Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/12.8BEMDL
Data do Acordão:12/18/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23968
Nº do Documento:SA120181218062/12
Recorrente:A............ E OUTRA
Recorrido 1:EDP DISTRIBUIÇÃO - ENERGIA SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. A………… E MULHER B………… intentaram, no TAF de Mirandela, contra a EN - ELECTRICIDADE DO NORTE S.A., com sede na Rua Gonçalo Cristóvão 216, 5° Porto, PORTO, Porto, 4000-265, EDP DISTRIBUIÇÃO - ENERGIA, S.A., com sede na Rua Camilo Castelo Branco, 43, 6.°, 1050-044, Lisboa; EDP-GESTÃO DA PRODUÇÃO DE ENERGIA, S.A. com sede na Avenida José Malhoa, Lote A-13, 1070-157 Lisboa; EDP- SERVIÇO UNIVERSAL, S.A com sede na Rua Camilo Castelo Branco, 43,1050-044 Lisboa; EDP COMERCIAL-COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA, S.A., com sede na Rua Castilho, 165, 1070-050, Lisboa; EDP - ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A., com sede na Praça Marquês de Pombal, 12, 1250-162, Lisboa e REDE ELÉCTRICA NACIONAL (REN), com sede na Avenida dos Estados Unidos da América, 55, 1749-061 Lisboa, acção administrativa comum pedindo a condenação das RR:
– a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores sobre os prédios referidos nos autos .
- e a deslocarem o poste e a linha eléctrica colocadas naqueles prédios.

Aquele Tribunal, no saneador, julgou a REN, a EDP - ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A, a EDP-GESTÃO DA PRODUÇÃO DE ENERGIA, S.A, a EDP- SERVIÇO UNIVERSAL, S.A e a EDP COMERCIAL-COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA partes ilegítimas e, na sentença, julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Os Autores apelaram para o TCA Norte e este negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que os Autores vêm recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Os Autores pediram a condenação da Ré a reconhecer que eram “proprietários e legítimos possuidores dos prédios identificados no art. 1.° da Petição Inicial” mas sem sucesso já que o TAF considerou que os mesmos não tinham interesse em agir no tocante a esse pedido já que a Ré tinha declarado não ter interesse na propriedade e posse desses prédios. Daí que tivesse absolvido a Ré da instância quanto a esse pedido.
E no tocante ao pedido de condenação da Ré a retirar “o poste de linhas eléctricas de média tensão … e de todas as linhas eléctricas de média tensão … e colocarem os mesmos (poste e linhas eléctricas de média tensão) na estrema Este (e ao longo desta) dos prédios dos Autores identificados no artigo 1.º da Petição Inicial” o TAF julgou-o improcedente pelas razões que, no essencial, se transcrevem:
“Não se provando que houve acordo verbal referido, que as linhas não sobrevoam a casa dos AA e que não emitem as ditas radiações de forma a prejudicar a sua saúde e bem-estar, nem, por esse facto, lhe escorraçam a clientela do café, e provando-se que os referidos éditos foram publicados - a pretensão dos AA. está votada ao insucesso relativamente a estas causas de pedir.

O Decreto Lei 26852 de 30/7/1936, alterado pelo DL 446/76, de 5/6, para o que interessa para o caso dos autos, regulamentou o licenciamento das instalações eléctricas.
Extrai-se dos artigos 41.º, n.ºs 1 e 9, 43.º, n.º 1 e 45.º, n.º 1, que após a emissão da licença de estabelecimento da instalação eléctrica, o concessionário deveria ter solicitado a vistoria necessária à emissão da licença de exploração.
A vistoria solicitada pela antecessora da R. não se realizou.
….
Pergunta-se: o facto da instalação eléctrica não ter sido vistoriada, apesar de ter licença de estabelecimento e de a R. ter requerido tal vistoria, tem como consequência a procedência deste pedido? Não. A consequência, não traduzida em pedido, seria, numa primeira fase, a não exploração da linha por parte da R. – cfr, a contrario, art.º 45.º, n.ºs 1 a 4, do DL 26852, alterado pelo DL 446/76, de 5/6.
….
A Ré é concessionária do serviço público de transporte de energia eléctrica no, entre outros, Concelho de Ribeira de Pena onde a rede eléctrica dos autos se encontra…..
Nos termos do disposto no art. 51º do Dec. Lei nº 43335, de 19.11.1960, a declaração de utilidade pública confere ao concessionário, entre outros, o direito de “atravessar os prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios», sem embargo de esse direito, como se dispõe no § 1º do mesmo normativo, só poder ser exercido «…quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Dec. Lei nº 26852, de 30.7.1936”.
A R. obteve para o ramal em causa a concessão da licença de estabelecimento em 16/12/1977. Portanto, aquela declaração de utilidade pública confere à R o direito de constituir servidões necessárias à realização dos seus fins, designadamente servidões administrativas que derivam directamente da lei, e não se encontram submetidas ao Código das Expropriações.”

Os Autores apelaram para o TCA e este, depois de declarar improcedente a impugnação do julgamento da M.F. e de transcrever quase na totalidade o decidido no TAF, escreveu:
“Pouco se oferece dizer.
Não há dúvida que está implantada servidão no terreno dos autores.
Com a concessão da licença de estabelecimento em 16/12/1977, segundo projecto publicitado, ficou a ré (antecessora) com direito de “atravessar os prédios particulares com canais, condutas caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios».
Como se encontra determinado, os AA. autorizaram a instalação, e por tempo indeterminado, sendo pagos da “quantia de dez mil e cem escudos relativa à indemnização pelos prejuízos decorrentes da construção do dito ramal”.
Valor ressarcitório que lhes cobre todos os prejuízos patrimoniais, incluindo os danos futuros expectáveis, como os que arvoraram, mesmo os que advenham dos poderes “adminicula servilutis”.
Claudicando toda a prova de prejuízos imateriais, por eles não têm de ser indemnizados.
A falta de licença de exploração - que serve os fins técnicos - não nega a servidão, nem é por si só facto que atente com direito subjectivo dos recorrentes.
Sem embargo, divisa-se aí um interesse legalmente protegido.
Só que os recorrentes nada opõem em crítica ao concreto modo como o tribunal resolveu (as eventuais posições conflituantes) negando que solução a adoptar inexoravelmente tivesse que ser a peticionada na acção.”

3. A questão suscitada nesta revista é a de saber se as instâncias decidiram bem quando entenderam que a Ré respeitara a lei quando colocou um poste no prédio dos Autores e o atravessou com uma linha de meia tensão e, por essa razão, julgaram a presente acção improcedente.
Decisão que, no essencial, se fundamentou no facto dos AA. terem autorizado essa instalação por tempo indeterminado e terem sido indemnizados pelos prejuízos daí decorrentes e no facto da declaração de utilidade pública conferir ao concessionário, entre outros, o direito de atravessar os prédios particulares com condutas necessárias à exploração direito que, no caso, foi exercido depois da Ré ter obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva.
Ora, tudo leva crer que esse entendimento não merece a censura que lhe é dirigida.
Sendo assim, e sendo que a questão ora em causa não tem a relevância jurídica ou social que a possam qualificar como fundamental é forçoso concluir que não estão reunidos os pressupostos de admissão da revista.

DECISÃO.

Termos em que este Tribunal decide não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 18 de Dezembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.