Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0108/13
Data do Acordão:02/14/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
ADMISSIBILIDADE
FIANÇA
Sumário:I - A expressão constante do nº 1 do artº 199º do CPPT “ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, não só não exclui a fiança como modalidade legal de prestação de garantia, como leva a incluí-la naquela expressão, já que constitui uma modalidade de garantia a favor do credor.
II - Oferecida fiança para garantir a dívida, deve ser apreciada a idoneidade desta no caso concreto, tendo em atenção a susceptibilidade de o património do fiador responder na totalidade pela dívida exequenda e pelo acrescido.
III - A Administração Tributária só pode recusar a fiança oferecida se puder concluir, perante razões objectivas, que ela não garante, em concreto, o integral pagamento da quantia exequenda e do acrescido, não podendo recusá-la em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com total desprezo pelos interesses legítimos da executada.
Nº Convencional:JSTA000P15294
Nº do Documento:SA2201302140108
Data de Entrada:01/24/2013
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a reclamação deduzida pela recorrida A……. Ldª contra o despacho proferido em 16 de Julho de 2012, pelo Director de Finanças Adjunto da DDF do Porto, que indeferiu pedido de prestação de garantia, por meio de fiança, no entendimento de que o despacho da autoridade tributária ao fundar-se em critérios que não têm suporte legal para aferir da idoneidade da oferecida garantia mediante fiança, padece de vício de violação de lei.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. Julgou a douta sentença recorrida procedente a reclamação de actos do Órgão de Execução Fiscal interposta, nos termos do artigo 276.° do CPPT, do despacho proferido em 16/07/2012 pela Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças do Porto, onde foi decidido não aceitar como garantia idónea a fiança constituída por B……., SA (NIPC …….), com vista à suspensão do processo de execução fiscal n.° 3387201101091107, por inidoneidade da mesma.-
B. Ressalvado o devido respeito, com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro na aplicação do direito, por violação do disposto nos artigos 169.°, 199.° e 200.° do CPPT, e no artigo 52.° da LGT, bem como do disposto no artigo 446.° n.°s 1 e 2 do CPC e artigo 24.° do Regulamento das Custas Processuais, atendendo às razões que se passa a desenvolver.
C. Com efeito, a suspensão da cobrança da prestação tributária em sede de execução fiscal depende de garantia idónea, que pode consistir em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos da Fazenda Pública (cfr. artigo 52.° n.°s 1 e 2 da Lei Geral Tributária e artigos 169.° n.° 1 e 199.° do CPPT).
D. O conceito de garantia idónea depende de concreta avaliação pelo órgão de execução com respeito pelos princípios da vinculação à lei, na actividade administrativa tributária, da indisponibilidade dos créditos fiscais e da proibição da concessão de moratórias no seu pagamento, assumindo que a suspensão tem um carácter verdadeiramente excepcional, por ser proibida nos casos não previstos da lei (cfr. artigo 36.° n.° 3 da LGT).
E. A lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, atento o seu maior grau de liquidez, autonomia e certeza inerente ao seu recebimento e, que, como tal, melhor asseguram o cumprimento da obrigação garantida. Encontrando-se essa hierarquização reflectida na ponderação concretizada no despacho reclamado, em respeito pelo disposto no artigo 199.° do CPPT.
F. Em contradição com o doutamente decidido, a enumeração do artigo 199.° do CPPT configura um preceito aberto, que é concretizado e regulamentado nos seus n.°s 2 e 4. Pelo que além das garantias enunciadas no n.° 1, apenas são garantias idóneas as referidas nos n.°s 2 e 4.
G. Sustenta-se tal entendimento, por um lado, na utilização, no n.° 2 da redacção desse artigo, da expressão a garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda (...), no sentido de que este ainda só pode significar para além da, garantia bancária, caução e seguro-caução, sendo ilógico e contraditório entender esta expressão como para além de todos os meios susceptíveis de assegurar os créditos do exequente, onde já se incluíram o penhor e a hipoteca que o legislador de seguida repetia; quer, por outro lado, na redacção do n.° 4, ao estabelecer que vale como garantia para efeitos do n.° 1 (...). Ao que acresce a impossível aplicação do n.° 3 do artigo 200º do CPPT no caso da fiança.
H. Por outro lado, nos n°s 1, 2 e 4 do artigo 199.° do CPPT, para além de se elencar as garantias que a lei considera idóneas, consagra-se igualmente um regime de tratamento diferenciado relativamente a cada uma delas, que se justifica pela posição da Administração Fiscal em relação a cada uma, senão vejamos: a) Garantia bancária, caução e seguro-caução, estando a Administração Tributária vinculada à sua aceitação, sempre que o valor assegure o cumprimento da obrigação; b) Penhor e hipoteca voluntária, mediante concordância da Administração Tributária; c) Penhora, por actuação da própria Administração Tributária na constituição da garantia.
I. Deste modo, constata-se que o n.° 1 do artigo 199.° do CPPT não confere à Administração Tributária qualquer possibilidade de escolha, estando essa vinculação, nos termos em que a lei a estabelece, apenas prevista para as garantias ali expressamente mencionadas (garantia bancária, caução, seguro-caução), pelo que terão que ser sempre aceites, desde que suficientes (neste sentido vide entre outros, o douto acórdão do TCA Sul, de 2010/05/12, proferido no recurso n.° 03966/10).
J. Compreende-se que assim seja, porque no caso da garantia bancária e do seguro-caução, existem entidades de supervisão que controlam a actividade de emissão de garantias, exigindo a constituição de reservas, fundos de garantia ou fundos autónomos, que operam como contra garantias, que lhe conferem solidez absoluta.
K. Assim, a Administração Tributária está vinculada a aceitar a garantia bancária, a caução e o seguro-caução, desde que suficientes, não existindo fundamento legal para sustentar que está obrigada à aceitação de qualquer outra garantia, muito menos as de maior vulnerabilidade, como é o caso da fiança.
L. Consequentemente, sempre ressalvado o devido respeito por melhor opinião, com a expressão qualquer meio susceptível de assegurar os créditos exequendos o legislador terá pretendido aludir apenas a outras formas de garantia, como sejam produtos financeiros, que ofereçam o mesmo grau de liquidez, autonomia e certeza inerente ao seu recebimento que as garantias expressamente previstas no n.° 1 do artigo 199.° do CPPT e que, por isso, a Administração Tributária está vinculada a aceitar.
M. E, ainda, em defesa da posição assumida pela Administração Tributária, reflectida no despacho controvertido, argumenta-se que a redacção do n.° 3 do artigo 200.° do CPPT, obriga a que, no processo de execução, se façam constar os bens que foram dados em garantia. Preceito impossível de cumprir no caso da fiança (uma vez que se trata da totalidade do património do fiador), indicador de que o legislador tinha em mente apenas aquelas garantias que expressamente enunciou.
N. O escopo do processo judicial tributário de execução é sempre de assegurar a efectiva cobrança da dívida, designadamente no que às garantias a prestar para suspensão da sua tramitação respeita, independentemente da qualidade do prestador.
O. Isto é, a lei aponta preferencialmente para certos tipos de garantia, dos quais se evidencia a vinculação de um concreto bem ou valor à segura realização da dívida exequenda, precavendo a indiferenciação ou depreciação inerente a outros modos de garantir e, dentre os valores conceitos aqueles que, pela sua natureza financeira, tenham imediata ou mais rápida conversão em receita, como a garantia bancária, caução ou seguro-caução.
P. De facto, o legislador fiscal assumiu sempre a concepção de que a garantia capaz de suspender o PEF não pode transportar em si um grau de debilidade ou fragilidade decorrente das variações patrimoniais que venham eventualmente a ocorrer no património geral daquele que assume a posição de garante, como ocorre na fiança.
Q. Ademais, atendendo ao seu regime legal, existe o risco de oscilação do património do fiador que responde perante os seus próprios credores assim como perante os credores do(s) afiançado(s), a possibilidade de o fiador, se recusar ao cumprimento, podendo opor ao credor tanto os meios de defesa que competem ao devedor principal, bem como aqueles que lhe são próprios, e
R. consequentemente conclui-se que esta forma de garantia não assegura de forma suficiente e eficaz os créditos do exequente no prazo de 30 dias o pagamento após citação previsto no n° 2 do artigo 200.° do CPPT.
S. Acontece que, a fiança representa uma garantia pessoal dada por um terceiro - o fiador - com o conteúdo da obrigação principal — cfr. artigos 627.° e segs. do CPC.
T. No plano cível, prevalece a noção de que a fiança - negócio jurídico pelo qual o fiador se compromete, pessoalmente, a pagar uma divida de outrem -, não é prestada no interesse do devedor, mas sim no do credor, que tem a faculdade de aceitar as que lhe sejam oferecidas, nomeadamente segundo um juízo casuístico de conveniência, pois que o credor não pode ser constrangido a receber de terceiro a prestação se a substituição o prejudicar (artigo 767.° n.° 2 do CC).
U. Por via da prestação da fiança é, pois, suposto o credor passar a ter como garantia de cumprimento da obrigação dois patrimónios - o do devedor que responde por uma dívida própria e o do fiador que responde por uma dívida alheia (cfr. artigo 627.° do (X).
V. Não obstante, em relação a ambos os patrimónios, o credor tem de concorrer com os restantes credores, sem que, para segurança da mesma dívida, haja garantia real constituída, pois, embora se trate de uma garantia especial das obrigações, a fiança, quando constituída, concede ao credor apenas uma garantia geral sobre o património de terceiro, sem qualquer situação de privilégio,
W. o que, por si só, pode significar que a massa patrimonial do fiador é insuficiente para o cumprimento das sua obrigações, desconhecendo-se os restantes credores detentores de garantia geral sobre esse mesmo património.
X. Acresce que, a idoneidade da garantia reporta-se à sua susceptibilidade para determinar o pagamento da dívida a curto prazo (em tempo útil), após citação para o efeito (n.° 2 do artigo 200.° do CPP7), entendendo-se como pagamento da dívida a entrega do correspondente montante em dinheiro ou equivalente.
Y. Isto é, a exigência de garantia, nos termos previstos no artigo 199.° do CPPT, visa assegurar a boa cobrança dos créditos tributários, pelo que lhe é intrínseca uma exigência de liquidez num período de tempo limitado.
Z. E, constituindo a fiança uma garantia geral sobre o património de um terceiro, sem incidir directamente sobre determinado bem, não se vislumbra passível de ter um efeito suspensivo de execução fiscal, independentemente do seu valor.
AA. Estas razões têm ainda maior acuidade para efeitos de avaliar a prestação de garantia tendente a suspender um processo de execução fiscal, atendendo à índole pública e indisponível da obrigação de imposto legalmente liquidado.
BB. Acresce que, o legislador não admite como garantia susceptível do suspender a execução o mero património da devedora — que no caso concreto existe — exigindo as já mencionadas garantias.
CC. Logo, toma-se pertinente colocar a seguinte questão: não sendo idóneo o património do executado para suspender a execução, porque atribuiria o legislador o pretendido efeito suspensivo à oneração do património do fiador?
DD. Parece-nos que a conclusão óbvia é que o legislador não pretende que a fiança, atenta a sua natureza jurídica intrínseca, constitua em abstracto garantia idónea capaz de provocar a desejada suspensão da execução fiscal.
EE. Ou seja, se a fiança constitui uma garantia geral sobre o património de um terceiro, e o legislador entende que garantia geral sobre o património do devedor de que a Administração Tributária beneficia, nos termos do artigo 50.° da LGT, não constitui garantia suficiente, por maioria de razão também a garantia geral sobre o património do fiador, sem constituição de qualquer garantia real sobre o mesmo, não será suficiente.
FF. Para esta conclusão, além da interpretação literal do artigo 199.° do CPPT, concorrem os princípios constitucionais da legalidade fiscal, da igualdade e da proporcionalidade.
GG. Acresce que, o n.° 3 do artigo 9.° do Código Civil obriga o intérprete a presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. O que inibe, pela sua incoerência, uma interpretação que admita que a massa patrimonial de um executado fiscal (sem garantia especial sobre ela constituída) seja incapaz de suspender o seu próprio processo executivo, mas tenha esse alcance em relação a um processo executivo de um terceiro.
HH. No mesmo sentido, poderia este terceiro, incapaz de suspender os próprios processos, utilizar o mesmo expediente para suspender o processo do seu fiador, se a ele prestar fiança. E assim se poderia obter a suspensão de diversos processos executivos, sem a existência de qualquer acréscimo à probabilidade de cobrança por parte do credor tributário, apenas se cruzando diversas apresentações de fianças.
II. Ora, não é aceitável que possa esta mera ficção ter sido acolhida pelo legislador, não sendo crível que este tenha consagrado legislativamente um sistema de garantias claramente estéril para a salvaguarda da posição creditícia do Estado.
JJ. Deste modo, do disposto no artigo 199.° n.° 2 do CPPT, decorre que a Administração Tributária, expondo a falta de idoneidade da garantia concretamente apreciada, poderá recusá-la (em consonância com o douto acórdão do TCAS, de 2010/05/12, processo n° 03966/10), uma vez que o critério pelo qual se há de aferir da idoneidade, diante dos preceitos legais aplicáveis, é o de que, para funcionar como garantia, a lei sugere que o meio concretamente oferecido terá de incidir sobre bens ou valores suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e respetivo acrescido em tempo útil.
KK. O que implicará sempre um ato de avaliação ou apuramento do valor da garantia concretamente oferecida ou dos bens sobre que esta incida, sempre numa perspetiva de adequação ao montante do crédito do exequente e de mais fácil realização do crédito (cfr., por igualdade de razões, o artigo 219.° n.° 1 do CPP7).
LL. Também por isso a exigência de idoneidade para garantia da dívida e acrescido terá de ser colocada em busca da mais fácil e imediata realização do crédito e de ser directamente proporcional ao quantitativo em causa, afastando qualquer susceptibilidade de variação ou indefinição dos valores em que traduza.
MM. Sem prescindir, e ainda que assim não se decida, hipótese aventada à cautela por mero dever representação, sempre será de concluir que a douta sentença sub judicio errou na aplicação do direito, uma vez que ao ter indeferido o pedido formulado pela Reclamante/Recorrida de aceitação da fiança oferecida e de decaimento da suspensão da execução, naturalmente que o Tribunal a quo deveria ter determinado apenas a procedência parcial da reclamação. E, concomitantemente, imputar as custas a ambas as partes na proporção do seu efectivo decaimento, nos termos do artigo 446.° n.° 1 e 2 do CPC e artigo 24.° do Regulamento das Custas Processuais.
NN. Em suma, ao decidir-se como se decidiu, sempre com o devido respeito pelo labor do Tribunal a quo, a douta sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, porque fez errada interpretação e aplicação dos normativos legais sobreditos.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências»

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso sustentando, em síntese, que as razões avançadas pela administração fiscal para sustentar as inidoneidade da garantia, não têm apoio legal, constituindo razões «teóricas», sem qualquer base factual que as suporte.
E que, ao contrário da tese sustentada pela recorrente, nos termos do disposto no artigo 199.° do CPPT a garantia pode ser prestada por qualquer um dos meios, expressamente, ali referidos, bem como por qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente, onde se inclui, naturalmente, a fiança, como é jurisprudência reiterada do STA.

4 - Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.

5. Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
«1. Em 26/12/20011, no Serviço de Finanças do Porto - 4, foi instaurado contra “A……., Lda.”, Contribuinte Fiscal n° ……., o Processo de Execução Fiscal n° 3387201101091107, com vista à cobrança de créditos de IVA, no montante global de € 364.533,58.
2. A Administração Tributária remeteu à reclamante, mediante carta registada com aviso de recepção, o oficio n° 9662, de 27/12/2011, que consta a fls. 28 e se dá por reproduzido, com vista à citação da reclamante, enquanto executada, no processo de execução identificado em 1, cujo aviso de recepção foi assinado em 30/12/2011.
3. Em 21/9/2011, a reclamante apresentou no Serviço de Finanças do Porto 4, o requerimento que consta a fls. 739, que se dá por reproduzido, donde consta, além do mais, que apresentará impugnação judicial da liquidação aí mencionada, e requer que lhe seja fixado o valor para constituir e prestar garantia necessária à suspensão do processo executivo.
4. A Administração Tributária remeteu à reclamante, mediante carta registada com aviso de recepção, o oficio n° 361/3397-30, de 1211/2012, que consta a fls. 46 e se dá por reproduzido, com vista à notificação da reclamante para, em 15 dias, prestar garantia idónea no valor de € 460.505,34, nos termos do disposto no artigo 169°, n° 1 e 6, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
5. Em 31/1/2012, o reclamante apresentou no Processo de Execução Fiscal identificado em 1, o requerimento que consta a fls. 52/71, que se dá por reproduzido, donde consta, além do mais, que a título de garantia se solicita a aceitação de fiança prestada pela sociedade “B’……, Lda.”, com os balanços da fiadora que superam em mais de 5 vezes a quantia exequenda e titular de imóveis cujo valor patrimonial apurado pela Administração Tributária é de € 1.109.527,66.
6. Dá-se por reproduzido o termo de fiança que consta a fls. 59. 7. Dá-se por reproduzido o balanço da sociedade comercial “B……., S.A.”, CF n°501 495 290, de 31/12/2011, que consta a fls. 60/69.
8. Dá-se por reproduzido o “print” que consta a fls. 71, relativo à nota de cobrança de prédios de que é titular a sociedade comercial “B……., S.A.”.
9. No âmbito do Processo de Execução Fiscal identificado em 1, em 16/7/2012, foi lavrado o despacho que consta a fls. 107, que indeferiu a pretensão da reclamante especificada em 5, com base na informação de fls. 107/109, que se dão por reproduzidos.
10. A Administração Tributária remeteu à reclamante e seu mandatário, mediante carta registada com aviso de recepção, os ofícios no 4800/3387-30 e n° 4798/3387-30, de 24/7/2012, que constam a fls. 110/112 e se dão por reproduzidos, com vista à notificação do despacho aludido em 9.
11. A presente reclamação foi apresentada em 31/7/2012.»

6. Do objecto do recurso
Como é sabido é pelas conclusões que se delimita objecto do recurso. As conclusões devem sumariar as questões suscitadas pelo recorrente na respectiva motivação. Devem ser assim uma exposição sintetizada dos fundamentos por que se pede a alteração do recorrido.

No caso em apreço a sentença recorrida ancorando-se em jurisprudência condizente deste Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo Norte, que cita, nomeadamente os Acórdãos 0208/12 de 14.03.2012 do Supremo Tribunal Administrativo e 01423/11 do Tribunal Central Administrativo Norte, julgou procedente a reclamação e anulou o acto reclamado, com base em fundamentação que, em síntese, se apoia na seguinte motivação:
a) O artº 199º do CPPT contém uma enumeração meramente exemplificativa das formas admissíveis como garantia para efeito de suspensão da execução fiscal;
b) A fiança constitui em abstracto um meio idóneo de assegurar o pagamento da dívida e do acrescido;
c) A fundamentação do indeferimento assenta em parâmetros abstractos e irrelevantes no juízo da aferição da idoneidade da garantia, nomeadamente porque não respeitam à idoneidade da fiança em concreto por referência ao património do fiador.
Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública sustentando, em síntese, que o legislador não pretende que a fiança, atenta a sua natureza jurídica intrínseca, constitua em abstracto garantia idónea capaz de provocar a desejada suspensão da execução fiscal, pelo que o artº 199º do Código de Procedimento e Processo Tributário não admite a fiança como modo de constituição da garantia.


De notar, desde logo, que, não obstante a extensão das conclusões apresentadas, a Fazenda Pública não põe em causa o segmento da decisão recorrida na parte em que concluiu que a recusa de garantia da fiança assenta em parâmetros abstractos e irrelevantes no juízo da aferição da idoneidade da garantia, nomeadamente porque não respeitam à idoneidade da fiança em concreto por referência ao património do fiador,

Ou seja a recorrente não ataca este segmento da sentença, que trata da idoneidade em concreto da fiança oferecida, mas apenas suscita a questão da admissibilidade em abstracto da fiança como garantia idónea para a suspensão do processo de execução fiscal .
Assim podem, com segurança, delimitar-se as questões objecto do recurso como sendo as duas seguintes:

a) Saber se a fiança constitui, em abstracto, modalidade de garantia admissível para efeito de suspensão da execução fiscal, nos termos do artº 199º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

b) Saber se incorre em erro na aplicação do direito a sentença recorrida por não ter determinado apenas a procedência parcial da reclamação e, por não ter imputado as custas a ambas as partes na proporção do seu efectivo decaimento, de harmonia com o disposto no artigo 446.° n.° 1 e 2 do CPC e artigo 24.° do Regulamento das Custas Processuais (uma vez que, segundo alega a Fazenda Pública, o tribunal indeferiu o pedido de aceitação da fiança oferecida formulado pela Reclamante/Recorrida, que também terá decaído no que respeita à suspensão da execução).

6.1 Da admissibilidade da fiança como garantia idónea para a suspensão do processo de execução fiscal

A questão da idoneidade abstracta da fiança para suspender o processo de execução fiscal tem sido tratada com frequência pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que se vem pronunciando de forma unânime e reiterada no sentido da admissibilidade, em abstracto, da fiança como garantia idónea com vista à suspensão do processo de execução fiscal, bem como no sentido de oferecida fiança para garantir a dívida, deve ser apreciada a idoneidade desta no caso concreto, tendo em atenção a susceptibilidade de o património do fiador responder na totalidade pela dívida exequenda e pelo acrescido, só podendo ser recusada se se puder concluir, perante razões objectivas, que ela não garante, em concreto, o integral pagamento da quantia exequenda e do acrescido.
Ou seja, como se disse no Acórdão deste Tribunal de 10.10.2012, recurso 916/12, a Administração Tributária não pode recusar a fiança oferecida em nome da segurança absoluta na cobrança do seu crédito e com total desprezo pelos interesses legítimos da executada.
Neste sentido, podem confrontar-se ainda, os seguintes arestos que ilustram a jurisprudência constante e uniforme que vem sendo prolatada pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria: Acórdãos de 15.02.2012, recurso n.º 126/12, de 14.03.12, recurso n.º 208/12, de 27.06.2012, recurso n.º 654/12, de 12/09/2012, recursos ns.º 866/12 e 908/12, de 19/09/2012, recursos ns.º 909/12 e 897/12 e, bem assim, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 23/11/2011, recurso n.º 1497/11.9BEPRT, de 30/11/2011, recurso n.º 1423/11.5BEPRT, de 18/01/2012, recurso n.º 2615/11.2BEPRT, e do Tribunal Central Administrativo Sul de 6/05/2010, recurso n.º 3966/10, todos in www.dgsi.pt.
Como se disse no Acórdão 909/12, que o ora relator subscreveu como adjunto, «é inegável que as diversas formas de prestação de garantia não têm a mesma qualidade ou eficácia, sendo que algumas conferem à AT, enquanto credora, uma maior garantia, na medida em que podem dispensar ou, pelo menos, reduzir ulteriores diligências ou procedimentos com vista à sua execução. Porém (….) o legislador não pretendeu dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, tanto mais que o mesmo é ainda incerto, mas tão-só de garantia idónea, que o mesmo é dizer adequada ao fim em vista. Não pode perder-se de vista que prestar garantia não é efetuar o pagamento, mas tão-só vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Assim, como deixámos já dito, a recusa de uma garantia deverá alicerçar-se em razões objectivas relacionadas com a susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não podendo a AT fundamentar essa recusa em aspectos qualitativos das garantias, sob pena de incorrer em errónea interpretação e aplicação do artº. 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário».
É esse entendimento que se reitera, e que se mostra acolhido pela sentença recorrida ao fazer expressa remissão para a argumentação central do Acórdão de 14.03.2012, no recurso 208/12 deste Tribunal, e ao concluir que a fiança não está excluída como forma legalmente admissível de prestação da garantia e que incumbia à Administração Tributária apreciar em concreto a idoneidade da garantia oferecida em face da susceptibilidade do património do fiador responder pela dívida exequenda e pelo acrescido.
Nesta conformidade, dado o acerto da decisão recorrida, que se ampara em entendimento convergente e pacífico da jurisprudência, não só desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo como dos Tribunais Centrais Administrativos, justifica-se a decisão sumária do recurso, o que se faz, nos termos do disposto nos artigos 713º n.º 5 e 726º do Código de Processo Civil, remetendo para os fundamentos da sentença impugnada.
Daí que se conclua que a sentença recorrida merece confirmação, quer na parte em que entendeu que a fiança é legalmente admissível como modalidade de garantia prevista no artº 199º do CPPT, quer na parte em que concluiu que a fundamentação do indeferimento assenta em parâmetros abstractos e irrelevantes no juízo da aferição da idoneidade da garantia, nomeadamente porque não respeitam à idoneidade da fiança em concreto por referência ao património do fiador.

6.2 Resta apreciar a questão do eventual vício de violação de lei imputado à sentença recorrida por não ter determinado apenas a procedência parcial da reclamação e, por não ter imputado as custas a ambas as partes na proporção do seu efectivo decaimento, de harmonia com o disposto no artigo 446.° n.° 1 e 2 do CPC e artigo 24.° do Regulamento das Custas Processuais.

A Fazenda Pública sustenta nas suas conclusões que a sentença recorrida, ao indeferir o pedido formulado pela recorrida consistente na aceitação da fiança e decretamento da suspensão da execução deveria ter decretado, apenas, a procedência parcial da reclamação e imputar as custas a ambas as partes na proporção do efectivo decaimento.
Vejamos.
A responsabilidade pela dívida de custas em sede cível assenta nos princípios da causalidade ou do proveito resultante do processo( Conferir neste sentido Salvador da Costa no seu Regulamento das Custas processuais, 2ª edição, pag. 46: « a regra geral de responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção».
) e consta, fundamentalmente, do artigo 446.° do Código de Processo Civil.
Assim, de harmonia com a regra geral em matéria de custas, a decisão que julgar a causa condenará em custas a parte que a elas houver dado causa (n.° 1 do referido artigo 446.°), sendo que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for (n.° 2 do preceito).
Sabendo-se que o pedido é a pretensão do demandante, ou seja, o efeito jurídico que ele pretende obter, importa , antes de mais, apurar o que foi querido pela reclamante ao formular o pedido como o fez, o que pressupõe uma interpretação da petição inicial.
Ora constata-se daquela peça processual que a recorrida pediu a revogação da decisão sindicada com as demais consequências, nomeadamente, a aceitação da fiança e a suspensão da execução (fls. 158).

A sentença recorrida julgou a reclamação procedente, anulando o acto sindicado, com as demais consequências, sendo certo que a determinado passo refere que “A talhe de foice, e face ao peticionado pela reclamante, importa referir que não se determina a aceitação da fiança oferecida e a suspensão da execução, uma vez que o tribunal não pode substitui-se à Administração Tributária na reapreciação do acto ora impugnado.”

Mas a verdade é que, de toda a economia da petição inicial, resulta que a reclamante pugna no sentido de da revogação do despacho do órgão da Administração Fiscal que lhe indeferiu o termo de fiança oferecido como garantia com vista a suspender a execução fiscal.
Vê-se, pois, do texto que o ponto axial da sua pretensão é o de que a posição assumida no despacho reclamado está errada e é ilegal, devendo, por isso, o mesmo ser revogado, com todas as consequências legais.
E é isto mesmo que se apresenta como constituindo o cerne do pedido.
Nesta perspectiva, sabendo-se que a reclamação prevista no art. 276º do Código de Procedimento e Processo Tributário se destina a obter a anulação de actos praticados, forçoso é concluir que a recorrida obteve total ganho de causa uma vez que o acto sindicado foi anulado com as legais consequências.
E, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, a anulação do acto tem implícita a aceitação da garantia, atenta a situação económico-financeira da fiadora, e a suspensão do processo de execução fiscal, a determinar pele administração tributária, como decidiu a sentença recorrida, pelo que o tribunal recorrido não poderia deixar de julgar totalmente procedente a reclamação com custos a cargo da Fazenda Pública.

A sentença recorrida, que assim decidiu, não merece, pois, também neste aspecto, qualquer censura.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente Fazenda Pública, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013. - Pedro Delgado (relator) - Ascensão Lopes - Valente Torrão.