Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0696/14
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P18460
Nº do Documento:SA1201501150696
Data de Entrada:06/12/2014
Recorrente:A............., LDA E OUTRO
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE SINTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A………….., Lda e B…………. interpuseram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (doravante TAC), recurso contencioso de anulaçãodo acto do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, de 3 de Julho de 2002, que indeferiu o pedido de licenciamento das obras de urbanização apresentado pelos ora recorrentes, em 21 de Janeiro de 2002, no âmbito do processo nº LT 199600839”.
Por sentença do TAF de Lisboa, 1º juízo liquidatário, o mencionado recurso foi julgado improcedente.

Os Recorrentes interpuseram recurso para este Supremo o qual, tendo sido provido, determinou que se declarasse nula a sentença e se remetesse o processo ao Tribunal recorrido.

Na sequência desse Aresto o TAC, por sentença de 28/10/2013, negou provimento ao recurso contencioso.
É desta decisão que vem o presente recurso jurisdicional onde se formularam as seguintes conclusões:
I. Salvo o devido respeito, a sentença recorrida enferma de manifesto erro de julgamento, uma vez que interpretou erradamente o preceito legal em que se fundamenta (art.º 14.º do DL. 448/91), dele retirando um sentido que não tem qualquer correspondência (nem suporte) no texto da lei.
II. Sucede, porém, que os vícios da dita sentença não se esgotam no aludido erro de julgamento, antes padecendo a mesma de nulidade por omissão de pronúncia e de errada interpretação e aplicação das demais normas legais desrespeitadas pelo acto impugnado, e oportunamente invocadas pelos AA., ora Recorrentes.
III. A sentença prolatada pelo então TAF de Lisboa, em 19/03/2005, que primeiramente conheceu da validade do acto impugnado, foi objecto de recurso interposto pelos AA. para o STA, sendo que nesse recurso os então (e ora) Recorrentes alegaram que a referida sentença padecia de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea d) do CPC, em virtude de não ter conhecido de todos os vícios que os AA. haviam assacado ao acto recorrido (vide ponto IX das conclusões das alegações de recurso para o STA).
IV. Mais alegaram que o acto sob recurso teria violado os art.ºs 11º e 22º, n.º 2, do D.L. 448/91, bem como os artigos 6.º-A, 140º, n.º 1, al.ª b), 124.º e 125.º do CPA, pelo que a sentença então posta em crise, ao julgar válido aquele acto, padecia de erro de julgamento (vide pontos XI, XII, XIII, XVIII e XIX das conclusões das alegações de recurso para o STA).
V. Pois bem, por Acórdão do STA (Secção do Contencioso Administrativo) proferido em 22/05/2007 (proc. n.º 108/01-12) foi decretada a nulidade da sentença do então TAF de Lisboa de 19/03/2005 por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, n.º 1, al.ª d) do CPC, porquanto, entendeu o STA, e bem, que a sentença recorrida não conheceu, como lhe cumpria, do vício respeitante à violação do disposto na al.ª b) do n.º 1 do art.º 140.º do CPA.
VI. No entanto, o referido Acórdão do STA considerou que, em razão da procedência da nulidade da sentença, ficava prejudicada a apreciação das demais questões, pelo que não tomou posição - nem faria sentido que o fizesse - quanto aos restantes vícios imputados pelos AA., e Recorrentes, ao acto sob recurso.
VII. Ora, a sentença de que agora se recorre, proferida em 28/10/2013, entendeu - e salvo o devido respeito - erradamente que a questão a decidir nos presentes autos se circunscrevia (apenas) à apreciação do “vicio de revogação ilegal de acto constitutivo de direitos, imputado pelos Recorrentes ao despacho recorrido, correspondente à violação do artigo 140.º/1-b) do CPA ...”.
VIII. Daí que a sentença recorrida apenas se tenha pronunciado sobre aquela questão, nada dizendo quanto à procedência, ou improcedência, dos demais vícios invocados pelos Recorrentes, ou seja da violação dos artigos 11.º e 22.º, n.º 2 do D.L. 448/91 e dos artigos 6.º-A, 124.º e 125,º do CPA.
IX. Assim, forçoso será reconhecer que a sentença em crise é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, n.º 1, al.ª d) do CPC, nulidade essa que assim deverá ser declarada por este STA.
X. Decidiu a sentença sob recurso que o acto recorrido não violou o art.º 140.º, n.º 1, al.ª b) do CPA, uma vez que o requerimento de 21/01/2002, indeferido por tal acto, “foi apresentado muito depois de ter ocorrido tal deferimento tácito sobre o pedido de licenciamento da operação de loteamento, requerido em 28/02/1996”, sendo que, ainda segundo aquela sentença, “o licenciamento de operações de loteamento caduca se no prazo de um ano não for requerido o licenciamento das obras de urbanização”, por força do artigo 14.º do DL. 448/91.
XI. Entendeu a sentença recorrida que foi justamente isso que sucedeu no caso dos autos, uma vez que o licenciamento das obras de urbanização muito depois de decorrido o prazo de um ano sobre a formação de deferimento tácito quanto ao pedido de licenciamento da operação de loteamento formulado no referido requerimento de 28.02.1996.
XII. Sucede, porém, que o acto (tácito) de licenciamento da operação de loteamento não caducou, nem é aplicável ao caso o disposto no art.º 14º do D.L. 448/91.
XIII. No caso presente, e conforme se infere dos factos assentes, a operação de loteamento implicava a realização de obras de urbanização, pelo que importaria apenas cuidar do disposto no n.º 1 do art.º 14.º do D.L. 448/91, sendo irrelevante para este litígio o estatuído no n.º 2 do mesmo.
XIV. Ora, resulta à evidência do n.º 1 do citado artigo que o facto jurídico que determina o início da contagem do prazo de caducidade do licenciamento da operação de loteamento é a data em que tal acto for notificado ao requerente, e não o momento em que ocorrer a prática do mesmo, dele não constando que a deliberação caduca se no prazo de um ano a contar da sua prática não for requerido o licenciamento das obras de urbanização.
XV. No caso dos autos, a Câmara Municipal de Sintra nunca notificou os Recorrentes do deferimento, expresso ou tácito, do pedido de licenciamento da operação de loteamento, nem tão pouco está provado que o tivesse feito.
XVI. Aliás, o que resulta dos autos é que a Câmara Municipal de Sintra (CMS) nunca admitiu que se teria formado acto tácito de deferimento da operação de loteamento e, assim sendo, nunca notificou os Recorrentes de tal deferimento.
XVII. Veja-se, em abono do acima alegado, que a CMS se limitou a notificar os Recorrentes, em 04.07.2000, de um projecto de decisão de indeferimento da sua pretensão urbanística com fundamento na sobrecarga das estruturas viárias existentes (cfr. n.º 5 e 6 dos factos assentes).
XVIII. O que equivale a dizer que a CMS não aceitava a formação de deferimento tácito do pedido de loteamento, antes tencionando indeferi-lo expressamente com base na alínea e) do nº 2 do artigo 13.º do D.L. 448/91.
XIX. De tudo isto resulta que o licenciamento (tácito) da operação de loteamento não caducou, pelo que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quanto à aplicação do artigo 14.º do DL. 448/91, tem violado este preceito.
XX. Acresce ainda que o acto recorrido padece do vício de violação de lei, e, consequentemente, deveria a sentença recorrida ter decretado a sua anulação ou declarado a sua nulidade.
XXI. O acto sob recurso foi praticado quando já tinham decorrido quase seis meses sobre a data da apresentação do requerimento n.º 664, entrado na CMS em 21.01.2002, sendo que ao abrigo do n.º 3 do art.º 22.º do DL. n.º 448/91, de 29 de Novembro a deliberação final sobre o pedido de licenciamento das obras de urbanização deve ser proferida no prazo de 30 dias a contar da recepção do respectivo requerimento.
XXII. Por seu turno, o art.º 67.º n.º 1 do mesmo diploma determina que a falta de deliberação, nos prazos fixados na lei, vale como deferimento e, bem assim, o artigo 140.º, n.º 1, al.ª, b) do C.P.A. proíbe a revogação dos actos administrativos constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos.
XXIII. Tendo ficado provado, conforme reconhece a sentença recorrida, que se havia formado deferimento tácito do pedido de licenciamento da operação de loteamento, apresentado em 28/02/96, dúvidas não existem quanto à natureza constitutiva do deferimento tácito do requerimento n.º 664.
XXIV. Pelo que, evidente se toma que o deferimento, expresso ou tácito, de tal pretensão conferia aos Recorrentes o direito a lotear e urbanizar o seu prédio rústico.
XXV. Assim, operado o deferimento do requerimento n.º 664 os Recorrentes estavam habilitados a obterem o respectivo alvará de loteamento e, consequentemente, praticarem todos os actos e negócios jurídicos necessários à concretização do empreendimento imobiliário por eles promovido.
XXVI. O acto recorrido, ao indeferir o requerimento n.º 664, implicitamente revogou o deferimento tácito de tal requerimento, entretanto operado por força do artigo 67.º n.º 1 do D.L. 448/91.
XXVII. E sendo este deferimento tácito constitutivo de direitos, é evidente que o acto recorrido violou o art.º 140.º, n.º 1, al.ª, b) do C.P.A.
XXVIII. E na sua vertente revogatória daquele deferimento tácito, o acto recorrido não está, de todo em todo, fundamentado, quer de facto quer de direito, pelo que igualmente violou o art.º 124º, n.º 1, al. e) e o art.º 125.º do C.P.A.
XXIX. Os pedidos de licenciamento das obras de urbanização apenas podem ser indeferidos nos casos taxativamente previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 22.º do DL. 448/91, de 29/11.
XXX. O requerimento nº 664 foi indeferido com motivação diversa da prevista no referido preceito, enfermando por isso de manifesto erro sobre os pressupostos e de violação de lei.
XXXI. Está assente que os Recorrentes solicitaram, em 28/02/96 (ou seja há mais de 9 anos), o licenciamento de uma operação de loteamento do prédio de que são proprietários e que tal pedido foi tacitamente deferido.
XXXII. É pois manifesto que o acto posto em crise nos presentes autos padece de clara violação do princípio da boa-fé consagrado no art.º 6º-A do C.P.A. e o mesmo princípio é violado quando a entidade demandada indefere o requerimento n.º 664 com base em que o mesmo se reporta à emissão do alvará, quando bem sabe que os Recorrentes pretendem o licenciamento das obras de urbanização.
XXXIII. O acto impugnado violou o artigo 22º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29/11, e os art.ºs 6-A, 140º , n.º 1 alínea b), 124º e 125º do CPA.
XXXIV. A sentença recorrida ao julgar improcedente o presente recurso de anulação do acto posto em crise, mantendo-o na ordem jurídica, efectuou incorrecta aplicação da lide tendo violado os preceitos legais referidos no ponto anterior, bem como o art.º 135º do CPA.

O Presidente da Câmara Municipal de Sintra contra alegou para formular as seguintes conclusões:
I. O que os recorrentes pretendem com o presente recurso, alegando erro de julgamento da sentença recorrida, é que seja revogada ou declarada nula a sentença proferida em 28.10.2013, pelo TAC de Lisboa.
II. O que sucedeu no caso concreto é que os recorrentes requereram o licenciamento de uma operação de loteamento em 28.02.1996, tendo o licenciamento das obras de urbanização apenas sido requerido em 21.01.2002, cerca de seis anos depois.
III. Nos termos do disposto no artigo 14.º do Decreto - Lei n.º 448/91, de 29.11, (pelo qual se regeu ao tempo o procedimento em causa), alterado pelo Decreto - Lei n.º 334/95, de 28/12, o licenciamento de operações de loteamento caduca se no prazo de um ano não for requerido o licenciamento das obras de urbanização.
IV. Assim sendo, a douta sentença recorrida considerou que, ainda que se tenha formado ato tácito de deferimento do pedido de licenciamento da operação de loteamento, o mesmo caducou por força do disposto no artigo 14.º do DL 448/91, com a alteração introduzida pelo DL 334/95, de 28/12.
V. Muito bem andou a sentença recorrida ao considerar que o indeferimento do requerimento das obras de urbanização, não revogou o acto tácito de deferimento do pedido de licenciamento das operações de loteamento, porque, “apesar de tal ato se ter formado, à data do requerimento já não era susceptível de produzir efeitos, nomeadamente para sustentar um pedido de licenciamento das subsequentes obras de urbanização”, não se verificando assim qualquer violação ao disposto no n.º 1 da alínea b) do artigo 140.º do CPA, por não ter existido qualquer revogação ilegal do ato constitutivo de direitos.
VI. E não aleguem os recorrentes que o facto jurídico relevante para efeitos de caducidade do ato de licenciamento da operação de loteamento não é o decurso do prazo de um ano sobre o momento em que tal facto se formou, mas sim a notificação do ato de licenciamento da operação de loteamento.
VII. Na verdade, os recorrentes não ignoravam esta situação, já que, em 02.05.2000 requereram o reconhecimento desse mesmo deferimento tácito e em 07.11.2000, intentaram acção de reconhecimento do acto tácito de deferimento, a qual veio no entanto a ser extinta por inutilidade superveniente da lide, por sentença datada de 22.06.2001.
VIII. E não venham os recorrentes alegar que para além do erro de julgamento, a sentença recorrida padece ainda dos vícios de “nulidade por omissão de pronúncia e de errada interpretação e aplicação das demais normas legais desrespeitadas pelo ato impugnado”, porquanto, os vícios ora invocados o deveriam ter sido logo na petição de recurso.
IX. A este propósito refere o Acórdão desse douto Tribunal, datado de 22/05/2007 que “Constitui jurisprudência consolidada deste STA (nos processos cuja tramitação ocorreu no domínio da LPTA, como é o caso), não poderem ser apreciados os vícios, que não sendo do conhecimento oficioso, apenas foram invocados nas alegações do recurso contencioso, sem que nenhuma razão válida justifique a falta da sua invocação no articulado inicial...”
X. Para assim concluir que a sentença judicial do TAF seria nula apenas nos termos do preceituado no artigo 140.º n.º 1 alínea b) do CPA, já que ao revogar ato tácito de deferimento do pedido de licenciamento, sendo o mesmo constitutivo de direitos, esta revogação seria ilegal.
XI. E é na sequência do exposto, que a sentença recorrida apenas se vai pronunciar, e bem, sobre o alegado vício de revogação ilegal de ato constitutivo de direitos.
XII. Tendo então concluído que, não obstante ter - se formado acto tácito de deferimento do pedido de licenciamento da operação de loteamento, o mesmo encontrava - se manifestamente caducado quando foi requerido o licenciamento das obras de urbanização, de acordo com o disposto no artigo 14.º do DL 448/91.
XIII. Na verdade, como muito bem concluiu a sentença recorrida, o indeferimento pela CMS do requerimento de 21.01.2002, não revogou o acto tácito de deferimento do pedido de licenciamento das operações de loteamento, pois mesmo admitindo que se tenha formado, à data em que foi requerido o licenciamento das obras de urbanização, já não era susceptível de produzir quaisquer efeitos, “nomeadamente para sustentar um pedido de licenciamento das subsequentes obras de urbanização”.

A Ex.ma Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
Nos termos do art.º 14º do Dec-Lei n.º 448/91, de 29.11, o licenciamento das operações de loteamento caduca se no prazo de um ano não for requerido o licenciamento das obras de urbanização.
Alegam os Recorrentes concluindo, em síntese, que não foi violado o disposto no art.º 14º n.º 1, do DL n.º 448/91 porque a CM de Sintra nunca os notificou do deferimento expresso ou tácito do pedido de licenciamento da operação de loteamento - sublinhado nosso (vd. conclusões XIV, XV, XVI).
Porém, como decorre da matéria assente, os Recorrentes tinham perfeito conhecimento do acto de licenciamento da operação de loteamento, uma vez que, em 02.05.00 requereram o reconhecimento do deferimento tácito chegando a intentar acção, em 07.11.00 para o seu reconhecimento, como já foi referido.
Deste modo, verificou-se a caducidade do acto de licenciamento da operação de loteamento e, por isso, não se encontra violado o disposto no art.º 140º, n.º 1, al.ª b) do C.P.A., uma vez que não houve revogação ilegal do acto tácito de deferimento, por este já não existir.
Finalmente, os Recorrentes nas conclusões VIII, IX defendem que a sentença é nula, por omissão de pronúncia por não ter conhecido da violação dos art.ºs 11º, 22º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 448/91, e art.º 6ºA, 124º e 125º do C.P.A..
Consideramos que não lhes assiste razão.
A sentença sob recurso apenas se pronunciou quanto à omissão de pronúncia relativa à violação do art.º 140º, n.º 1, alínea b) do C.P.C. que respeita à revogação ilegal de actos constitutivos de direito, em obediência ao acórdão deste Tribunal, de 22.05.07. (vd. fls. 217 a 219) Relativamente à violação do disposto no art.º 22º do mesmo decreto a sentença do TAC de Lisboa, de 19.03.2001 considerou e passamos a citar:
«No entanto pelas razões já sobejamente explanadas nesta sentença, entendemos que o requerimento n.º 664 consubstancia um pedido de emissão de alvará de loteamento e não de licenciamento de obras de urbanização. Por conseguinte, o pedido formulado pelos Recorrentes não insere no âmbito de aplicação do art.º 22 do Dec.-Lei n.º 448/91, pois integra-se numa fase subsequente à do licenciamento das obras de urbanização (cfr. art.º 28º n.ºs 1 e 2).
Portanto, não tendo ainda sido licenciadas as obras de urbanização, a CMS dispõe de fundamento legal para indeferir o pedido de emissão de alvará, sem que a sua conduta infrinja o art.º 22º, nº 2, al. a), do Dec.-Lei n.º 448/91 pelos motivos supra expostos.
Assim, dado o indeferimento em apreço não se situar no âmbito de aplicação do citado preceito, impõe-se concluir pela não verificação do imputado vício de violação de lei, sem necessidade de mais meios e maiores considerações a esse respeito». (vide fls. 152 e 153)
A este respeito, o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal já se tinha pronunciado a fl. 218, considerando que o acto impugnado não violava o art.º 22 do Dec.-Lei n.º 448/91 por entender, ao invés do decidido, que o indeferimento contido no despacho, de 03.07.02 foi “... com base na inexistência de prévio deferimento da licença do loteamento, o que precede e prejudica o conhecimento dos fundamentos constantes desse normativo”.
Deste modo, não se encontrando violado qualquer daqueles preceitos, somos de parecer que deve julgar-se improcedente o recurso.”


FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1) Os Recorrentes são proprietários do prédio sito no ………….. /…………., freguesia de…………, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de …………. sob o artigo 33, secção n.º 1.
2) Em 28.2.1996, os Recorrentes requereram ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra o licenciamento de uma operação de loteamento do referido prédio.
3) Em 02.05.2000, os Recorrentes requereram que fosse reconhecido o deferimento tácito do licenciamento do loteamento.
4) Em 02.06.2000 foi emitido parecer pelo Departamento de Urbanismo da CMS, no qual é reconhecida a formação do deferimento tácito e se propõe a revogação desse acto de deferimento tácito com fundamento em invalidade, nos termos constantes de fls. 127 do processo instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
5) Em 03.07.2000, o arquitecto principal propôs o indeferimento da pretensão por constituir uma sobrecarga incompatível com as “infracções” (leia-se, estruturas) viárias existentes.
6) Por ofício de 04.07.2000 foram os Recorrentes notificados para se pronunciarem sobre o projecto do despacho de indeferimento da pretensão, tendo-lhes sido enviada cópia do parecer e informação respectivos.
7) Em 01.08.2000 os Recorrentes pronunciaram-se sobre o projecto de decisão, nos termos de fls. 139 a 142 do processo instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
8) Em 07.11.2000, os Recorrentes interpuseram no TAC de Lisboa uma acção para reconhecimento de direito contra a CMS, pedindo o reconhecimento do deferimento do pedido de licenciamento da operação de loteamento requerido em 28.2.1996, a qual correu termos na 3ª secção, sob o n.º 856/2000.
9) Em 13.11.2000, face ao parecer da CMS que considera o projecto de loteamento gerador de sobrecarga para os arruamentos existentes e a postular um traçado adequado na via de ligação entre a operação de loteamento e a EN 249 os Recorrentes manifestaram a sua disponibilidade para celebrar com a CMS um protocolo que garanta a realização de obras descritas a fls. 151 do processo instrutor, cujos termos aqui se dão por reproduzidos na íntegra.
10) Em 22.06.2001, foi proferida sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 43 a 55 dos autos, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
11) Em 21.01.2002, os Recorrentes requereram à CMS o licenciamento das operações de loteamento urbano do referido prédio e a emissão do respectivo alvará, nos moldes constantes de fls. 155 do processo instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
12) Em 28.01.2002, o Gabinete de Apoio Jurídico emitiu parecer negativo à pretensão dada, não estando demonstrada a aprovação da 1ª fase do loteamento, ser intempestiva e extemporânea a apresentação destes elementos, os quais propõe serem liminarmente rejeitados e arquivados.
13) Pelo ofício de 06.06.2002, os Recorrentes foram notificados para se pronunciarem, nos termos do art.º 100.º do CPA, sobre a proposta de indeferimento da sua pretensão.
14) Em 24.06.2002, os Recorrentes pronunciaram-se nos termos constantes de fls. 755 do processo instrutor.
15) Em 26.06.2002, a Adjunta da Vereação emitiu informação pela qual propôs o indeferimento do pedido objecto do requerimento n.º 664, de 21.01.2002, dado ser extemporâneo, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 783 a 785 do processo instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra.
16) Em 03.07.2002, a Recorrida proferiu despacho com o seguinte teor: “Concordo.”
17) O requerimento apresentado pelos Requerentes em 21.01.2002, com o n.º 664, acima referido no ponto 11), é um impresso/minuta intitulado “Licenciamento de Operações de Loteamento Urbano”, com o seguinte teor: “(...) requer a V. Exa. nos termos dos artigos 18.º e restantes do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12, o licenciamento das operações de loteamento urbano do referido prédio, a que se referem os elementos relacionados na “folha de movimentos” que se anexa.” (doc. fls. 155 do processo instrutor e fls. 18 dos autos)
18) Ao texto do referido impresso/minuta, os Requerentes acrescentaram, a final, o seguinte: “Pelo que se requer a emissão de alvará de loteamento.” (doc. fls. 155 do processo instrutor e fls. 18 dos autos).
19) Em anexo ao referido requerimento, os Requerentes entregaram as “colecções dos projectos de especialidade”, requerendo a emissão do alvará de loteamento (doc. fls. 156 do processo instrutor e fls. 19 dos autos).


II. O DIREITO.
Resulta do antecedente relato que A…………., Lda e B…………. propuseram, no TAC de Lisboa, recurso contencioso de anulaçãodo acto do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, de 3 de Julho de 2002, que indeferiu o pedido de licenciamento das obras de urbanização apresentado pelos ora recorrentes, em 21 de Janeiro de 2002, no âmbito do processo n.º LT 199600839”.
Recurso que foi julgado improcedente por sentença de 19/03/2005.

Os Recorrentes impugnaram essa decisão neste Supremo, tendo o Acórdão de 22/05/2012 concedido provimento ao recurso pela seguinte ordem de razões:
De acordo com a posição sustentada pelos Recorrentes, a sentença seria nula, nos termos do preceituado no art.º 668º, n.º 1, d) 1ª parte, do C.P.Civil, por não ter apreciado determinados vícios imputados ao acto contenciosamente recorrido na petição e alegações do recurso contencioso, a saber:
i - incumprimento do preceituado nos art.ºs. 11º e ou 21º do DL 448/91, de 29/11, e 76º, n.ºs 1 e 2 do C.P.A., por a entidade recorrida não ter lançado mão do disposto nos citados preceitos legais, convidando os recorrentes a suprir as deficiências eventualmente detectadas no requerimento inicial, ou suprindo tais deficiências oficiosamente;
ii - violação do disposto no nº 6 do art.º 11º do DL 448/91, por o acto impugnado não ter respeitado o conteúdo desta norma, segundo a qual, na ausência do despacho de aperfeiçoamento, presumem-se correctamente formulados e instruídos os pedidos de licenciamento das operações de loteamento.
iii - violação do preceituado na alínea b) do nº 1 do art.º 140º do C.P.A., por ter revogado acto tácito de deferimento do pedido de loteamento, constitutivo de direitos, não se encontrando, para o efeito devidamente fundamentado, o que equivale a nova violação do C.P.A., desta feita aos art.ºs. 124.º e 125.º.
Entende-se que assiste razão aos Recorrentes quanto à alegada omissão de pronúncia no que diz respeito ao vício elencado em (iii) (revogação ilegal de acto constitutivo de direitos), mas já não quanto às ilegalidades referenciadas em i e ii e quanto ao vício de forma por falta de fundamentação.
Na verdade, o Recorrente na petição de recurso, não faz qualquer referência à matéria respeitante aos vícios aludidos em i e ii e última parte de iii (vício de forma) - falta de fundamentação da revogação - apenas trata dos mencionados vícios nas alegações do recurso contencioso sendo que nenhuma razão existe para, pretendendo imputar tais ilegalidades - que não são de conhecimento oficioso - ao acto contenciosamente recorrido, o tivesse feito, logo, na petição.”
Sendo assim, e sendo que não podiam ser apreciados os vícios que não tinham sido invocados na petição inicial, considerou que, no tocante ao vício referido no transcrito ponto iii tinha havido omissão de pronúncia, pelo que declarou nula a sentença, considerando prejudicada a apreciação das demais questões.

Os autos foram, por isso, remetidos ao TAC onde foi proferida nova sentença que conheceu apenas do “vício apontado ao acto recorrido cuja não apreciação foi fundamento da respectiva decisão de nulidade da sentença por omissão de pronúncia” - revogação ilegal de acto constitutivo de direitos correspondente à violação do art.º 140.º/1/b) do CPA - e, considerando que o acto recorrido não padecia desse vício, julgou o recurso contencioso improcedente.

É essa decisão que os Recorrentes ora impugnam.
Desde logo, porque a reputam de nula - por nada ter dito no tocante à violação dos art.ºs 11.º e 22.º/2 do DL 448/91 e 6.º-A, 124.º e 125.º do CPA (conclusões VII a IX).
Depois, porque consideram que a mesma fez errado julgamento ao ter afirmado que o despacho recorrido não violara o disposto no art.º 140.º/1/b) do CPA.
Vejamos, pois, começando-se pela alegada nulidade da sentença.

1. Os Recorrentes sustentam que a sentença, no cumprimento do Acórdão deste Supremo de 22/05/2012, devia pronunciar-se sobre a alegada violação dos art.ºs 11.º e 22.º/2 do DL 448/91 e 6.º-A, 124.º e 125.º do CPA e que não o tendo feito a mesma estava ferida de nulidade por omissão de pronúncia (art.º 668.º/1/d) do CPC).
Vejamos se litigam com razão.
Nos termos da jurisprudência deste Supremo, no domínio da LPTA, o Tribunal não podia conhecer de vícios que não tivessem sido invocados na petição de recurso, salvo se os mesmos fossem de conhecimento oficioso. Por essa razão, como se afirmou no Aresto de 22/05/2012, o Tribunal recorrido não podia apreciar os vícios relacionados com a alegada violação do disposto nos art.ºs 11.º do DL 448/91 e 124.º e 125.º do CPA por os mesmos só terem sido invocados nas alegações do recurso contencioso, sendo certo que tais vícios não eram de conhecimento oficioso e podiam ter sido invocados alegados na petição inicial.
Daí que, tendo o citado Acórdão deste Tribunal apreciado a invocada obrigatoriedade de conhecimento da violação do disposto nos art.ºs 11.º do DL 448/91 e 124.º e 125.º do CPA e tendo essa decisão transitado, improceda a alegação de que a sentença sob recurso é nula por ter omitido pronúncia sobre a violação de tais normas.

1. 1. Todavia, os Recorrentes alegam, ainda, que a sentença é nula por não ter conhecido da alegada violação dos art.º 22.º/2 do DL 448/91 - não havia fundamento para indeferir o licenciamento das obras de urbanização - e 6-A do CPA - violação do princípio da boa fé - vícios esses efectivamente invocados na petição inicial e sobre os quais a sentença nada disse.
Deste modo, e estando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia directamente relacionada com o incumprimento de um dos deveres do Juiz - qual seja o de conhecer e resolver de todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras Art.ºs 95.º/1 do CPTA e 615.º/1/ d) e 608º/2, do novo CPC e J. A. dos Reis, CPC, Anotado, vol. V, pag. 143. - era imperioso que o Tribunal recorrido conhecesse das apontadas questões tanto mais quanto é certo serem as mesmas de capital importância na economia deste recurso contencioso.
Sendo assim, e sendo que a sentença não conheceu de nenhum desses vícios apesar deles terem sido oportunamente alegados, procede a alegação dos Recorrentes no tocante à nulidade da sentença ficando, assim, prejudicado o conhecimento de todas as questões mesmo daquelas que a sentença tenha apreciado e decidido.

Termos em que os Juízes deste Tribunal acordam em conceder provimento ao recurso, declarando nula a sentença por omissão de pronúncia, e ordenando que os autos baixem ao Tribunal recorrido para que nele se conheça de todos os vícios invocados na petição de recurso.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2015.- Alberto Acácio de Sá Costa Reis(relator) - António Bento São Pedro - José Francisco Fonseca da Paz.