Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01088/10.1BEAVR
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
AVALIAÇÃO
Sumário:I - A decisão de avaliação ou de fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada.
II - A falta de notificação da decisão de avaliação em que se baseou a liquidação adicional de IMT pode ser invocada na impugnação desta liquidação.
Nº Convencional:JSTA000P25853
Nº do Documento:SA22020050601088/10
Data de Entrada:01/07/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. A Representante da Fazenda Pública recorre da sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis n.º 2827275, no montante global de 17.148,63€.

Impugnação esta que tinha sido intentada por A………….., contribuinte fiscal n.º …………., com domicílio indicado na Rua ………, …….., ………., 3750-…. ………..

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente juntou as alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

I. Visa o presente recurso reagir contra a sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………. contra a liquidação de IMT titulada pelo n.º 2827272, datada de 12/07/2010, no montante de € 17.148,63, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.

II. A questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se a sentença padece de erro de julgamento, por considerar que a AT deveria ter notificado o impugnante do resultado da 1.ª avaliação do imóvel realizada em sede de IMI.

III. O Tribunal a quo considerou que foi postergado o direito de apresentar um pedido de 2.ª avaliação do imóvel, previsto no artigo 76.º do CIMI, com a consequente verificação de um vício de procedimento que afecta o acto final, entendimento que a recorrente não pode perfilhar, porquanto,

IV. Em primeiro lugar, não decorre de qualquer normativo do CIMI e/ou do CIMT a pretendida obrigatoriedade de notificação do impugnante do resultado da avaliação do imóvel.

V. Com efeito, determina o n.º 1 do artigo 76.º do CIMI que a 2.ª avaliação pode ser requerida pelo sujeito passivo, aferido nos termos do artigo 8.º do mesmo Código, pelo que, quer no momento da cessão das quotas, quer no da avaliação do prédio e posterior liquidação adicional de IMT, o sujeito passivo era a sociedade «B………... Lda.» e não o impugnante.

VI. Ademais, a excepção prevista no n.º 8 daquele artigo 76.º do CIMI não se aplica ao impugnante, dado que nem este foi alienante do prédio, nem ocorreu qualquer transmissão do mesmo, carecendo de sentido realizar uma interpretação extensiva da norma.

VII. Em segundo lugar, sendo a avaliação patrimonial dos imóveis susceptível de impugnação autónoma, mesmo que se admitisse a hipótese de que a AT tinha o dever legal de notificar o impugnante do resultado da 1ª avaliação, então, "deveria este solicitar a 2ª avaliação do imóvel, alegando o facto de não ter sido notificado da 1ª avaliação e impugnar, eventualmente, a decisão de indeferimento da pretensão".

VIII. Nestes termos, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento de direito, ao considerar que a AT deveria ter notificado o impugnante do resultado da 1.ª avaliação do imóvel realizada em sede de IMI, assim violando o disposto no artigo 76.º do Código do IMI e realizando uma errada interpretação e aplicação do preceituado no n.º 1 do artigo 36.º e no artigo 45.º, ambos do CPPT e no artigo 60.º da LGT.».

Pediu que fosse o presente recurso considerado procedente e fosse revogada a decisão recorrida.

O Recorrido contra-alegou tendo concluído do seguinte modo: «(…)

1. Tendo o recorrido adquirido 75% das quotas da sociedade por quotas B…………………, Lda., e tendo-se procedido posteriormente a avaliação dos imóveis da referida sociedade, que veio a ter repercussões no valor do IMT pago pelo recorrido, deveria este ter sido notificado de tal avaliação predial para, querendo, no prazo legal, reclamar ou requerer nova avaliação.

2. Na verdade, não pode o legislador tratar a aquisição de pelo menos 75% do capital social de uma sociedade, que detenha imóveis, como uma transmissão onerosa de imóveis e, portanto, sujeita a IMT, recaindo tal sujeição, não sobre a sociedade, mas sobre o sócio adquirente de pelo menos 75% do capital social, e depois não lhe conceder os direitos legais face à avaliação a que subsequentemente se proceda, designadamente, de reclamação e a pedir nova avaliação, e que venha a ter consequências em acto tributário posterior (liquidação adicional de IMT) que o afecte

3. Entender que o recorrido não tinha de ser notificado da avaliação predial que deu causa à liquidação adicional de IMT, além da flagrante injustiça que subjaz a tal entendimento, introduz contradição que atenta contra a unidade do sistema jurídico.

4. Por outro lado, não é aceitável dizer-se que o recorrido sempre poderia ter requerido nova avaliação e impugnar a eventual decisão de indeferimento, o que, tendo em conta a matéria de facto dada como provada (pontos 6, 7 e 8 da fundamentação de facto), não se vê como poderia (oportunamente) ter ocorrido.

5. E, além disso, também não é aceitável o entendimento que parece defluir da conclusão VII da douta alegação da recorrente, designadamente, que, antes de mais, teria o recorrido de convencer a recorrente da legitimidade daquele para requerer 2ª avaliação, só depois se admitindo viesse discutir o acto da liquidação adicional de IMT.

6. Entende, assim, o recorrido que, com o devido respeito, devem decair, na sua totalidade, as doutas conclusões da recorrente.

7. A douta decisão sob recurso é justa e não enferma de qualquer invalidade ou erro de julgamento, pelo que deve manter-se integralmente.».

1.2. Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que o presente recurso deve ser julgado improcedente, consubstanciando a sua posição na seguinte argumentação: «(…)

Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, não assistir razão à Recorrente.

Com efeito, o Código do IMT, para além dos factos que integram a regra geral da incidência objectiva, ficciona como transmissões sujeitas a imposto, determinadas operações que directa ou indirectamente implicam a transmissão de bens como é o caso, da aquisição de partes sociais que conferem ao titular uma participação dominante em sociedade comercial, se o seu activo for constituído por bens imóveis, como é a situação dos autos de acordo com o que consta do probatório.

A incidência do IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constitui a obrigação tributária.

No caso em apreço o facto tributário ocorreu com o acto do contrato praticado em 16-07-2006, na sequência do qual o Impugnante, ora Recorrido, ficou a dispor de, pelo menos de 75° por do capital social.

Estabelecendo o artigo 2º, n.º 1 e 2, al d) do CIMT que:

" 1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.
2 - Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:
a)
b)
c)
d) A aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome colectivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois, sendo marido e mulher, casados no regime de comunhão geral de bens ou de adquiridos. (Redação da Declaração de Rectificação n.º 4/2004)."

E, dispondo o Artigo 12º, nº1 do CIMT com a epígrafe "Valor Tributável":

"1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.",

Haverá a considerar o que resulta do teor da factualidade constante de 4. do probatório:

- Previamente à realização de tal contrato o Impugnante fez a respectiva declaração para liquidação do IMT, nos termos do n.º 2 do artigo, al d) do CIMT, tendo procedido ao respectivo pagamento, conforme pagamento;

- Naquela declaração o impugnante deu a conhecer o teor do contrato que pretendia realizar bem como identificou o imóvel de que era possuidora a sociedade "B…………." (cfr. Fls. 12 e 13 do PA que sustentam a factualidade vertida em 4.º do probatório.

O imóvel que o Impugnante tinha identificado quando efectuou à AT a declaração para efeitos de liquidação do IMT (imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1152, da freguesia da ………. e descrito na CRP de Águeda sob o nº 01370) veio a ser objecto de 1ª Avaliação despoletada pela sociedade "B………..", posteriormente, em 16.08-2007, conforme 5.º e 6.º do probatório.

Em consequência daquela Avaliação foi alterado o VPT do Imóvel em causa, facto que esteve na base da correcção do IMT pago pelo impugnante, conforme liquidação adicional que foi notificada ao Impugnante, em causa nos presentes autos.

Ao entendimento da douta sentença no sentido de que a AT tinha obrigação de notificar o Impugnante do resultado da Avaliação contrapõe a Recorrente que tal obrigação não está prevista no CIMT nem no CIMI e que a arguição da falta de notificação deveria ser suscitada no requerimento a solicitar a 2ª avaliação do imóvel e impugnar, eventualmente, a decisão de indeferimento da sua pretensão

No entanto, afigura-se-nos sem razão pelas razões, a seguir expostas.

Não sendo controvertido que o impugnante não seja sujeito passivo do IMT por força do teor do artigo 2º, nº1 e nº2 al d) do CIMT e que a liquidação do IMT foi corrigida em virtude do valor atribuído ao imóvel na Avaliação realizada após a 1ª liquidação terá que se considerar o acto de Avaliação do imóvel como um acto procedimental com repercussão na liquidação adicional em sede de I.M.T. pois, o artº 12, n.º 1, do C.I.M.T. (preceito que consagra o valor tributável em sede de I.M.T.), estabelece que o tributo incide sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior e o artigo 14.º, n.º 1 do mesmo diploma determina que "Quando houver de proceder-se à avaliação de bens imóveis, à discriminação ou à destrinça de valores patrimoniais tributários de prédios já inscritos na matriz, todas as diligências, procedimentos e critérios de avaliação serão os estabelecidos no CIMI."

Está em causa o efeito que a Avaliação do Imóvel originou no IMT (a avaliação é efectuada nos termos do CIMI mas determinada pelas regras do CIMT) pelo que sempre se imporia a notificação ao impugnante, nos termos gerais, prevista no artigo 36º, nº 1 do CPPT (acto em matéria tributária que afecta os direitos e interesses legítimos do contribuinte).

E naturalmente, se imporia a notificação do impugnante no âmbito do próprio CIMT, por ser sujeito passivo do imposto e estabelecer o artigo 4º, nº 1 do CIMT quanto à "Incidência subjectiva" que "O IMT é devido pelas pessoas, singulares ou colectivas, para quem se transmitam os bens imóveis..." porquanto o artigo 2º, n.º 2 al d) do CIMT, ficciona uma transmissão quanto ocorre uma situação como a que se configura nos autos.

E, tal ilegalidade sempre seria passível de ser apreciada na impugnação apresentada contra a liquidação adicional do IMT porquanto, como se entendeu no douto Acórdão do STA de 13 de Julho de 2016, proc. 0173/16, cujo sumário se transcreve:

"I - Embora não seja possível invocar, na impugnação deduzida contra o acto de liquidação de IMT, vícios inerentes ao acto de avaliação e fixação do valor patrimonial tributário do imóvel transmitido, tal não impede que nela seja invocada e decidida a questão de saber se a administração tributária podia ter atendido - para efeitos de liquidação adicional deste imposto - a um valor patrimonial tributário que resultou de uma avaliação posterior à transmissão, efectuada na sequência da apresentação de declaração mod. 1 para efeitos de IMI, realizada numa altura em que o prédio já tinha sofrido profundas alterações e grandes melhoramentos concretizados após a transmissão, e na qual se atendeu apenas ao estado em que o prédio se encontrava no momento da avaliação.

II - Tal liquidação de IMT pode ser sindicada com base nessa eventual ilegalidade, porquanto o que verdadeiramente está em causa é a questão jurídica da produção de efeitos, em sede de outros impostos que não o IMI, das avaliações efectuadas no âmbito da avaliação imposta pelo Dec. Lei nº 287/2003, de 12.11, e traduz-se em saber se pode atender-se, para efeitos de liquidação adicional de IMT, a um valor patrimonial fixado numa avaliação posterior à transmissão e que, tendo sido realizada para efeitos de IMI, atendeu a uma realidade que não existia à data da transmissão."

Atentas as razões atrás expostas entendemos não padecer a sentença recorrida do erro de julgamento de direito que lhe é imputado.».

Com a concordância dos adjuntos, foram dispensados os vistos legais, pelo que cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância: «(…)

«Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:

1. Em 16.07.2006, no Cartório Notarial de Anadia, a fls. 64/66 do Livro de Notas para Escrituras diversas n.º 12-H, foi lavrada uma escritura intitulada "Cessão de Quotas e Unificação e Alteração Parcial do Pacto" em que intervieram, como primeiros outorgantes, C………... e mulher D…………, como segundos outorgantes, E………… e mulher F…………… e, como terceiro outorgante, A……………., ora Impugnante. - cfr. fls. 14/18 do suporte físico dos autos.

2. Na referida escritura consta, entre o mais, o seguinte:

''[...]

DISSERAM O PRIMEIRO E SEGUNDO OUTORGANTES MARIDOS:

Que são os únicos e actuais sócios da sociedade comercial por quotas com a firma "B…………………….., LIMITADA ", pessoa colectiva número ……………, com sede no lugar do ………., freguesia da ……….., concelho de Águeda, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Águeda sob o número mil oitocentos e vinte e cinco, com o capital social totalmente realizado, de cento e cinquenta mil euros, no qual o primeiro é titular de uma quota no valor nominal de noventa e quatro mil e quinhentos euros e o segundo de uma quota no valor nominal de cinquenta e cinco mil e quinhentos euros, qualidade que verifiquei face a uma certidão comercial que arquivo.

Que estão de acordo quantos aos actos de divisão e cessões de quotas a efectuar por esta escritura, acordo que significa o consentimento da sociedade, renunciando ela sociedade e eles sócios ao direito de preferência.

DISSERAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES:

Que, pela presente escritura, o outorgante marido divide a indicada quota de que é titular em duas novas quotas, que são:

- Uma no valor nominal de TRINTA E SETE MIL E QUINHENTOS EUROS, que reserva para si;

- Uma no valor nominal de CINQUENTA E SETE MIL EUROS, que cede ao terceiro outorgante, pelo preço igual ao seu valor nominal, já recebido.

DISSERAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES:

Que, pela presente escritura, cedem ao terceiro outorgante aquela quota de que é titular o outorgante marido, no valor nominal de CINQUENTA E CINCO MIL E QUINHENTOS EUROS, pelo preço igual ao seu valor nominal, já recebido.

DISSE O TERCEIRO OUTORGANTE:

Que aceita as presentes cessões de quota nos termos exarados.

Que unifica as duas quotas ora adquiridas numa única quota, no valor nominal de CENTO E DOZE MIL E QUINHENTOS EUROS, pois as mesmas estão integralmente liberadas e não lhes correspondem direitos, nem obrigações diversas.

DISSE O PRIMEIRO OUTORGANTE MARIDO E O TERCEIRO OUTORGANTE:

Que, sendo agora os únicos sócios da mencionada sociedade, por esta mesma escritura deliberam, por unanimidade, alterar o artigo sétimo do pacto social da dita sociedade, cuja redacção passará a ser a seguinte:


ARTIGO SÉTIMO

1 - A administração e a representação da sociedade, com ou sem remuneração, conforme foi deliberado em assembleia geral, pertence aos gerentes nomeados em assembleia Geral, sendo já gerente o sócio C……………. e ficando desde já nomeado gerente o sócio A………….

2 - Para obrigar validamente a sociedade em todos os seus actos e contratos é necessária a assinatura de dois gerentes.

3. A "B………………….., Lda." era proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1152, da freguesia da ……….. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o n.º 01370. - cfr. fls. 19 e 61 do suporte físico dos autos.

4. Com referência ao ato referido no ponto 1. o Impugnante procedeu à liquidação e pagamento do IMT, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea d) do CIMT. - cfr. fls. 12/13 do processo administrativo apenso.

5. Em 16.08.2007, a "B………………, Lda." apresentou, relativamente ao imóvel identificado no ponto 3., a Declaração Modelo 1 de fls. 5 do processo administrativo apenso, cujo teor se tem por reproduzido.

6. O prédio a que alude o ponto anterior foi objeto de 1.ª avaliação, tendo sido atribuído o valor patrimonial tributário de 436.710,00 €. - cfr. fls. 1/4 do processo administrativo apenso.

7. Para efeitos de notificação foram remetidas à sociedade "B……………, Lda." duas cartas registadas com aviso de receção, que vieram devolvidas, com indicação "não reclamado". - cfr. fls. 7/10 do processo administrativo apenso.

8. O Impugnante não foi notificado da avaliação do imóvel. - facto não controvertido.

9. Em 12.07.2010, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IMT n.º 2827275, no montante global de 17.148,63 €. - cfr. fls. 11 do processo administrativo apenso.

10. O Impugnante não procedeu ao pagamento da liquidação referida no ponto anterior dentro do prazo de pagamento voluntário, tendo o Serviço de Finanças de Águeda instaurado o processo de execução fiscal n.º 0019201001039466. - cfr. fls. 21 do suporte físico dos autos.

11. Por sentença proferida em 29.08.2007, e transitada em julgado em 17.10.2007, no âmbito do processo n.º 2058/07.2TBAGD, que correu termos pela Comarca do Baixo Vouga, Aveiro, Juízo do Comércio, foi decretada a falência da sociedade. - cfr. certidão de fls. 53 do suporte físico dos autos.

12. No âmbito do referido processo foi apreendido o prédio m.i. no ponto 3 tendo mesmo sido alienado em 02.06.2010, pelo preço de 160.000,00 €. - cfr. fls. 54 e certidão de fls. 56 e ss. do suporte físico dos autos.

Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.».



3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, por falta de notificação ao Impugnante do resultado da primeira avaliação nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante identificado pela abreviatura “CIMI”), anulou liquidação adicional de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante identificado pela abreviatura “CIMT”) que se baseou nessa avaliação.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente Fazenda Pública, por entender que o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento. Desde logo porque, ao contrário do que ali foi entendido, não existe norma que preveja a obrigatoriedade de notificação ao impugnante – ou a qual quer outro contribuinte em idênticas circunstâncias – do resultado da avaliação do imóvel.

A norma que o tribunal de primeira instância considerou incumprida pela Administração Tributária foi o n.º 1 do artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pelo que é também por aí que deve ser iniciada a nossa análise.

Como se sabe, a eficácia do ato administrativo não depende, em regra, da sua notificação, produzindo este os seus efeitos desde a data em que é praticado (cfr., ao tempo, o artigo 127.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). Excetuam-se, porém, os atos que imponham deveres ou encargos para os particulares, que só começam a produzir efeitos a partir da sua notificação aos destinatários (n.º 1 do seu artigo 132.º). Pelo que, em relação a estes atos, a regra é a do diferimento da eficácia do ato administrativo para o momento em que o destinatário dele toma conhecimento.

O artigo 36.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário consagra regra equivalente em relação aos atos administrativos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes. E o artigo 77.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária consagra regra equivalente em relação às decisões dos procedimentos tributários.

É indubitável que o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário de imóvel (também designado de «procedimento de avaliação») é um procedimento tributário. É, de resto, o que resulta do artigo 44.º, n.º 1, alínea f), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 54.º, n.º 1, alínea g), da Lei Geral Tributária.

É também seguro que a decisão desse procedimento (também designada «de ato de fixação de valores patrimoniais») é um ato administrativo em matéria tributária. No caso, um ato que encerra um procedimento autónomo de avaliação de valores patrimoniais, de que depende a liquidação de impostos sobre o património, entre outros.

Finalmente, e embora da decisão deste procedimento não derive, em si mesma, nenhuma imposição tributária, é incontroverso que a decisão de avaliação de imóvel que sirva ulteriormente para liquidar imposto ao contribuinte tem reflexo na sua esfera jurídico-tributária e afeta, por isso, os seus «interesses legítimos».

De qualquer modo (e como decorre do já acima citado n.º 6 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária), no procedimento tributário a notificação da decisão procedimental é sempre um requisito de eficácia dessa decisão.

E, assim sendo, podemos concluir desde já que deriva dos dispositivos citados que a decisão de avaliação ou de fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada.

Deve assinalar-se agora que o Senhor Representante da Fazenda Pública nada contrapõe a este raciocínio, que foi também o do tribunal de primeira instância. Designadamente, o ora Recorrente, não escreve uma linha sobre a subsunção do caso ao âmbito destes dispositivos legais, de que se alheou inteiramente. Escolhendo para a contenda apenas o campo das regras especificas do CIMI e, em particular, o n.º 1 do seu artigo 76.º, conjugado com o seu artigo 8.º.

O raciocínio do Recorrente é, basicamente, o seguinte: se só o sujeito passivo (que nos termos do CIMI é o proprietário, usufrutuário ou superficiário do imóvel) pode requerer segunda avaliação e o Recorrido não é nem nunca foi proprietário, (nem o usufrutuário ou superficiário) do imóvel avaliado, então é porque o Recorrido não pode requerer a segunda avaliação. E se não pode requerer a segunda avaliação, então também não tem que ser notificado da primeira.

É claro que não é assim. Desde logo, porque está – claramente – implícito no n.º 8 do mesmo dispositivo legal que, quando a avaliação de prédio urbano seja efetuada na sequência de transmissão onerosa de imóveis, o adquirente do imóvel é «interessado para efeitos tributários», podendo também sê-lo o alienante. Sendo que, neste último caso, intervêm simultaneamente o alienante e o adquirente, como se alcança do seu n.º 9.

Depois, porque – como refere José Maria Fernandes Pires (in «Lições de Impostos sobre o Património e do Selo», Almedina 2013, 2.ª edição, págs. 164/165) – esta norma consagra um princípio geral de proteção dos interesses legítimos (dos contribuintes) contra eventuais erros de uma avaliação: «[a] amplitude do âmbito de abrangência deste direito aos alienantes, tanto nos casos de transmissão como de inscrição de prédios omissos alienados antes da declaração, é muito sintomática da preocupação do legislador em proteger sempre todos os sujeitos passivos, que sendo embora de outros impostos, possam ver os seus direitos lesados por efeito da avaliação».

A singularidade do caso assenta no facto de o Recorrido não ser nem alienante nem adquirente do imóvel em causa, mas o adquirente de quotas em sociedade que possuía o imóvel em causa e ter passado a dispor, por causa daquela aquisição, de 75% do capital da referida sociedade.

Mas o que não oferece dúvida alguma é que desse facto lhe advém a qualidade de sujeito passivo em sede de IMT – alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do CIMT. E que, se pretendeu que a avaliação em causa tinha reflexo no valor do imposto a pagar por essa operação. E que, por conseguinte, o resultado dessa avaliação tinha efeitos na sua esfera patrimonial e contendia, assim, com os seus direitos e interesses legítimos.

E para produzir efeitos na sua esfera patrimonial teria que lhe ser notificada. Porque é o que resulta das regras gerais das notificações e dos princípios gerais que concretiza e que acima fizemos referência.

É claro que, no caso, havia outra questão subjacente: a de saber se a avaliação podia transcender o (ulterior) pedido de atualização do valor do prédio (que foi desencadeado por penhora e teve, certamente, em vista a determinação do valor base da sua venda) e reportar-se à data anterior do facto translativo que serviu de base à tributação em IMT. Mas esta questão não faz parte do âmbito do recurso. O que faz parte do âmbito do recurso é a questão de saber se o resultado da avaliação posterior de um imóvel pode ser oposto ao sujeito passivo em IMT para efeitos de liquidação adicional desse imposto sem lhe ser validamente notificada. E a esta questão só podemos responder negativamente.

Duas notas finais, antes de encerrarmos esta questão.

A primeira para dizer que a situação dos autos não tem nada a ver com a que foi apreciada no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 21/09/2010, no processo n.º 04147/10, que o Recorrente pretendeu mobilizar a favor da sua tese. Porque a situação ali tratada foi a de uma avaliação que tinha sido efetuada antes da alienação do imóvel e da qual já tinha sido notificado o alienante. Em cuja esfera jurídica a avaliação produziu todos os efeitos antes de a propriedade do imóvel ter sido transferida para o ali impugnante.

A segunda para dizer que também não faz parte do âmbito do presente recurso a questão de saber se a notificação poderia ser dispensada por o interessado ter revelado conhecimento do conteúdo do ato de avaliação. Sendo que, de qualquer modo, o artigo 67.º, n.º 1, alínea b) do Código do Procedimento Administrativo (na redação então em vigor) só dispensava a notificação quando o interessado revelasse perfeito conhecimento do ato através de qualquer intervenção no próprio procedimento (administrativo). O que no caso também não se demonstra ter ocorrido.

Pelo que o recurso não pode merecer provimento por aqui.

3.2. A segunda questão colocada pelo Recorrente é a de saber se, como refere na sétima conclusão do recurso, sendo a avaliação patrimonial de imóveis suscetível de impugnação autónoma, o impugnante deveria ter solicitado a avaliação do imóvel em vez de impugnar a liquidação subsequente.

O raciocínio do Recorrente parece ser o seguinte: o ato de avaliação é um ato destacável e, por isso, autonomamente impugnável depois do esgotamento dos meios administrativos especialmente previstos para a sua revisão; logo, a falta de notificação do ato da avaliação não pode ser invocada na impugnação do ato de liquidação subsequente, restando os meios de impugnação administrativa e contenciosa do ato de avaliação.

Sucede que não está aqui em causa nenhum ato de avaliação, mas a falta de um ato subsequente à avaliação.

Ora, a segunda avaliação tem por objeto o resultado a primeira avaliação e não os atos subsequentes à primeira avaliação, neles se incluindo a sua notificação. E tem por finalidade apreciar as razões de discordância do interessado com os fundamentos da primeira avaliação [neste sentido, ver JORGE LOPES DE SOUSA in, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», Volume II, Áreas Editora, 6.ª edição 2011, pág. 431]. E não, por conseguinte, o suprimento da falta ou da invalidade dos atos que devem suceder à primeira avaliação. Assim sendo, a segunda avaliação não pode servir para suprir a falta da notificação da primeira avaliação.

Pelo seu lado, a impugnação a que alude o artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário tem por objeto a segunda avaliação. É o que resulta do seu n.º 7 que faz depender a sua dedução do esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento da avaliação. Assim sendo, esta impugnação não pode servir para suprir as faltas procedimentais que não sejam imputadas à segunda avaliação.

Além disso, esta impugnação tem por fundamento qualquer ilegalidade da avaliação, sendo que a falta de notificação não afeta a legalidade do ato a notificar, mas a sua eficácia.

Poderia dizer-se que estes meios de impugnação são os únicos legalmente disponíveis e que devem ser admitidos, à luz do direito à tutela judicial efetiva. Mas essa argumentação tem subjacente a ideia de que a falta de notificação de ato anterior destacável não afeta a legalidade do ato de liquidação que naquele se baseie.

E com tal entendimento também não podemos concordar.

Fundamentalmente porque, se assim não fosse, estávamos a admitir o contrário do que dissemos acima, isto é, que a avaliação produz todos os efeitos a que tende, independentemente da notificação e até que seja decidida favoravelmente a segunda avaliação ou julgada procedente a impugnação judicial do resultado da segunda avaliação. A falta de notificação apenas obstaria à caducidade do direito a que alude o artigo 76.º, do CIMI.

Ademais, a tese do Recorrente conduziria a que se transmudasse um direito dos contribuintes (o direito à notificação) num ónus jurídico (o ónus de impugnar a primeira avaliação independentemente da notificação).

Um ónus que, por absurdo, seria chamado a cumprir mesmo que desconhecesse de todo os fundamentos da primeira avaliação. Até porque a faculdade a que alude o artigo 37.º só está prevista para os casos em que há comunicação da decisão sem os seus fundamentos (e não para os casos em que faltou, de todo, a comunicação da decisão).

Temos que concluir, por isso que a falta de notificação do resultado da primeira avaliação não pode deixar de influir na validade ou na eficácia do ato de liquidação posterior e que nela se fundamente.

No sentido de que a falta de notificação da primeira avaliação afeta a eficácia da liquidação posterior já foi decidido neste Supremo Tribunal [ver por todos os acórdão de 6 de abril de 2011, no processo n.º 37/11].

Mas parece que se pode ir mais longe e assumir que a falta de notificação da primeira avaliação constitui uma formalidade preterida em ato preparatório ao procedimento de liquidação. E que, por isso não pode ser validamente efetuada uma liquidação adicional apoiada nessa avaliação sem que, previamente, seja assegurado o direito à segunda avaliação.

Em qualquer destes dois entendimentos, estaremos perante um vício intrínseco da própria liquidação e que deve ser invocado na impugnação contenciosa desta.

E, assim sendo, o recurso também não merece provimento por aqui.



4. Das conclusões

4.1. A decisão de avaliação ou de fixação de valor patrimonial tributário de imóvel que sirva de base à liquidação de imposto a certo contribuinte não produz efeitos em relação a este sem que lhe seja validamente notificada.

4.2. A falta de notificação da decisão de avaliação em que se baseou a liquidação adicional de IMT pode ser invocada na impugnação desta liquidação.



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 6 de Maio de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Gustavo Lopes Courinha – José Gomes Correia.