Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:025/12.3BEALM 0598/18
Data do Acordão:03/21/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:ARGUIÇÃO DE NULIDADE
REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24354
Nº do Documento:SA120190321025/12
Data de Entrada:09/05/2018
Recorrente:A...., LDA E ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A……………, Lda., já devidamente identificada nos autos, vem arguir a nulidade e pedir a reforma do acórdão da Secção deste STA, de 10.01.19, que negou provimento ao recurso apresentado pela ora reclamante, concedeu provimento ao recurso apresentado pelo ora reclamado e dispensou a ora reclamante do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

2. Devidamente notificado, o Estado, aqui reclamado, representado pelo MP, pronunciou-se no sentido da improcedência das nulidades invocadas e do pedido de reforma do acórdão.

3. Sem vistos, cumpre apreciar e decidir em conferência.

II – Apreciação

4. A reclamante começa por sustentar que o acórdão recorrido enferma do vício de falta de fundamentação de direito, deste modo violando a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. Em síntese, alega o seguinte:

Na verdade, a decisão tomada parece esquecer o que era a causa de pedir – violação do prazo razoável – e, em consequência, nas 6 (seis) páginas reservadas à decisão não aduz um único Ac. deste STA, bem como, estranhamente, um único Ac. do TEDH quando em causa está a própria aplicação da CEDH, nem tão pouco qualquer normativo que entendesse subsumível à tomada decisória” (art. 3.º da reclamação); “In casu, esta douta decisão chega mesmo a introduzir uma nova causa de pedir fundada no “lucro cessante”, circunstância que decorre óbvio que não foi alegada, pedida, nem aqui se funda a presente acção e/ou o pedido do ora Recorrente” (art. 7.º da reclamação); “Numa análise minimamente cuidada do Douto Ac., não se trata, portanto, de uma mera insuficiência ou quiçá, de deficiente fundamentação, na verdade, percorrendo o requinte do que é dada à estampa na douta fundamentação – qual seja –, não se deslumbra qual o segmento de iuri que foi acolhido e que poderia dar conforto à decisão, mas ser apreendido, com o mínimo de clareza, pela ora Recorrente” (art. 9.º da reclamação).

Vejamos se assiste razão à reclamante.

Antes de mais, relembremos que constitui jurisprudência uniforme e constante deste STA a orientação segundo a qual a nulidade da decisão por infracção do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (“Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”) só se dá quando ocorre uma total falta de fundamentação de facto e/ou de direito. Ora, no que se reporta ao tratamento dado pelo acórdão sob censura à questão em apreço, não se vê que ocorra total falta de fundamentação e, nem sequer, falta de fundamentação.
Assim, e quanto à questão da indemnização por danos não patrimoniais, relativa à alegada violação do direito à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável, o acórdão recorrido não a apreciou, pois “o pedido formulado pela recorrente está fora da causa”. Quanto à convocação de acórdãos do TEDH e do STA relativos à questão suscitada pela reclamante, ela não se justificava pois, pelos motivos então expostos, a questão em causa não chegou a ser tratada.
No que respeita à questão da indemnização por danos patrimoniais, o acórdão recorrido não ‘inventou’ nenhuma nova causa de pedir – que, diga-se, a haver essa ‘invenção’, nunca a mesma consubstanciaria uma nulidade por falta de fundamentação! A haver qualquer ‘invenção’, essa haveria de ser imputada à então recorrente que, invocando danos concretos decorrentes do atraso da justiça – atraso que teria impedido a oportunidade de aplicar os montantes indemnizatórios no seu negócio e em investimentos lucrativos –, pretendeu beneficiar, em relação a eles, da dispensa de alegação e prova que vale para a figura da mora do devedor relativamente a obrigações pecuniárias prevista no artigo 806.º do CC. E foi justamente isso que se disse no acórdão recorrido. Nele apenas se entendeu que a então recorrente em larga medida confundia duas realidades jurídicas distintas, invocando determinados danos – claramente correspondentes a lucros cessantes – e pretendendo beneficiar do regime da mora do devedor relativamente a obrigações pecuniárias (art. 806.º do CC), mais concretamente, e como se disse, da dispensa de alegação e prova de danos. Esclarecido este aspecto – ou seja, que os específicos danos invocados pela então recorrente não se enquadravam na figura da mora do devedor relativamente a obrigações pecuniárias, antes correspondiam a lucros cessantes, e, como tal, teriam de ser provados –, passou-se à apreciação dos danos alegados pela ora reclamante.
Em suma, conforme se pode constatar da leitura do acórdão recorrido, a fundamentação jurídica da decisão é clara e suficiente. Relativamente à pretendida indemnização pela suposta mora do devedor, afirmou-se, em síntese, que, atendendo aos factos provados, não se podia “imputar em exclusivo ao Estado-juiz a dilatação de um ‘tempo processual razoável’”. Relativamente aos danos invocados que correspondem a lucros cessantes, os mesmos não foram provados pela A./recorrente.
Improcede, deste modo, esta invocada nulidade do acórdão por falta de fundamentação absoluta.



5. Seguidamente, a reclamante imputa ao acórdão recorrido nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC. E, com ela, regressa ao problema da não apreciação pelo acórdão recorrido da questão resumida na conclusão 21.º das suas alegações de recurso de revista (relembremos, “21ª. Evitando-se uma dupla penalização do ora Recorrente e, atento um dever de conduta oficiosa e diligência, mesmo que perante a ausência de pretensão/articulado, que impende sobre o Tribunal, deverá, no entendimento do TEDH, no juízo de equidade a realizar fixar um valor adequado levando, também em consideração o atraso nesta mesma acção”). Ora, como se disse no acórdão recorrido, como se reafirmou no ponto 4. e como se volta a expor, a questão da indemnização por danos não patrimoniais por atraso na justiça não foi tratada porque as regras processuais vigentes na nossa ordem jurídica não o permitiam (“Efectivamente, pretende com a mera invocação de uma suposta presunção legal – ou seja, com a invocação de um meio de prova – afastar as regras processuais que regulam o começo e desenvolvimento da instância (mais concretamente, as relativas ao pedido e sua eventual ampliação ou rectificação), regras pensadas a partir de valores como a igualdade de armas, a celeridade das decisões e a existência de contraditório. Deve, deste modo, improceder este fundamento do recurso, entendendo-se que, a partir da leitura das normas processuais pertinentes – v.g., arts. 260.º, 264.º, 265.º, 635.º e 636.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA –, o pedido formulado pela recorrente está fora da causa, não podendo este STA sobre ele se pronunciar, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia”). Embora esta decisão não agrade à ora reclamante, não se vê onde possa estar a pretensa omissão de pronúncia. Improcede, pois, a reclamação nesta parte.

6. Por último, a reclamante vem requerer a reforma do acórdão ao abrigo do artigo 616.º, n.º 2, als. a) e b) do CPC. Em síntese, e de forma genérica, sustenta a ora reclamante que “Estamos em presença, salvo o devido respeito, de um erro grosseiro, de um lapso manifesto, que se traduz num desacerto total no regime jurídico aplicável à situação” (art. 22.º da reclamação).
De forma mais específica, a reclamante começa por retomar a questão dos lucros cessantes, a qual, volta a mencionar, não foi por ela colocada e nem tratada nas instâncias, sendo que a única “evocação” desta figura se deu no acórdão de formação preliminar (“na verdade e, para o que aqui interessa, não foi NUNCA, causa de pedir qualquer quantum indemnizatur fundado em lucros cessantes !!?? nem tão pouco as decisões prolatadas que não a presente fundam qualquer procedência e/ou improcedência na figura jurídica agora introduzida” (art. 25.º da reclamação).
Vejamos se assiste razão à reclamante.
Atentemos na p.i. apresentada pela ora reclamante no ponto V – “Dos danos sofridos pela A.”:

O atraso referido provocou-lhe a perda de rendimento comercial e financeiro que poderia ter obtido, sobre este valor”, durante tal período de atraso”; “Contudo, por causa do ilícito atraso na fixação do seu justo quantum e no seu efectivo pagamento, a expropriada perdeu a oportunidade de o aplicar nos seus negócios, rentabilizando-o e multiplicando o seu valor, como é normal e corrente em qualquer empresa”; “A A., sendo uma sociedade comercial, poderia ter investido o valor da indemnização no seu giro comercial”; “O qual, em circunstâncias normais lhe permitiria aumentar o volume de lucros, em valor superior à taxa de juro civil” (cfr. arts. 308.º, 310.º, 311.º e 314.º da p.i.).

Atentemos agora na definição legal de lucros cessantes, constante do n.º 1 do artigo 564.º do CC (Cálculo da indemnização): “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” [negrito nosso].

A propósito do que sejam os lucros cessantes, mencionam Pires de Lima e Antunes Varela, na sua anotação ao Código Civil, o seguinte: “Refere-se o n.º 1 ao que correntemente é designado por danos emergentes e lucros cessantes. Os primeiros correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património (já existente) do lesado; os segundos, aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património” (cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 1987, p. 579).

Do exposto, decorre com suficiente clareza que a A., ora reclamante, pretendia ser indemnizada, entre outros, por danos que, sem margem para dúvidas, correspondem a lucros cessantes (art. 564.º do CC), convocando, porém, o artigo 806.º do CC, relativo à indemnização por mora do devedor. O acórdão recorrido, obviamente, teve de se pronunciar sobre a questão da indemnização dos danos que a A. invoca em concreto sem contudo os relacionar com a figura dos lucros cessantes – seja qual for a razão que a levou a não estabelecer esta relação. O acórdão recorrido limitou-se a destrinçar os dois tipos de danos em causa (não tendo qualquer motivo e não estando impedido de o fazer), aplicando-lhes o respectivo regime jurídico. Não se vê, pois, como haja um erro grosseiro e manifesto na aplicação do direito. Um erro deste tipo existiria se o acórdão recorrido tivesse aplicado o regime jurídico da indemnização por mora do devedor relativo a obrigações pecuniárias ao ressarcimento dos danos que a A. concretamente alegou, danos que o legislador, a doutrina e a jurisprudência nacionais relacionam com os “lucros cessantes”. Não enferma, deste modo, o acórdão recorrido de qualquer erro de direito manifesto ou grosseiro.

Mas a ora reclamante sustenta a necessidade de reforma do acórdão com base em outros argumentos. Vejamos.
Afirma a reclamante que, contrariando o que estava firmado no acórdão do TCAS, o acórdão recorrido afastou a ilicitude e culpa do Estado-juiz pelo alegado atraso na justiça. Acresce a isso que terá pretensamente “condenado” a então recorrente “por defender o seu direito constitucional de propriedade para tanto exercendo direitos processuais que a Lei lhe atribui” – tendo o acórdão recorrido, no entanto, a demontra[do] a dignidade suficiente para não imputar à Recorrente a responsabilidade daquela usar dos seus direitos processuais em recorrer, reclamar, etc.” (cfr. artigo 32.º da reclamação).
A partir da leitura objectiva do trecho do acórdão recorrido em que é tratado este específico aspecto, podem extrair-se algumas ilações: a de que os processos expropriativos são processos muito complexos e de elevada litigiosidade, e a de que, tendo em conta as vicissitudes ocorridas e a circunstância de as partes terem utilizado os vários meios processuais e não processuais à sua disposição, não se pode afirmar que houve uma actuação desrespeitadora e culposa do Estado-juiz que tivesse conduzido a uma dilação excessiva na realização da justiça.
No que respeita à circunstância de este Supremo Tribunal não ter acompanhado o TCAS quanto à questão da ilicitude e culpa do Estado-juiz pelo alegado atraso na justiça, certamente que a reclamante sabe que o STA não tem de acompanhar as decisões dos tribunais centrais quando, em sede de revista, aprecia e decide as questões objecto de recurso.

Mas mais. No que concerne ao suposto atraso na transferência dos montantes indemnizatórios pagos pela entidade expropriante para a conta da recorrente, a ora reclamante sustenta que “o douto Ac. sempre encontra a justificação, ainda que não jurídica, que não aparentemente opinativa, para «(…) seja apenas fruto da aplicação de regras e procedimentos financeiros de uma tramitação normal de determinados procedimentos que há a cumprir”.
Atentemos na frase contida no acórdão recorrido, sem truncaduras: “Por outro lado, não consta da matéria de facto provado que a demora na transferência dos montantes indemnizatórios tenha resultado de uma actuação ilícita e culposa do Estado-juiz e que não seja apenas o fruto da aplicação de regras e procedimentos financeiros, orçamentais e burocráticos – em suma, que não seja fruto de uma tramitação normal de determinados procedimentos que há que cumprir”. Das duas uma: ou a ora reclamante não leu a frase completa ou não compreendeu o seu sentido. É que a justificação jurídica está lá: “não consta da matéria de facto provado que a demora na transferência dos montantes indemnizatórios tenha resultado de uma actuação ilícita e culposa do Estado-juiz e que não seja apenas o fruto da aplicação de regras e procedimentos financeiros, orçamentais e burocráticos” [negrito nosso].
Em suma, e sem necessidade de mais esclarecimentos, o acórdão recorrido não enferma de qualquer erro – muito menos de erro determinado por lapso ostensivo ou grosseiro – quanto ao direito aplicado que justifique a alteração da decisão reclamada.

A reclamante sublinha ainda que “em total negação da evidência, ainda entende que mesmo no atraso da ordem de pagamento do Estado-Tribunal cujo montante é depositado à sua tutela pela entidade expropriante, o atraso assinalável é devido a questões orçamentais e burocráticas” (cfr. art. 32.º, C) da reclamação). Certamente que a ora reclamante não se deu conta de que esta ‘questão’ que agora autonomiza está tratada de forma abrangente a pp. 36 e ss. do acórdão recorrido, começando a ser tratada na parte que se inicia do seguinte modo: “No que se refere ao alegado atraso na transferência dos montantes indemnizatórios pagos pela entidade expropriante para a conta da recorrente (…)”. Ora, sobre esta questão já nos debruçámos nos três últimos parágrafos, não sendo necessárias mais observações.

Finalmente, a ora reclamante não parece conformar-se com as pretensas teses desenvolvidas no acórdão recorrido sobre o conceito de morosidade na administração da justiça. Com efeito, a reclamante afirma o seguinte: “Na verdade a argumentação/fundamentação aduzida no Ac. vai ao arrepio do que se dispõe na Lei e, aduz um lapso do julgador na fixação dos factos e, também, em consequência, na interpretação e aplicação da Lei que necessariamente deverá ser retrogada por outro de melhor aplicação normativa”; e, “Ao acolher-se a tese vertida no douto Ac. em que os conceitos de morosidade na administração da justiça, a definição do que prescreve o Cód. Das Expropriações, o artigo 22º. da CRP, o artigo 12º da Lei 67/2007 de 31-12, a própria CEDH no artigo 6º. e seu artigo 1º. do Protocolo Adicional nº. 1, e bem assim, a jurisprudência consolidada quer deste STA quer do próprio TEDH, seja, necessariamente por força do que deverá com a presente repor-se a bem do Direito e da Justiça, quer por via da Juridicatura de Estrasburgo, dúvidas não merecem a reposição da boa aplicação normativa sub judice”.
No desenvolvimento deste seu ‘novo’ fundamento, a ora reclamante repisa argumentos já atrás analisados, apreciados e decididos, como sejam, o de que o acórdão recorrido não seguiu a jurisprudência nacional e europeia sobre o conceito de “prazo razoável”; o de que o acórdão recorrido acusou e condenou a ora reclamante pelo atraso na justiça; o de que o acórdão recorrido fundamentou em “suposições de carácter opinativo que não jurídico” a sua decisão de não considerar ter o Estado-juiz actuado com ilicitude e dolo, para mais, “em contraponto” com a decisão do TCAS. Sobre todas elas já nos pronunciámos, não vendo razão para repetir tudo o que já foi dito (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi dos arts. 1.º e 140.º do CPTA).

Ainda a propósito da necessidade de reforma do acórdão, e ao que tudo parece indicar, a ora reclamante insurge-se quanto à decisão adoptada no acórdão recorrido relativamente à questão dos danos com os honorários do advogado, questão esta que o TCAS tinha decidido a seu favor. Segundo a mesma reclamante, o erro na aplicação do direito assenta na circunstância de o acórdão recorrido não ter acatado a factualidade. Mais concretamente, o acórdão recorrido, em face da factualidade, devia ter considerado que houve um atraso na justiça. Sucede que, pelos motivos expostos no acórdão recorrido e aqui reproduzidos, entendeu este Supremo Tribunal que não se verificava um atraso na justiça imputável a actuação ilícita e culposa do Estado. Ou seja, a reclamante discorda da apreciação jurídica da matéria de facto que foi feita por este tribunal, não apresentando, contudo nenhum argumento que nos pudesse levar a concluir ter este Supremo Tribunal incorrido em erro grosseiro e manifesto susceptível de justificar a reforma da decisão reclamada, nos termos do artigo 616.º do CPC, aplicável ex vi dos arts. 1.º e 140.º do CPTA. Improcede, desta forma, a reclamação também nesta parte.

Na parte final da sua reclamação, a ora reclamante retoma a questão dos danos não patrimoniais resultantes do alegado atraso na justiça. Fundamentalmente, critica o acórdão recorrido em dois aspectos.
Em primeiro lugar, porque se dispensou de se pronunciar sobre a alegada presunção legal (e não apenas “presunção”!). Vejamos.
No acórdão recorrido dispensou-se o conhecimento da tal presunção que segundo a ora reclamante decorre da CEDH, porque, uma vez que este Supremo Tribunal não se podia pronunciar sobre a questão dos danos não patrimoniais decorrentes do suposto atraso na justiça, não teria cabimento discorrer sobre uma tal presunção, v.g., sobre a sua natureza e alcance.
Em segundo lugar, e agora, nesta sede, invocando o artigo 496.º do CC, e citando jurisprudência deste STA, critica o acórdão recorrido porque este desconhece que, em consequência do atraso na justiça, surge para quem fica por ele prejudicado “uma forte presunção legal” relativamente à ocorrência de danos não patrimoniais. Que dizer quanto a isto?
Desde já, não há que confundir presunção legal com presunção natural. Dispensando-nos de definir a primeira, temos como adquirido que as presunções naturais podem ser fixadas pelos tribunais de acordo com a sua experiência (segundo Manuel de Andrade, as “presunções naturais – de facto (praesumptiones iuris), judiciais, simples ou de experiência” são “as que resultam da experiência (das máximas da experiência), do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos (regras da vida, quod plerumque accidit), sendo livremente apreciadas pelo juiz (art. 351.º)” – cfr. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pp. 214-5).
Além disso, e tendo em mente que os juízes podem dar por presumido um facto com base nos ensinamentos que retiraram da experiência, e não perdendo de vista os acórdãos citados pela ora reclamante, pode concluir-se que quando haja um “atraso significativo na actuação da justiça” ou quando se constate “uma violação do art. 06.º, § 1.º da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em tempo razoável”, poderá a vítima desse atraso significativo ou da violação do artigo 6.º da DEDH gozar de uma presunção natural de um dano não patrimonial. Sucede que no caso dos autos, como já foi dito e repetido, não se julgou verificado um atraso na justiça imputável ao Estado. Ou seja, no caso dos autos sempre faltará o pressuposto de aplicação da tal presunção natural mencionada nos arestos deste STA.
Por último, mas não menos importante, e correndo o risco de nos repetirmos ad nauseam, a questão dos danos patrimoniais por alegado atraso na justiça não foi apreciada e julgada no acórdão recorrido.

Em face de todo o exposto, e em síntese, a ora reclamante não logrou demonstrar qualquer lapso do juiz – e, muito menos, lapso manifesto – que tenha implicado “erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”. De igual modo, não logrou provar que constavam “do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”. Dito de outro modo, a argumentação despendida pela ora reclamante não se mostra idónea para atestar da verificação dos pressupostos de aplicação do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, aplicável ex vi dos arts. 1.º e 140.º do CPTA.


III – Decisão


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em indeferir a presente reclamação.


Custas do incidente a cargo da recorrente, aqui reclamante.

Lisboa, 21 de Março de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Jorge Artur Madeira dos Santos.