Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0530/18
Data do Acordão:06/14/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:Não se justifica admitir recurso excepcional de revista de acórdão fundamentado através de discurso juridicamente plausível relativamente à verificação do requisito “fumus boni juris”.
Nº Convencional:JSTA000P23415
Nº do Documento:SA1201806140530
Data de Entrada:05/04/2018
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE VIANA DO CASTELO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A………………, L.dª intentou, no TAF de Braga, contra o Município de Viana do Castelo (doravante MVC), providência cautelar, pedindo:
a suspensão de eficácia do acto administrativo consubstanciado no Auto de embargo de obras levantado no dia 23.06.2017 à Requerente pelo MVC, decorrente da realização de obras de remodelação interior da Unidade “E” do Complexo Turístico ………………. sem autorização/licença, em cumprimento de um despacho proferido pelo Vereador da Área de Gestão Urbanística.”

Por sentença de 10.11.2018, o TAF julgou o pedido improcedente.

O Requerente apelou para o TCA Norte e este, por Acórdão datado de 06.04.2018, negou provimento ao recurso.
É desse Aresto que aquele recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O TAF indeferiu o pedido de suspensão do embargo de obras, levantado no dia 23.06.2017 pelo MVC por a Requerente estar a remodelar, sem autorização/licença, o interior da Unidade “E” do Complexo Turístico ………………..
Para tanto ponderou:
“…
Para fundamentar a sua pretensão, alega a Requerente que o acto administrativo faz referência a um despacho do vereador da área de gestão urbanística, datado de 23.06.2017, sendo que a Requerente não foi notificada daquele despacho. Afirma que o conhecimento desse despacho é importante porque, segundo se julga, é ele que ordena e fundamenta o embargo. Conclui que a omissão dessa formalidade gera a invalidade do auto de embargo por violação do dever de fundamentação, estatuído nos artigos 152º, nº 1, al. a), 153º e 163º do CPA.
….
Resulta ainda da factualidade apurada que, por meio da notificação datada de 26.06.2017, foi a Requerente notificada do embargo da obra e das consequências de tal embargo.
Assim, em face do exposto, não está este Tribunal, nesta sede, em condições de afirmar que seja provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
Alega a Requerente que está a realizar obras na Unidade “E” do Complexo Turístico ………………, bem assim como nas unidades “F”, “G” e “H”, com vista a abertura e funcionamento de um ginásio; que as obras são meras “obras de adaptação”; que “o edifício assenta essencialmente em estrutura metálica e as obras (…) circunscrevem-se a obras de remodelação do interior”; que “essas obras não colidem com a estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma da fachada e da forma do telhado ou coberturas (…) o que significa não estarmos perante uma obra que imponha a obtenção prévia de licença, autorização ou comunicação prévia”.
Conclui que as obras em causa se enquadram no art. 6.º/1/b) do RJUE, pelo que estão isentas de controle prévio.
….
Mostra-se controvertida nos autos a natureza das obras levadas a cabo pela Requerente, o que parece carecer de produção de prova testemunhal e/ou pericial, não se vislumbrando qualquer violação grosseira do disposto no art. 6º, nº 1, al. b) do RJUE.
Acresce que resulta da factualidade apurada que a Requerente está a executar obras de alteração num prédio que se localiza em área abrangida por um Plano de Pormenor, que implicam modificação das divisões interiores, afigurando-se-nos pertinente o entendimento do Requerido de que, sendo assim, as obras em causa não se integram no disposto no art. 6.º/1/b) do RJUE, mas antes no disposto no art. 4.º/4/c) do mesmo diploma.
Por outro lado, do contrato de concessão celebrado entre as partes, parece resultar que a Requerente teria que obter o consentimento do Requerido para a “execução de obras”, quaisquer que estas fossem, independentemente de estas terem, ou não, necessidade de licenciamento por imposição legal.
Ainda, as obras em causa visam a instalação de um ginásio.
Ora, Requerente e Requerido, com base no mesmo alvará de utilização, o alvará nº 372/06, defendem posições diametralmente opostas, sobre se o mesmo permite ou não a instalação de um ginásio. O que pressupõe que se aprecie e decida se o alvará, ao autorizar a utilização “Complexo Turístico …………”, está a autorizar actividades de lazer – como defende a Requerente com recurso à proposta apresentada pela empresa B…………., SA, ganhadora da concessão - e ainda se a actividade de ginásio se integra no conceito de actividade de lazer, o que é refutado pelo Requerido.
A este respeito, assinale-se que, como apurado, quando a Requerente, em 01.09.2005, pediu licença de utilização do Complexo Turístico …………., o fez nos seguintes termos. “O referido complexo compõe-se de zonas comuns e oito zonas de utilização que se destinam a ESTABELECIMENTOS DE RESTAURAÇÃO E BEBIDAS. De referir que a licença de utilização diz respeito às partes comuns do complexo, sendo que o pedido de licença de utilização das fracções ou unidades de utilização propriamente ditas, será feito fracção a fracção uma vez que a cada unidade corresponde um processo de obras”.
Face ao exposto, saber se o Requerente tem ou não alvará de utilização que lhe permita afectar a fracção “E” à instalação e abertura de um ginásio – para o que está a realizar obras - obriga a um esforço de interpretação e de conjugação de prova documental que não se compadece com o juízo perfunctório que caracteriza a acção cautelar.
Termos em que, também nesta parte, não pode o Tribunal afirmar que seja provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
A Requerente alegou ainda que, mesmo que estivessem preenchidos os pressupostos para o embargo da obra, atentos os interesses envolvidos e a expectativa mais que fundada que as obras seriam legalizáveis, uma tomada de posição tão radical por parte da Requerida só deveria constituir a última ratio, atento o princípio da colaboração com os particulares e o princípio da proporcionalidade, previstos respectivamente nos artigos 11º e 7º do CPA.
Ora, tal alegação, para além de não surgir em sede de análise do requisito “fumus boni iuris” – de resto, esta alegação “cai” em sede da acção principal intentada -, é feita de forma genérica, sem qualquer concretização ainda que, naturalmente, sumária.
Aqui chegados, é forçoso concluir que a apreciação feita à pretensão da Requerente, em moldes de summario cognitio, não permite que este Tribunal se convença da probabilidade do êxito da pretensão principal.
A não verificação do requisito do fumus boni iuris revela-se suficiente para não decretar a providência, já que os pressupostos são cumulativos.
Nestes termos, conclui-se pelo não preenchimento dos requisitos de que depende o decretamento da providência requerida, motivo pelo qual deve o presente processo cautelar ser julgado improcedente.”

O Requerente recorreu para o TCA Sul mas este confirmou a decisão do TAC com o seguinte discurso fundamentador:
“… A pretensão naufragou, portanto, por falta de “fumus boni iuris”.

A recorrente impugna em recurso a solução alcançada pelo tribunal “a quo”, à semelhança do que também sucedeu relativamente à fracção “F”, onde a intervenção urbanística foi também objecto de embargo, alvo similar de tutela cautelar no proc. n.º 948/17.3 BEBRG, com sentença e recurso recentemente decidido (em 02/03/2018), em tudo semelhantes ao presente litígio.
E que, mutatis mutandis, também aqui verte.
….
Efectivamente, se na verdade se mostra controvertido que as obras sejam sujeitas, ou não, a controlo prévio à luz do art.º 6.°/1/ b) do RJUE, já não será merecedor de reparo que, como foi entendido na sentença recorrida, e na improcedência do que o recurso lhe dirige, seja obrigatória a comunicação prévia nos termos do art.º 4.°/4/ c) do mesmo diploma.
Donde, sempre prevalecendo de boa razão este fundamento, só por si justificador do embargo, destituído de interesse fica a averiguação do que mais se controverte.
Pelo quem, numa análise perfunctória, e falhando um dos cumulativos pressupostos da providência, será de confirmar a sentença que a negou.
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.”

4. Como se acaba de ver está em causa saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, sufragando a decisão do TAF, considerou que não ocorria o fumus boni iuris e com esse fundamento indeferiu a requerida medida cautelar.
Os Recorrentes insistem que não só aquele requisito se verifica como ocorrem os outros requisitos indispensáveis ao pretendido deferimento.
A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas em cada um desses casos e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique quebrar-se aquele entendimento.
Com efeito, e como se decidiu no recente Acórdão desta Formação, de 30/05/2018 (rec. 476/18), numa situação inteiramente igual à presente, a revista não foi admitida pelas razões que se transcrevem:
“3.3. A questão que a recorrente coloca é a da articulação entre o art. 6º, n.º 1, b) do RJUE e 4º, 4, al.ª c), pugnando por uma interpretação de onde resulte que “só as obras de alteração de interior de edifícios ou suas fracções que impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas e da forma dos telhados ou coberturas, em área de plano de pormenor, é que estão sujeitas a comunicação prévia.”
Esta questão foi decidida no TCA Norte. Entendeu o acórdão recorrido que “o art. 6º, 1, b) do RJUE, pela sua generalidade, não colide com a situação especial prevista no art. 4º, 4, c) do mesmo diploma que inclui entre as operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia as “obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor”. Entendeu ainda o acórdão recorrido que as obras em causa se subsumiam no conceito de “obras de alteração” tal como são definidas no art. 2º, d) do RJUE.
Do exposto resulta que o TCA Norte ao confirmar a decisão da primeira instância apreciou e justificou a sua decisão através de um discurso jurídico claramente plausível, no âmbito de uma providência cautelar. Neste tipo de processos em que a decisão nem sequer vincula o juiz do processo principal, só seria de admitir a revista se a decisão se mostrasse eivada de erro manifesto e não é o caso. É certo que a questão suscitada tem relevância jurídica, no entanto, essa relevância existe em processos onde a mesma seja discutida em todas as suas vertentes e não num juízo cautelar que nem sequer é definitivo para a resolução do litígio entre as partes.
Consequentemente, por estarmos no âmbito de uma providência cautelar, perante duas decisões judiciais no mesmo sentido, juridicamente fundamentadas não se justifica admitir a revista.”

Decisão.
Termos em que, em conformidade com o exposto, os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de Junho de 2018. - Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.