Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0127/15
Data do Acordão:03/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P21593
Nº do Documento:SA2201703150127
Data de Entrada:02/04/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A…………., Ldª contra o acto de fixação do valor patrimonial de um terreno para construção na sequência de acto de 2ª avaliação realizado.

1.1. Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:

a) O art.º 45º do CIMI consagra o regime de avaliação dos terrenos para construção;

b) O valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção resulta do somatório do valor de duas áreas: o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação;

c) O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, nos termos do nº 2 do art.º 45º do CIMI;

d) Razão pela qual a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção tem que conter todos os coeficientes considerados na avaliação dos prédios urbanos edificados, para determinação do valor dos prédios a construir (cfr. art.º 38º do CIMI);

e) Só não releva o coeficiente de vetustez (Cv), por razões óbvias, pois o prédio a edificar no terreno para construção não foi concluído e, por isso, não decorreram quaisquer anos desde a conclusão das obras de edificação;

f) Apurado o valor das edificações autorizadas ou previstas para o terreno para construção com base nos vários coeficientes previstos no art.º 38º do CIMI, é aplicada uma percentagem variável entre 15% e 45% para determinação do valor da área de implantação do edifício a construir;

g) Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do art.º 42º do CIMI (vide nº 3 do art.º 45º do CIMI);

h) O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do art.º 40º nº 4 do CIMI;

i) Daqui resulta que, na avaliação dos terrenos para construção (cfr. art.º 45º CIMI), o legislador quis que fosse aplicada a metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo ter em consideração todos os coeficientes constantes na expressão prevista no art.º 38º do CIMI, nomeadamente, o coeficiente de afectação (Ca) previsto no art.º 41º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do nº 2 do art.º 45º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas (Vide Jurisprudência do TCA Sul, de 28/02/2012, proc. 05290/12, de 11/06/2013, proc. 05929/12 e TCA Norte, de 26/04/2012, proc. 1250/07, 4BEBRG);

j) Igual entendimento é aplicável ao coeficiente de qualidade e conforto (Cq), já que a sua aplicação deriva da própria lei (Vide jurisprudência do TCA Sul, de 14/02/2012, proc. 04950/11 e de 8/05/2012, proc. 05402/12);

k) No caso sub judice, os coeficientes e percentagens utlizados não foram os limites máximos (vide certidão de teor do prédio), sendo que a demonstração de cálculo do VPT teve em conta as afectações de habitação e comércio subjacentes a este terreno, que se destinava à construção de edifício com zona comercial, r/c e mais 4 pisos;

l) A prova testemunhal referiu a inexistência na zona de serviços públicos, hospitais e transportes, contudo essas características foram valoradas pela Administração Tributária, que aplicou como valor da área de implantação do edifício a construir uma percentagem de 20% (tanto na afectação habitacional/comércio), quando a lei define a percentagem variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas (vide arts. 38º, 45º nº 1 a 3 do CIMI);

m) Na fixação dessa percentagem tem-se em consideração as características referidas no nº 3 do art.º 42º do CIMI, que são acessibilidades, proximidades de escolas, serviços públicos;

n) Logo, o VPT fixado para o terreno para construção, aqui em causa, não padece de qualquer ilegalidade por ter cumprido os trâmites legais constantes dos artigos 45º, 41º, 43º e 38º, todos do CIMI;

o) Contrariamente ao decidido na douta sentença, a Administração Tributária não incorreu em vício de violação de lei, uma vez que utilizou as fórmulas e os coeficientes fixados na lei para a determinação do VPT do terreno para construção;

p) Em suma, a avaliação ora impugnada apresenta-se correcta por respeitar os trâmites legais, não ocorrendo qualquer violação de lei que possa conduzir à sua anulação;

q) Embora a douta sentença sustente o seu entendimento no Acórdão do STA de 18/11/2009, proc. 0765/09, existe muita outra jurisprudência do TCA Sul e TCA Norte que perfilha entendimento diferente, como já atrás tivemos oportunidade de identificar esses acórdãos;

r) A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, enferma de erro de julgamento por violação do disposto nos arts. 45º, 41º, 43º e 38º todos do CIMI.



1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.


1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, essencialmente porque «No art. 45. 2 do CIMI foram especialmente previstos os coeficientes e fatores a atender para a avaliação dos terrenos para construção, e não se incluindo nos mesmos o coeficiente de qualidade e conforto, resulta que o mesmo não podia ter sido considerado, razão pela qual o recurso é de improceder, sendo de confirmar o decidido.».


1.4. Colhidos que foram os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir em conferência.


2. Na sentença recorrida consta, como provada, a seguinte matéria de facto:

A. A Impugnante vendeu, em 30/01/2007, a B…………, Lda, um lote de terreno inscrito na matriz predial sob o nº 2777, pelo montante de € 170.000,00 (cfr. fls. 8 a 10 dos autos);

B. O Serviço de Finanças de Lagoa procedeu, em 02/07/2010, à 1ª avaliação do imóvel referido na alínea A) e fixou o valor patrimonial tributário em € 266.290,00 (cfr. fls. 41 do p.a.);

C. A Impugnante apresentou, em 28/07/2010, pedido de 2ª avaliação por não concordar com o valor da 1ª avaliação referida na alínea precedente (cfr. fls. 22 do p.a.);

D. Em 23/09/2010 foi enviado ofício ao Representante da Impugnante a informar da data para a realização de 2ª avaliação, com a identificação dos peritos avaliadores e a convocá-lo para estar presente (cfr. fls. 23 do p.a.);

E. Em 12/10/2010 foi feita a 2ª avaliação que manteve o valor patrimonial tributário em € 266.290,00 com a fórmula melhor identificada nos autos (cfr. fls. 27 a 3 1 do p.a.).

3. Na presente impugnação judicial é questionada a legalidade de acto de fixação do valor patrimonial de um terreno para construção, efectuado na sequência de acto de 2ª avaliação, alegando a impugnante que não foi observada a disciplina do Código do IMI, prevista no art.º 45º, uma vez que o coeficiente de localização e o coeficiente de qualidade e conforto estão desfasados da realidade, na medida em que se trata de um mero terreno para construção e não de um lote de terreno com construção já edificada. Mais alegou que o valor real de venda foi muito inferior ao valor da avaliação, pelo que o valor patrimonial tributário (VPT) fixado se encontra desfasado da realidade. Razão por que pediu a declaração de ilegalidade do acto tributário impugnado e sua anulação.

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação, dando por verificado o primeiro vício invocado (violação do art.º 45º do CIMI), por ter julgado que a AT usara um critério de fixação do VPT (Coeficiente de qualidade e conforto) que estava impedida de usar em face da natureza do imóvel em causa, assim julgando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas e anulando o acto tributário impugnado.

Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública, sustentando que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, uma vez que, e em suma, a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção tem que conter todos os coeficientes considerados na avaliação dos prédios urbanos edificados, só não relevando o coeficiente de vetustez (Cv), por razões óbvias, pois o prédio a edificar no terreno para construção não foi concluído e, por isso, não decorreram quaisquer anos desde a conclusão das obras de edificação;

Desde já se adiantará que o recurso não merece provimento e que a sentença deve ser confirmada pelas razões explanadas no acórdão do Pleno desta Secção do STA, de 21/09/2016, no processo nº 01083/13, onde se deixou firmado, por unanimidade, o seguinte entendimento:

- Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq);

- O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção;

- O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

Trata-se de jurisprudência consolidada, que mais uma vez se acolhe e reitera, até porque a recorrente não aduz argumentação nova susceptível de a infirmar, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a matéria ficou dito no aludido acórdão do Pleno desta Secção:

«O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano, o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I. (…)
Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência
(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.
A sentença recorrida, que em igual sentido decidiu, deve pois ser confirmada.


4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 15 de Março de 2017. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.