Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01145/17
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P23582
Nº do Documento:SA22018091901145
Data de Entrada:10/17/2017
Recorrente:A..... E AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – Do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29 de Junho de 2017, que negou provimento aos recursos interpostos por A………, com os sinais dos autos, e pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 08/03/2017, que julgou parcialmente procedente o recurso das decisões de avaliação indirecta da matéria colectável de IRS dos anos de 2011 e 2012, interpõem os mesmos recurso para este Supremo Tribunal, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:
1.1 Recurso de A……….:
1. Não deverá acolher-se o princípio defendido pelo Acórdão recorrido ao entender “que mesmo que se entendesse que as notificações teriam de ser efetuadas por carta registada dirigida ao escritório do mandatário, ainda assim sempre se dirá que as formalidades procedimentais previstas na lei podem degradar-se em formalidades não essenciais, porquanto,
2. A aceitação de tal princípio viola claramente o artigo 191.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º al. e) do CPPT, que estabelece a aplicação do princípio da nulidade para as notificações que, na sua realização, não observem as formalidades prescritas na lei.
3. A aceitar-se o princípio defendido pelo Acórdão recorrido, era acolher o régie geral para as notificações tal como estabelecido no artigo 224.º do CPC quando é certo que tal princípio não é de aplicar no processo tributário uma vez que existe uma norma expressa sobre as notificações aos mandatários constituídos no processo tributário.
E contraria, a aplicação, por analogia
4. Do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 06-11-2012, proc. n.º 05822/12, no qual se entendeu que “ no âmbito do processo tributário, não se verifica qualquer indício de que o legislador, sabendo, obviamente, da existência e operação do registo simples, quando no artigo 38.º n.º 3 do CPPT, prescreveu a efectivação de determinadas notificações por carta registada, haja querido concluir essa modalidade de entrega”.
5. Também aqui na questão sob recurso, prevendo o legislador no artigo 40.º, n.º 3 do CPPT, a notificação ao mandatário, por carta ou aviso registados a expedir para o seu escritório tivesse querido que a mesma se fizesse por outros meios nomeadamente a notificação pessoal onde quer que ele se encontrasse.
E ainda
6. Expressamente contrariando o que foi decidido no Acórdão do TCA Sul, de 23-03-2006, que decidiu no sentido de

7. A notificação que o tribunal recorrido considerou válida e eficaz, constitui isso sim uma violação clara dos pressupostos estabelecidos na lei, pretendendo-se obrigar o mandatário a receber uma notificação pessoal no seu escritório contra norma legal expressa. E

8. Ao notificar posteriormente o recorrente com a menção expressa de que tal ato não constituía o início de um novo prazo, cerceou a defesa do recorrente, constituindo esse ato num prejuízo para a sua defesa.

9. No Acórdão proferido pela Secção do Contencioso Tributário desse Tribunal, de 02-04-2014 , no processo 021 7/ 14, no qual foi relatora a Exm.ª Conselheira Isabel Marques da Silva, decidiu-se no sentido de que "para que ocorra a nulidade por falta de citação basta a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do executado e não a demonstração da existência do efetivo prejuízo ...".

10. A delimitação do prazo para o exercício da defesa é um prejuízo direto e efetivo dos direitos do sujeito passivo por não conseguir organizar todos os argumentos, provas e demonstrações da sua posição tributária e que, na ausência destas evidências não ataca convenientemente um ato tributário assente em raciocínios que nada têm a ver com a realidade dos factos. Estes raciocínios poderiam ser desmontados mas o prazo para o fazer foi encurtado por uma decisão da ATA o que constitui uma demonstração de um efetivo prejuízo.

11. A Administração Tributária conhece bem a letra e o espírito da lei constante do artigo 40°, nº 3 do CPPT, e apesar disso pretendeu sujeitar o mandatário à aceitação de um procedimento processual não permitido por lei.

12. O documento de doação apresentado foi elaborado nos termos do decreto-lei nº L 1 6/2008, de 4 de Julho que regula os atos notariais que podem ser praticados pelos advogados, e outras entidades, relativos a bens imóveis e outros atos dispositivos, nomeadamente os que importam o reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso de habitação, superfície ou serviços sobre coisas imóveis; constituição, alteração e distrate de consignação de rendimentos; de alienação, repúdio e renúncia de herança ou legado, bem como de quaisquer outros atos dispositivos do património.

13. Aquele documento de doação está assim investido do cunho de autenticidade conferido pelo nº 1 do art. 370º do CC, cuja presunção de autenticidade não foi ilidida pelo Tribunal. Sendo um documento autêntico faz prova plena dos factos que referem como praticados.

14. Consta do documento de doação que o mesmo teve lugar no dia 15 de Novembro de 2012.

15. A ação inspetiva ao sujeito passivo aqui recorrente, foi ordenada pela OT 201 502.893 e teve início em 2015-09-29 e foi concluída com o parecer do chefe de equipa a 18-03-2016.

16. Entre o período em que foi outorgado o documento de doação - 15-12-2012 - e a emissão da ordem de serviço e início dos atos inspetivos - 29-09-2010 - decorreram precisamente dois anos, nove meses e 15 dias. Ou seja, à data a que foi efetuada a doação não era possível prever que o recorrente viesse a ser inspecionado para que, atempadamente, no dizer do Acórdão recorrido, engendrasse uma forma de iludir a Administração Tributária.

17. Estas questões/suspeições levantadas no Acórdão recorrido só se compreenderiam se, em algum momento, a ATA, tivesse atacado a autenticidade do documento. Mas mal se compreenderia que, passados que foram, quase três anos, sobre o ato de doação e o início da ação inspetiva, se viesse a atacar o documento com fundamento numa ação há muito engendrada para justificar uma fonte de rendimento inexistente sem demonstrar a inviabilidade dessa mesma fonte de rendimentos.

18. No documento de doação, ao contrário do que foi entendido no Acórdão recorrido, estão perfeitamente elencadas as razões que subjazem à doação: referir-se na doação que o objeto desta é proporcionar os meios financeiros para o neto comprar uma casa é identificar a razão da doação.

19. Numa doação, que é feita em dinheiro, não há "fluxos financeiros" subjacentes ao ato de doar o qual se esgota na entrega do dinheiro pelo doador ao beneficiário da doação.

20. O dicionário de economia de Graham Bannock, R. E. Baxter e Ray Rees, dá­nos uma definição de "fluxo de fundos/financeiro" como a reportada à definição de "cash flow" utilizada nas empresas: "um mapa de receitas embolsadas e de despesas desembolsadas por uma empresa durante um certo período ...".

21. O recorrente, limitou-se a receber o montante da doação e, desse montante, utilizá-lo para o fim em vista. Não tem contabilidade organizada através da qual lhe fosse exigida a demonstração da utilização do dinheiro. O recorrente, teve como despesas, a aquisição da sua casa atual e, como justificação dos meios financeiros empregues, concorreram o valor de € 400.000 ,00 provenientes da sua anterior habitação e a doação do avô. Ambas as verbas estão perfeitamente identificadas quanto à sua origem, montante e proveniência. A Administração Tributária limitou-se a não aceitar a proveniência do montante referente à doação, mas não fundamenta as razões da sua não aceitação.

22. O regime das manifestações de fortuna regulado nos artigos 87º, al. f) do nº 1 e nº 2, e pelo artigo 89°-A, ambos da LGT, abrangem duas formas distintas de tributação em IRS: pelo nº 1 do artigo 89º-A, visa-se as situações previstas na tabela do nº 4 daquela disposição legal; pela aplicação do disposto no artigo 87°, al. f) do nº 1, visa-se atingir as manifestações de património ou despesa de valor superior a € 100.000,00.

23. O estabelecimento destas duas formas de alcançar as manifestações de fortuna representa uma evidente vontade de fazer funcionar a disciplina que decorre do nº1 do art. 89º-A da LGT, enquanto norma que especificadamente se encontra dirigida aos bens previstos na respetiva tabela, enquanto que, pela aplicação da al. f) do nº 1 do artigo 87º, se pretende abranger outras formas de manifestação de fortuna. Daqui decorre que sempre que sejam identificados bens que, pelo seu enquadramento na tabela do nº 4 do art. 89º-A, permitam a avaliação da fortuna dos sujeitos passivos de acordo com o rendimento padrão, deve a determinação do rendimento tributável obedecer às regras previstas especificamente para estes casos.

24. No final de 2012 o recorrente adquiriu a sua habitação pelo preço de € 650.000,00. Este bem está integrado na tabela prevista no nº 4 do artigo 89º­ A da LGT. Isso mesmo foi verificado e analisado pela ATA - pág. 17/20 do RIT, onde conjugando com os suprimentos realizados pelo recorrente de € 57.000,00, se atingiu o rendimento padrão de € 158.850,00, valor substancialmente superior ao rendimento líquido declarado. A tributação do recorrente deveria pautar-se pela aplicação dos nº 1 e 4 do art. 89º-A da LGT. Contudo a ATA, sem qualquer fundamento, tributou pela aplicação das regras consignadas na al. f) do nº 1 do art. 87° da LGT.

25. A conta bancária do recorrente efetuada para adquirir a habitação apresentava um saldo de € 4.634,69 e de seguida foi depositado em numerário o valor de € 125.500,00 e o cheque de € 400.000,00 proveniente da antiga habitação, o cheque de € 75.000,00 das distribuições de dividendos da .......... e à transferência de € 44.000,00 do Banco Invest.

26. Perante isto o que tributariamente se impunha era a aplicação das normas previstas na al. d) do art. 87.º da LGT, mas em vez desta norma, a AT aplicou a disciplina da al. f) do mesmo artigo. Ou seja: em vez de tributar com base no acréscimo de património, revelado na aquisição do imóvel, e da despesa respeitante aos suprimentos, tributou os movimentos financeiros que, basicamente correspondem às entradas nas contas bancárias e que foram necessárias à aquisição da habitação.

27. O recorrente demonstrou, como lhe competia, que uma das fontes das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa tinha a sua origem na doação que seu avô lhe fez. O Acórdão recorrido ao sufragar a decisão da AT de tributar o recorrente ignorando aquela fonte de rendimento, desconsiderou o princípio da verdade material.

28. Foram violados os princípios estabelecidos nos artigos 87.º, n.º 1, al. b) e 89.º-A, ambos da LGT; art. 40.º do CPPT e art. 21.º e 34.º da CRP.

Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a douta decisão recorrida.


1.2 Recurso da AT:

A. Vem o presente recurso interposto contra o acórdão do TCA Norte de 29/06/2017, que negou provimento ao recurso apresentado pela AT, na vertente do julgamento quanto aos factos, por entender não estarem reunidos os pressupostos formais para a admissibilidade do recurso, estando na base desta conclusão o entendimento de que a AT teria efectuado uma impugnação genérica da decisão da matéria de facto.

B. No entanto, como resulta explícito do teor da sua exposição, quer em sede de alegações de recurso, quer em sede das respectivas conclusões, que o vício assacado à sentença pela AT, é de notório erro na apreciação da prova, questão que se situa a jusante do erro de julgamento quanto aos factos.

C. A AT impugnou a insuficiência da prova produzida, por esta não ser susceptível de revelar a constituição de quaisquer contratos de mútuo, nem sequer a conexão entre os mesmos com as transferências efectuadas para o Recorrente, não estando comprovada a origem dos fundos que determinou o procedimento de avaliação indirecta da matéria colectável.

D. Ou seja, a motivação quanto aos factos, nos moldes em que se encontra explicitada no facto Z dos factos provados, não é suficiente para sustentar a motivação do Tribunal, pois os documentos particulares (documento de confissão de dívida subscrito pelo devedor B……..), quer o cheque emitido pelo pai do Recorrente não podem, juntamente com a prova testemunhal (de um amigo da família há mais de 30 anos) apresentada ser suficientes para efeitos de demonstração das motivações das transferências , que constituem, para efeitos de prova da manifestação de fortuna, a origem dos rendimentos não compatíveis com os rendimentos revelados à AT.

E. A prova produzida, apresenta fragilidades mais que evidentes para se poder afirmar que o Recorrente fez prova da proveniência desses rendimentos, de modo a obstar à sua tributação com recurso à avaliação indirecta, a origem dos montantes das transferências não se encontra demonstrado.

F. Com efeito, é incontornável que a mens legislatoris repercutida no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, exigia que o Recorrente efectuasse a prova da relação directa entre os empréstimos supostamente realizados e as transferências recebidas por si, em nome de terceiro, no entanto nem sequer é efectuada a prova dos eventuais mútuos, nem dos negócios que nunca se concretizaram.

G. Pois os documentos aceites não os transformam em prova documental suficiente, para efeitos de demonstração das motivações que levaram à realização das transferências, e a qualidade de amigo da família, há mais de 30 anos, da prova testemunhal, desarticulada de qualquer prova documental suficiente que provasse a existência dos contratos de mútuo, influencia a credibilidade da mesma, atento as relações pessoais existentes.

H. Face à fragilidade da prova produzida e que a douta decisão considerou bastante, para afastar parcialmente a legal tributação por métodos indirectos, considera a AT que é totalmente retirado o rigor probatório deste regime, cujo propósito é o de eliminar ou atenuar a fraude e evasão fiscal.

1. Não obstante estar sonegado ao Tribunal ad quem a oralidade e a imediação, a simples leitura da sentença proferida em 1.ª instância pelas razões sucintamente explicitadas, basta, por si só, para impor decisão diversa da que veio a ser proferida, e foi objecto de recurso intentado junto do TCA Norte.

J. Assim, a AT impugna a análise crítica que recaiu sobre o facto Z do probatório e as conclusões retiradas para efeitos de decisório, porquanto uma análise crítica da prova reunida nos autos, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência, não permitem concluir pela razoabilidade da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância .

K. Por conseguinte, o acórdão recorrido, ao concluir que não estão preenchidos os pressupostos formais de admissibilidade do recurso na vertente respeitante aos factos, por entender tratar-se de uma impugnação genérica da matéria de facto, incorreu numa errada delimitação do objecto do recurso e, por conseguinte, numa omissão de pronúncia.

L. Salvo o devido respeito, a ponderação efectuada pela decisão recorrida, é absolutamente errada, constituindo um manifesto erro de julgamento, porquanto não se logra demonstrar, para efeitos de prova da manifestação de fortuna a origem dos fluxos financeiros, que não se pode bastar a assunção da existência de contratos de mútuo, destituídos de articulação com a realidade subjacente, baseando-se esta apreciação num juízo valorativo assente numa ponderação destituída de razoabilidade.

M. Para cumprir o ónus probatório que recaia sobre o Recorrente, no âmbito exigia-se uma prova de que este possuía os meios financeiros necessários à realização da manifestação de fortuna tipificada, mas quando o Tribunal admite para provar este facto, a existência de contratos de mútuos celebrados pelo pai do Recorrente e por um amigo, que não tem qualquer conformação legal e que visaram a celebração de negócios que não se efectivaram, com base na produção de prova testemunhal e em documentos particulares, fez uma errada valoração da prova, que não se pode considerar enquadrável nos poderes de livre convicção do julgador, sendo, salvo o devido respeito, pouco lógica e meramente subjectiva.

N. Considerou a AT, nas suas alegações de recurso que sendo objectivamente impossível de demonstrar, de forma razoável ou lógica a relação subjacente à realização dessas transferências, para a concretização de negócios não demonstrados, estas se podem considerar inexistentes .

O. A valorização da prova produzida evidencia, salvo o devido respeito, um manifesto erro de ponderação e de análise crítica, sendo os critérios utilizados desprovidos de razoabilidade, determinando a invalidade da decisão ora recorrida na parte que considerou parcialmente justificada a manifestação de fortuna.

P. E não pode ser decisivo para a admissibilidade do recurso a avaliação da capacidade financeira do pai do Recorrido para a realização desses empréstimos, que pese embora se considere que a mesma não exista, pela avaliação efectuada das declarações de rendimentos apresentadas, é o próprio acórdão que considera na pág. 53 que: " (...) nenhuma ilegalidade poderá existir no facto do pai e avô do Recorrente terem mantido fora do circuito financeiro controlado pelas entidades bancárias, valores pecuniários, mesmo que elevados", ou seja, estando sob julgamento a análise de que correspondiam à realidade os rendimentos declarados pelo Recorrente de que outra seria a manifestação da fortuna, são estas razões que devem ser avaliadas, para a mesma se considerar ou não justificada .

Q. A ser assim estar-se-ia a violar o regime das manifestações sucessivos, que exige que o Recorrente faça prova do trato sucessivo, não podendo a AT substituir-se a este comprovando ou não que o seu pai não teria capacidade financeira para fazer estes empréstimos.

R. A conjugação da prova produzida é claramente insuficiente, para lograr justificar um empréstimo e consequentemente permitir que o Recorrente justificasse determinadas transferências para a sua esfera pessoal.

S. E se foi considerado pelo Tribunal a quo no Facto Z que: "As transferências efectuadas em 2011 e 2012 por C…………. para a conta bancária do Recorrente, no montante global de €195.000,00, nos anos de 2009 e 2011, para a realização de negócios- facto dado como provado tendo em canta o teor dos documentos mencionados nas alíneas A9 e C9 (documento de confissão de divida subscrito e cheque emitido por A……….), conjugados com o depoimento da testemunha B………", o que está em causa é a existência de um erro notório na apreciação da prova, que não se confunde com a formação de uma convicção diferente face à prova produzida.

T. E a questão do erro notório na apreciação da prova, situa-se a jusante do erro de julgamento quanto aos factos, porquanto se considerou suficiente para ilidir a presunção da manifestação de fortuna da fonte do rendimento, empréstimos " nos valores de €180.000,00 em 2009 (com documento particular de confissão de dívida) e no montante de €75.000 em 2011, sendo que o primeiro empréstimo se destinou a prestar uma garantia do "BPN" da Suíça. tendo em vista a realização de um negócio ligado ao "betume", e o segundo empréstimo se destinou à aquisição de capital social de uma empresa situada na Nigéria, tendo em vista a realização de um negócio ligado ao petróleo (negócios esses que não se chegaram a concretizar). Afiançou que dos referidos empréstimos restituiu ao pai do aqui Recorrente €195 000,00 (75 000,00€+€120 000) em finais de 2011, princípios de 2012, através de transferências bancárias efectuadas para a conta do recorrente, por indicação do seu pai, tendo, posteriormente, restituído mais €44 000,00 (para pagamento do IMT devido pela aquisição da casa efectuada pelo recorrente) ".
U. Empréstimos esses que sendo de valor superior a 25.000,00€, não respeitaram a forma de escritura pública, nos termos do art. 1143.º do C.C., tedo a valoração efectuada pelo Tribunal violado o art. 364.º do C.C.
V. Salvo o devido respeito, a decisão do TAF errou na apreciação dos factos, ao não ter validado de forma adequada as declarações prestadas em sede de julgamento, atendendo à prova documental produzida e àquela que deveria ter sido efectuada pelo Recorrente.
W. Veja-se que o enquadramento legal da questão controvertida impõe que se faça a prova da origem dos movimentos financeiros, ou seja, a prova dos contratos de mútuo que suportaram as transferências.
X. A reanálise da prova testemunhal e documental que se requereu ao Tribunal com a interposição do recurso para o TCA Norte, não poderia assentar, para efeitos de cumprimento do ónus probatório, em "(...) concretos meios probatórios , constantes do processo ou do registo ou gravações nele realizadas, que em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados", porquanto é a própria valorização da prova produzida que evidencia um manifesto erro de ponderação e de análise crítica, sendo os critérios utilizados desprovidos de razoabilidade e violadores do princípio da legalidade.
Y. Assim, o entendimento propugnado na douta sentença, ao valorar erradamente a prova produzida, considerando como credível a existência de empréstimos , sustentados numa mera declaração de dívida, sem uma relação objectiva subjacente e em prova testemunhal prestada por uma pessoa com relações de amizade com o pai do ora Recorrido, há mais de 30 anos, padece de notório erro de julgamento , que não se pode, de todo, considerar como "uma das soluções plausíveis , mostrando-se, igualmente, ter sido proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção ".
Z. A impugnação não é genérica, pretende-se uma apreciação da prova que valore a prova produzida e que não se baste com uma fragilidade que põe em risco o regime da tributação por métodos indirectos.
AA. Sendo a própria lei que no que respeita à exigência de documento legal que determina que a prova de contrato de mútuo se faça com documento autêntico, autenticado ou particular, da prova efectuada não se revela a constituição de quaisquer contratos de mútuo, nem sequer a conexão entre estes e as transferências realizadas, sendo objectivamente impossível de provar, de forma razoável ou lógica a relação subjacente para a realização destas transferências, não se comprovando o circuito financeiro subjacente, não podendo ser considerado provado que o Recorrente fez prova da proveniência desses rendimentos, de modo a obstar à sua tributação com recurso à avaliação indirecta.
BB. Salvo o devido respeito, considera-se que deve ser considerado satisfeito o ónus de alegação, porquanto é patente que a decisão deve ser modelada em função dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade, o que não aconteceu, sendo a rejeição injustificada do recurso uma inegável violação destes princípios.
CC. Nos termos supra expostos, conclui-se que o acórdão ora recorrido não conheceu do recurso que lhe foi submetido para apreciação, devendo o vício de omissão de pronúncia ser julgado procedente com as devidas consequências legais.
Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o recurso por omissão de pronúncia ser julgado procedente, com as devidas consequências legais.


2- Contra-alegou a AT, nos termos de fls. 844 a 855 dos autos, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido no segmento impugnado pelo recorrente particular.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 864/865 dos autos, concluindo no sentido da inadmissibilidade de ambos os recursos, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista a que alude o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

4 – Em 4 de Julho de 2018 proferi despacho do seguinte teor:
“Da decisão do TCA-Norte recorrida apenas caberá recurso excepcional de revista nos termos do artigo 150.º do CPTA.
Os recursos foram, aliás, admitidos nos termos da referida disposição legal – cfr. despacho de fls. 856 dos autos – sem que nenhum dos recorrentes tenha cumprido o ónus de alegação dos pressupostos de que depende o recurso nem seja notória a necessidade destes.
Para evitar decisões-surpresa, notifique.
Prazo para resposta: 5 dias.
(…)”

Notificados os recorrentes do supra referido despacho - fls. 867/868 dos autos – veio a AT responder nos termos de fls. 871/872, invocando a necessidade do seu recurso “para uma melhor aplicação do direito” no que respeita à prova do contrato de mútuo, e o recorrente particular, nos termos de fls. 875, manifestando concordância com o teor do referido despacho.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

- Fundamentação -

5 – Matéria de facto
Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 771, verso, a 781, verso, dos autos).


6 – Apreciando.
6.1 Da admissibilidade dos recursos
Os presentes recursos foram admitidos ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA – cfr. despacho de fls. 856 dos autos -, como recursos excepcionais de revista portanto, havendo pois que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

No caso dos autos, nem a recorrente AT, nem o recorrente A……… procurou demonstrar na sua alegação a verificação in casu dos pressupostos do recurso excepcional de revista, não estando dispensados de o fazer porquanto não é evidente nem notória a necessidade da respectiva admissão, seja em razão da importância jurídica ou social fundamental da(s) questão(oes) decidenda(s), seja da sua manifesta necessidade para uma melhor aplicação do direito.
A recorrente AT procura, no seu recurso, que este STA reconheça a existência de nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido, alegadamente resultante do Tribunal Central Administrativo Norte não ter conhecido do recurso (da matéria de facto) que para ele interpusera.
Entendeu o TCA-Norte, no acórdão sob escrutínio, que tendo a Recorrente Fazenda Pública incumprido o ónus rigoroso que sobre si recaía – de, na alegação, não apenas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, bem como os concretos meios probatórios constantes do processo que, em sua opinião, impunham decisão diversa da adoptada na decisão recorrida -, tal implicava a imediata rejeição do seu recurso, dado que o seu único fundamento era precisamente o erro de julgamento da decisão da matéria de facto.
Ora, constitui jurisprudência pacífica e consolidada deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do artigo 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13, de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14, de 7 de Março de 2018, rec. n.º 55/18.
Sendo que, in casu, é manifesto que a alegada nulidade não se verifica, pois que o acórdão fundamenta a razão pela qual rejeitou o conhecimento do recurso da AT – a saber, o incumprimento do rigoroso ónus que impendia sobre a recorrente de indicação dos meios probatórios constantes do processo que imporiam, em seu entender, decisão diversa da adoptada na sentença recorrida -, o que, em face da jurisprudência consolidada e pacífica deste STA, e seguindo ainda a lição de ALBERTO DOS REIS, é motivo suficiente para que não se verifique a alegada nulidade por omissão de pronúncia (cfr., entre muitos outros, a título de exemplo, o Acórdão deste STA de 27 de Setembro de 2017, rec. n.º 1183/16).
Acresce que, a justificação avançada pelo acórdão recorrido para o não conhecimento do recurso se encontra legalmente justificada e em linha com a jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos, pelo que não se afigura que consubstancie erro de julgamento, ao menos grosseiro ou palmar, sendo que apenas estes justificam a admissão de revista excepcional.
Não será, pois, de admitir o recurso da AT.

E o mesmo se diga do recurso de A……….
Também este se absteve de alegar a verificação, in casu, dos pressupostos do recurso de revista, como aliás reconhece, reconhecendo ainda, em resposta ao despacho da Relatora, não haver lugar ao aperfeiçoamento da sua alegação.
As questões que pretendia ver revistas por este STA – a da validade da notificação efectuada ao mandatário e a não aceitação da pretendida demonstração de que a “fonte da manifestação de fortuna” fora a doação do seu avô –, não se afiguram, de forma manifesta, de especial complexidade ou relevo ou como tendo sido decididas de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo que a segunda contende, além do mais, com a apreciação dos factos levados ao probatório, sendo que, por disposição expressa da lei – cfr. o n.º 4 do artigo 150.º do CPTA – o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é o caso dos autos, pois que em causa não está a doação – cuja existência se encontra documentalmente provada-, mas que esta seja a fonte do acréscimo de património ou despesa justificativo da tributação.

Os recursos não serão, pois, admitidos, por não verificação dos respectivos pressupostos legais.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir os presentes recursos, por se julgar não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 19 de Setembro de 2018. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – António Pimpão.