Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0253/15
Data do Acordão:04/15/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:DIREITO DE RETENÇÃO
PEDIDO DE ANULAÇÃO DA VENDA
Sumário:I - O ónus a que se refere o artigo 257º, nº 1, al. a), do CPPT tem o sentido de uma limitação ou gravame do direito do adquirente face às expectativas que gizaram a aquisição, e que só por este pode ser invocado para o efeito de anular a venda, como claramente resulta do que dispõe o artigo 838º, nº 1, do CPC (anterior artigo 908º, nº 1) e, por conseguinte, o retentor não tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento no seu direito de retenção.
II - Ao promitente-comprador que goze do direito de retenção sobre o prédio penhorado é facultado o direito de reclamar o seu crédito no processo de execução, a fim de ser pago pelo produto da venda no âmbito desse processo, a par dos demais credores, tendo em conta o privilégio creditório que lhe é conferido por esse direito de retenção, e por aqui se queda esse seu direito, que caduca com a venda.
III - É, pois, através da reclamação de créditos na execução que o promitente-comprador pode fazer valer o seu direito, obtendo o pagamento do que legalmente lhe é devido pelo logro do cumprimento do contrato que celebrou com o executado.
IV - Só os intervenientes no processo de execução têm interesse na venda, e, por conseguinte legitimidade para pedir a sua anulação com fundamento em irregularidades que possam nela ter influência.
Nº Convencional:JSTA00069146
Nº do Documento:SA2201504150253
Data de Entrada:03/03/2015
Recorrente:A...............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF FUNCHAL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CONST97 ART20 ART65.
LGT98 ART12 N3 ART65.
CPPTRIB99 ART9 ART239 ART240 ART242 ART249 ART257 N1 N3 ART276.
CPC96 ART201 ART817 N1 B ART908 ART909.
CPC13 ART838 N1.
CCIV66 ART759 N1 N2 ART824.
L 64-B/11 DE 2011/12/30.
Jurisprudência Nacional:AC TCAS PROC06940/13 DE 2013/10/31.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED VOLIV PAG193-197.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A..........., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a reclamação que deduziu, na qualidade de titular de direito de retenção sobre o prédio urbano vendido na execução fiscal nº 2810200701053558 e apensos, contra o acto de indeferimento tácito do pedido de anulação de venda desse imóvel, levada a cabo no processo de execução fiscal, instaurado no Serviço de Finanças do Funchal-1 contra B………….

1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a Reclamação do Recorrido relativamente à anulação da venda em processo de execução fiscal.

B. Contudo, o Recorrente não pode concordar com a decisão proferida.

C. Porquanto, o Recorrente é titular de direito de retenção sobre a fração autónoma objeto da venda.

D. Tal direito de retenção deriva dos contratos-promessa celebrados pelo Recorrente e sua mãe com o executado.

E. Tal direito não é posto em causa nem pela Fazenda Pública nem pelo Tribunal a quo.

F. Apesar de o Tribunal a quo entender que para requerer a anulação da venda, apenas têm legitimidade o executado, o preferente ou o remidor, importa relembrar que o ora Recorrente não é um terceiro qualquer, mas sim o morador daquela fração pela qual pagou integralmente o preço e ainda não procedeu à celebração do contrato prometido.

G. A referida fração foi alienada sem que fosse visitada por quem quer que seja.

H. O artigo 20º da CRP consagra o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos interesses e direitos legalmente protegidos.

I. Tal preceito constitucional é concretizado no âmbito fiscal no artigo 9º da LGT.

J. O único meio ao dispor do Recorrente para conseguir proteger o seu direito é através da anulação da venda, uma vez que apenas teve conhecimento de que a habitação onde reside tinha sido alienada já depois dessa venda, não tendo por isso oportunidade de socorrer-se de quaisquer outros meios que a lei põe ao seu dispor.

K. Note-se que o direito do Recorrente não se resume a um mero direito de crédito, como também ao seu direito de habitação constitucionalmente consagrado no artigo 65º da CRP.

L. O ora Recorrente é profundamente prejudicado com a não anulação da venda, inclusive ainda mais do que o Executado porque este para além de ter recebido o preço pago pela aquisição da referida fração pelo Recorrente, vê-se livre de uma dívida fiscal e do processo executivo à custa da alienação de um bem que já não lhe pertence e sobre o qual não tem qualquer tipo de interesse.

M. Ou seja, prejudica-se um terceiro de boa-fé e favorece-se o contribuinte incumpridor.

N. No artigo 65º da LGT prevê-se que podem intervir no procedimento tributário todos aqueles que possam ser afetados pela decisão.

O. Ora tal princípio também deveria aplicar-se in casu.

P. E toda esta problemática resulta unicamente do facto de que não houve a publicitação da venda da fração autónoma.

Q. Conforme ficou provado pelo Tribunal a quo a única publicitação que se assistiu da venda cingiu-se à afixação de um edital no Serviço de Finanças em causa.

R. Se é verdade que a redação atual do 249º do CPPT relativo à publicidade da venda apenas obriga à divulgação pela Internet.

S. Também é verdade que a redação daquele mesmo artigo com referência à data de início do processo de execução fiscal era outra.

T. Aliás, tal alteração apenas veio a ocorrer com a LOE de 2012, sendo claro que não se aplicaria aos processos pendentes como era o caso.

U. Assim, antes da alteração pela LOE de 2012 era obrigatório, para além da divulgação na Internet, a afixação de um edital no Serviço de Finanças competente, na Junta de Freguesia respetiva e principalmente na porta do prédio objeto da venda e ainda um anúncio num dos jornais mais lidos do lugar da execução ou localização dos bens com a antecedência de 10 dias úteis.

V. O que não se cumpriu, eliminando-se assim a possibilidade de o ora Recorrente tomar conhecimento do que se estava a passar em relação à sua fração autónoma e de tomar as devidas medidas para acautelar o seu direito.

W. Apesar de o nº 3 do artigo 13º da LGT ditar que as normas sobre processo tributário são de aplicação imediata, a verdade é que naquele mesmo preceito se salvaguarda os direitos, liberdades e garantias anteriormente constituídos.

X. Ora, ao exigir-se antes da LOE de 2012, a verificação de todas aquelas formalidades, estava-se a garantir a proteção quer do executado como de eventuais interessados.

Y. Mesmo que se entenda que a alteração do artigo 249º do CPPT pela LOE 2012 se aplica aos processos pendentes à data e consequentemente aplicando-se ao presente caso, não nos podemos esquecer o que dispõe o CPC, que se aplica subsidiariamente por força do artigo 2º do CPPT relativamente a esta matéria.

Z. Assim, por força da alínea b) do nº 1 do artigo 817º do CPC seria sempre obrigatória a afixação de um edital na porta do prédio urbano a vender.

AA. A ratio legis da necessidade de tal formalidade consiste, conforme refere o Tribunal da Relação do Porto de 10/03/2009, relator C…………, disponível em www.dgsi.pt, “(...) em garantir que a venda a efetuar seja do conhecimento esclarecido do maior número de pessoas, potenciais proponentes (...)”.

BB. A preterição de tal formalidade constitui uma nulidade processual nos termos do artigo 195º do CPC ex vi pelo artigo 2º do CPPT, que terá como consequência a anulação da venda.

CC. Insiste-se: é inconcebível que a casa onde o Recorrente reside há mais de treze anos tenha sido vendida sem que o mesmo tenha tido conhecimento dessa situação, sem que alguém tenha vindo visitá-la e sem que tenha sido notificado nesse sentido quando a Administração Tributária sabia e não podia ignorar que o Recorrente residia na mesma já que a mesma corresponde à morada fiscal do mesmo!

DD. Não se aceita que para se vender uma residência, direito com relevo constitucional, se baste com uma divulgação na internet!

EE. Exigir que os contribuintes consultem diariamente o site das Finanças de modo a verificar se o prédio onde reside será objeto de uma venda é completamente impraticável.

FF. O mesmo se diga em relação ao edital no Serviço de Finanças: é impossível que, diariamente, os contribuintes se dirijam a tal serviço como mesmo objetivo.

GG. A mera publicitação na Internet toma o procedimento de alienação num sistema obscuro e apenas acessível a alguns contribuintes.

HH. Compreende-se o interesse público relativo à cobrança de receitas das entidades de direito público, mas tal não interesse não se poderá sobrepor as garantias dos contribuintes e mais do que isso ao direito constitucional de habitação.

II. É inconcebível que se aliene um apartamento por uma dívida que não ultrapassa os cinco mil euros, deixando uma família que nada tem a ver com o processo, que não incumpriu com as suas obrigações, desalojada.

JJ. Ao permitir-se que a seja vendida a fração autónoma apenas com uma mera divulgação eletrónica e um edital no Serviço de Finanças assiste-se a um verdadeiro retrocesso social e à consagração de um sistema processual obscuro, injusto e usurpador da propriedade privada, mais, deixam de interessar os meios para alcançar os fins.

KK. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou os artigos 249º do CPPT na redação anterior à LOE de 2012, ou, caso assim não entenda, violou a alínea b) do nº 1 do artigo 817º do CPC, aplicável ex vi pelo artigo 2º do CPPT e ainda os artigos 257º e 9º do CPPT, os artigos 20º e 65º da CRP e os artigos 9º e o 65º da LGT.


1.2. A Fazenda Pública apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, e que concluiu da seguinte forma:

A. O ora recorrente não tem legitimidade para requerer a anulação de venda com fundamento na desconsideração de um ónus real, à luz da alínea a) do nº 1 do artigo 257º do CPPT, designadamente por força de um alegado direito de retenção sobre o imóvel alienado, por não ser executado, preferente ou remidor nos autos de execução fiscal e não ser, assim, titular de interesse relevante que lhe confira legitimidade processual.

B. De igual modo, não tem o recorrente legitimidade para requerer a anulação de venda com fundamento em falta de publicidade da mesma, à luz do disposto artigo 249º do CPPT.

C. Contudo, mesmo que assim não se entendesse, o argumento da falta de publicidade da venda apresentado pelo recorrente jamais poderia merecer acolhimento.

D. Dispõe o nº 3 do artigo 12º da Lei Geral Tributária (LGT) que “As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”.

E. Sendo o artigo 249º do CPPT uma norma processual, no que à publicidade da venda em execução fiscal diz respeito, não restam dúvidas que a redação que lhe foi dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro, tem aplicação imediata a todos os processos de execução fiscal pendentes, como foi o caso dos autos de execução fiscal ora controvertidos,

F. Sendo que a ressalva feita na parte final do sobredito nº 3 do artigo 12º da LGT, quanto à salvaguarda das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes, prende-se com o respeito pelos meios de reação que os contribuintes tinham ao seu dispor antes da entrada em vigor de uma nova norma procedimental ou processual.

G. Dito isto, também não colhe a invocada violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 817º do CPC, pois as normas do processo civil aplicam-se apenas subsidiariamente, por forma a preencher as lacunas eventualmente existentes no CPPT, diploma que assume a qualidade de lei especial quanto ao procedimento e processo tributário.

H. Tal lacuna não existe no caso concreto, pois o artigo 249º do CPPT estatui as regras especiais da publicidade da venda coerciva efetuada na execução fiscal, não havendo, assim aplicação subsidiária do artigo 817º, nº 1, alínea b) do CPC,

I. Tendo sido dados como factos provados a publicitação da venda no Portal das Finanças, por meio de leilão eletrónico e a afixação de edital de convocação de credores e venda judicial e anúncio no Serviço de Finanças do Funchal-1, pelo que, contrariamente ao que pretende fazer valer o recorrente, foram cumpridas as formalidades legais de publicitação e convocação de todos os credores, incluindo os desconhecidos, nos termos do nº 2 do artigo 239º e 242º do CPPT.


1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«O ora Reclamante é beneficiário da promessa de compra e venda a que alude o ponto 21 do conjunto dos factos provados. Contudo, não resulta claramente do probatório da sentença que tenha havido traditio rei. […].
Poderá, pois, questionar-se, face ao universo dos factos provados, a existência do direito de retenção em que se suporta o discurso recursivo.
Admitindo, porém, a existência desse direito sempre se dirá que o mesmo, como direito real de garantia que é, caduca com a venda na execução fiscal, transferindo-se para o produto da venda a preferência no pagamento que o mesmo confere (arts. 759º, nº 1 e 824º n.ºs 2 e 3, ambos do C.Civil).
Questão é saber se, ainda assim, o ora Recorrente pode obter a pretendida anulação da venda. […]
No pedido que formulou na Reclamação o ora Recorrente invocou a violação do art. 249º do CPPT e do art. 817º, nº 1 do NCPC, preceitos que se referem à publicidade da venda, invocando ainda o disposto no arts. 195º, 838º e 839º, todos do NCPC, sendo o primeiro relativo às regras gerais sobre a nulidade dos actos e os demais atinentes aos motivos que podem legitimar o pedido de anulação de venda. Alicerçou ainda o Reclamante (ora Recorrente) a sua pretensão da anulação da venda na falta de reconhecimento do direito de retenção sobre o bem vendido.
Sendo manifesto que os fundamentos invocados para a anulação da venda não cabem nas hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do nº 1, do art. 257º do CPPT, e no nº 1 do art. 838º do NCPC [Os ónus e limitações relevantes serão as que não caducam com a venda na execução - Ac. STA de 13.01.2010 - Rec. n.º 0802/09], também parece certo que os mesmos não cabem nas hipóteses previstas nas alíneas a), b) e d), do nº 1 do art. 839º do NCPC. E aferindo-se a legitimidade activa para a anulação de venda pelo fundamento que servir de base ao pedido, não parece que essa legitimidade possa ser invocada no que concerne ao fundamento que o Reclamante, ora Recorrente, ancora na al. a) do nº 1, do art. 257º do CPPT e no art. 838º do NCPC (cfr. CPPT, vol. IV, 6.ª edição, pág. 193).
Por outro lado, não constituindo a falta de reconhecimento do direito de retenção, enquanto tal, fundamento válido de pedido de anulação de venda em execução fiscal, questão que o ora Recorrente, de resto, nem sequer inclui na sua argumentação recursiva, sobeja a situação contemplada na al. c) do 839º do NCPC, que prevê que a venda fique sem efeito se for anulado o acto da venda com fundamento na existência de nulidades processuais, nos termos do disposto no art. 195º do NCPC. […]
Sucede que no caso em apreço, ao invés do que alega o ora Recorrente, não foram omitidas quaisquer formalidades legais que devessem ter sido observadas na publicitação da questionada venda. […]
No caso vertente, o que resulta dos factos provados é que, determinada a venda através de leilão electrónico, foi emitido pelo Serviço de Finanças, com data de 12.11.2013, edital de convocação de credores e venda judicial, o qual foi afixado no Serviço de Finanças Funchal 1 (pontos 11 e 12 do probatório).
Sustenta o ora Recorrente que a alteração do art. 249º do CPPT operada pela LOE de 2012 era inaplicável ao caso e que, mesmo que assim não fosse, sempre haveria que dar cumprimento ao disposto na al. b) do nº 1 do art. 817º do NCPC, aplicável ex vi do art. 2º do CPPT.
Mas não tem razão, salvo melhor entendimento.
Como decorre do disposto no art. 12º, nº 3, da LGT, as normas sobre procedimento e processo, como é o caso do art. 249º do CPPT, são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes, sendo que, no caso vertente, não se manifestam direitos ou interesses dessa natureza que importe acautelar. Tanto quanto se vê dos autos e decorre da factualidade levada ao probatório, o primeiro contacto do ora Recorrente com a execução fiscal apenas teve lugar após a realização da venda, pelo que, não são invocáveis direitos ou interesses que nesse âmbito se tenham constituído antes da entrada em vigor da LOE de 2012.
Por outro lado, como bem nota a entidade recorrida nas suas contra-alegações, também não colhe a invocada inobservância do disposto na al. b) do nº 1 do art. 817º do NCPC, pois a aplicação supletiva das normas do processo civil apenas tem lugar quando exista caso omisso e, no caso vertente, tal não se verifica. As regras especiais relativas à publicitação da venda na execução fiscal são aquelas que encontram inscritas no art. 249º do CPPT.».

1.4. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte factualidade:

1) Em 25/11/1996 foi efetuada a inscrição Ap. 10 de 25/11/1996, na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, da aquisição do prédio urbano inscrito sob o artigo 4508, fração ….., da freguesia de …….., Concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 1680, em nome de B………….. e mulher D………….. (cfr. fls. 71, 72, 74 a 80 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) Em 27/05/2007 foi instaurado contra B………….. a execução fiscal com o nº 2810200701053558 e apensos para cobrança coerciva de quantias devidas a titulo de imposto municipal sobre imóveis, tendo o mesmo sido citado em 24/05/2010 (cfr. fls. 1 a 17 dos autos e cujo teor aqui se da por reproduzido)

3) No âmbito do processo de execução fiscal referido em 2, do Serviço de Finanças do Funchal - 1, foi penhorado, em 06/10/2010, prédio urbano inscrito sob o artigo 4508, fração ….. da freguesia de …….., Concelho de Santa Cruz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 1680/19950410- C, para pagamento da quantia exequenda de € 31.852,66, prédio ao qual é atribuído o valor patrimonial de € 50 515,05 (cfr. fls. 23 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

4) A penhora referenciada em 3 foi notificada ao Executado, através do ofício 5195, datado de 06/10/2010, por carta registada com aviso de receção, assinado em 08/10/10 (cfr. fls. 24 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

5) Por ofício nº 5196 de 06/10/10, dirigido ao Conservador da Conservatória do Registo Predial do Funchal, foi pedido o registo da penhora do prédio referida em 2 (cfr. fls 25 a 57 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6) Em 24/02/2012 foi efetuada a inscrição Ap. 2786 de 2012/02/24, na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz; da penhora referida em 3, a favor da Fazenda Nacional (cfr. fls. 54 a 57 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

7) Foram remetidas aos executados as notificação da penhora, via postal sob registo, constantes de fls. 58 a 67 dos autos, as quais foram devolvidas ao órgão de execução fiscal (cfr. fls. 58 a 70 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

8) Foi remetida citação a D……….., na qualidade de cônjuge do executado, a qual veio devolvida, tendo sido remetida nova carta de citação, nos termos constante de fls. 88 a 91 e 107 a 110 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9) Foram citados, na qualidade de credores do executado, E……..- Compra e Venda de Imóveis, Ldª, F…….., Ldª, Banco G………, S.A., H…….. SARL, Banco I………. (cfr. fls. 92 a 95, 104 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

10) Por ofício nº 6233 de 13/08/2013 foi remetida notificação ao executado da nomeação de fiel depositário, a qual foi devolvida, tendo sido remetida segunda via por ofício nº 8057 de 15/10/2013 (cfr. fls. 96 e 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

11) Em 12/11/2013, pelo Chefe de Finanças, foi emitido despacho no qual se refere, nomeadamente, o seguinte: «(...) ordeno a marcação da venda do imóvel, artigo 4508 da Fração “C”, freguesia do Caniço, Concelho de Santa Cruz através de leilão eletrónico no dia 2014/06/11 às 11:00 (…).” - (cfr. fls. 118 a 123 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

12) Foi emitido, com data de 12/11/2013, pelo Serviço de Finanças, edital de convocação de credores e venda judicial e anúncio, o qual foi afixado no Serviço de Finanças de Funchal 1 (cfr. fls. 126 e 149 dos autos, cujo teor se dá por totalmente reproduzido).

13) Foram remetidas aos executados notificações da venda, as quais vieram devolvidas, tendo as mesmas sido repetidas (cfr. fls. 127 a 148 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

14) Do “detalhe do leilão eletrónico” publicitado em página da internet consta, designadamente, o seguinte:

«Fecho 2014-06-11
Valor Base 56.700,00€
Ultima licitação 70.000,00 € » - (cfr. fls. 151 do processo executivo que aqui se dá por totalmente reproduzido).

15) No seguimento do leilão eletrónico, foi pago o preço pela aquisição da fração, bem como o respetivo imposto de selo (cfr. fls. 154 a 159 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido).

16) Em 30/07/2014 foi Lavrado “Auto de levantamento de penhora” (cfr fls. 191 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido).

17) Em 31/07/2014 foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças, do qual consta, designadamente o seguinte “(…) mostrando-se integralmente pago o preço e as obrigações fiscais inerentes a transmissão nos termos do art.º 260º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), ordeno o levantamento da Penhora e o cancelamento dos direitos reais que caducam de acordo com o artigo 824º nº 2 do Código Civil (CC).»- cfr. fls. dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido.

18) Em 10/09/2014, deu entrada na Direção Regional, pedido de anulação da venda (cfr. fls. 211 a 222 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido).

19) Por requerimento entrado no Serviço de Finanças do Funchal em 05/11/2014, veio o Requerente interpor reclamação judicial do indeferimento tácito do pedido de anulação de venda (cfr. fls. 310 a 413 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido).

20) Em 02/07/2001 foi subscrito documento intitulado “Contrato-Promessa” entre B………… e D………… e J………….., mãe do Reclamante, no qual aqueles prometeram vender e esta prometeu comprar a fração autónoma designada pela letra “…..”, localizada no rés-do-chão do corpo I, com a garagem “……” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, ao sitio da ………, freguesia do………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 01680/100495, pelo preço de 27.500.000$00, tendo os promitentes vendedores declarado ter recebido, a título de sinal, a quantia de 10.000.000$00 e prevendo-se, na clausula quinta, a possibilidade da segunda outorgante poder alojar-se na fração a titulo de empréstimo gratuito (cfr. fls. 331 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, facto não contestado).

21) Em 01/03/2002, foi subscrito documento intitulado “Contrato-Promessa” entre B……….. e D…………… e A……………, ora Reclamante, no qual aqueles prometeram vender e este prometeu comprar a fração autónoma designada pela letra “….”, localizada no rés-do-chão do corpo I, com a garagem “……” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, ao sitio da …….., freguesia do………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 01680/100495, pelo preço de € 150.000,00, tendo os promitentes vendedores declarado ter recebido, a titulo de sinal ou principio de pagamento, a quantia de € 49.880,00 e prevendo-se, na cláusula quinta, a possibilidade da segunda outorgante poder alojar-se na fração a título de empréstimo gratuito (cfr. fls. 332 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido facto não contestado).

22) A Rua onde se situa a referida fração autónoma referida no número anterior passou a ser denominada por Rua do …………. - Apartamentos ………. R/C, ………, freguesia do ……….., concelho de Santa Cruz; sendo a mesma inscrita na matriz sob o número 4508 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o número 1680/19950410-C (cfr. fls. 333 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido; facto não contestado)

23) Dão-se por integralmente reproduzidas as faturas e documentos constantes de fls. 335 a 368 dos autos.

24) Dão-se por integralmente reproduzidos os documentos constantes de fls. 369 a 394 relativos a pagamentos efetuados de A……….. e J………. a B………..

25) O Reclamante intentou no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B………., D…………..e L……….., pedindo, designadamente, seja declarado resolvido o contrato promessa mediante petição inicial entregue em 03/10/2014 (cfr. fls. 395 a 409 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido).

26) O Reclamante requereu o registo na Conservatória do Registo Predial do Funchal do pedido de anulação da venda (cfr. fls. 411 e 412 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido).


3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o acto de indeferimento tácito do pedido de anulação da venda de um bem imóvel (fracção autónoma designada por letra “…” do prédio urbano inscrito sob o artigo 4508 da freguesia de………, Concelho de Santa Cruz) realizada no âmbito de processo de execução fiscal.

O reclamante, invocando a titularidade de direito de retenção sobre o prédio vendido, por ser o seu promitente-comprador em contrato promessa de compra e venda que celebrou com o executado e que terá sido acompanhado de tradição, fundamentou o pedido de anulação da venda na desconsideração desse ónus (direito de retenção) nos moldes definidos no art. 257º, nº 1, do CPPT, e em nulidades processuais que teriam ocorrido no processo de execução, traduzidas na falta da sua citação para a execução (enquanto credor com garantia real), na falta de citação dos executados para a venda, e na falta de publicidade da venda.

O tribunal a quo, configurando embora a possibilidade de o invocado direito de retenção ter emergido na esfera jurídica do reclamante, julgou, todavia, que este não tinha legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento no artigo 257º, nº 1, do CPPT, ou ainda com fundamento na falta de citação dos executados ou na falta de publicidade da venda, e julgou inexistente o vício da falta de sua citação, alinhando a seguinte fundamentação:

«Foi deduzida a presente reclamação contra o ato tácito de indeferimento de anulação de venda do órgão de execução fiscal cujo regime foi introduzido no artigo 257º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) pelo artigo 152º da Lei nº 64-B/2011, de 30 Dezembro (LOE para 2012). […]
Mas a anulação de venda ocorrida em processo de execução fiscal continua subordinada aos mesmos requisitos de até então, previstos nos nºs 1 a 3 do mesmo artigo 257 º do CPPT, os quais não foram alterados por tal nova redação introduzida neste artigo
E tais fundamentos são taxativos, já que não se encontram em causa só os interesses do exequente e do executado nessa execução, mas também os de um terceiro, o adquirente do bem, e que pela venda executiva o adquiriu, cujo direito ou interesse legitimo não pode deixar de ser sopesado em tal incidente de anulação de venda, desde logo pelo próprio legislador [Cfr. Ac. TCAS de 31/10/2013, processo nº 06940/13].
Nos termos do artigo 257º do CPPT e do artigo 908º do CPC, aplicável subsidiariamente, tem legitimidade para requerer a anulação da venda, com algum dos fundamentos aí indicados, o adquirente de bens na execução fiscal o remidor ou o preferente. O executado também pode requerer a anulação da venda, nas situações previstas na alínea b), e nas previstas nas alíneas a), b), e c) do artigo 909º do CPC, para que remete a alínea c), do nº 1 deste artigo 257º (Jorge Lopes de Sousa, …). A alínea c) do artigo 909 refere que “a venda fica sem efeito (…) se for anulado ao ato da venda nos termos do artigo 201º”. […]
A anulação da venda nos termos do artigo 201º do CPC depende de ter ocorrido relativamente ao ato de venda ou aos atos preparatórios a ela respeitantes qualquer omissão de ato ou formalidade prescrita na lei, desde que a irregularidade possa ter influência na venda (nº 1 e nº 2 do artigo).
Relativamente à arguição de nulidades - praticadas no processo de execução fiscal, ou decorrentes de omissão de atos — deverá ser feita perante o órgão de execução fiscal, podendo reclamar-se da decisão (desfavorável) proferida por via da reclamação prevista nos artigos 276º e ss. do CPPT.
Alegou o Reclamante em suma, a falta de publicidade da venda (i), a existência de direito de retenção que não foi tomado em consideração, com a consequente nulidade da venda efetuada (ii), e a falta de citação (iii).
Relativamente ao segundo fundamento invocado, defende o Reclamante que se subsume a existência de ónus real desconsiderado na venda, enquadrável na alínea a) do nº 1 do artigo 257º do CPPT. […]
Contudo, para a invocação do fundamento previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 257º do CPPT, apenas o executado, preferente ou remidor são titulares de interesse relevante que lhes confere legitimidade processual
A situação também não cabe na previsão da segunda parte da al. a) do mesmo normativo (erro sobre o objeto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado) sendo que, por outro lado, o direito a anulação da venda com base em erro sobre o objeto transmitido e sobre as suas qualidades apenas pode ser exercido pelo comprador, sendo fundamento que se destina a proteger os seus interesses (cf. Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e Processo Tributário, 6ª ed., vol. IV, pág 193 a 197).
Pelo que não assiste legitimidade ao promitente-comprador para invocar a anulação da venda com este fundamento.
E o mesmo se dirá quanto ao pedido de anulação da venda com base na falta de publicidade da venda porque não fui afixado nenhum edital na porta da fração, nem na porta da junta de freguesia, o que levou a que o Requerente não tivesse possibilidade de tomar conhecimento da venda e a falta de citação dos executados para a venda, formalidades relativas ao ato preparatório da venda (artigo 201º do CPC).
Invocou, por ultimo o Reclamante, a falta de citação, porquanto e credor com garantia real, pelo que deveria ter sido citado. […]
Resulta dos factos provados que foi emitido, com data de 12/11/2013, pelo Serviço de Finanças, edital de convocação de credores e venda judicial e anúncio, o qual foi afixado no Serviço de Finanças de Funchal 1. // Ora, não tendo o Reclamante procedido ao registo do alegado direito de crédito, impedindo o seu conhecimento por parte do órgão de execução fiscal sempre se trataria de um credor desconhecido, a ser citado nos termos do nº 2 do artigo 239º e 242º do CPPT, mediante citação edital. O que sucedeu nos presentes autos.
Pelo que improcede, nesta parte, a ação.»

Neste recurso, sem pôr em causa o julgado sobre as alegadas faltas de citação, o recorrente insiste que lhe assiste o direito de pedir a anulação da venda nos moldes definidos no art. 257º, nº 1, do CPPT, por ser titular de direito de retenção sobre o prédio vendido, e por esse direito não envolver apenas um direito de crédito, mas também o direito à habitação consagrado no art. 65º da Constituição, sustentando que só este meio legal lhe permite a defesa do seu direito, por só ter tomado conhecimento da venda após a sua realização. Mais argumenta que, por aplicação do princípio contido no art. 65º da LGT, deve ser admitido a intervir para acautelar os seus interesses, e sustenta que o desconhecimento da venda se deveu à falta da sua publicitação, particularmente à falta de afixação de um edital na porta do prédio nos termos impostos pelo art. 249º do CPPT (na redacção anterior às alterações introduzidas pela LOE de 2012), que tem por aplicável, ou nos termos do que dispõe o art. 817º, nº 1, al. b), do CPC, que advoga ser de aplicação subsidiária, defendendo que a preterição desta formalidade legal constitui uma nulidade processual determinante da anulação da venda.
Termos em que sustenta que a sentença recorrida violou os artigos 257º e 9º do CPPT, 20º e 65º da CRP, 9º e 65º da LGT, 249º do CPPT, e 817º, nº 1, alínea b), do CPC.
As questões que se colocam neste recurso são, pois, as de saber se o titular do direito de retenção sobre um prédio vendido em processo de execução fiscal tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento nesse ónus, à luz da previsão contida no art. 257º, nº 1, do CPPT, e se houve preterição de formalidades legais no anúncio da venda que permitisse, ao titular desse direito de retenção, pedir a anulação da venda.

3.1. O recorrente defende que o direito de retenção sobre o imóvel vendido lhe permite pedir a anulação da venda nos termos do artigo 257º, nº 1, alínea a), do CPPT, no entendimento de que esse direito constitui um ónus que não foi tomado em consideração na venda, e de que, sendo morador na fracção vendida, está também em causa o direito à habitação a que se refere o artigo 65º da Constituição, e não apenas um direito de crédito.
Em primeiro lugar, importa relembrar que o contrato promessa de compra e venda se objectiva na promessa, firmada entre as partes, de celebrar um contrato de compra e venda destinado à transmissão e aquisição da propriedade de um determinado bem. Esta promessa de contratar pode ser acompanhada da traditio rei, que conferirá ao promitente-comprador um direito de retenção sobre o bem que o promitente-vendedor se comprometeu a alienar, e que, funcionando como garantia real da obrigação de contratar assumida pelo promitente-vendedor, lhe confere o direito de obter, através do valor do bem entregue, pagamento privilegiado do crédito que possa resultar do incumprimento dessa obrigação de vender.
A celebração de um contrato promessa, gerando unicamente uma obrigação de contratar, ainda que garantida por um direito de retenção sobre a coisa prometida vender, não tem, pois, a virtualidade de transferir para o promitente-comprador o direito de propriedade, que continua na titularidade do promitente vendedor até à celebração do contrato de compra e venda. Razão por que, até à realização do contrato prometido, esse bem continua a responder pelas dívidas do promitente-vendedor, podendo, por isso, ser penhorado e vendido em processo de execução que contra ele seja instaurado por qualquer credor, designadamente pela Administração Tributária.
Neste cenário, ao promitente-comprador que goze do direito de retenção sobre o prédio penhorado é facultado o direito de reclamar o seu crédito no processo de execução, a fim de ser pago pelo produto da venda no âmbito desse processo, a par dos demais credores, tendo em conta o privilégio creditório que lhe é conferido por aquele direito de retenção, e por aqui se queda esse seu direito, que caduca com a venda Cfr. artigos 824º e 759º, nºs. 1 e 2, do Código Civil e 239º e 240º do CPPT..
É este o enquadramento jurídico da situação vertida nos autos.
E não se vê em que medida pode esta solução, que é a definida pela lei, contender com o direito à habitação consignado no artigo 65º da Constituição, posto que esta norma apenas consagra o princípio programático de que todos têm direito a uma habitação condigna, ou ainda com o direito à habitação do recorrente, visto que, através do contrato promessa, este não adquiriu nenhum direito irrestrito de estabelecer a sua habitação no imóvel, mas apenas a promessa de celebração de um contrato de compra e venda que, porventura, a ele conduzisse.
A conexão estabelecida pelo recorrente entre o direito de pedir a anulação da venda e o invocado direito à habitação é, pois, totalmente insubsistente.
E também não lhe assiste o direito de pedir a anulação da venda com fundamento na desconsideração do seu invocado direito de retenção.
Desde logo porque o ónus a que se refere o artigo 257º, nº 1, alínea a), do CPPT tem o sentido de uma limitação, ou gravame do direito do adquirente face às expectativas que gizaram a aquisição, e que só por este pode ser invocado para o efeito de anular a venda, como claramente resulta do que dispõe o artigo 838º, nº 1, do CPC (anterior artigo 908º, nº 1), e, por conseguinte, o retentor não tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento no seu direito de retenção.
Além disso, sob o ponto de vista objectivo, o direito de retenção também não constitui fundamento para anular a venda, visto que só são passíveis de fundamentar essa anulação os ónus que não tenham caducado, e, como se viu, o direito de retenção caduca com a venda.
Todavia, a lei não deixa indefeso este direito que assim caduca. É através da reclamação de créditos na execução que, como se deixou explicado, o promitente-comprador pode fazer valer o seu direito, obtendo o pagamento do que legalmente lhe seja devido pelo logro do cumprimento do contrato que celebrou com o executado.
Reclamação essa que o recorrente não deduziu, apesar de ter sido regularmente citado para esse fim como credor desconhecido, nos termos dos artigos 239º, nº 2, e 240º do CPPT.
E o recorrente também não questiona que fosse essa a sua qualidade. Com efeito, apesar de afirmar nas conclusões das alegações que a Administração Tributária tinha conhecimento de que o seu domicílio fiscal se situava no prédio vendido, o recorrente não põe sequer em causa que a Administração Tributária só depois da venda teve conhecimento do seu invocado direito de retenção. E nem o recorrente se aventa a sugerir que daquele se pode inferir este.
De resto, o recorrente também não traz para este recurso a vertente decisória da sentença recorrida que julgou inverificada a sua falta de citação para reclamar o crédito, e que, por isso, transitou em julgado.
Do exposto resulta que ao julgar que o reclamante, ora recorrente, não tinha legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento na desconsideração do seu direito de retenção sobre o imóvel vendido, a sentença não merece a censura que o Recorrente lhe dirige.
Improcedem, pois, neste aspecto, as conclusões das alegações do recurso.

3.2. Aponta ainda o recorrente à sentença recorrida o vício de violação da lei no que toca à apreciação do pedido de anulação da venda com fundamento na preterição de formalidades na sua publicitação.
O tribunal a quo, depois de considerar que, «A anulação da venda nos termos do artigo 201º do CPC depende de ter ocorrido relativamente ao ato de venda ou aos atos preparatórios a ela respeitantes qualquer omissão de ato ou formalidade prescrita na lei, desde que a irregularidade possa ter influência na venda (nº 1 e nº 2 do artigo)», concluiu que não assistia ao reclamante legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento na irregularidade da sua publicitação, pelas mesmas razões que motivavam a falta de legitimidade para pedir essa anulação com fundamento na desconsideração do direito de retenção.
Argumenta, todavia, o recorrente que no caso em apreço deve ter aplicação o princípio contido no artigo 65º da LGT, e que, por isso, deve ser admitido a intervir em todos os procedimentos que o possam afectar, de molde a fazer valer os seus direitos. Mais sustenta que a falta de publicitação da venda o impediu de actuar nesse sentido, constituindo nulidade conducente à anulação da venda; e radica esse vício de falta de publicitação no incumprimento das formalidades impostas pelo artigo 249º do CPPT (na redacção anterior às alterações introduzidas pela LOE de 2012), designadamente por falta de afixação de um edital na porta do prédio vendido, que advoga ser obrigatória, ainda que na vigência das regras fixadas pela nova redacção da referida disposição legal, por aplicação subsidiária do que dispõe o artigo 817º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Vejamos.
O artigo 201º do CPC prevê o regime das nulidades processuais não especialmente reguladas, estabelecendo que «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Donde resulta que a anulação da venda depende, não só, de ter ocorrido, relativamente ao acto da venda ou actos anteriores que lhe digam respeito, a omissão de um acto ou de uma formalidade imposta pela lei, como, ainda, da circunstância de essa omissão poder ter tido influência no concreto acto de venda realizado. Não basta, pois, a omissão de uma formalidade legal para que a venda seja anulada; é ainda necessário, como impõe o art.º 201º do CPC, que ela possa ter tido influência no acto. Razão por que a anulação só pode ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreu a irregularidade, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar o acto processual de venda efectuado.
Ora, no caso vertente, nem sequer se pode afirmar que o anúncio da venda padeça de qualquer irregularidade, como bem salienta o Exmº Magistrado do Ministério Público no seu douto parecer.
Com efeito, as normas que respeitam às formalidades do anúncio da venda são de carácter eminentemente adjectivo ou processual, e, por conseguinte, de aplicação imediata, nos termos do que dispõe o artigo 12º, nº 3, da LGT.
Ora, como decorre do probatório, o anúncio da venda ocorreu em 12/11/2013, e, por conseguinte, em momento em que vigorava já a nova redacção do artigo 249º do CPPT, introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30 Dezembro.
E esta disposição legal, estatuindo sobre os meios de divulgação da venda, estabelece no seu nº 1 que «Determinada a venda, procede-se à respectiva publicitação, mediante divulgação através da Internet», e, no seu nº 2, que «O disposto no número anterior não prejudica que, por iniciativa do órgão da execução fiscal ou por sugestão dos interessados na venda, sejam utilizados outros meios de divulgação.».
Ora, a venda foi anunciada por edital afixado no Serviço de Finanças do Funchal 1, onde decorria o processo de execução fiscal, e, por conseguinte, no estrito respeito pelo formalismo consignado na lei. E, ao contrário do que advoga o recorrente, a disciplina contida no artigo 817º, nº 1, alínea b), do CPC, não tem aqui aplicação subsidiária, visto que esta matéria está expressamente regulada no CPPT, inexistindo, nesta sede, qualquer lacuna.
Para além disso, o recorrente sempre careceria de legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento na preterição de formalidades no seu anúncio, pela comezinha razão de que não se constituiu como credor reclamante, nem, por qualquer outra forma, como parte interveniente no processo de execução, e, nesta circunstância, é alheio aos destinos da venda. E foi este o sentido do julgado.
Termos em que, também neste aspecto, não merece censura a sentença recorrida.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 15 de Abril de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão LopesAna Paula Lobo.