Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0407/13
Data do Acordão:10/17/2013
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JUNTA DE FREGUESIA
ISENÇÃO DE CUSTAS
Sumário:I - De acordo com o preceituado no art. 152º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes: a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do mesmo TCA ou do STA ou entre acórdãos do STA; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento; d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA. Por outro lado, mantêm-se os princípios que vinham da jurisprudência anterior (da LPTA) segundo os quais (i) para cada questão relativamente à qual se pretenda ocorrer oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; (ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; (iii) é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica; (iv) só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro.
II - Não está isento de custas, nos termos do art. 4.º, n.º 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais, o pedido de suspensão de eficácia deduzido por uma Freguesia contra a Assembleia da República, que tinha como objecto um acto administrativo que dizia estar contido num DL, acto esse que determinava a sua extinção.
Nº Convencional:JSTA00068419
Nº do Documento:SAP201310170407
Data de Entrada:06/25/2013
Recorrente:FREGUESIA DE OLIVAL BASTO
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:UNIFORM JURISPRUDÊNCIA
Objecto:AC STA DE 2013/03/30
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - UNIFORM JURISPRUDÊNCIA
Legislação Nacional:L 11-A/2013 DE 28/01
CPTA ART152
L 169/99 DE 18/09 ART34
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I Relatório

A FREGUESIA DE OLIVAL BASTO interpôs para o Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 152º do CPTA, recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão da Secção, de 30.3.2013, que julgou improcedente a reclamação do despacho que indeferiu liminarmente a providência cautelar que propusera contra a ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA pedindo a suspensão de eficácia de um acto administrativo alegadamente contido Lei nº 11-A/2013, de 28 de Janeiro.
Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões:
I. O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto do Acórdão proferido sobre a reclamação apresentada pela Freguesia de Olival Basto em sede do Processo Cautelar nº 407/13.
II. E tem como Acórdão fundamento o aresto proferido Processo Cautelar nº 0255/13, de 21.03.2013.
III. Entre ambos os Acórdãos ocorre contradição, porquanto o Acórdão recorrido condenou a ali Reclamante em custas por julgar inaplicável ao pedido formulado o regime de isenção previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 4 do RCP.
IV. Enquanto o Acórdão fundamento decidiu, e com acerto, aplicar a idêntico pedido formulado pela Freguesia da Romeira, sobre a mesma questão de Direito, o regime do citado preceito do RCP.
V. A ora Recorrente imputa ao Acórdão recorrido erro na aplicação do Direito, na medida em que julgou que o pedido formulado pela Freguesia de Olival Basto para que fosse suspensa a eficácia do acto administrativo contido na Lei nº 11-A/2013, de 28 de Abril, não se contende no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos e de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pela CRP e pela Lei nº 159/99, de 14 de Setembro.
VI. Inversamente, aliás, ao que decidiu o próprio STA no Ac. de 04.12.2012 (in Procº nº JSTA000P15092) decidiu, com indiscutível acerto, que “a pretensão deduzida neste processo pela Junta de Freguesia visa, «generaliter», o prosseguimento da sua existência jurídica. Nessa medida, e por um lado, a presente lide intenta salvaguardar os direitos de participação política de múltiplos cidadãos, enquanto permaneçam como fregueses dessa freguesia - o que corresponde a uma defesa de direitos fundamentais. E, por outro lado, quais quer interesses difusos que a dita Junta de Freguesia pretenda subjectivar pressupõem que ela exista; pelo que não há um interesse difuso antecedente e de amplitude maior do que aquele que se prende com a subsistência autónoma da freguesia. Parece-nos, aliás, que haveria uma incoerência lógica se a Junta de Freguesia estivesse isenta de custas em domínios particulares e o não estivesse igualmente para a defesa da sua existência, que é condição necessária da intervenção dela em tais domínios”.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, proferido Acórdão que uniformize a jurisprudência no sentido supra articulado.
Não houve contra-alegações.
O Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte Parecer:
“A Requerente, Freguesia de Olival Basto, requereu a presente providência de suspensão de eficácia, da Lei n° 11-A/2013, de 28.01., quanto aos efeitos jurídicos que a ela respeitam de extinção e fusão com a Freguesia de Póvoa de Santo Adrião, dando origem a uma nova freguesia designada “União das Freguesias de Póvoa de Santo Adrião e Olival Basto”.
A Requerente vem invocar que o acto extintivo, consubstanciado na Lei n° 11-A/2013, de 28.01., violou o princípio constitucional da participação democrática (art°s 2°, 48° e 235°, da CRP). Invoca a Requerente que este princípio foi violado, porque a extinção da Recorrente (Freguesia) não foi precedida da audição dos seus órgãos próprios. Que esta audição não pode ser substituída, em termos de expressão da vontade, pela audição a Assembleia Municipal de Odivelas, através do mecanismo previsto na Lei nº 22/2012 (art° 11º, nº 4) porque, conforme escreveram Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol, II, 2007, pág. 751) «... as freguesias não constituem fracções dos municípios, sendo constitucionalmente concebidas como verdadeiras entes territoriais autónomos».
A Requerente, ao sustentar que devia ter sido ouvida no processo em causa, está a defender o direito à participação democrática dos cidadãos que integram a freguesia, no processo de reorganização administrativa, através do seu órgão representativo deliberativo que, no caso, é a Assembleia de Freguesia, eleita por sufrágio directo dos eleitores nela residentes (art°s 244° e 245°, da CRP). A Requerente alega que a referida falta de audição viola, também, o art° 5°, da Carta Europeia da Autonomia Local (CEAL), que estabelece que as autarquias locais devem ser consultadas previamente a qualquer alteração de limites territoriais, eventualmente pela via do referendo.
A CEAL foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 28/90, de 23.10 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n° 58/90, de 23.10, vigorando a mesma em pleno na ordem jurídica interna. A pretensão da Recorrente, no que concerne à sua audição, está assim, a ser deduzida na defesa de um valor constitucionalmente consagrado que é o direito de participação política.
A Requerente invoca também que, com a sua extinção «... serão postos em causa todos os apoios prestados pela Requerente às instituições (Bombeiros, IPSSs, Centro de Dia, etc.) e aos cidadãos da Freguesia, de que é exemplo, neste último caso, a comparticipação nas despesas de transporte dos prestadores de cuidados continuados de saúde e de apoio social nas suas deslocações aos domicílios dos utentes que residem no território da Requerente». (artigo 151° da PI). Com a referida alegação, está esta a defender o interesse dos cidadãos, residentes na freguesia, à continuidade dos apoios prestados, no domínio dos seus direitos à saúde e à qualidade de vida, consagrados constitucionalmente. Pelo que se nos afigura ser de concluir que a Requerente se encontra a litigar no âmbito da previsão do art° 9, nº 2, do CPTA, devendo considerar-se isenta de custas nos termos do n° 1, al. g, da CRP, como entendeu o douto Acórdão fundamento. No sentido do entendimento jurisdicional constante do douto Acórdão fundamento pronunciaram-se, também, os doutos Acórdãos de 09.01.2013, Proc. n° 1349/12, de 28.02.2013, Proc. n° 94/13 e de 24.04.2013, Proc. n° 0330/13. Conforme ponderou o douto Ac. de 09.01.2013, proferido no Proc. n° 01349/12,
«... a pretensão deduzida neste processo pela Junta de Freguesia visa, “generaliter”, o prosseguimento da sua existência jurídica. Nessa medida, e por um lado, a presente lide intenta salvaguardar os direitos de participação política de múltiplos cidadãos, enquanto permaneçam como fregueses dessa freguesia - o que corresponde a uma defesa de direitos fundamentais.
E, por outro lado, quaisquer interesses difusos que a dita Junta de Freguesia pretenda subjectivar pressupõe - que ela exista; pelo que não há um interesse difuso e de amplitude maior do que aquele que se prende com a subsistência autónoma da freguesia» (sublinhado nosso).
Em face do exposto, somos de parecer que deverá considerar-se que a Recorrente está isenta de custas, nos termos do artº 4º, nº 1. al. g), do R.C.P. e 9º, nº 2, do CPTA, proferindo-se acórdão uniformizador de jurisprudência no sentido da orientação supra referida.”
Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.

II Factos
O acórdão recorrido deu por assente a factualidade nos seguintes termos:
a) A decisão do relator foi proferida em 14-3-2013;
b) Foi notificada ao mandatário da requerente em 15-3-2013.
c) A reclamação para o Ex.mo presidente do STA deu entrada em 27-3-2013.
d) A decisão reclamada é do seguinte teor: “(…)
Com efeito, é da competência legislativa exclusiva da Assembleia da República legislar sobre a “criação, extinção e modificação das autarquias locais e respectivo regime, sem prejuízo dos poderes das regiões autónomas” - art. 164º, al. n) da CRP.
A Lei 11-A/2013 de foi proferido ao abrigo e sob invocação do art. 161º, al. c) da CRP, segundo o qual compete à Assembleia da República “fazer lei sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição para o Governo”.
A fiscalização da legalidade ou inconstitucionalidade abstracta dos actos praticados no exercício da função legislativa está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal - art. 4º, nº 2, al. a) do ETAF.
A alegação de que a lei em causa, contem actos concretizáveis não lhe retira a natureza de acto praticado no exercício da função legislativa - pois como é sabido há situações em que tal ocorre (leis medida). Daí que, em bom rigor, só seja acto administrativo a estatuição individual e concreta - no exercício da função administrativa. Ou seja, um acto (ainda que individual e concreto) só é materialmente administrativo se for praticado no uso da função administrativa.
A delimitação das funções através das quais é praticado um determinado acto pode, em certas situações, ser de difícil recorte.
Mas neste caso não é.
Neste caso, a regulação da situação em causa (criação, extinção e modificação das autarquias locais) está qualificada pelo legislador Constitucional como traduzindo o exercício da função legislativa, pelo que, não pode haver dúvidas sobre essa natureza. Ou seja, a própria CRP diz-nos que criar, modificar ou extinguir autarquias locais é tarefa a exercer através de lei. Não há, assim, espaço para dúvidas sobre a natureza da função do Estado, quando cria, extingue ou modifica autarquias locais.
Não sendo duvidosa a natureza da função - legislativa - que se exerceu através da Lei 11-A/2013, de 28 de Janeiro, a sua fiscalização - em abstracto - não cabe na jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e os actos proferidos nesse âmbito não são actos administrativos. Há assim manifesta incompetência para apreciar os vícios de inconstitucionalidade que são apontados à Lei 11-A/2013, o que torna inviável a procedência da providência cautelar, por força do art. 120º 1, b) do CPTA por ser evidente a existência de “circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” da acção principal de que depende.
2. A requerente não goza de isenção de custas, designadamente a prevista no art. 4º/1/g) do Regulamento das Custas Processuais. Na verdade, de acordo com o disposto nesse preceito legal, estão isentas de custas: “As entidades públicas, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias”. Assim, como se disse no acórdão deste STA de 20-11-2012, processo 0892/11: “Para uma entidade pública poder beneficiar da isenção de custas prevista no artigo 4º, n.º 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais, tem de, cumulativamente: (i) actuar, no processo judicial, exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estejam especialmente conferidos pelo respectivo estatuto; (ii) e de a legitimidade para essa actuação lhe ser especialmente atribuído por lei”.
No caso concreto, a requerente não actua em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, nem de qualquer interesse difuso que lhe cumpra especialmente defender (vide arts. 34º da Lei nº 169/99 de 18/9, 2/2 da Lei nº 83/95 e 9º/2 do CPTA). Tão-pouco actuam em defesa dos bens da autarquia. Age em defesa da vigente divisão administrativa do território (vide art. 236º/4 do CRP), valor que não está incluído no elenco dos que lhe conferem isenção de custas.
3. Face ao exposto indefere-se liminarmente a presente providência cautelar por ser manifesta ilegalidade da pretensão formulada, pois os actos objecto da mesma não são actos administrativos - art 114º, 2, d) do CPTA.”

III Direito
1. De acordo com o preceituado no art. 152º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes: a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do mesmo TCA ou do STA ou entre acórdãos do STA; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento; d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA. Por outro lado, mantêm-se os princípios que vinham da jurisprudência anterior (da LPTA) segundo os quais (i) para cada questão relativamente à qual se pretenda ocorrer oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; (ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; (iii) é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica; (iv) só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro (entre muitos outros o acórdão STA de 20.5.10 no recurso 248/10).
2. Pretende a recorrente que os arestos em confronto - ambos transitados em julgado - no contexto do mesmo quadro factual e jurídico, decidiram de forma oposta a questão de saber se no caso em apreço as requerentes das providências cautelares, Freguesias extintas ou agregadas por força da legislação que veio reorganizar as Freguesias, estavam ou não isentas de custas ao abrigo do art. 4º, n.º 1, al. g) do Regulamento das Custas Processuais. A contradição entre os arestos em confronto, neste particular, é patente de modo que se irá apreciar qual deles prevalece.
Numa primeira fase este STA dividiu-se entendendo uma parte dos juízes que as requerentes estavam isentas de custas ao abrigo daquele preceito, enquanto outra concluiu em sentido contrário (veja-se, neste sentido, os acórdãos de 15.1.13 nos processos 1388/12 e 1386/12.
Todavia, pelo menos a partir dos acórdãos deste Pleno de 4.7.13 proferidos nos processos 399/13 e 469/13, o tribunal optou, sem qualquer discordância, pela jurisprudência que sustentava que eram devidas custas. Embora o assunto aí não tivesse sido colocado de forma expressa pelos recorrentes, face à controvérsia existente a questão foi debatida e votada, condenando-se as interessadas nas respectivas custas.
A argumentação fundamental foi a que consta do acórdão recorrido. Concluiu-se pela inaplicabilidade da isenção de custas prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais.
De acordo com o disposto nesse preceito legal, estão isentas de custas: “As entidades públicas, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias”. A isenção de custas está, pois, ligada à natureza da legitimidade.
3. Vejamos então. A recorrente apresentou um pedido de suspensão de eficácia de um acto administrativo que dizia estar contido na Lei nº 11-A/2013, de 28.1, e donde resultava a sua extinção. O interesse da recorrente em demandar decorria, simplesmente, desse facto e, por isso, de defender a manutenção da divisão administrativa, ao nível das freguesias, até então existente (art. 236º, n.º 4, da CRP). Portanto, a sua legitimidade para a utilização desse expediente processual radicava na alínea a) do n.º 1 do art. 55º do CPTA onde se vê que tem legitimidade para impugnar um acto administrativo (ou agir cautelarmente contra ele) "Quem alegue ser titular de um interesse directo e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”. Foi o seu direito à existência, em seu entender frontalmente violado pela citada lei, que levou a recorrente a agir em tribunal. E foi esse, igualmente, o fundamento que suportou a tese daqueles que sustentavam (erradamente) a isenção de custas nessas circunstâncias.
É certo que o referido preceito comporta outras hipóteses de legitimidade activa que eram susceptíveis, em abstracto, de serem ponderadas para a situação da requerente, designadamente as suas alíneas c) e f), que rezam assim: “Tem legitimidade…
c) Pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender;
f) Pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º "
Nos termos do art. 9º, n.º 2, "Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das regiões Autónomas e das autarquias locais."
A hipótese da alínea c) reporta-se, exclusivamente, aos fins estatutários da pessoa colectiva que, no caso das Juntas de Freguesia, estão enunciados no art. 34º da Lei n.º 169/99, de 18.9, onde se não vê a sua própria extinção. A hipótese da alínea f), que remete para o n.º 2 do art. 9º, também não contempla a extinção da autarquia. Neste caso, a legitimidade das entidades mencionadas só se verifica quando actuem na defesa de valores constitucionalmente protegidos (designadamente os enunciados no art. 52º da CRP) de que são exemplo os enumerados no preceito “a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais." Não foi esse o caso. A circunstância de alguns dos vícios suscitados poderem dar uma aparência de terem por objectivo a defesa destes valores não é mais do que isso, uma aparência, meros instrumentos de luta contra a extinção, não constituindo, nenhum deles, o suporte da legitimidade da recorrente (o interesse em demandar) que foi sempre e apenas, a sua eliminação da ordem jurídica.
Por outro lado, os termos da lei referidos no n.º 2 do art. 9º são, tanto os termos da Lei n.º 83/95, de 31.8 (LAP), que trata, em termos gerais, do "Direito de participação procedimental e de acção popular", como os dos diversos diplomas avulsos que regulam a defesa dos valores e bens constitucionais (art. 52º da CRP) ali também enunciados (interesses difusos em sentido amplo, podendo ver-se, a este propósito, "Código de Processo nos Tribunais Administrativos", Mário Esteves de Oliveira e outro, 159) e que recortam as formas de intervenção administrativa ou judicial dos particulares e das pessoas colectivas para alcançarem esses objectivos.
O seu art. 2º, epigrafado de “Titularidade dos direitos de participação procedimental e do direito de acção popular”, dispõe, no n.º 2, que "São igualmente titulares dos direitos referidos no número anterior (os elencados no art. 52º, n.º 3, da CRP ou no art. 9º, n.º 2, do CPTA) as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição”, disposição que nada acrescenta ao que já resulta daquele preceito do CPTA.
Fora desses interesses não há legitimidade.
Se regressarmos ao art. 4.º, n.º 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais logo constatamos que a isenção de custas apenas está prevista nas situações acima assinaladas em que a legitimidade da autarquia local advém da alínea f) do n.º 1 do art. 55º e assim, por remissão, do n.º 2 do art. 9º ambos do CPTA. De resto, em consonância com a isenção contemplada na alínea b) do mesmo número do preceito que isenta de custas o autor que exercite uma acção popular nos termos do n.º 3 do art. 52º da CRP, pela simples razão de os interesses subjacentes serem essencialmente os mesmos.
Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação da recorrente.

III Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso e em fixar jurisprudência no sentido de que “Não está isento de custas, nos termos do art. 4.º, n.º 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais, o pedido de suspensão de eficácia deduzido por uma Freguesia contra a Assembleia da República, que tinha como objecto um acto administrativo que dizia estar contido na Lei nº 11-A/2013, de 28.1, acto esse que determinava a sua extinção”.

Custas a cargo da recorrente.

Publique-se (art. 152º, n.º 4, do CPTA).

Lisboa, 17 de Outubro de 2013. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – António Políbio Ferreira Henriques – Maria Fernanda dos Santos Maçãs.