Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0521/08
Data do Acordão:10/09/2008
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:LICENCIAMENTO DE OBRAS
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
PARECER PRÉVIO
Sumário:Se de acordo com o PDM, um determinado prédio rústico está numa parte classificado como espaço urbano e noutra tem a classificação de espaço agrícola de nível 1, não está sujeito ao parecer prévio favorável obrigatório previsto no art. 9º/1 do DL nº 196/89, de 14 de Junho, o licenciamento para nele implantar uma edificação para habitação se a construção a levar a cabo se restringe à área classificada de espaço urbano.
Nº Convencional:JSTA0009573
Nº do Documento:SA1200810090521
Recorrente:PRES DA CM DE SINTRA
Recorrido 1:A... E OUTRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
A… e outras, já devidamente identificados nos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, de 2003.09.19, que indeferiu o pedido de licenciamento da obra a que se reporta o processo OB 1305/2001.
Por sentença de 21 de Setembro de 2008, a fls. 105-117, o TAC julgou procedente o recurso contencioso e determinou a anulação do despacho impugnado.
1.1. Inconformado, o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, recorre para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Mal andou, salvo melhor opinião e com o muito respeito devido por opinião contrária, o meritíssimo “juiz a quo” ao julgar procedente o presente recurso contencioso e
2ª- Em consequência determinar a anulação do despacho de indeferimento do pedido de licenciamento formulado pelos ora recorridos relativo ao terreno sito em ..., designado de …, processo OB 1305/2001, datado de 19/09/03 e praticado pelo Exmº Senhor Presidente da Câmara Municipal de Sintra na medida em que, repita-se, na nossa modesta opinião o mesmo não padecer de qualquer ilegalidade, nomeadamente não padece de vício de violação de lei, porquanto,
3ª- Face à matéria de facto dada como provada, designadamente nas alíneas c) a h) do probatório, e apesar de existir um parecer prévio favorável o mesmo era condicional ao cumprimento do disposto no Dec-Lei nº 196/89, de 14 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelos Dec-Lei nºs 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95, de 25 de Outubro;
4ª Porquanto e de acordo com a Carta de Condicionantes do Plano Director Municipal de Sintra, aprovado em 1999 o terreno objecto da pretensão de licenciamento formulada encontra-se, pelo menos numa grande parte, inserido em RAN;
5ª Pelo que, na nossa modesta opinião, quando o pedido de licenciamento dá entrada nos serviços da CMS em 28/06/01, os ora recorridos teriam de ter solicitado e obtido parecer prévio favorável da Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, o que não ocorreu;
6ª Razão pela qual o parecer prévio favorável (condicionado) não é vinculativo para a CMS;
7ª- Até porque a falta do parecer da DRARO sempre acarretaria a nulidade do acto administrativo praticado sem tal formalidade, cfr. disposições conjugadas dos arts. 9º, nº 1 e 34º do Regime da RAN (DL nº 196/89, de 14 de Junho, na redacção que lhe foi dada pelos Dec-Lei nºs 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95, de 25 de Outubro);
8ª- Por outro lado, por consulta levada a cabo pela CMS, a DRARO pronunciou-se desfavoravelmente, donde, sob pena de se praticar um acto passível de nulidade, nunca o pedido de licenciamento formulado pelos ora recorrentes poderia ser deferido, cfr. art. 54º, nº 2, al. a) do Dec-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro;
9ª- Razão pela qual nunca poderíamos estar perante um acto constitutivo de direitos;
10ª- E, por isso, o acto praticado pelo Exmº Senhor Presidente da CMS, datado de 19/09/2003, não padece de qualquer vício de violação de lei.
Termos em que e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, tudo com as legais consequências.
1.2. Os impugnantes, ora recorridos, contra-alegaram, formulando as seguintes conclusões:
1. Os ora recorridos cumpriram no seu pedido de licenciamento os condicionalismos constantes do pedido de informação prévia, a qual mereceu parecer favorável tendo já em conta que o imóvel se situava cerca de 2/3 em RAN e 1/3 em espaço urbano (alíneas c) e h) dos factos provados).
2. Não tinha deste modo de haver qualquer parecer prévio da DRARO, dado que a construção se inseria no espaço qualificado como urbano (cfr. art. 7º, nº 1 do Dec. Lei 196/89.
3. Bem decidiu assim o Meritíssimo Juiz “a quo” ao julgar procedente o recurso contencioso e ao determinar a anulação do despacho de indeferimento recorrido, dado que, e o contrário do defendido pelo recorrente, o mesmo violou efectivamente o preceituado nos arts. 13º e 14º do Dec.Lei 445/91, de 20/11, o disposto nos arts. 7º, nº 1, al. b) e 32º, nº 6 do Dec. Lei 196/89 de 14/06, este último com a redacção dada pelo Dec.Lei 274/92, de 12.12,
4. bem como o disposto no art. 140º do CPA, sendo por isso anulável nos termos do art. 135º do CPA,
5. donde, a Sentença recorrida não merece qualquer reparo.
1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“1. O recorrente assaca à douta sentença recorrida erro de julgamento subjacente à anulação do impugnado acto de indeferimento do pedido de licenciamento de obra com fundamento em violação dos arts. 13º e 14º do DL nº 445/91, de 20 de Novembro, dos arts.7º, nº 1, al. b) e 32º, nº 6 do DL nº 196/89, de 14 de Junho, redacção do DL nº 274/92, de 12 de Dezembro e do disposto no art. 140º, nº 1, b) do CPA.
Alega, em suma, que o parecer prévio favorável foi condicionado ao cumprimento do disposto no DL nº 196/89, de 14 de Junho, que o terreno objecto da pretensão de licenciamento se encontra, pelo menos em grande parte, inserido na RAN, e que, por isso, o correspondente deferimento estava dependente de parecer prévio favorável da Direcção Regional da Agricultura do Ribatejo e Oeste (DRARO), o qual, sendo negativo, impede, sob pena de nulidade, o deferimento do pedido de licenciamento.
Em nosso parecer o recurso não merecerá provimento.
2. Estando em causa, ao invés do alegado pelo recorrente, o facto de o imóvel se situar, em grande parte, na zona da RAN.
O que se discute e foi apreciado na douta sentença em apreço é justamente saber se procede ou não o fundamento invocado no acto contenciosamente recorrido de que todo o terreno se integra na área da reserva agrícola nacional, de acordo com a informação/parecer da DRARO, impedindo a sua utilização para fins urbanos e, por isso, o deferimento do licenciamento.
A sentença recorrida concluiu negativamente, tendo presente que a pretensão construtiva do requerente, objecto de precedente informação prévia favorável, se restringe ao espaço disponível daquele imóvel classificado de Espaço Urbano, correspondente a cerca de 1/3 da sua área, nos termos da carta de ordenamento do PDM de Sintra – cfr. matéria de facto assente sob as als. c) e f).
Para tanto, a sentença considerou – a nosso ver, bem – que a classificação desse preciso espaço como Espaço Urbano, constante da carta de ordenamento do PDM, prevalece sobre a integração de todo o imóvel na RAN, em conformidade com a definição da respectiva área efectuada pela carta anexa à Portaria nº 651/93, de 7 de Julho, por força da derrogação da mesma carta, nesta parte, por aquela classificação, nos termos das disposições conjugadas nos arts. 32º, nº 6 e 7º, b), ambos do DL nº 196/89, de 14 de Junho, redacção do DL nº 274/92, de 12 de Dezembro, e do art. 15º do PDM de Sintra, ratificado pela RCM nº 116/99, de 16 de Setembro in DR I-B, de 4/10/99.
Consequentemente, não estando, nesta parte, o terreno sujeito às condicionantes da reserva agrícola, por estar classificado como Espaço Urbano, as quais são aplicáveis unicamente na área remanescente classificada como Espaço Agrícola Nível 1, bem se decidiu também, em nossa opinião, não haver lugar, a parecer prévio da DRARO, atento ao disposto no art. 9º, nº 1 daquele DL nº 196/89.
Ora, como se referiu, o recorrente limita-se a argumentar o contrário com base na genérica afirmação de que o terreno objecto da pretensão de licenciamento se encontra, pelo menos em grande parte, inserido na RAN.
Assim, o recorrente abstém-se verdadeiramente de impugnar os concretos pressupostos da anulação do acto em que assentou a sentença recorrida, a qual denota ter feito correcta interpretação e aplicação de lei, não enfermando do erro de julgamento que o mesmo lhe imputa.
3.
Improcedendo todas as conclusões das alegações do recorrente, deverá, em nosso parecer, ser negado provimento ao recurso.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 OS FACTOS
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
a) O recorrente por si e em representação das demais recorrentes, como comproprietários de prédio rústico denominado “…”, com a área de 3040 m2, sito em ..., freguesia de São João da Lampas, concelho de Sintra, inscrito na matriz cadastral respectiva sob o nº 71, Secção OO e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº 7461;
b) Em 17.05.2000 solicitou junto da Câmara Municipal de Sintra pedido de Informação Prévia sobre a possibilidade de construir um edifício nesse imóvel,
c) Na memória descritiva e justificativa junta referia-se: “ O requerente possui um prédio rústico na freguesia de S. João das Lampas, denominado …, registado com o nº 71, Secção OO, com um área de 3040 m2, no lugar de ...,// Segundo as Cartas de Ordenamento do P.D.M. a propriedade é bipartida por duas classes de espaço: urbano na faixa Norte, correspondente a cerca de 1/3 e os restantes 2/3 em espaço agrícola de nível 1 ou seja em R.A.N.// Dada a localização da propriedade, o requerente vem solicitar a autorização de levar a efeito no espaço urbano disponível um edifício que contemple uma moradia bifamiliar geminada com o máximo de 2 pisos. O logradouro ficará comum e o espaço designado como agrícola será utilizado e explorado para esse fim e pertença das duas famílias // A área de construção total requerida oscilará entre 300 e 350 m2.;
d) Sobre tal pedido recaiu informação técnica datada de 25.10.2000, onde se conclui: “Considera-se que a pretensão do requerente merece parecer favorável condicionado aos condicionamentos acima referidos”.
e) Em tal informação consta despacho de “Concordo” da Chefe de Divisão …, de 31.10.2000, a assinatura do Director do Departamento do Urbanismo, … a 08.11.2000, e a Rubrica do Vereador …, de 10.11.2000;
f) Dessa infirmação técnica consta, além do mais: «3. ENQUADRAMENTO URBANÍSTICO/ O prédio em análise insere-se, de acordo com o Plano Director Municipal (RCM nº 116/99 de 4 de Outubro) na seguinte classificação:/ - Espaço Urbano, do núcleo do ...; / - Espaço Agrícola nível 1.// O terreno encontra-se abrangido pelo Plano de Ordenamento do Parque Natural Sintra Cascais (Dec. Reg. Nº 9/94 de 11 de Março), com a seguinte classificação: - Área de Ambiente Urbano Indiferenciado; - Área de Ambiente Rural de Média Protecção.
g) 4. SERVIDÕES E RESTRIÇÕES DE UTILIDADE PÚBLICA / O terreno está, de acordo com a carta de condicionantes do PDM, sujeito ao regime da RAN, na área correspondente à classificação de espaço agrícola nível 1, devendo respeitar o definido no Dec Lei nº 196/89 alterado pelo Dec.Lei nº 274/92,
h) 5. CONDICIONAMENTOS A VERIFICAR // De acordo com o definido nos elementos de planeamento eficazes e legislação aplicável ao presente pedido, impõem-se os seguintes condicionamentos: / - A construção deverá implantar-se exclusivamente dentro do perímetro urbano (faixa de 35 m de largura a partir do limite norte da propriedade); / - Área de construção máxima acima do solo 200 m2; / - Nº de fogos máximo = 1; / Cércea máxima, de acordo com a definição constante do PDM é de 6,5 m./ - Os afastamentos mínimos da construção aos limites da propriedade são: /Lateral – 5 m (admitindo-se pontualmente 3 m, no caso de não existirem vãos de compartimentos habitáveis) // - Frontal – 3 m; / - Tardoz – 85 m (para cumprimento do regime da RAN./ Os muros de vedação, a existirem, deverão ter altura máxima de 1,00 m, admitindo-se acima desse valor a colocação de sebes vivas (ou rede metálica aberta). / - Deve respeitar os valores e enquadramentos arquitectónicos e paisagísticos relevantes./ Deve respeitar as normas regulamentares em vigor.// - As cores e materiais a aplicar em acabamento exterior da construção deverá cumprir o disposto pelo Dec. Reg 9/94.
i) Por requerimento datado de 25/05/2001, e dirigido ao Sr. Presidente da CMS, o recorrente solicitou pedido de licenciamento da obra, nos termos do art. 14º e seguintes do Dec. Lei 445/91, de 20/11;
j) Relativo a tal pedido foi produzida informação desfavorável em 30.10.2001, dizendo-se “O projecto de arquitectura encontra-se em situação irregular, a qual foi objecto de especificação na informação técnica anterior, pelo que se propõe o INDEFERIMENTO do pedido de licenciamento da obra, com os fundamentos descritos na informação, devendo o requerente ser notificado (…);
k) O recorrente foi notificado da informação e para se pronunciar em 30 dias;
l) Respondeu por carta de 21.06.2002 manifestando a sua estranheza com o indeferimento, solicitando a rectificação do despacho de inviabilização do processo;
m) Consta informação dos serviços dizendo: De acordo com a análise do processo o artigo encontra-se todo dentro da reserva agrícola nacional (RAN – ver extractos das cartas da RAN), tendo sido dado um parecer desfavorável em 30.10.2001. // em 20.06.2001 o requerente fez uma exposição onde junta cópia de uma informação prévia com teor favorável, encontrando-se esta com teor favorável à data da entrada do processo em avaliação./ Face ao exposto julga-se de solicitar parecer jurídico no sentido de informar quais os procedimentos a ter dado que o artigo se encontra dentro da RAN”;
n) Continuando “Ao analisar-se a questão atrás referida, verifica-se que de acordo com o PDM o terreno está classificado com espaço urbano e agrícola de nível 1. A pretensão localiza-se em espaço urbano./ Face à questão levantada pela Engª …, e dado ter sido emitido um parecer favorável a uma informação prévia para a construção de uma moradia nesse mesmo prédio, e que se encontra válida, julga-se face à discrepância existente entre o PDM e a carta de condicionamentos, deveria ser consultada a DRARO. AO Gabinete de Apoio Jurídico da DUR para parecer. 26.07.2002”.
o) Segue parecer jurídico de 26.08.2002 dizendo: “Atenta a existência de informação prévia favorável e tempestiva (o pedido foi formulado dentro do prazo de 1 ano após a emissão da dita informação) e o facto de a construção se localizar em, espaço urbano – embora o terreno também pareça área classificada como RAN – afigura-se dever a CMS respeitar o acto constitutivo do direito antes praticado, não se verificando, dada a implantação e de acordo com a Sr. Chefe de Divisão da Zona A, inconveniente na sua aceitação”;
p) Posteriormente foi prestada informação de “Face ao parecer do Dr. … de 26.08.2002, e ao solicitado em 26.11.2002 pela Srª Directora do Departamento de Urbanismo, Arquitecta …, deixa-se à consideração Superior. A que se segue “O projecto de arquitectura reúne os requisitos legais com vista à sua APROVAÇÃO.
q) Em 08.01.2003 o Director do Departamento do PEU de Sintra pediu parecer ao Director da DRARO, enviando elementos – ofício de fls. 90 do instrutor; a que se segue pedido de mais elementos pela DRARO em 19.02.2003 e envio a 02.04.2003;
r) A DRARO responde por ofício de 16.06.2003 dizendo “No seguimento do pedido sobre classificação de um solo sito … cumpre informar … que de acordo com a Portaria nº 651/93 de 07/07, que publica a carta da Reserva Agrícola do referido concelho, a área em apreço situa-se dentro da Reserva Agrícola Nacional, de acordo com a planta anexa devidamente autenticada”;
s) Na sequência da informação mencionada em j) consta mais: “Tendo decorrido o prazo legalmente estabelecido para resposta à notificação … de 30.11.2001, e não tendo sido sanadas as deficiências assinaladas, propõe-se o INDEFERIMENTO do pedido de licenciamento da obra, com os fundamentos descritos na informação acima efectuada, devendo o requerente ser notificado nos termos do art. 66º do CPA”;
t) E ainda “Em 30.10.2001 foi feita uma informação técnica com teor desfavorável dado que o terreno se encontra classificado como RAN (o requerente foi notificado em 10.11.2001”. // Em 27.11.2002 foi feita nova informação técnica com teor favorável dado que o requerente fez uma exposição que foi objecto de análise por parte do Sr. Dr. …, tendo este dado parecer favorável à exposição do requerente. No entanto a Sra. Directora de Departamento de Urbanismo, Arqª … solicitou um parecer à DRARO.// em 16.06.2003 a DRARO comunicou à Câmara Municipal de Sintra que o terreno se encontra em RAN, pelo que se julga de manter o parecer desfavorável de 30.10.2002.// Nota: Em 2/07/2003 o requerente solicitou um deferimento tácito ao parecer da DRARO, que teve um parecer jurídico desfavorável”. Datado de 22.08.2002;
u) Sobre a mesma foi aposto “Concordo” de 19.09.2003, e despacho de INDEFIRO do Sr. Presidente da Câmara da mesma data.
2.2. O DIREITO
A sentença recorrida julgou que o acto contenciosamente impugnado, de indeferimento de pedido de licenciamento de obra, está ferido de vício de violação de lei, por desrespeito do disposto nos arts. 13º e 14º DL nº 445/91, de 20.11, 7º, nº 1, al. b) e 32º, nº 6 do DL nº 196/89, de 14.6, com a redacção dada pelo DL nº 274/92, de 12.12, bem como do art. 140º, nº 1, al, b) do CPA.
A autoridade autora do acto, ora recorrente, não se conforma com a decisão judicial, assacando-lhe erro de julgamento. A sua argumentação tem como ponto axial o facto de o prédio rústico indicado para a implantação da obra se encontrar, “pelo menos numa grande parte inserido em Reserva Agrícola Nacional” (RAN) e, por conseguinte sujeito a prévio parecer obrigatório da Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste (DRARO)
A decisão judicial deu como assente que a edificação pretendida está localizada em espaço urbano [vide alínea n) do probatório], portanto, excluído da RAN, facto que tem, entre outras, as seguintes consequências: (i) não é imperiosa a precedência do parecer prévio favorável previsto no art. 9º/1 do DL nº 196/89, de 14 de Junho, (ii) a obra não está sujeita às proibições e/ ou condicionamentos impostos pelo mesmo diploma legal, (iii) a informação prévia favorável de 10 de Novembro de 2000 é constitutiva de direitos e a respectiva revogação, pelo acto impugnado, viola o disposto no art. 140º/1/b) do CPA.
Tudo muda se o local da obra estiver inserido em área de RAN. Então (i) aquele parecer será obrigatório, (ii) na sua falta a informação prévia será nula (art. 34º do DL nº 196/89), de revogação impossível, (iii) logo o ulterior acto de indeferimento do pedido de licenciamento, não desrespeitará o regime legal de revogação dos actos administrativos.
Vejamos, pois.
Segundo a sentença, o prédio rústico no qual a obra será implantada está abrangido pelo PDM de Sintra, sendo que, de acordo com este instrumento de planificação urbanística, tal prédio está, numa parte (cerca de 1/3) classificado como espaço urbano, do núcleo do ... e na parte restante (2/3) tem a classificação de espaço agrícola de nível 1.
Ainda segundo o tribunal a quo a construção será levada a cabo, exclusivamente, na parte classificada como espaço urbano.
A autoridade recorrida, ora recorrente, não diz o contrário. Na sua alegação aceita, numa elocução inequívoca que “o terreno em questão encontrava-se em classificações de espaços diferentes, daí os diversos condicionantes” (sic). Mas, logo a seguir, esclarece a razão única na qual radica o seu entendimento de que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento. Passamos a citar: “ o terreno em questão encontrava-se em classes de espaço distintas, daí, no nosso modesto entendimento e contrariamente ao decidido, era necessário o pedido formulado à DRARO”.
Está, assim, enunciada a questão que importa dilucidar no presente recurso jurisdicional.
De acordo com o art. 9º/1 do DL nº 196/89, de 14 de Junho, “carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas, relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN”.
Ora, no caso em apreço está assente que a pretensão construtiva do requerente se restringe ao espaço do prédio rústico classificado de espaço urbano, correspondente a cerca de 1/3 da sua área. Deste modo, é inequívoco que a edificação proposta e que foi objecto de precedente informação prévia favorável, não consubstancia uma utilização não agrícola de solo integrado na RAN, logo não carece de prévio parecer favorável da DRARO. Conclusão esta que não é abalada pela circunstância particular de, no caso em apreço, o prédio rústico ser atravessado e dividido pela linha que no PDM separa a área urbana da área agrícola e, no seu conjunto ter uma classificação mista (urbana/agrícola) de classes de espaço. Se há uma parte (1/3) classificada de espaço urbano, nessa fracção, o solo não faz parte da RAN e não é abrangido pelo âmbito da previsão da norma do art. 9º/1 do DL nº 196/89 de 14 de Junho. E este mesmo diploma não contém qualquer norma excepcional que sujeite a parecer prévio a utilização da parte urbana dos prédios nesta situação específica de classificação bipartida do respectivo espaço global.
Assim, claudica a argumentação da autoridade recorrente, improcedendo todas as conclusões da sua alegação.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 9 de Outubro de 2008. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Edmundo António Vasco Moscoso – João Manuel Belchior.