Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01468/16.9BEPRT
Data do Acordão:04/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CARGO DIRIGENTE
COMISSÃO DE SERVIÇO
SUSPENSÃO
Sumário:Não é de admitir a revista se a questão suscitada desmerece tanto por não se divisar a necessidade de uma melhor aplicação do direito, como por, face aos contornos particulares do caso concreto, ela não ter vocação «universalista».
Nº Convencional:JSTA000P32078
Nº do Documento:SA12024040401468/16
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA COESÃO TERRITORIAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. AA - autor desta acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAN - de 15.12.2023 - que negou provimento à sua «apelação» e confirmou a sentença do TAF de Braga - de 15.01.2020 - que «julgou totalmente improcedente» a acção que intentara contra o então MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO e INFRA ESTRUTURAS - actual MINISTÉRIO DA COESÃO TERRITORIAL [MCT] - que absolveu de todos os pedidos.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

O réu - MCT - contra-alegou defendendo, além do mais, a não admissão do recurso de revista por falta de verificação dos pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor - AA - pretende a anulação do despacho do Secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, datado de 09.03.2016, o qual manifestou concordância com «parecer», da mesma data, em que se propunha a anulação de dois anteriores despachos com fundamento na respectiva invalidade, ou seja, o despacho de autorização do Presidente da CCDRN - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte - datado de 30.10.2015, que autorizou a suspensão da comissão de serviço do autor no cargo de Vice-Presidente da CCDRN, e o datado de 15.11.2015 do Ministro da Presidência e do Desenvolvimento Regional, que com ele concordou.

Para o efeito apontava ao acto impugnado vício de violação de lei - errada interpretação dos artigos 25º, nº1, alínea b), e 26º-A, da Lei nº2/2004, de 15.01 [alterada pelas Leis nºs 51/2005 e 64/2011, e Lei nº128/2015, de 03.09], e violação dos artigos 19º, nº1, alínea a), da Lei nº49/99, de 22.06, 50º, nº2, e 266º, nº1, da CRP - e vício de incompetência do seu autor, que, alega, deveria ter sido o respectivo Ministro.

O tribunal de 1ª instância - TAF de Braga - negou provimento à acção, absolvendo o réu do pedido. Entendeu a sentença, além do mais, que «a interpretação sufragada no despacho impugnado, no sentido de que a tomada de posse seguida do exercício do cargo de Secretário de Estado do Governo determina a cessação da comissão de serviço, encontra respaldo no artigo 25º, nº1, alínea b), da Lei nº2/2004, pelo que nenhuma censura se pode apontar, inexistindo causa legal de suspensão da comissão de serviço por esse facto».

O tribunal de 2ª instância - TCAN - negou provimento à apelação do autor, confirmando a sentença aí recorrida. O acórdão do tribunal de apelação reiterou que as regras de interpretação não permitem qualquer leitura do artigo 25º da Lei nº2/2004, de 15.01, como aquela que é sufragada pelo autor - aí apelante -, isto é, «no sentido de admitir a suspensão da respectiva comissão de serviço por ir integrar o Governo». Esse acórdão afastou ainda, liminarmente, uma putativa violação do artigo 50º da CRP, fazendo-o na linha de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradora Geral da República - nº 94/2004.

Novamente o autor, e apelante, discorda, e pede revista do acórdão do tribunal de 2ª instância por entender «errado o julgamento de direito» nele efectivado. Alega que o acórdão recorrido faz uma errada interpretação dos artigos 25º, nº1 alínea b), e 26º-A, da Lei nº2/2004, de 15.01 - Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública, redacção da Lei nº64/2011, de 22.12 -, pois que se a lei prevê a suspensão da comissão de serviço para membros de gabinete do Governo, por maioria de razão a prevê no caso em que o titular do cargo dirigente venha a exercer funções governativas. Além disso, fez incorrecta interpretação e aplicação do artigo 50º nº2 da CRP, norma de aplicação imediata que titula o direito de acesso a cargos públicos. Sublinha que o acórdão posto em crise procede a uma indevida interpretação restritiva da norma do artigo 26º-A - em conjugação com a do artigo 25º, nº1 alínea b), da Lei nº2/2004, de 15.01 -, e que antes deveria ter feito uma interpretação extensiva da mesma, no sentido por ele defendido.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que os dois tribunais de instância foram «unânimes» na decisão proferida, bem como na sua respectiva fundamentação, o que, obviamente, sem garantir a correcção do assim julgado, não deixa de constituir «sinal relevante» do seu aparente acerto. Dois tribunais, quatro juízes, convergiram num mesmo sentido, e fizeram-no, diga-se, alicerçados «numa análise jurídica dos factos provados» e «numa interpretação e aplicação do regime jurídico chamado a intervir» que se mostra lógica, coerente, sem contradições e sem erros manifestos, e, enquanto tal, justificativos da admissão da revista em nome da «clara necessidade de melhor aplicação do direito». E acrescente-se que as alegações de revista, que insistem no julgamento de procedência da pretensão do autor, não se apresentam suficientemente convincentes, e, portanto, capazes de fazer sucumbir a fundamentação levada à decisão unânime das instâncias. Também não se evidencia - atentos os concretos contornos da factualidade apurada nos autos - qualquer conflito com jurisprudência existente nos tribunais superiores da jurisdição.

Ademais, admitir este recurso seria abrir uma 3ª instância, o que não é permitido pela lei, sendo certo que a «questão» que o recorrente pretende continuar a debater não se perfila de importância fundamental em termos de relevância jurídica ou social, antes traduzindo a sua insatisfação quanto à aplicação de uma norma, e não uma «questão» que revele capacidade expansiva ou repercussão social.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pelo autor da acção administrativa.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 4 de Abril de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.