Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0667/17
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
Sumário:É de admitir o recurso de revista excepcional em que se coloca questão de saber se à isenção de IMI relativa a pessoas colectivas de utilidade pública (PCUP) se aplica, a partir de 1/12/2003 (data do início da vigência do CIMI, em substituição do CCA), o disposto na al. d) do art. 1º, da Lei nº 151/99, de 14/9, ou se aplica o disposto na al. e) do art. 44º do EBF ou, ainda, se ambos os regimes serão aplicáveis; bem como saber que realidades estão subsumidas na expressão legal «prédios destinados directamente à realização dos seus fins», prevista na al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF, por se tratar de questão de relevância social de importância fundamental e com um amplo interesse objectivo (transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e já que não se conhece pronúncia do STA sobre a matéria.
Nº Convencional:JSTA000P22084
Nº do Documento:SA2201707050667
Data de Entrada:06/02/2017
Recorrente:CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA:

RELATÓRIO
1.1. Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 23/2/2016, no processo que aí correu termos sob o nº 08084/14.

1.2. Invoca que a revista deve ser admitida,
- porquanto a questão de fundo objecto de pedido de apreciação jurisdicional é uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, reveste importância fundamental e porquanto a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pois que está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental e porquanto a admissão do presente recurso, conforme, aliás, inúmeras decisões anteriores, é fundamental para uma melhor aplicação do direito;
- a questão suscitada prende-se com a aplicabilidade e vigência do regime de isenção previsto na alínea d) do artigo 1º da Lei 151/99 de 14.09 e/ou da alínea e) do nº 1 do actual artigo 44º do EBF, ou ambas as disposições, ou seja, a amplitude da isenção de IMI das PCUP, sendo que tal norma de isenção se aplica ao IMI, por força do disposto no nº 6 do art. 31º do DL nº 287/2003 e não sendo exigida a afectação directa aos fins estatutários (contrariamente ao exigido pela al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF;
- a existência de centenas de PCUP torna evidente a susceptibilidade de repetição das questões controvertidas num número indeterminado de casos futuros, revelando, por isso, capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular da recorrente;
- a intervenção do STA torna-se igualmente imprescindível para uma melhor aplicação do direito pelas instâncias.
E alega, em seguida, quanto ao mérito do recurso, formulando também as respectivas Conclusões.

1.3. A entidade recorrida apresentou contra-alegações, formulando a final, as Conclusões seguintes:
A - O presente recurso de revista foi interposto pela Recorrente Caixa Económica Montepio Geral ao abrigo do art. 150° do CPTA, que dispõe que: “das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
B - In casu, não se mostra preenchido nenhum dos pressupostos de admissão do recurso de revista, pelo que não deve ser admitido.
C - O presente recurso de revista do douto Acórdão do TCA Sul cinge-se, nessa instância superior, à discordância e à critica da Recorrente face ao entendimento de que “a alínea d) do artigo 1º da Lei n° 151/99, de 14 de Setembro, não se aplica ao caso e que nunca poderia decorrer da inobservância do seu teor alguma violação de lei, quanto ao acto impugnado”.
D - Questão que foi objecto de circunstanciada análise pelo douto Acórdão do TCA Sul que concluiria pela sua inaplicabilidade por, em síntese, a isenção prevista na al. d) do art. 1º da Lei 151/99 corresponder a uma isenção da Contribuição Autárquica e não do IMI, e a supressão do tributo a que o benefício fiscal respeita implicar a extinção do próprio benefício fiscal.
E - Entendimento em linha com a Jurisprudência uniforme e reiterada dos dois Tribunais Centrais para além dos Tribunais de 1ª Instância.
F - A Recorrente interpôs o presente recurso sem, contudo, lograr demonstrar que se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 150° do CPTA, pelo que não deve ser admitido.
G - É que não é suficiente para fundamentar a importância jurídica e social fundamental que requeira nova apreciação e julgamento do STA da decisão proferida em 2ª instância, a alegação de que “a existência de centenas de PCUP (aqui incluídas todas as IPSS, excepto Misericórdias) no nosso país, tornam evidente a susceptibilidade de repetição das questões controvertidas num número indeterminado de casos futuros, pois que a questão suscitada revela capacidade de expansão de modo a ultrapassar os limites da situação singular da recorrente, pois que a aplicação da al. d) do n° 1 do art. 1º da Lei 151/99 e a interpretação da expressão “prédios destinado directamente à realização dos seus fins” se poderá colocar em relação a prédios titulados pelas demais PCUP”.
H - Nem a questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica e capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, dado essa dimensão não poder estar condicionada pelas normas legais aplicáveis ao prédio em causa que o Acórdão recorrido se limitou a aplicar, observando a letra e a ratio dos preceitos legais convocados e todos os princípios constitucionais.
I - Nem ainda se afigura que o disposto na al. d) do art. 1° da Lei 151/99 tenha a virtualidade de expansão para centenas de PCUP, incluindo todas as IPSS, excepto Misericórdias, utilizando as palavras da Recorrente.
J - É que o facto de a Caixa Económica Montepio Geral ter a natureza de Pessoa Colectiva de Utilidade Pública (DR, 2ª S., n° 243, de 22/10/1991), anexa ao Montepio Geral, não retira o facto de constituir uma instituição de crédito, do tipo caixa económica, com a particularidade de parte dos resultados dos seus exercícios ser aplicada no Montepio Geral, nos termos fixados estatutariamente pelo art. 36°, al. d).
K - De facto, a actividade que a CEMG desenvolve é, caracteristicamente, uma actividade bancária de acordo nomeadamente os artigos 1º, 3º, 4º, 5º e 34° dos respectivos Estatutos.
L - Nessa medida, a pretendida isenção de IMI por via da al. d) do art. 1º da Lei 151/99 não se coloca relativamente a toda e qualquer PCUP, da mesma forma que se coloca à Recorrente CEMG, considerando os seus Estatutos, a actividade que desenvolve e os fins que prossegue.
M - Na verdade, a Recorrente não demonstrou como e de que maneira a questão controvertida tem a virtualidade de se repetir em inúmeras acções, como refere nas Conclusões 2 das doutas alegações, tendo em conta o número de PCUP existentes em Portugal.
N - Sendo que foi precisamente no âmbito da estrita actividade bancária que a Recorrente prossegue que o imóvel sobre que recaiu a decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI foi adquirido por dação em cumprimento, ou seja, foi adquirido em reembolso de crédito próprio, como a própria refere.
O - Assim, a questão submetida a revista desse Tribunal Superior não é susceptível de se replicar a outras PCUP e IPSS que não à própria Recorrente CEMG, por esta ter a particularidade de ser uma instituição financeira, o que não acontece com as demais.
P - Nessa medida, a invocada relevância social circunscrever-se-á unicamente à esfera da própria Recorrente CEMG, não configurando uma questão de relevância fundamental ou com repercussão social a justificar a intervenção do STA, ao contrário do que pretende a Recorrente.
Q - Nem o presente recurso de revista pode constituir um meio de obter uma melhor aplicação do direito, na medida em que o entendimento constante do Acórdão recorrido no sentido de a alínea d), do art. 1º, da Lei n° 151/99, de 14 de Setembro, não constituir fundamento de isenção de imposto municipal sobre imóveis, se mostrar conforme o texto e a ratio da norma aplicável, a coerência interna das normas de isenção de IMI, no quadro da restrita legalidade em que a disciplina dos benefícios fiscais se insere, e a que o intérprete e aplicador da lei não se pode subtrair.
R - Com efeito, a Recorrente pretende, apenas e tão só, que venha a ser reapreciada, pelo Tribunal de revista, a aplicação da alínea d) do artigo 1° da Lei 151/99 de 14/09, a partir de 01.12.2003 (data da introdução do CIMI em substituição do CCA) para as isenções de IMI das PCUP de todos os imóveis de que é proprietária.
S - Pelo que a relevância jurídica fundamental invocada pela Recorrente traduzir-se-ia somente na aplicação da isenção da al. d) do art. 1º da Lei 151/99, de 14.09, ao caso dos autos.
T - A não ser assim, ter-se-ia de admitir a reapreciação de praticamente todos os arestos proferidos em segunda instância a coberto do art. 150° do CPTA, até porque a Recorrente não logrou demonstrar ter sido violada qualquer norma substantiva ou processual.
U - O que contraria o entendimento jurisprudencial unânime quanto à excepcionalidade do recurso de revista, citando-se, entre outros, o Acórdão do STA n° 0400/15, de 09/09/2015.
Sem prescindir
V - O Acórdão sob revista procedeu a uma interpretação e aplicação da lei em vigor ao tempo dos factos relativamente à isenção de IMI do prédio de que é titular a Recorrente CEMG ao decidir não ser aplicável a al. d) do art. 1º da Lei 151/99, de 14.09. Razão por que deve ser mantido.
W - Sendo que, sem conceder, a entender-se que a Lei 151/99, de 14.09, se encontra em vigor, ainda assim, não existe qualquer antinomia com a norma de isenção prevista na al. e) do n° 1 do art. 44° do EBF, que, como o STA reconheceu não é aplicável ao caso dos autos.
Y - É que, ao contrário do que parece poder inferir-se das doutas alegações, sendo ambas as normas dependentes de reconhecimento administrativo, a verdade é que a que a isenção prevista no diploma da AR se refere a prédios urbanos destinados à realização dos fins estatutários da pessoa colectiva de utilidade pública, enquanto a isenção prevista no EBF diz respeito a prédios (ou parte de prédios) destinados umbilicalmente à realização dos respectivos fins.
Z - Ambos os normativos referem que a isenção do IMI (Contribuição Autárquica) tem como um dos pressupostos previstos estarem os prédios destinados à realização dos fins estatutários das pessoas colectivas de utilidade pública, o que se compagina com a ratio do benefício de isenção do imposto, concedido para tutela de interesses públicos extra fiscais relevantes que sejam considerados superiores ao da própria tributação que impedem, como resulta da definição de benefício fiscal.
AA’ - E mesmo que se entendesse não existir uma revogação tácita, ainda assim, não existia a pretendida prevalência da isenção da al. d) do n°1 do art. 1º do DL 151/99 face ao EBF, como parece depreender-se do entendimento propugnado pela Recorrente.
BB’ - Na verdade, a redacção do art. 40°, n° 1, alínea e), do EBF, resultou da revisão do EBF, aprovada pelo Decreto-Lei n° 198/2001, de 3 de Julho, que foi aprovada na sequência da autorização legislativa da Lei n° 30-G/2000, de 29 de Dezembro, cujo art. 17° previa expressamente que ‘Fica o Governo autorizado, no prazo de quatro meses, a rever globalmente a redacção dos Códigos do IRS e IRC, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e demais legislação que disponha sobre regimes de benefícios fiscais, tendo em conta as alterações decorrentes da execução da presente lei.’, o que revela que o governo ficou autorizado a proceder à alteração do texto do EBF pelo que a redacção aprovada pelo DL 198/2001 revoga a redacção anterior, e sendo uma lei aprovada no uso dessa autorização legislativa não existe qualquer prevalência da Lei n° 151/99 sobre o EBF.
CC’ - Sendo que esta reforma do EBF foi ainda reiterada mais tarde pela reforma realizada pelo DL 287/2003, de 12 de Dezembro, que também foi aprovado no uso da autorização legislativa concedida pela lei n° 26/2003, de 30 de Julho, inexistindo qualquer prevalência da Lei n° 151/99 sobre o EBF, tanto mais que na lei de autorização não se alterou a redacção da isenção prevista no art. 40°, n° 1, alínea e).”
DD’ - De referir que a ser como a Recorrente propugna, na medida em que a titularidade dos prédios urbanos tinha como pressuposto a prossecução dos fins estatutários da PCUP, caberiam na isenção todos os imóveis das pessoas colectivas dentro dos seus objectivos, o que não se reconhece na abrangência e na ratio da isenção.
EE’ - Bastaria provar a titularidade do imóvel por parte da PCUP para que automaticamente fosse reconhecida a isenção do IMI.
FF’ - Estar-se-ia perante um benefício fiscal totalmente subjectivo, que, consabidamente, não é.
GG’ - A compreender a isenção de IMI todos os prédios urbanos afectos directa ou indirectamente às PCUP, que sentido útil teria a norma da al. e), do n° 1 do art. 44° do EBF, quando, na parte final, restringe a isenção aos prédios directamente afectos aos fins das PCUP.
HH’ - Por outro lado, há que ter por referência, no caso dos autos, os Estatutos da CEMG e atender à actividade que desenvolve e aos fins que prossegue.
II’- É, como acima se referiu, uma instituição de crédito, da espécie caixa económica, tendo por objecto o exercício da actividade própria das instituições de crédito do seu tipo, tendo como finalidade pôr à disposição do Montepio Geral, uma parte dos resultados dos seus exercícios, nos termos fixados estatutariamente - art. 36°, al. d).
JJ’ - O facto de a CEMG ter a natureza de Pessoa Colectiva de Utilidade Pública (DR, 2ª S., n° 243, de 22/10/1991), anexa ao Montepio Geral, não retira o facto de constituir uma instituição de crédito, do tipo caixa económica.
KK’ - A Recorrente CEMG e a Associação Mutualista Montepio Geral são duas entidades distintas, com natureza, objecto e fins distintos.
LL’ - Acresce que uma interpretação conducente à aplicação da al. d) do art. 1° da Lei 151/99, de 14.09, como a propugnada pela Recorrente, viola o princípio constitucional da legalidade tributária na vertente aplicável aos benefícios fiscais, na medida que preconiza a aplicação de um benefício fiscal para além do prazo vigente, traduzindo-se, na prática, na concessão de um benefício fiscal não tipificado na lei em vigor ao tempo do facto.
MM’ - Para além de violar o princípio constitucional da Igualdade em virtude de colocar esta instituição financeira numa situação de vantagem tributária face aos demais contribuintes que partilham a mesma natureza de instituições de crédito.
Termina sustentando que não deve ser admitido o presente recurso de revista, por não se mostrar preenchido nenhum dos requisitos do artigo 150° do CPTA, ou, caso assim se não entenda, não deve ser dado provimento ao mesmo, mantendo-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da admissão da revista (fls. 301, verso, dos autos).
1.5. Com dispensa de Vistos dos Ex.mos adjuntos, dada a recorrência da questão, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Nos termos do disposto no nº 6 do art. 663º do CPC dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório constante do acórdão recorrido (fls. 269/309).

3.1. Por decisão proferida no TAF de Loulé em 29/4/2013 na Acção Administrativa Especial que ali correu sob o nº 684/12.7BELLE e que a ora recorrente - Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) - deduziu com vista à anulação do despacho de indeferimento de recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI de prédios urbanos, foi a entidade ali requerida (Ministério das Finanças) absolvida da respectiva instância.
Dessa decisão do TAF de Loulé a CEMG interpôs recurso que veio a ser decidido por acórdão proferido no TCA Sul em 23/2/2016, no qual, tendo o TCAS conhecido em substituição, se julgou (no que ora releva) improcedente a referida Acção Administrativa Especial, com fundamento, no essencial, em que o disposto na al. d) do art. 1º da Lei nº 151/99, de 14/9, não constitui fundamento da isenção de IMI a que alude a al. e) do nº 1 do art. 44º do EBF.

3.2. A ora recorrente (CEMG) sustenta que se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso excepcional de revista (art. 150º do CPTA).
Há, então, que apreciar se o recurso é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

3.3. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito ( Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo caber, em princípio, ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

3.4. No caso, afigura-se-nos que estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.
Conforme tem vindo a ser reconhecido, aliás, em inúmeros acórdãos desta formação, a que se refere o nº 1 do art. 150º do CPTA (cfr. v.g., entre muitos outros, o proferido em 2/3/2016, no proc. nº 1483/15), em que a revista igualmente foi admitida.
Acresce que em 22/2/2017 foi proferido, em julgamento ampliado, o Acórdão relativo ao processo nº 1678/15, que concluiu pelo erro de julgamento do Acórdão do TCA-Norte recorrido no que tange à inaplicabilidade da Lei nº 151/99, daí que a admissão da presente revista se afigure necessária para assegurar a igualdade de tratamento perante todos os casos merecedores de tratamento igual.
Não colhendo, de todo o modo, a argumentação constante das contra-alegações da entidade recorrida.
Pelo que, nesta conformidade, a revista deve ser admitida.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em admitir a presente revista excepcional.

Custas a final.

Lisboa, 5 de Julho de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.