Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0284/11
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IVA
TAXA DE EXIBIÇÃO DE PUBLICIDADE
COMPATIBILIDADE COM O DIREITO COMUNITÁRIO
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:Suscitada em processo que corra na jurisdição nacional questão de interpretação de normas da União Europeia, cumpre ao tribunal nacional decidir da pertinência das questões levantadas e da necessidade de decisão prejudicial do Tribunal de Justiça da União, a provocar nos termos do processo de reenvio prejudicial.
Nº Convencional:JSTA00067283
Nº do Documento:SA2201111300284
Data de Entrada:03/25/2011
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2010/11/03 PER SALTUM
Decisão:REENVIO PREJUDICIAL
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
DIR PROC TRIBUT CONT - REENVIO PREJUDICIAL
Área Temática 2:DIR COMUN
Legislação Nacional:DL 227/2006 DE 2006/11/15 ART50 ART58
CIVA08 ART16
L 42/2004 DE 2004/08/18 ART28
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388/CE DE 1977/05/17 ART11 N1 A ART11-A N3 C
DIR CONS CEE 2006/112/CE DE 2006/11/28 ART73 ART79 C
TCE ART234 ART288
T SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA ART267
Referência a Doutrina:MOTA DE CAMPOS E OUTRO MANUAL DE DIREITO COMUNITÁRIO 4ED PAG429
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I – Vem a sociedade A……, com os sinais dos autos, recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 03 de Novembro de 2010, que julgou improcedente a impugnação judicial, por si instaurada contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa, relativa ao acto de auto liquidação de IVA, por si efectuada, referente ao mês de Fevereiro de 2006, no montante de 149.603.79 €.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. O montante da taxa de exibição deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, porquanto assim o impõem o artigo 16°, n.º 1 e n.º 6, al. c) do CIVA, o artigo 11°, A, n.º 1, al. a) e n.º 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977) e bem assim a jurisprudência emanada do TJCE.
2. A taxa de exibição devida pelos anunciantes é liquidada, por substituição tributária, pelos operadores ou distribuidores de televisão que a tem que entregar ao Estado no prazo referido pelo artigo 52° do Decreto-lei n.º 227/2006 e informar o mesmo sobre: teor das exibições, identificação dos anunciantes importância sobre a qual recaiu a taxa e montantes de contribuição liquidados a cada anunciante.
3. No caso em apreço não ocorre retenção na fonte contrariamente ao pressuposto de que parte o M.° Juiz a quo e que normalmente está associado ao mecanismo da substituição.
4. A melhor doutrina considera haver substituição tributária quando a lei determina que um dado sujeito passivo se substitua àquele relativamente ao qual se verificou o facto tributário, ocupando o seu lugar na obrigação de imposto e, via de regra, beneficiando do direito de haver aquilo que pagou.
5. Alexandre do Amaral distingue claramente entre o sujeito passivo por débito próprio e o sujeito passivo por débito alheio, sendo o sujeito passivo por débito próprio aquele em que confluem as qualidades de sujeito passivo e contribuinte, enquanto o sujeito passivo por débito alheio é aquele que, sendo embora sujeito passivo, não é contribuinte. O ilustre autor dá como exemplo deste último caso o substituto tributário, qualidade que a ora Recorrente assume por força da lei no presente caso.
6. Todos os autores são unânimes em considerar que substituição fiscal não se confunde com a retenção e em afirmar que a substituição não é ditada por nenhum princípio de equilíbrio ou justiça, mas tão só por um princípio de eficácia, ou seja, por razões de natureza técnica (vg. um pagamento mais rápido ao Estado, a redução do número de sujeitos, etc.),
7. De acordo com o probatório, em Fevereiro de 2006 a Recorrente prestou serviços de publicidade, emitiu facturas aos seus clientes anunciantes, exigiu-lhes a taxa de 4% a que alude o Decreto-lei n.º 227/2006 e liquidou IVA sobre o valor dos serviços prestados e ainda sobre o montante arrecadado dos 4%, entregando-o ao Estado.
8. Mais se provou que em Fevereiro de 2006 a Recorrente contabilizou os montantes referentes à taxa de exibição acima referida em contas de terceiros, i.e., em contas transitórias referentes a cada um dos próprios clientes.
9. Não obstante a prova dos referidos factos, entendeu o M.° Juiz a quo não se dever aplicar ao caso em apreço o disposto na al. c) do n.º 6 do artigo 16° do CIVA, porquanto, na sua óptica, o obrigado, ao efectuar a liquidação do tributo aos anunciantes e na medida em que recebe as quantias apuradas, fica constituído na posição de devedor do mesmo e, não suportando o encargo tributário, não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito sejam efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço.
10. Ora, salvo o devido respeito, não tem o Mº Juiz a quo razão e desde logo porque, receba ou não (e em tempo) dos anunciantes, a Recorrente tem sempre que entregar o montante da contribuição ao Estado, o que resulta expressamente do artigo 52.° do Decreto-lei n.º 227/2006, além de que sempre que a Recorrente recebe tais montantes - e é o mais comum - recebe-os a título de direito de regresso sobre os seus clientes.
11. O substituto realiza uma prestação que constitui objecto de uma obrigação alheia, i.e., do substituído, que é quem realiza o facto tributário. O substituto, embora seja devedor,” não preencheu o facto tributário, mas outro pressuposto de facto conexo ao facto gerador” (Diogo Leite de Campos, ob. cit.).
12. Ao indicar ao Estado o nome dos anunciantes, ao calcular o valor das contribuições devidas pelos mesmos, ao recolher junto deles tais valores e entregá-los ao Estado, evidente que a Recorrente entrega uma contribuição em nome e por conta de outrem.
13. O momento exacto em que essa recolha é feita - antes ou depois do prazo definido no artigo 52.° do referido Decreto-lei nº 227/2006 para entrega ao Estado, ou seja, saber se estamos perante um adiantamento ou perante um reembolso do anunciante devidamente registado nas já aludidas contas de terceiros transitárias - não pode alterar o facto de, perante o Estado, tratar-se sempre de um pagamento que, embora obrigatório, é feito em nome e por conta de outrem.
14. Assim entendeu a Advogada-Geral no Processo n.º C-98/05, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), a respeito da interpretação do artigo 11.º, A., n.º 3, al. c) da Sexta Directiva: ‘O momento em que o imposto deve ser pago não representa, pelo contrário, um critério distintivo em si mesmo … Se, designadamente, o imposto for de qualificar como valor a registar na conta transitória, na acepção do artigo 11°, A, nº 3, alínea c) da Sexta Directiva, não é incluído na matéria colectável, ainda que o fornecedor o tenha pago antes da entrega”.
15. Por conseguinte, fica claro que o momento em que o tributo é recolhido junto do cliente (substituído) não contende com o enquadramento desse montante na al. c) do n.º 3 do artigo 11, A da Sexta Directiva.
16. É certo que a Recorrente, quando liquida e entrega ao Estado as quantias devidas pelos anunciantes, fá-lo no interesse de terceiros e por isso mesmo é tão feliz a expressão “sujeito passivo por débito alheio” de Alexandre do Amaral.
17. Só em face do exposto se atenderá ao princípio da qualificação dos factos de acordo com a sua substância económica, aliás consagrado no nº 3 do artigo 11.º da LGT.
18. Em face do exposto, o entendimento consagrado pelo M.° Juiz a que contraria o disposto na al. c) do nº 6 do artigo 16° do CIVA e a al. c) do n.º 3 do artigo 11º, A da Sexta Directiva, sendo certo que de acordo com a orientação que tem sido seguida pelo TJCE (ver conclusões do Advogado-Geral no Processo nº C-18/92 do TJCE (Chaussures Rally S.A. contra o Estado Belga), “a alínea c) destina-se a precisar que existem montantes que o fornecedor na prática recebe do comprador, mas que não deve, porém, incluir na matéria tributável, uma vez que só correspondem a um reembolso de despesas efectuadas pelo fornecedor no interesse do comprador e que não podem ser consideradas parte da contrapartida do bem entregue”.
19. No conhecido Acórdão do TJCE proferido no Processo n.º C-98/05 (Danake Bilimportorer contra Skatteministeriet) a respeito do imposto Automóvel Dinamarquês, o TJCE configurou bem a questão e concluiu que a matrícula, embora requerida pelo distribuidor, era efectuada em nome e por conta do cliente, acrescentando que, sendo um pressuposto para a circulação do veículo na via pública, constituía um interesse exclusivo do cliente, pelo que havia lugar à aplicação do n.º 3, alínea c), do artigo 11°, A da Sexta Directiva.
20. De acordo com as conclusões da Advogada-Geral neste processo, “se a matrícula for efectuada em nome do cliente deve assumir-se que o imposto também será pago em seu nome e registado na contabilidade do distribuidor como conta transitória. Esta configuração da legislação fiscal está em perfeita conformidade com a Sexta Directiva, cujo artigo 11, A, n.º 3, alínea c) também contém uma norma expressa aplicável aos impostos sobre os montantes registados nas contas transitárias”.
21. Adaptando tais conclusões ao caso em apreço, conclui-se que a taxa de exibição se enquadra no “conceito comunitário de acção em nome e por conta de outrem”.
22. Em face de todo o exposto, é licito concluir que, ao contrário do que foi sufragado pelo M.° Juiz a quo, o montante correspondente à taxa de exibição deve estar excluído da base tributável para efeitos de IVA.
23. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que mesmo em face do artigo 16°, n.º 1 do CIVA e do artigo 11º, A, n.º 1, al. a) da Sexta Directiva, as contribuições em causa não apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço para que se integrem no valor da contraprestação, contrariamente ao que foi entendido pelo M.° Juiz a quo, pois as taxas de exibição não constituem uma contrapartida do serviço prestado pela Recorrente, nem apresentam ligação directa com a prestação do serviço.
24. Com efeito, a contrapartida pela difusão da publicidade por parte da Recorrente - uma prestação de serviços - é o pagamento do preço pelo anunciante. É esse preço que apresenta uma ligação directa com a prestação da Recorrente.
25. Isso sem contar com a circunstância de o facto gerador da taxa ou contribuição em apreço não ser idêntico ao do IVA: o primeiro (facto gerador da taxa) é a exibição de publicidade comercial nos moldes definidos pelo artigo 50 °, nº 1 do Decreto-lei 227/2006 e o segundo (facto gerador do IVA) é toda actividade de prestação de serviços.
26. Acresce que a actividade da Recorrente não consiste na mera exibição da publicidade comercial em causa e o valor pela contrapartida da prestação do serviço (preço global) não coincide com o valor base da taxa de exibição (preço da exibição/difusão), sendo o primeiro superior ao segundo.
27. Relativamente ao caso concreto das prestações de serviços, atente-se no Acórdão do TJCE de 05.02.1981 (Processo nº 154/80) onde se refere que “a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado; deve, portanto, existir um vínculo directo entre o serviço prestado e o valor recebido para que uma prestação de serviços seja tributável (…)”.
28. Ora, a taxa de exibição não tem a natureza de uma contrapartida pela serviço prestado, visando exclusivamente “o financiamento do fomento e desenvolvimento das artes cinematográficas e do audiovisual” sendo evidente a falta de nexo sinalagmático entre o serviço prestado aos anunciantes e o pagamento da taxa de exibição.
29. Em consequência do exposto, a taxa de exibição não pode integrar o conceito de valor tributável para efeitos do artigo 16°, nº 1, al. a) do CIVA.
30. Importa ainda realçar que, embora não se confunda com a taxa de exibição, a contribuição prevista no artigo 23°, nº 1 da Lei nº 42/2004 tem em comum com esta a finalidade intrínseca - o financiamento do desenvolvimento do cinema e do audiovisual - e o mecanismo de liquidação - por substituição tributária.
31. Em ambos os casos, as contribuições não apresentam qualquer ligação directa com a prestação do operador e, quer num caso, quer no outro, não é o substituto um “sujeito passivo por débito próprio”, pois quem pratica o facto tributário é o anunciante ou o operador /distribuidor.
32. Todavia, o legislador, no artigo 23° da Lei nº 42/2004, preocupou-se em consagrar expressamente a não incidência de outros tributos sobre essa contribuição mas, pelo menos em matéria de IVA, esta incidência sempre ficaria afastada pelo artigo 16°, nº 6, al. c) do CIVA. À mesma conclusão chegaríamos por aplicação do artigo 16°, nº 1 do CIVA, porquanto a contribuição não constitui contrapartida do que quer que seja.
33. Quer isto dizer que, no que concerne especificamente ao IVA, mesmo que o artigo 24°, nº 2 não existisse a solução adoptada teria de ser a mesma, pelo que, não obstante a consagração expressa da não incidência de imposições fiscais sobre a contribuição do artigo 23°, n.º 1 da Lei n.º 42/2004, ao contrário do que sucede para a taxa de exibição, o mesmo entendimento terá de valer para esta última taxa. Tratam-se, conforme exposto, de situações materialmente idênticas.
34. Dessa forma, não tem razão o Tribunal a quo quando refere que, se o legislador tivesse pretendido afastar a taxa da exibição da incidência de qualquer imposição tributária, teria obrigatoriamente de consagrar uma regra igual à do artigo 24°, n.º 2 da Lei 42/2004.
35. Concluindo, também por força do disposto no artigo 16°, n.º 1 do CIVA o montante correspondente à taxa de exibição liquidada aos anunciantes deve ser excluído da base tributável para efeitos de IVA.
36. Finalmente, o caso vertente suscita um conjunto de questões relativas à interpretação de normas de direito comunitário, o que justifica um pedido de clarificação perante o TJCE, com vista a uma correcta interpretação e, subsequentemente, boa aplicação das referidas normas jurídicas, o caso em apreço suscita, pelo menos, as seguintes questões, cuja submissão a apreciação prejudicial do TJCE a Recorrente requer a V. Exas.
37. Sobre o sentido e alcance do disposto no artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) da Directiva 77/388/CE, nomeadamente: qual a ratio legis subjacente a esse preceito? Qual o conteúdo do conceito de “contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações’? A taxa de exibição liquidada pela Recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária, nos termos do artigo 50°, nº 1 do Decreto-lei nº 227/2006, enquadra-se nesse conceito? Em consequência, as quantias liquidadas pela Recorrente a título de taxa de exibição devem ser incluídas na base tributável para efeitos de IVA?
38. Sobre o sentido e alcance do disposto no artigo 11º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE, nomeadamente: Qual a ratio legis subjacente a esse preceito? Qual o conteúdo do conceito de “quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que estão registadas na sua contabilidade em contas transitórias”? A taxa de exibição liquidada pela Recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária e contabilisticamente registada numa conta de terceiros, enquadra-se nesse conceito? Em consequência, essas quantias liquidadas pela Recorrente a título de taxa de exibição devem ser incluídas na base tributável para efeitos de IVA?
II - A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.
III - Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmº Magistrado do Ministério Publico emitiu parecer no sentido, de os autos serem suspensos até que o TJCE decida um reenvio prejudicial relativo às questões levantadas pela impugnante nas conclusões nºs 36, 37 e 38 das alegações.
IV- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) A impugnante, no âmbito da sua actividade audiovisual operando no mercado televisivo, prestou serviços de publicidade comercial a diversos anunciantes no mês de Fevereiro de 2006, no âmbito do qual facturou aqueles clientes pelos serviços prestados, no qual se inclui o valor de 4% sobre o preço facturado pela exibição e difusão de publicidade e relativo à taxa de exibição enquanto contribuição para apoio ao cinema e audiovisual, nos termos do disposto no Dec.-Lei nº 227/2006, de 15.11., sobre a qual fez incidir o IVA sobre a totalidade das importâncias facturadas apurando o imposto a pagar, procedendo à entrega do imposto liquidado no período e devidamente incluída na respectiva declaração periódica. - cfr Declaração Periódica de fls. 34 a 37, dos autos e cópia de extractos de conta corrente de fls. 182 a 230, do processo principal.
B) Em resultado da liquidação da taxa de exibição referida supra, foram contabilizados os montantes de receita a favor da Cinemateca Portuguesa e do Instituto do Cinema e do Audiovisual e Multimédia através de contas de terceiros, processadas e pagas as importâncias assim apuradas - cfr documentos de fls. 56 a 60, dos autos e de fls. 129 a 133 e cópia dos registos contabilísticos de fls. 24 a 43, do Proc Reclamação apenso ao processo principal.
C) Da autoliquidação de imposto referida supra apresentou, em 08.04.08, reclamação graciosa constante de fls. 19 a 60, dos autos, a qual foi recebida na mesma data, não tendo merecido qualquer decisão - cfr artº 1° e 2° da p. i. e artº 7° e segs, da Informação de fls. 68 a 78, dos autos.»
V - A questão objecto do presente recurso consiste em saber se o montante da taxa de exibição de publicidade comercial, liquidada aos anunciantes pelos operadores ou distribuidores de televisão, deve ser incluído no valor tributável para efeitos de IVA ou se, como alega a recorrente, deve ser excluído do valor tributável para efeitos daquele imposto ex vi do disposto no artigo 16.º n.º 1 e n.º 6 alínea c) do Código do IVA (CIVA), interpretados em conformidade com o disposto no artigo 11.º A, n.º 1, al. a) e n.º 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977).
Sendo questão que se prende com a interpretação de normas de direito comunitário, a recorrente solicita ainda o reenvio prejudicial ao TJCE para clarificação da correcta interpretação do disposto no artigo 11º A nº1, al. a) e nº3, al. c) da Directiva 77/388/CE de 17.05.1977.
Como se constata dos autos - fls. 91 a 97 - a decisão recorrida, julgou improcedente a impugnação deduzida contra autoliquidação de IVA referente ao mês de Fevereiro de 2006, considerando que o montante da taxa de exibição de publicidade comercial liquidada pela impugnante aos anunciantes se inclui na base tributável do imposto ao abrigo da alínea a) do n.º 5 artigo do 16.º do CIVA (cf. fls.96).
Considerou-se na sentença recorrida que os montantes da taxa de exibição de publicidade não podiam ser considerados como “quantias pagas em nome e por conta do destinatário dos serviços”, ainda que registadas em contas provisórias de terceiros, para efeitos da exclusão prevista na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, porquanto «o obrigado, ao efectuar a liquidação do tributo aos anunciantes e na medida em que recebe as quantias apuradas, fica constituído na posição de devedora do mesmo, pelo que não suportando o encargo tributário não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito são efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço como alega, nem se constituindo como titulares do direito de reembolso das importâncias dispendidas a cargo dos destinatários dos serviços».
Julgou-se ainda que as taxas apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço, pois que «tendo aquela tributação, no âmbito da sua incidência, como objecto os serviços prestados de exibição ou difusão de publicidade comercial (cfr artº 28º da Lei nº 42/2004, de 18.08…..), não parece restar dúvidas que o mesmo é inerente ao serviço prestado, ainda que em benefício das referidas entidades públicas, pelo que o IVA deverá ser considerado como abrangendo aquela tributação incidente sobre a referida prestação de serviços, como foi efectuado pelo impugnante na auto-liquidação do imposto».
Contra o assim decidido insurge-se a recorrente alegando que a decisão recorrida não terá andado bem porquanto o montante da taxa de exibição deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, porquanto assim o impõem o artigo 16.º, n.º 1 e n.º 6, al. c) do CIVA, o artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) e n.º 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977) e bem assim a jurisprudência emanada do TJCE (conclusões 1 a 22 das alegações de recurso).
Subsidiariamente, e se assim não se entender, argumenta (cfr. conclusões 23 a 29. das alegações) que mesmo em face do artigo 16.º, n.º 1 do CIVA e do artigo 11.º, A, al. a) da Sexta Directiva, as contribuições em causa não apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço para que se integrem no valor da contraprestação, contrariamente ao que foi entendido pelo M.º Juiz “a quo”, pois as taxas de exibição não constituem uma contrapartida do serviço prestado pela Recorrente, nem apresentam ligação directa com a prestação do serviço, não podendo, em consequência, integrar o conceito de valor tributável para efeitos do artigo 16.º, n.º 1, al. a) do CIVA.
Invoca ainda (cfr. conclusões 30 a 35) que relativamente à contribuição prevista no artigo 23.º, n.º 1 da Lei 42/2004, que teria em comum com a taxa sindicada a finalidade intrínseca - o financiamento do cinema e do audiovisual – e o mecanismo de liquidação - por substituição tributária - o legislador consagrou expressamente a não incidência de outros tributos sobre essa contribuição (artigo 24.º, n.º 2), pelo que o mesmo entendimento terá de valer para a taxa de difusão por se tratarem de situações materialmente idênticas.
Finalmente solicita o reenvio prejudicial ao TJCE para clarificação da correcta interpretação do disposto no artigo 11º A nº1, al. a) e nº3, al. c) da Directiva 77/388/CE de 17.05.1977, formulando para o efeito as questões enunciadas nos pontos 37 e 38 das alegações de recurso.
Desde já se adianta que será de deferir o requerido reenvio prejudicial.
Vejamos.
A taxa de exibição de publicidade comercial prevista no artigo 28.º na Lei n.º 42/2004, de 18 de Agosto (Lei de Arte Cinematográfica e do Audiovisual) é regulamentada nos artigos 50.º a 58.º do Decreto-Lei n.º 227/2006, de 15 de Novembro.
Nos termos das referidos normativos a taxa, de 4% sobre preço da exibição ou difusão da publicidade, incide sobre a publicidade comercial exibida nas salas de cinema, difundida pela televisão ou incluída nos guias electrónicos de programação, qualquer que seja a plataforma de emissão, é devida pelos anunciantes, embora liquidada, por substituição tributária, pelas empresas concessionárias da exploração de espaço publicitário em salas de cinema ou pelos operadores ou distribuidores de televisão e constitui receita do Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimédia - ICAM (3,2%) e da Cinemateca Portuguesa - CP-MC (0,8%), devendo os montantes apurados ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 10 do mês seguinte ao da liquidação simultaneamente com a declaração a que se refere o artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 227/2006.
Conforme resulta das conclusões das alegações, a decisão a proferir no recurso envolve a interpretação de normas de direito comunitário, mais concretamente dos artigos 11.º, n.º 1, al. a) e 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE, do Conselho, de 17.05.1977 (actual artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006) em termos que se nos afiguram serem bastantes para justificarem o reenvio prejudicial junto do TJUE.
Com efeito o artº 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (ex-artigo 234º TCE) impõe aos tribunais supremos dos Estados-membros que recorram ao TJUE sempre que se ponha uma questão de interpretação ou de apreciação de validade de actos emanados das instituições comunitárias, cuja resolução seja necessária ao julgamento da causa.
Nos termos do artº 288º do Tratado são actos emanados das instituições comunitárias os regulamentos, directivas, decisões, recomendações e pareceres.
E o Tribunal de Justiça apenas admitiu três excepções à obrigação de reenvio (Cf. João Mota de Campos e João Luís Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 4ª ed. Fundação Calouste Gulbenkian, pag. 429.) :
- Falta de pertinência da questão suscitada no processo;
- Existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo TJCE;
- Total clareza da norma em causa (teoria do acto claro);
No caso subjudice a questão referida é pertinente já que a respectiva decisão comporta aplicação e interpretação do direito comunitário, nomeadamente dos artigos 11.º, n.º 1, al. a) e 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE, do Conselho, de 17.05.1977 (actual artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006).
Alega a recorrente que o entendimento consagrado pelo Mº Juiz a quo – no sentido de que o valor da taxa de emissão de publicidade comercial deve ser incluído no valor tributável para efeitos de IVA porque inerente à prestação de serviços e porque não constituiria uma quantia paga em nome e por conta do destinatário dos serviços de publicidade, ainda que os montantes arrecadados sejam registados em contas transitórias de terceiros e destinados a ser entregues a entidades públicas - contraria o disposto na al. c) do nº 6 do artº 16º do CIVA e na al. c) do nº 3 do artº 11ºA da Sexta Directiva (Vide ponto 18 das conclusões das alegações de recurso, a fls. 127.) e também o disposto nos arts. 16º, nº 1 do CIVA e 11, A, nº 1, al. a) da Sexta Directiva.
Não existe, por outro lado, interpretação anteriormente fornecida pelo TJUE sobre a questão, nomeadamente no que respeita à taxa de emissão de publicidade comercial.
Não se verifica também total clareza das normas em causa, nem se pode concluir que a aplicação directa do direito comunitário se impõe com tal evidência que não deixa lugar a qualquer dúvida razoável.
Nesta conformidade, decidindo o Supremo Tribunal Administrativo em última instância e não se conhecendo jurisprudência do TJUE directamente aplicável, entende-se como necessária, de harmonia com o preceituado no artº 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a pronúncia do TJUE, em reenvio prejudicial, sobre as seguintes questões:
1. A taxa de exibição liquidada pela recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária, nos termos do artigo 50°, nº 1 do Decreto-lei nº 227/2006, enquadra-se no conceito de matéria colectável de IVA, na acepção do artº 11.º, A, n.º 1, al. a) da Directiva 77/388/CE (actual artigo 79.º c) da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, nomeadamente por constituir de “contrapartida que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deve receber” em relação a entregas de bens e prestações de serviços?
2. A taxa de exibição liquidada pela recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária e contabilisticamente registada numa conta de terceiros, é de qualificar como valor que “um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso das despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que estão registadas na sua contabilidade em contas transitórias” na acepção do artigo 11º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE (actual artigo 79.º c) da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006)?
3. Em consequência, essas quantias liquidadas pela recorrente a título de taxa de exibição devem ser incluídas na base tributável para efeitos de IVA?
VI- Termos em que se acorda suspender a instância até à pronúncia do TJUE, ordenando-se a passagem de carta, a dirigir pela secretaria deste Supremo Tribunal Administrativo à daquele TJUE, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado de traslado do processo, incluindo cópias da petição; da sentença; das alegações de recurso da impugnante; do parecer do Ministério Público neste Tribunal; bem como do presente acórdão.
Custas a considerar a final.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011. - Pedro Delgado(relator) - Valente Torrão - Francisco Rothes.