Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0657/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23544
Nº do Documento:SA1201807120657
Data de Entrada:06/28/2018
Recorrente:A.....
Recorrido 1:INSTITUTO DE OFTALMOLOGIA DR. GAMA PINTO, INSTITUTO PÚBLICO IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:

A……….. intentou, no TAC de Lisboa, contra Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, EP, acção administrativa comum pedindo a condenação do R. no pagamento de uma indemnização de 766.000,00 euros, acrescida de juros vincendos, com fundamento em responsabilidade civil decorrente da violação das legis artis no acto médico efectuado nos serviços do Réu que conduziu à cegueira do seu olho esquerdo.

O TAC julgou a acção improcedente, absolvendo o R. do pedido.

A Autora apelou para o TCA Sul mas este negou provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

É desse Aresto que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora propôs contra o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto a presente acção pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de EUR 766.000,00, acrescida de juros vincendos, a título de indemnização por do transplante de córnea do seu olho esquerdo, realizada nas instalações do R., no dia 21.2.2007, terem resultado lesões que levaram à cegueira desse olho. Lesões que decorreram dos serviços do Réu não terem observado as legis artis no decurso daquele acto cirúrgico.
O TAC de Lisboa julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o réu do pedido. Decisão que foi fundamentada na circunstância da Autora não ter alegado “qualquer facto constitutivo da ilicitude da conduta imputada ao Réu, ocorrida em 21/02/2007. E cabia à Autora o ónus de alegação e prova dos mesmos.”

A Autora apelou para o TCA Sul e este, negou-lhe provimento e manteve a sentença recorrida. Para tanto, depois de julgar improcedentes as arguições de nulidade da sentença, ponderou o seguinte:
“….
Continuando, afirma a Recorrente que foi dado como provado que a Autora foi operada (transplante da córnea ao olho esquerdo) no dia 21.02.2007, nas instalações e com médicos do quadro da Ré e que “os factos constantes dos artigos 6º a 12º deste recurso demonstram, que contrariamente ao expendido na sentença, é evidente ilicitude imputada ao Réu”. Essa dita factualidade - ponto prévio - é da sentença e não do recurso e traduz-se no acervo probatório que toma por referência o historial clínico relevante contemporâneo daquela intervenção cirúrgica. …
Ora, de toda esta factualidade o que é possível extrair é antes que a A. foi operada nos serviços do R. e após o transplante registou uma melhoria da acuidade visual (cfr. 11, 14 a 28 do probatório); que a uveíte no OE foi diagnosticada e medicada no H. São João (idem, 29); que entre 27.03.2007 e 4.04.2007 foi reinternada nas instalações do R. com uveíte e abcesso da córnea do OE, tendo sido tratada e estabilizada a acuidade visual (idem, 30, 31 e 32); que foi tratada nos serviços do R. e verificou uma melhoria do OE (idem, 33 e 35 a 39).
Malogradamente em 13.03.2008, ou seja, 1 ano e três semanas após a intervenção cirúrgica nos serviços do R., a A. e ora Recorrente, veio a apresentar catarata no OE (cfr. 40 do probatório), o que constitui uma nova patologia.
E perante a “nova” situação clínica detectada, o Réu propôs à A. a cirurgia da catarata sob anestesia geral (cfr. 41 do probatório), o que por esta foi recusado (idem, 42), deixando de comparecer às consultas nos serviços do R. entre 25.09.2008 até 30.04.2009 (ibidem).
Perante esta sucessão de facto, terá que se acompanhar o Recorrido quando afirma que “é evidente que não se pode extrair que se tenha verificado qualquer ato ilícito por parte dos técnicos do Réu que tudo fizeram de acordo com a legis artis.// O que na verdade se pode extrair é que a A. já tinha feito um enxerto ao OE que acabou por ser rejeitado, voltando a fazer outro nas instalações do Réu, verificando-se uma sucessão de patologias que em nada estão relacionadas com a intervenção cirúrgica realizada, antes se devendo às próprias características da A., às quais o Réu é alheio já que são inatas”.
Nesta medida, nada vindo provado que seja susceptível de determinar um comportamento ilícito por parte dos serviços do Réu, ora Recorrido, o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil por acto ilícito está necessariamente votado ao insucesso. Em boa verdade, de todo este complexo factual não pode concluir-se que houve por parte dos serviços do R. uma actuação, desde logo, ilícita e, consequentemente, culposa.
E assim sendo, uma vez que os requisitos de que depende o dever de indemnizar decorrente da responsabilidade civil, são cumulativos, a inverificação de um deles implica a irrelevância da eventual ocorrência dos restantes. Sendo que, importa deixar referido, também não se vislumbra, da análise concatenada que fazemos da matéria de facto provada, não só inexiste facto ilícito e culpa, como não é será possível dar como provada a existência de um nexo de causalidade entre o facto e os resultados danosos que vêm evidenciados nos autos (cegueira do OE).
…..
Razões pelas quais tem este recurso que improceder.”

3. Conforme resulta do anterior relato a Autora viu a sua pretensão soçobrar por, tanto o TAC como o TCA, terem entendido que da factualidade invocada “não podia concluir-se que houve por parte dos serviços do R. uma actuação, desde logo, ilícita e, consequentemente, culposa”.
E, lida a petição inicial e a sua correcção feita a convite do Tribunal, tudo indica que decidiram com acerto.
Sendo assim, nenhuma censura merece o Acórdão recorrido.
Daí que não estejam verificados os pressupostos de admissão do recurso.
Decisão
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa,12 de Julho de 2018. - Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.