Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0598/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
EXPROPRIAÇÃO
LUCRO CESSANTE
HONORÁRIOS DE ADVOGADO
Sumário:I - Por se tratar de questão juridicamente complexa e necessitada de esclarecimento, impõe-se admitir a revista em que se discute se o atraso havido em processos de expropriação, determinante de um recebimento tardio das indemnizações, é susceptível de gerar um dano indemnizável, advindo da perda temporária dos rendimentos desse capital.
II - Admitida tal revista da autora, convém receber igualmente a revista do réu – o Estado, que é demandado por ofensa do seu dever de proporcionar a justiça em prazo razoável – até porque neste recurso se colocam questões controversas relativas à responsabilidade pelas despesas com honorários de advogado, tanto naqueles processos de expropriação como na presente lide indemnizatória.
Nº Convencional:JSTA000P23485
Nº do Documento:SA1201806280598
Data de Entrada:06/18/2018
Recorrente:A... LDA E ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A A……….., Ld.ª, intentou contra o Estado uma acção comum a fim de obter a condenação do réu a indemnizá-la pelos prejuízos que alegadamente sofreu em virtude dos atrasos havidos em doze processos de expropriação, fazendo corresponder tais danos à perda de rendimentos de capital, causada pela demora no recebimento das indemnizações expropriativas, e às despesas que suportou, e suportará, com honorários de advogados.
A acção improcedeu «in toto» no TAF de Almada. Porém, o TCA-Sul concedeu provimento parcial à apelação, condenando o réu no pagamento de uma indemnização por aqueles honorários – tanto os relacionados com os processos de expropriação, como os referentes ao pleito actual.
Inconformadas com esse acórdão do TCA, ambas as partes vieram atacá-lo mediante recurso de revista.

Os recorrentes pugnam pela admissão das suas revistas por causa da relevância das questões nelas tratadas e porque cada um deles considera erróneo o segmento do aresto em que ficou vencido.
Só o Estado, representado pelo MºPº, contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista da autora.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
«In casu», a autora accionou o Estado para que este a indemnize por prejuízos decorrentes do atraso acontecido em doze processos de expropriação – nos quais ela figurou como expropriada, sendo entidade expropriante a Lusoponte. A autora dividiu esses danos em dois grupos: por um lado, e visto que recebeu tardiamente as indemnizações, os danos advindos de ter entretanto perdido os rendimentos desse capital – os quais calculou através da taxa de juros moratórios; por outro lado, os danos inerentes às despesas suportadas com honorários de advogados, tanto nos processos de expropriação, como nos presentes autos.
O TAF julgou a acção totalmente improcedente. No que concerne à dita indisponibilidade dos «quanta» indemnizatórios, o tribunal disse que o pagamento das indemnizações actualizadas satisfez inteiramente a expropriada, não havendo margem para reparar lucros cessantes. Quanto aos honorários, referiu a inexistência de nexo causal entre o atraso dos processos de expropriação e a correspondente despesa; e disse ainda que, nesta acção, o problema dos honorários se reconduzia às custas de parte, caso fossem devidas.
O TCA manteve a decisão do TAF relativa aos lucros cessantes, mas por um diferente motivo: embora reconhecesse a possibilidade abstracta desse pedido, denegou-o porque a autora não alegara os concretos danos. Já no tocante aos honorários, o TCA revogou a sentença da 1.ª instância, condenando o Estado a pagá-los – tanto os conexos com os processos de expropriação, como os ligados à acção dos autos.
Como se referiu «supra», cada uma das partes veio interpor recurso de revista do segmento do aresto que lhe é desfavorável.
A autora, na medida em que sustenta que os danos inicialmente alegados – enquadráveis nos tais lucros cessantes – são puramente objectivos e indemnizáveis mediante as regras fixadas na lei para os juros moratórios, insiste na procedência integral desse seu pedido. E clama ainda – embora o faça inovadoramente – pela condenação do Estado a indemnizá-la por danos morais.
O réu, por sua vez, censura o segmento condenatório do aresto recorrido dizendo que, se foi absolvido do pedido principal – relativo às sobreditas perdas de rendimentos, derivadas dos atrasos dos processos de expropriação – não pode ser condenado a reparar as despesas da autora com honorários de advogados nessas lides; nem, «a fortiori», as despesas do mesmo género, respeitantes à presente acção.
A problemática referente a uma perda de lucros cessantes por delongas na realização da justiça, que vem colocada pela autora «ab initio litis», é inusitada e complexa. Com efeito, o art. 70º do Código das Expropriações prevê que os atrasos havidos nos processos de expropriação sejam indemnizados pela entidade expropriante – mediante um cálculo de juros moratórios. E, embora «a silentio», parece impor que isso se faça no âmbito do processo expropriativo. Ora, a compatibilização dessa regra com a genérica responsabilidade do Estado – por incumprimento do seu dever de proporcionar uma justiça em prazo razoável – encerra logo dificuldades óbvias.
E também se mostra dificultoso apurar: se a demora dum processo judicial de expropriação torna indemnizável a perda temporária dos rendimentos do capital por ele proporcionado; sendo-o, qual o grau de minúcia exigível na alegação dos danos; e, havendo lugar a tal indemnização, que critérios se devem usar no seu cálculo.
Todas as referidas «quaestiones juris» são relevantes, repetíveis – mau grado o seu ineditismo – e justificam um esclarecimento por parte do Supremo. Donde se segue a necessidade de se admitir a revista da autora.
Essa admissão aconselharia logo que também se recebesse a revista do réu. Mas o recebimento dela justifica-se ainda por outros motivos: não só porque o problema das indemnizações resultantes de despesas com honorários de advogados continua a trazer hesitações e dificuldades várias, mas também, e sobretudo, porque – até em face do que se dispõe no RCP – é controversa a condenação do Estado a pagar os honorários que a autora deva por causa do presente pleito.

Nestes termos, acordam em admitir as revistas.
Sem custas.

Lisboa, 28 de Junho de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.