissão do alvará no período indicado pela recorrente [1993 a 2001] e como sendo aquele em que se produziram danos na sua esfera jurídica», pelo que, inexistindo «o necessário nexo causal entre o facto e o dano, pressuposto cumulativo com os demais, do dever de indemnizar», julgou improcedente o pedido formulado.

16. Perante as pronúncias em confronto ínsitas nos arestos do STA que antecedem impõe-se, então, aferir do preenchimento dos pressupostos exigidos para a admissão do recurso sub specie, cientes de que se mostram, desde já, verificados os pressupostos relativos à tempestividade do recurso [cfr. fls. 526/529 dos autos (paginação do suporte físico) - e o disposto nos arts. 102.º, 103.º da LPTA, e 765.º do CPC] e ao trânsito em julgado do acórdão fundamento, que, aliás, se presume dado o recorrido nada haver alegado em sentido contrário [cfr. art. 763.º, n.º 4, do CPC].

17. Passando à análise do pressuposto relativo à existência de contradição ou de oposição quanto à «mesma questão fundamental de direito» entre os acórdãos em confronto temos que, como aludido, o requisito exige que o conflito jurisprudencial terá de (i) corresponder a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo; (ii) ter na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo, sejam análogas ou equiparáveis; (iii) a alegada divergência assumir um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, ou seja, haja integrado a verdadeira ratio decidendi.

18. É que a contradição entre interpretações divergentes de um mesmo regime normativo exige que nos situemos ou nos movamos no âmbito do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental, o que implica, não apenas que não hajam ocorrido, no espaço temporal situado entre os dois arestos, modificações legislativas relevantes, mas, igualmente, que as soluções encontradas em cada uma das decisões em confronto se situem no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica, na certeza de que não gerará qualquer contradição o ter-se chegado a soluções diversas que se hajam estribado na subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados.

19. Presentes o enquadramento antecedente e aquilo que é o quadro factual e normativo subjacente às pronúncias em confronto temos que, in casu, não se mostra preenchido o pressuposto da existência de contradição «sobre a mesma questão fundamental de direito».

20. Com efeito, as pronúncias firmadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, movendo-se, é certo, no quadro do mesmo regime normativo disciplinador do instituto da responsabilidade civil extracontratual [in casu, o DL n.º 48.051 em conjugação com o regime inserto, nomeadamente, nos arts. 483.º e 562.º e segs. do CC], não encerram interpretações divergentes do mesmo regime no segmento respeitante ao ressarcimento dos danos suportados com as despesas e os encargos judiciais, mormente com os honorários de advogados havidos.

21. É que na situação objeto de apreciação no acórdão recorrido ocorreu a recusa do pedido de indemnização por honorários forenses mercê de os mesmos se referirem a uma ação que improcedeu.

22. Ora, esta circunstância - a improcedência da ação a que os honorários respeitam - não se dera no acórdão fundamento, que, portanto, não se pronunciou sobre a exigibilidade dos honorários nesse género de casos.

23. Assim, mostra-se impossível extrair dos dois arestos em confronto e relativamente àquele assunto duas proposições jurídicas que se articulem em recíproca oposição lógica.

24. Deflui de tudo o exposto que não ocorre a invocada contradição/oposição de julgados, o que importa declarar com todas as legais consequências.



DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar não verificada a oposição de julgados e, em consequência, declarar findo o presente recurso.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 300,00 € e a procuradoria em ½.
D.N..



Lisboa, 29 de novembro de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz.