Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0601/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23487
Nº do Documento:SA1201806280601
Data de Entrada:06/18/2018
Recorrente:SINDICATO DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DE VILA NOVA DE GAIA/ESPINHO E.P.E.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:

O SINDICATO DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa especial contra o CENTRO HOSPITALAR DE VILA NOVA DE GAIA/ESPINHO, E.P.E. pedindo:
“Anulação da deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E., exteriorizada no dia de 11 de Maio de 2010, que «não permitiu ao pessoal de enfermagem associado do A. o gozo no dia 13/Maio/2010 da tolerância de ponto concedida pelo "Despacho n.º 7127/2010" do Primeiro-Ministro», e o reconhecimento do direito do pessoal de enfermagem seu associado a que o trabalho prestado nesse dia 13 de Maio de 2010 seja remunerado, pela Entidade Demandada, como trabalho extraordinário.”
Sem êxito já que o TAC julgou a acção improcedente, absolvendo a entidade demandada do pedido.
Inconformado, recorreu para o TCA Sul mas, uma vez mais, sem proveito, já que aquele Tribunal manteve o anteriormente decidido.

É desse acórdão que vem a presente revista (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Recorrente peticionou, no TAC de Lisboa, (1) a anulação da deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de ViIa Nova de Gaia/Espinho que não permitiu ao pessoal de enfermagem associado do A. o gozo da tolerância de ponto, no dia 13/Maio/2010, concedida por despacho do Primeiro-Ministro e (2) o reconhecimento do direito a que o trabalho prestado nesse dia fosse remunerado como trabalho extraordinário.

Acção que aquele Tribunal julgou improcedente com uma fundamentação de que se destaca:
“Desta forma, a Lei-Quadro dos Institutos Públicos define o seu âmbito de aplicação, só tendo pretensão de abranger as figuras organizativas da administração indirecta do Estado que não assumam a forma de entidade pública empresarial.
E o regime do sector empresarial do Estado, subsidiariamente aplicável, afasta a aplicação às E.P.E.’s do regime a que estão sujeitos os institutos públicos.
Portanto, no quadro jurídico vigente à data dos factos, os hospitais E.P.E. eram legalmente qualificados como empresas públicas e não como institutos públicos — cfr. os já aludidos artigo 18.° da Lei n.º 27/2002, e o n.º 3 do artigo 3.° da Lei Quadro dos Institutos Públicos.
E é essa qualificação legal que releva para a interpretação do despacho do Primeiro-Ministro, pois não existe um consenso jurídico minimamente alargado em torno de critério material de distinção entre instituto público e empresa pública que permitisse afastar o critério formal da qualificação legal.
E, atento isto, é a distinção formal (i.e., legal) a que mais se adequa às necessidades de segurança jurídica; é ela que permitirá alcançar a necessária certeza na determinação dos regimes aplicáveis e, no caso, dos destinatários do acto do Primeiro-Ministro.
Acresce que caso se tivesse pretendido abranger na tolerância de ponto os trabalhadores das E.P.E.’s, teria sido fácil referi-los expressamente — como fez para com os dos institutos públicos.
A Entidade Demandada estava, portanto, fora do âmbito de aplicação do despacho n.º 7127/2010 do Primeiro-Ministro, o que determina, desde logo, a improcedência total da acção.
Por outro lado, para estes efeitos é irrelevante que o pessoal de enfermagem da ED … estivesse abrangido pelo regime jurídico do contrato de trabalho em funções públicas, pois, nos termos do n.º 1 do artigo 1 5.° do DL 233/2005, o que se garante é “a manutenção integral do seu estatuto jurídico”, não sendo, por esta razão, de incluir no âmbito de aplicação subjectivo do despacho do Senhor Primeiro-Ministro os enfermeiros que desempenhem estas funções nas entidades públicas empresariais como é o caso da ED, mas apenas aqueles que as desempenhem na administração central e nos institutos públicos, entidades públicas às quais o mesmo despacho se destinou.”

Julgamento que o TCA confirmou com o seguinte discurso fundamentador:
“O autor e recorrente entende que o réu e recorrido é um instituto público, como tal sujeito à disciplina da Lei-Quadro dos Institutos Públicos (Lei nº 3/2004).
O TAC e o réu recorrido entendem que se trata simplesmente de uma EPE, como tal sujeita ao DL nº 558/99 então em vigor (regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas), DL referido no artigo 3º/3 da cit. Lei-Quadro assim: “Não se consideram abrangidas nesta lei as entidades públicas empresariais previstas no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de dezembro”.
Ora, o aqui réu (E.P.E. do SNS) foi criado pelo artigo 1.º do DL nº 50-A/2007, DL que lhe mandou aplicar os capítulos II a IV do DL 233/2005 (regime jurídico, regime financeiro, recursos humanos), DL 233/2005 que transformou em entidades públicas empresariais os hospitais com a natureza de sociedade anónima, o Hospital de Santa Maria e o Hospital de São João e cria o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E. P. E., o Centro Hospitalar de Setúbal, E. P. E., e o Centro Hospitalar do Nordeste, E. P. E., e aprovou os respetivos Estatutos (artigo 5º do DL 50-A/2007).
Respondendo à questão a resolver existem, na verdade, disposições legais expressas:
- As entidades públicas empresariais abrangidas pelo presente decreto-lei são pessoas coletivas de direito público de natureza empresarial dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial nos termos do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17/12, e do artigo 18.º do anexo da Lei n.º 27/2002, de 8/11 (cf. artigo 5º/1 do DL 233/2005, ex vi artigo 5º do DL que criou o aqui réu recorrido);
- São também empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo III do DL 558/99, ou seja, artigos 23º a 34º (cf. artigo 3º/3 do DL 558/99, ex vi artigo 5º do DL 50ºA/2007).
Como vimos, é o diploma legislativo criador do ora recorrido que manda aplicar ao recorrido o modelo empresarial resultante do DL 558/99.
Portanto, a EPE aqui ré não era, nem é hoje, um instituto público.
Como tal, não estava abrangida pelo despacho cit. do PM. Por não ser um instituto público, isto é, uma pessoa coletiva pública de tipo institucional ou fundacional criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas, fora de um modelo de empresa.
O artigo 48º/1-c) da LQ cit., invocado pelo recorrente, refere-se precisamente às entidades que não são empresariais (como serviços personalizados, estabelecimentos públicos e fundações públicas), pelo que é disposição aqui irrelevante.“

3. A questão que o Recorrente coloca nesta revista é a de saber se o despacho do Sr. Primeiro-Ministro, de 20-04-2010, que concedeu "tolerância de ponto aos trabalhadores que exercem funções públicas na administração central e nos institutos públicos, em todo o território nacional, no dia 13 de Maio de 2010", também se aplica aos seus associados que exerciam funções no Centro Hospitalar de V.N Gaia/Espinho, E.P.E.
Interrogação a que as instâncias deram resposta negativa.
E tudo parece indicar, até pela similitude da sua argumentação, que decidiram com acerto. O que vale por dizer que a admissão deste recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, muito embora a questão suscitada nesta revista possa ter importância para os trabalhadores que se encontrem numa situação semelhante à dos associados do Recorrente, a verdade é que não se pode afirmar que a mesma se revista de uma relevância social de importância fundamental.
Ao que acresce que a questão suscitada neste recurso, até pela sua peculiaridade, não é de fácil replicação.
Não estão, assim, preenchidos os requisitos indispensáveis ao deferimento da pretensão do Recorrente.

DECISÃO.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 28 de Junho de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.