Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0829/05.3BEPRT
Data do Acordão:01/18/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
FALTA
OPOSIÇÃO
Sumário:I - Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que alude o artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que que exista oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão indicado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito;
II - Não há nem pode haver oposição quanto à mesma questão fundamental de direito se o acórdão recorrido apreciou a questão de saber se o despacho que indeferiu a prova testemunhal pode ser sindicado no recurso da sentença final e o acórdão fundamento se dispensou de apreciar essa questão, por entender que não tinha que o fazer.
Nº Convencional:JSTA000P30461
Nº do Documento:SAP202301180829/05
Data de Entrada:05/24/2022
Recorrente:N..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

N..., S.A., com o número de identificação fiscal e de pessoa coletiva ... e com sede no Lugar ..., Via ..., Maia, interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redação introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16 de dezembro de 2021, que julgou improcedente o recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, por sua, vez, tinha julgado improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.ºs 09128839, 09128841, 09128843, 09128845, 09128847, 09128849, 09128851, 09128853, 09128855, 09128857, 09128859 e 09128861, n.ºs 09128840, 09128842, 09128844, 09128846, 09128848, 09128850, 09128852, 09128854, 09128856, 09128858, 09128860, 09128862, no montante global de € 260.768,88, relativas aos anos de 2001 e 2002 na parte em que julgou improcedente o pedido de reconhecimento da prescrição da dívida emergente do ato de liquidação que tinha impugnado nos autos (requerimento apresentado em 16 de outubro de 2019, cfr. documento 002671446 do SITAF).

Invocou oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de novembro de 2011, tirado no processo n.º 0289/11.

Com a interposição o recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

1. O douto Acórdão aqui concretamente recorrido transitou em julgado em 01.02.2022, data limite para a apresentação do recurso de revista a que alude o artigo 285º do CPPT (cfr. artigo 282º nº 1 do mesmo diploma legal),

2. pelo que, nos termos do artigo 284º nº 1 do CPPT, a Recorrente dele pode recorrer, para uniformização de Jurisprudência, no prazo de 30 dias contado do trânsito, para o Pleno da Secção de CT deste Venerando STA (cfr. artigo 284º nº 4 do CPPT.

A) Quanto à contradição sobre a mesma questão fundamental de Direito,

3. Existe contradição entre o douto Acórdão recorrido e outros Acórdãos proferidos sobre a mesma questão fundamental de Direito.

Com efeito,

4. Como se extrai da factualidade provada, o despacho de dispensa da prova testemunhal requerida pela Impugnante/Recorrente assentou laconicamente no seguinte: “Após uma análise atenta aos documentos juntos aos autos, bem como ao conteúdo inserto nos articulados apresentados, não se me afigura útil a inquirição das testemunhas arroladas”.

5. Por conseguinte, esse despacho não contém qualquer juízo de valor explícito sobre as razões concretas por que se considerou que a prova testemunhal era irrelevante para a decisão de mérito a proferir – nomeadamente quanto aos fundamentos invocados na PI e ao teor da prova documental produzida.

6. Com efeito, esse despacho de dispensa da prova testemunhal limitou-se a concluir ser inútil a produção da prova testemunhal – sem emitir qualquer juízo de valor positivo fundamentador da irrelevância de tal meio de prova no caso concreto, à luz das possíveis soluções de Direito.

7. Perante isto, e segundo o douto Acórdão aqui recorrido, do despacho de dispensa/indeferimento da prova testemunhal (oportuna e legitimamente requerida pela Recorrente na PI), a Recorrente deveria ter interposto recurso imediato e em separado,

8. não podendo a Recorrente impugnar aquele mesmo despacho no recurso interposto da Sentença final – conforme aqui sucedeu.

9. Ora, semelhante entendimento está em oposição, desde logo, com o douto Acórdão do STA, 2ª Secção, de 16.11.2011, Proc. 0289/11, in www.dgsi.pt, cujo teor acima se transcreveu na parte relevante.

10. O douto Acórdão aqui recorrido está ainda em oposição com o douto Acórdão do TCAS, 2ª Secção, de 20.04.2008, Proc. 03632/09, in www.dgsi.pt, cujo teor acima se transcreveu na parte relevante.

11. O douto Acórdão aqui recorrido estão ainda em oposição com o douto Acórdão do TCAS, 2ª Secção, de 26.05.2009, Proc. 02999/09, in www.dgsi.pt, cujo teor acima se transcreveu na parte relevante.

12. O douto Acórdão aqui recorrido está também em oposição com o douto Acórdão do TCAS, 2ª Secção, de 07.01.2008, Proc. 02065/07, in www.dgsi.pt, cujo teor acima se transcreveu na parte relevante.

13. Assim, o douto Acórdão aqui recorrido é contrário à Jurisprudência uniforme do TCAS e deste Venerando STA.

14. Isto, perante a mesmíssima questão fundamental de Direito.

15. E atento precisamente o mesmo quadro legislativo.

16. Estando a admissão do presente recurso plenamente justificada pelo princípio da interpretação e aplicação uniformes do Direito (artigo 8º nº 3 do CC).

B) Quanto ao erro de julgamento do Acórdão recorrido,

17. Pelas razões melhores descritas nos doutos Acórdãos acima transcritos, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais,

18. o douto Acórdão aqui recorrido padece de erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais.

Com efeito,

19. Como se referiu e deduz dos sinais dos autos, não foi produzida a prova testemunhal requerida pela Impugnante/Recorrente.

20. Com efeito, a Impugnante/Recorrente requereu a produção de prova testemunhal na PI - mais concretamente, a inquirição de 3 testemunhas.

21. Contudo, como se referiu, a 1ª Instância dispensou a inquirição das testemunhas, considerando que essa diligência seria inútil.

22. Ora, existia matéria de facto, oportunamente alegada na PI, que era relevante para a apreciação de mérito e que era carenciada de prova testemunhal (cfr. artigos 115º nº 1 do CPPT, 265º nº 3, 511º nº 1 e 513º do CPC, e 392º do CC).

23. De facto, a Impugnante/Recorrente alegou factualidade, relevante para a apreciação de mérito (segundo as diferentes soluções plausíveis de Direito), que se mostrava convertida e carenciada de prova testemunhal (cfr. artigos 511º nº 1 e 513º do CPC).

24. Concretizando, a Impugnante/Recorrente alegou a seguinte factualidade, não suprida no douto Acórdão aqui recorrido (que aditou à factualidade provada as alíneas O., P., Q., Q. repetida e R. - cfr. fls. 28/29 do Acórdão recorrido):

- Quanto às notas de crédito identificadas na Lista 2 do doc. 6 junto com a reclamação graciosa, as datas em questão são as datas do envio de cópias dessas cartas, por fax, pela direcção de clientes da Impugnante (departamento que tinha a seu cargo o arquivo destes documentos e que se situa nas instalações da Impugnante em Lisboa), para a direcção financeira da Impugnante, departamento este (situado na Senhora da Hora, Matosinhos) que se encontrava a reunir todo o processo para o enviar à AF.

- Dada a urgência no envio das cópias das cartas, devido às limitações temporais para o envio dos elementos à AF, aquelas foram remetidas pela direcção de clientes da Impugnante para a sua direcção financeira por fax e não por correio.

- A menção deixada pelo fax é “data + ...05 N... Dir Clientes GP”, a qual é imprimida de forma automática e resulta da programação do próprio aparelho de fax.

- Apesar do referido, parte das confirmações dos clientes foram obtidas em data posterior à data da regularização do IVA.

- Relativamente às notas de crédito identificadas na Lista 4 do doc. 9 junto com a reclamação graciosa, no valor de Euro 102.323,35, a Impugnante obteve a confirmação expressa do cliente de que tomou conhecimento da rectificação efectuada.

- Parte das cartas enviadas pelos clientes mencionam que não foi registada (pelo cliente) nem a factura nem a nota de crédito.

- Estas situações correspondem a casos em que a nota de crédito emitida pela Impugnante anula integralmente o valor da factura por si anteriormente emitida.

- Estas facturas anuladas referem-se a situações em que a Impugnante, por lapso, emite uma factura por um serviço que não foi prestado, havendo necessidade de anular a factura na sua totalidade.

- Não existe qualquer imposto que tenha deixado de ser entregue ao Estado, dado que o adquirente não registou a operação que foi integralmente anulada.

- São situações em que a Impugnante obteve confirmação, por parte do cliente, de que este não contabilizou quer a factura, quer a nota de crédito, emitidas pela Impugnante.

- Nestes casos, apesar do cliente não ter registado a operação, a Impugnante liquidou IVA nas correspondentes facturas, que foram registadas na sua contabilidade, e, consequentemente, o respectivo IVA entregue ao Estado.

- No caso da maior parte das facturas, mais concretamente, das facturas emitidas em SAP, o que foi enviado à AF foram as cópias (2ªs vias) destinadas à fiscalização tributária, não se tratando de 2ªs vias enviadas aos clientes.

- O que se fez foi imprimir os documentos do SAP - vias destinadas à fiscalização - em vez de se enviar cópias dos documentos em arquivo.

- Em fiscalizações anteriores já se havia procedido da mesma forma e nunca houve problemas.

- Existem apenas situações pontuais (facturas emitidas em BSCS) de 2ªas vias de facturas emitidas devido ao extravio das 1ª vias.

- As cartas dos clientes têm todas a mesma data porque foram solicitadas todas na mesma altura, na sequência do processo de fiscalização em causa.

- Não se trata efectivamente de 2ªa vias de facturas, mas sim de cópias destinadas à fiscalização tributária.

- Nas situações pontuais em que foram efectivamente remetidas 2ªas vias das facturas, tal ocorreu tão só devido ao extravio das primeiras.

- A não contabilização das facturas por parte dos clientes deve-se essencialmente a erros de facturação - facturas não aceites e devolvidas pelos clientes,

- daí resultando a necessidade da Impugnante emitir notas de crédito a favor dos clientes para assim anular na sua esfera as facturas inicialmente emitidas e o correspondente IVA aí liquidado.

25. Como se referiu e reitera, o douto Acórdão recorrido, apesar do sobredito aditamento à factualidade provada, não supriu a ausência de julgamento desta matéria de facto.

26. A qual não só passível e carenciada de prova testemunhal - particularmente, dos depoimentos dos responsáveis pelos registos contabilísticos em questão -, como é relevante para a decisão de mérito.

27. Com efeito, aquela factualidade, se provada, não só comprova que a contraparte confirmou/tomou conhecimento da regularização de IVA operada pela Impugnante/Recorrente (cfr. artigo 71º nº 5 do CIVA) – factualidade que serviu de fundamentação às liquidações, conforme A. dos factos provados.

28. E seria igualmente relevante para a decisão de mérito da outra questão suscitada no douto Acórdão recorrido – a prova da ocorrência, de per si, dos factos determinantes da rectificação/regularização do IVA a favor da Impugnante/Recorrente,

29. os quais, alegadamente, padecem precisamente de “insuficiência probatória” (mais uma razão para a admissão da prova testemunhal, acrescentamos nós), designadamente por “Ser desconhecida a liquidação de IVA subjacente a cada nota de crédito das constantes da referida lista; não se saber, quanto às facturas alegadamente não recebidas nem, portanto, contabilizadas, se, a ser assim, tão pouco a Recorrente as contabilizara; nove das dez declarações de não recepção das facturas terem a mesma data de 20/5/2004; não se saber se aquelas declarações se referiam às primeiras vias ou às 2ªs nem a razão por que teriam sido emitidas 2ªs vias; - Não ser apresentada nem encontrada justificação para a não recepção e, logo, não contabilização das facturas dadas como não recebidas nem contabilizadas.” (cfr. fls. 31 do douto Acórdão recorrido e E. e F. dos factos provados).

30. Com efeito, atenta a matéria de facto acima elencada, especificada na PI e no recurso jurisdicional interposto da douta Sentença da 1ª Instância, a produção da prova testemunhal seria igualmente relevante para contradizer aquela pretensa insuficiência probatória dos factos determinantes da rectificação/regularização do IVA – precisamente a questão “paralela” suscitada no douto Acórdão recorrido,

31. alegada na PI e no recurso jurisdicional interposto da douta Sentença da 1ª Instância, precisamente por indevida dispensa de prova testemunhal quanto a essa factualidade – a qual, a ser provada, contradiria a pretensa insuficiência de prova quanto à ocorrência de factualidade, de per si, que suscitou a regularização/rectificação de IVA em causa.

32. E pelo menos parte dessa factualidade, acima elencada, é passível de prova testemunhal.

33. Para além do que os depoimentos das testemunhas são fundamentais como complemento na interpretação da prova documental produzida.

34. Sendo que, nos termos do artigo 265º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que deve conhecer (princípio do inquisitório).

35. Por outro lado, a produção de prova testemunhal deve ser aceite em todos os casos em que não seja proibida por lei (cfr. artigo 392º do CC).

36. Com efeito, a sobredita matéria de facto, elencada na PI e no antecedente recurso jurisdicional, e a respectiva prova testemunhal, eram relevantes para a decisão de mérito segundo as diferentes soluções plausíveis de Direito.

37. Como se denota do douto Acórdão aqui recorrido, o mesmo omitiu essa matéria de facto, relevante para a decisão de mérito, inclusivamente da questão suscitada no mesmo aresto: a prova da ocorrência da factualidade conducente à rectificação/regularização de IVA em causa.

38. Pelo que o douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, padece, por isso, de erro de julgamento e défice instrutório.

39. Por outro lado, e por força do disposto no artigo 114º do CPPT, o Juiz deve ordenar todas as diligências de prova necessárias.

40. Pelo que, mais uma vez, a sobredita matéria de facto pode e deve ser objecto de produção de prova testemunhal – já que se trata de matéria de facto relevante para a decisão de mérito segundo as diferentes soluções plausíveis de Direito e passível de prova testemunhal.

Aliás,

41. O artigo 113º nº 1 do CPPT permite a dispensa de prova testemunhal quando a questão decidenda for apenas de Direito, ou, sendo-o também de facto, o processo fornecer todos os elementos necessários à decisão.

42. Contudo, isso apenas pode suceder após vista ao Ministério Público, como se extrai do teor daquele nº 1 do artigo 113º do CPPT – o que não foi o caso, já que a dispensa da prova testemunhal antecedeu a vista ao Ministério Público, como se retira dos sinais dos autos.

Sendo certo que,

43. Por força do disposto no artigo 115º nº 1 do CPPT, em processo impugnatório devem ser aceites os meios gerais de prova, designadamente a prova testemunhal.

44. E era necessário complementar a prova documental produzida com prova testemunhal.

45. Com efeito, os depoimentos das testemunhas são fundamentais como complemento na interpretação da prova documental produzida.

46. Nos termos do artigo 265º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que deve conhecer - princípio do inquisitório.

47. Como se disse, nos termos do artigo 392º do CC a prova testemunhal deve ser admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada.

48. Por força dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material (artigo 265º do CPC), ao invés de dispensar a produção de prova complementar, o Tribunal a quo deveria ter ordenado a baixa dos autos à 1ª Instância, para prévia produção de prova testemunhal.

49. Pelo que o douto Acórdão recorrido padece de erro de julgamento e défice instrutório, atentas as plausíveis soluções de Direito e questões em discussão (artigo 513º do CPC).

50. Com o consequente erro omissivo no julgamento da matéria de facto – ao sufragar a indevida dispensa da prova testemunhal e indevida omissão da prova documental produzida pela Recorrente, uma e outra absolutamente relevantes para a decisão de mérito, inclusivamente da questão suscitada no próprio douto Acórdão recorrido.

51. Tendo sido negada a produção de prova testemunhal oportuna e legitimamente requerida pela Impugnante/Recorrente, ocorreu uma nulidade processual, já que essa omissão é susceptível de influir na decisão da causa (cfr. artigos 195º nº 1 do CPC),

52. a qual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes, designadamente da douta Sentença e do douto Acórdão aqui recorrido, conforme decorre do disposto nos artigos 195º nº 2 do CPC e 98º nº 3 do CPPT.

Finalmente,

53. No mesmo sentido aqui propugnado, veja-se o douto Parecer de 04.06.2018, do Ministério Público, no Tribunal a quo, cujo teor se dá por reproduzido.».

Pediu fosse reconhecida a existência da invocada oposição, fosse anulado o douto acórdão recorrido e fosse o mesmo substituído por outro que revogasse a douta sentença da primeira instância e ordenasse a baixa dos autos à primeira instância para produção da prova testemunhal.

dado provimento ao recurso e, em consequência, revogado o acórdão recorrido e substituído o mesmo por um acórdão que desse total provimento à pretensão da Recorrente, recorrendo a prescrição da dívida em causa.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto promoveu que, previamente à emissão do parecer, a Recorrente fosse notificada para «(…) identificar as questões de direito sobre as quais no seu entendimento se verifica a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, sendo que relativamente a cada uma das questões indicar apenas um acórdão como fundamento. E caso a oposição se verifique em relação a apenas uma questão de direito, identificar qual dos acórdãos que indicou serve de acórdão de fundamento.».

Tendo a Recorrente sido notificada nos termos doutamente promovidos, veio dizer que «A oposição aqui invocada refere-se à seguinte questão jurídica: a Impugnante deveria ter interposto recurso imediato e em separado do despacho de dispensa/indeferimento da prova testemunhal por si requerida, não podendo impugnar esse despacho em recurso interposto da Sentença final?».

Sendo que, relativamente a essa questão, indicou como acórdão fundamento «o douto Acórdão deste Venerando STA, 2ª Secção, de 16.11.2011, Proc. 0289/11».

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, então, douto parecer que, dado o seu manifesto interesse para a decisão, aqui se transcreve parcialmente: «(…)

II. QUESTÃO PRÉVIA QUANTO À VIABILIDADE DO RECURSO.

1. Como se alcança do acórdão recorrido, o TCA Norte enunciou quatro questões colocadas pela impugnante/Recorrente: (i) A primeira relativa a nulidade processual, decorrente da dispensa de prova testemunhal por parte do tribunal de 1ª instância; (ii) A segunda saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento consistente em défice instrutório; (iii) A terceira relativa a erro de julgamento de facto, por desconsideração de prova documental; (iv) A quarta atinente a erro de julgamento, no que respeita às formalidades a observar em sede de regularização do IVA (art 71º, nº5, do CIVA).

2. Resulta da enunciação das questões feita pelo TCA que este tribunal abordou a problemática da dispensa da prova testemunhal sob duas perspetivas: Por um lado no âmbito da questão de “nulidade processual”; E por outro no âmbito da questão do “erro de julgamento”.

Daí que importe analisar em que termos foi decidida cada uma das questões pelo TCA e se no presente recurso a Recorrente impugna essas decisões, sob pena da utilidade do recurso de uniformização, seja qual for a solução adotada pelo STA, ficar prejudicada.

3. No que respeita à primeira questão o TCA entendeu não se verificar a invocada “nulidade processual”, ao considerar que «No nosso caso não se tratou de uma omissão de pronúncia, mas de um despacho que, deliberada e expressamente, considerou suficiente a prova documental e, com fundamento nisso, julgou legal e devido prescindir de produzir a prova testemunhal requerida, o que implica não ocorrer, no entender do Juiz emissor, a sobredita nulidade processual. Assim, esgotado, que estava, o poder jurisdicional quanto à matéria do despacho, inclusive quanto à nulidade processual (cf. artigo 66º nºs 1 e 3 do CPC aplicável), o meio próprio de a invocar era o recurso autónomo relativamente ao despacho de recusa de produção de meio de prova, conforme vinha previsto no artigo 691º nº 1 do CPC de então».

4. No que respeita à segunda questão considerou o TCA, após discorrer largamente sobre a qualificação do vício e sobre o objecto da prova, que a sentença não se pronunciara discriminadamente sobre a prova ou não prova de factos alegados pela impugnante e que os mesmos eram relevantes para prova de que o sujeito passivo dera conhecimento aos respetivos clientes da regularização do IVA, motivo pelo qual entendeu o tribunal que se verificava o invocado “erro de julgamento por défice instrutório” (e que no entendimento do tribunal devia ser qualificado como “nulidade da sentença”).

Nessa medida o TCA aditou novos factos à matéria de facto e concluiu que «Com este aditamento à decisão em matéria de facto fica suprida a nulidade da sentença por não ter discriminado como provados ou não provados, parte dos factos alegados como causa de pedir»,

5. Ora, a Recorrente não impugnou esta parte da decisão do TCA, que no fundo dá resposta ao entendimento subjacente ao presente recurso, no sentido de que a decisão de dispensa da prova testemunhal deve ser atacada em sede de erro de julgamento (por défice instrutório). Antes cingiu a sua discordância quanto à questão abordada pelo TCA como “nulidade processual”, embora invoque como acórdão fundamento um aresto em que a questão é abordada na perspetiva do “erro de julgamento”. E assim sendo, independentemente deste tribunal vir a sufragar a tese do acórdão fundamento em sede de uniformização de jurisprudência, e assim ir de encontro ao pretendido pela Recorrente, certo é que o TCA também se pronunciou sobre este tema e a Recorrente não impugnou os termos dessa pronuncia e designadamente os termos em que foi aditada a nova matéria de facto.

6. Afigura-se-nos, assim, e salvo melhor opinião, que o recurso está votado ao insucesso, por o acórdão recorrido sempre subsistir na parte não impugnada, motivo pelo qual temos que concluir que o recurso de uniformização de jurisprudência não revela qualquer utilidade na solução a dar ao caso concreto.

7. Ainda que assim não se entenda, entendemos que não se verificam os pressupostos do recurso de uniformização de jurisprudência.

Na verdade e desde logo porque tendo o TCA cindido a problemática suscitada pela Recorrente da ilegalidade da dispensa da prova testemunhal em duas sub-questões e numa delas - a relativa ao erro de julgamento por défice instrutório - ter adotado o mesmo entendimento sufragado no acórdão fundamento, temos que concluir que não há oposição de acórdãos relevante quanto a essa questão.

E assim sendo, sempre há que concluir que não se verificam os pressupostos do recurso de uniformização de jurisprudência.

8. Em face do exposto, entendemos que não deve tomar-se conhecimento do recurso.».

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. O acórdão recorrido relevou a seguinte matéria de facto dada como provada em primeira instância: «(...)

A. Em 30.10.2003, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto foi emitido “Relatório de inspecção tributária” relativamente à impugnante, propondo a correcção dos valores inscritos no campo 40 das declarações periódicas do IVA da impugnante relativas aos exercícios de 2001 e 2002 quanto a notas de crédito enviadas pela mesma que não contêm a confirmação do cliente, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 71.º do Código do IVA, ou cuja confirmação tem data posterior à regularização do imposto – cfr. fls. 77 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso.

B. Em nome da impugnante foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.ºs 03360469, 03360470, 03360471, 03360472, 03360473, 03360474, 03360475, 03360476, 03360477, 03360478, 03360479, 03360485, 03360486, 03360487, 03360488, 03360489, 03360490, 03360491, 03360492, 03360493, 03360494, 03360495, 03360496 e 03360497, relativas aos anos de 2001 e 2002, no montante global de € 260.768,88 – cfr. fls. 13 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso.

C. Em 20.02.2004, a impugnante efectuou o pagamento das liquidações em causa – facto constante de fls. 86 do processo físico e não impugnado.

D. Em 28.05.2004, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações que antecedem – cfr. fls. 3 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso.

E. Em 29.12.2004, pelo Chefe do Serviço de Finanças da Maia 1 foi proposto o deferimento parcial da reclamação, nos seguintes termos – cfr. fls. 260 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso:

«Analisadas as questões suscitadas pelo reclamante e confrontados todos os elementos constantes dos documentos n°s 5, 6, 7, 8 e 9, com a relação elaborada pelos SIT, que conduziu às liquidações adicionais, conclui-se:

a) As correcções que o reclamante aceita, indicadas no Doc.5, ascendem a € 41 062,09 e € 41 566.49, para os anos de 2001 e 2002, respectivamente.

b) Quanto ao Doc. 6, encontra-se um erro na nota de crédito n° 00103581202, de 11 de Dezembro de 2002, no valor de € 228.56.

O documento enviado ao cliente “R... Lda. faz referência àquela nota de crédito, mas o montante do IVA é € 75,85 (cf. Fls. 195).

c) Relativamente aos Docs. 7 e 8, não se encontra justificação convincente para a nota de crédito n° 3170000068, de 6 de Setembro de 2002, no valor € 273,60.

d) Já quanto ao Doc. 9 só é aceitável as regularizações correspondentes às seguintes notas de crédito:
Número Data Valor (em €)
00005140201 16-Fev -01 164,67
00007110601 18-Junho-01 1 887,72
330000553 27-Ago-01 110,23
00010830901 08-Set-01 228,95
3330000318 29-Nov-01108,88
3110000392 28-Março-02 460,71
00066400802 17-Ago-02 115,75
0093521002 28-Out-02 104,80
00101891202 3-Dez-02 142,50
00103141202 10-Dez-02 258,72
e) Quanto às restantes notas de crédito constantes do Doc. 9, não se pode aferir da liquidação da regularização do imposto a favor do SP, se é desconhecida a liquidação que lhe esteve subjacente.

f) Se os clientes não contabilizaram as facturas, como declaram, então há que verificar se o reclamante, não teria procedido da mesma forma.

g) Só através dos extractos dos balancetes de liquidação e apuramento do imposto e respectivas contas correntes dos clientes, pode ser provada a entrega nos Cofres do Estado, do imposto a regularizar.

7. Quanto aos juros compensatórios, é correcta a interpretação feita pelo reclamante, sobre o início e término da sua contagem.

8. Para as regularizações de imposto, para as quais tinha na sua posse, comprovativo de como o cliente delas tomou conhecimento, só seriam devidos juros compensatórios desde a data em que foi efectuada e antecipação da regularização (SIC).

9. Seguindo a metodologia adoptada no art° 35° da LGT, designadamente, os n°s 2 e 5, os juros compensatórios só seriam devidos, a partir do recebimento indevido de reembolso.

10. Assim, das considerações supra descritas resulta que, só será de aceitar o seguinte:
Doc N° Total da Regularização Correcção Valor Aceite
6 € 46 712,70 € 152,71 €46712,70
7 e 8 € 4 633,12 € 273,60 € 4 359,52
9 € 102 323,35 € 98 740,42 € 3 582,93
TOTAL € 54 655,15
11. Quanto aos juros compensatórios, serão recalculados como pretende o reclamante.»

F. Em 23.03.2005, relativamente à reclamação deduzida recaiu despacho de deferimento parcial do pedido com o seguinte teor – cfr. fls. 2 68-A do processo de reclamação graciosa apenso:

G. Na sequência da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referidas foram anuladas parcialmente, mantendo-se pelos montantes de € 183.697,18 e € 19.241,81, respectivamente – cfr. fls. 86 a 88 do processo físico.

H. Em 19.04.2005, deu entrada neste Tribunal a p.i. que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 2 do processo físico.

I. Através de cheques emitidos em 04.03.2008, a Administração Tributária entregou à impugnante a quantia global de € 57.829,89 - cfr. " fls. 89 a 96 do processo físico.

J. Pelas sociedades M..., SA, S..., SA, P..., SA, I..., SA, Z..., SA, Y..., SA, X..., SA, Z... SGPS, SA, W..., SA, T..., SA, Z..., SA, foram emitidas cartas, datadas de 20.05.2004, dirigidas à impugnante, sob o assunto “Recepção de Notas de Crédito”, com o seguinte teor: “Conforme solicitado, confirmamos que não se encontram registadas na nossa contabilidade a(s) Factura(s) e a(s) Nota(s) de Crédito, abaixo discriminada(s), a(s) quais se compensavam:”, as quais totalizam o montante de € 98.740,42 – cfr. fls. 122 e ss. do processo físico. ».

E para a resolução da questão que faz parte do âmbito do presente recurso (a primeira questão ali enunciada), o acórdão recorrido aditou a seguinte matéria de facto:

L. Na Petição inicial a ora Recorrente requereu a inquirição das três testemunhas ali identificadas.

M. Em 21/12/2010, juntos a contestação e apensado o processo administrativo, a Mª Juiz então titular do processo, proferiu o seguinte despacho:

“Após uma análise atenta aos documentos juntos aos autos, bem como ao conteúdo inserto nos articulados apresentados, não se me afigura útil a inquirição das testemunhas arroladas, pelo que notifique-se as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo de trinta dias.

Notifique-se ainda a impugnante, para se pronunciar, quanto à questão do valor da causa suscitada pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública na contestação.”

N. A Recorrente foi notificada deste despacho por carta registada de 18 de Janeiro de 2011.».


2.2. Pelo seu lado, o acórdão fundamento relevou a seguinte factualidade (que aqui reproduzimos truncada por ter sido extraída do endereço electrónico www.dgsi.pt, onde o acórdão se encontra publicado e tendo em conta que o processo em causa não tem documentos incorporados no SITAF): «(...)

1. Em 1998.07.03 faleceu, na freguesia de …, B………., mãe da impugnante, tendo sido habilitados como herdeiros, para além desta, o seu irmão C……….;

2. A impugnante e seu irmão receberam a título de herança, na proporção de metade para cada um:

a) - um prédio rústico com a área de seiscentos metros quadrados, situado no lugar de …, da freguesia de …, do concelho de Vila Nova de Gaia;

b) - e um terreno destinado a construção urbana, sito no lugar de …, da freguesia de …, do concelho de Vila Nova de Gaia;

3. Pela escritura pública de compra e venda de 2000.06.27, lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, a impugnante e C………. venderam a D………….., Lda. o terreno descrito em a);

4. Pela escritura pública de compra e venda de 2000.07.20, lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Ovar, a impugnante e C……….. venderam a D………., Lda. o terreno descrito em b);

5. Do relatório resulta nomeadamente que: “aquando da busca efectuada à E……….. foi detectado e apreendido um CD com cópias de segurança de diversos contratos promessa de compra e venda (…) através do qual os promitentes vendedores prometiam vender ao promitente comprador um terreno a pastagem, rústico, sito no lugar de … (…) pelo valor de 27.500.000$00 (…) ” – Dá-se por reproduzido o Relatório junto com o PA a fls. 5 e ss.».


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3. Dos fundamentos de Direito

3.1. O presente recurso foi interposto ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (redação atual), pelo que tem como fundamento a oposição de julgados e tem como objetivo fundamental a uniformização de jurisprudência.

Ora, no recurso interposto com fundamento em oposição de julgados, a apreciação do mérito da decisão recorrida depende da verificação de um conjunto de pressupostos substantivos. Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo só uniformiza jurisprudência sobre a questão suscitada no recurso depois de se assegurar da verificação desses pressupostos.

Que, no essencial se destinam a confirmar que a questão suscitada nas duas decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) é substancialmente idêntica e que a resposta que neles foi dada a essa questão é diversa e contraditória.

Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.

Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.

Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.

De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.

O que significa que, para haver identidade substancial da questão de direito, a norma jurídica aplicada deve ser a mesma ou ter idêntico teor e a factualidade apreciada deve também ser considerada idêntica do ponto de vista da sua subsunção jurídica (isto é, do ponto de vista dos seus elementos típicos fundamentais).

E bem se compreende que assim seja porque, se não houver identidade no enquadramento jurídico ou na factualidade a subsumir, não pode evidenciar-se uma contradição de direito. É natural que as situações de facto diferentes ou com diferente relevo normativo correspondam respostas jurídicas diversas.

Vejamos, então se estes pressupostos estão reunidos no caso.

3.2. No acórdão recorrido foram identificadas quatro questões a decidir, que podemos descrever – sumariamente – do seguinte modo:

1.ª A questão de saber se a sentença é nula por a mesma suceder a uma nulidade processual em que incorreu o despacho que indeferiu o requerimento de prova;

2.ª A questão de saber se a sentença é nula por omissão de pronúncia sobre determinada matéria de facto (vício que a ali Recorrente tinha enquadrado no erro de julgamento, por défice instrutório);

3.ª A questão de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro no julgamento da matéria de facto que apreciou;

4.ª A questão de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro no julgamento da matéria de direito.

Assim, e para sabermos se há identidade de questões tratadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, importa primeiro saber qual das quatro questões apreciadas no acórdão recorrido faz parte do âmbito do presente recurso.

Há que referir desde já que as alegações de recurso não eram totalmente claras a este respeito.

Num primeiro momento, a Recorrente parecia ter em vista o julgamento da primeira questão.

De um lado, porque transcrevia a parte do acórdão que conheceu da primeira questão (ponto 4 das alegações de recurso).

De outro lado, porque relacionava a oposição com o problema de saber se o despacho que indefere a produção da prova testemunhal poderia ser impugnado no recurso da sentença.

E esse problema foi abordado precisamente quando o tribunal ora recorrido apreciou a primeira questão.

Num segundo momento, porém, a Recorrente já parecia ter em vista o julgamento da segunda questão.

Fundamentalmente, porque enquadrava no mérito do recurso para uniformização de jurisprudência, não a questão de saber se aquele despacho poderia ser impugnado com o recurso da sentença, mas a questão de saber se a prova de certos factos relevava para a decisão final.

E se, em caso afirmativo, havia défice instrutório.

Por isso – e muito bem – o Ex.mo Senhor Procurador Geral Adjunto promoveu que a Recorrente fosse convidada a, além do mais, «identificar as questões de direito sobre as quais no seu entendimento se verifica a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento».

A Recorrente veio esclarecer, a este propósito, que a oposição tem a ver com a questão de saber se «deveria ter interposto recurso imediato e em separado do despacho de dispensa/indeferimento da prova testemunhal por si requerida, não podendo impugnar esse despacho em recurso interposto da Sentença final».

Assim, não há agora qualquer dúvida que o âmbito do presente recurso se circunscreve à primeira questão apreciada pelo tribunal recorrido.

E, em particular, à questão de saber se o meio próprio para impugnar a decisão que indeferiu o requerimento de prova em despacho interlocutório era o recurso autónomo desse despacho. Ou se, pelo contrário, esse despacho poderia ser impugnado no recurso que viesse a ser interposto da decisão final.

Ora, ao contrário do que alega a Recorrente, o acórdão fundamento nunca se pronunciou sobre essa questão.

Isto é, o acórdão fundamento não se pronunciou sobre a questão de saber se do despacho de indefere a produção da prova testemunhal cabe apelação autónoma ou se esse despacho pode ser impugnado com o recurso da decisão final.

Por entender que não tinha que o fazer.

Nas palavras ali utilizadas, não havia – naquele caso – que averiguar se tal despacho «faz ou não caso julgado formal».

Ou seja, não havia que averiguar se tal despacho era recorrível autonomamente e se a decisão respetiva já não podia ser alterada por ter decorrido o prazo do recurso respetivo.

E se o acórdão fundamento não se pronunciou quanto à questão identificada pelo ora Recorrente, não pode opor-se ao acórdão recorrido no julgamento dessa questão.

Poderia contrapor-se que a oposição está precisamente no facto de, no caso do acórdão fundamento, se ter ultrapassado a questão da recorribilidade e ter saltado diretamente para a questão de saber se a prova testemunhal era, no caso, necessária. E, no caso do acórdão recorrido, se ter dispensado de aferir se a prova testemunhal era necessária por já ter sido decidida por despacho que era irrecorrível, por sobre ele se ter firmado caso julgado formal.

Mas os acórdãos em confronto também não se opõem nesta parte.

Desde logo, porque não se evidencia no acórdão recorrido que o Tribunal Central Administrativo se tivesse dispensado de aferir se a prova testemunhal era necessária.

Na verdade, ressalta do julgamento da segunda questão identificada no acórdão recorrido que foi, ali, analisada em concreto a questão da necessidade da prova sobre factos considerados relevantes, tanto mais que o julgamento de facto foi, ali, ampliado.

É verdade que só foi levada em conta a prova documental. Mas não é possível retirar dali que tal sucedesse apesar de a prova testemunhal ser necessária. Pelo contrário: a única ilação que retiramos dali é que o Tribunal Central Administrativo considerou que já estava em condições de decidir.

E que, por isso, a prova testemunhal não era necessária para o julgamento respetivo.

No caso do acórdão fundamento, as circunstâncias eram muito diversas. Desde logo, porque a prova testemunhal foi ali considerada manifestamente necessária.

O que sucedia, naquele caso, porque o tribunal de primeira instância tinha dispensado a prova testemunhal dando a entender que o facto a provar estava demonstrado por documento. Vindo a concluir-se adiante que o documento era insuficiente para demonstrar o facto em causa e a prova testemunhal oferecida era imprescindível.

Assim, os acórdãos em confronto nunca poderiam estar em oposição, neste particular, porque partiram de situações diversas: num caso a prova testemunhal era manifestamente necessária e no outro foi entendido que não. Por razões que também não são sobreponíveis.

Assim sendo, deve concluir-se desde já que não estão reunidos os pressupostos do conhecimento do mérito do recurso.

Razão porque se decide não tomar dele conhecimento.


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4. Conclusões

4.1. Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que alude o artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que que exista oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão indicado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito;

4.2. Não há nem pode haver oposição quanto à mesma questão fundamental de direito se o acórdão recorrido apreciou a questão de saber se o despacho que indeferiu a prova testemunhal pode ser sindicado no recurso da sentença final e o acórdão fundamento se dispensou de apreciar essa questão, por entender que não tinha que o fazer.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 18 de janeiro de 2023. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.