Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:09/11
Data do Acordão:05/04/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ILEGALIDADE CONCRETA DA LIQUIDAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:Se os recorrentes não invocaram na petição de impugnação “a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, antes que “a falta de notificação, nos termos legais, para o início da inspecção teve como consequência a caducidade do direito à liquidação”, impõe-se concluir inexistir o julgado erro na forma de processo, pois que a prática do acto de liquidação para além do prazo de que para tal a Administração fiscal dispõe fere de ilegalidade a liquidação praticada, por caducidade do direito à liquidação do imposto, ilegalidade esta que deve ser conhecida em impugnação judicial atento a que nos termos do artigo 99.º do CPPT constitui fundamento de impugnação “qualquer ilegalidade”.
Nº Convencional:JSTA00066940
Nº do Documento:SA22011050409
Data de Entrada:01/05/2011
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 2010/09/23 PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART125 N1 ART203 ART204 ART99.
CPC96 ART668 N1 D ART660 N2.
Referência a Doutrina:JOAQUIM GONÇALVES - A CADUCIDADE FACE AO DIREITO TRIBUTÁRIO IN PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG232-237.
JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VOLI PAG707.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A… e B…, com os sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 23 de Setembro de 2010, que na impugnação por eles deduzida contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico tendo por objecto IRS do ano de 2002 julgou procedente a excepção de inadequação da forma processual, insusceptível de convolação por intempestividade, absolvendo a Fazenda pública da instância, por força do disposto no artigo 493º, nº2, do C.P.C., aplicável por remissão do art. 2º, al. e), do C.P.P.T..
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.º A sentença por não se ter pronunciado sobre as questões suscitadas pelos impugnantes, enquadradas nas causas de pedir e sintetizadas no pedido, ficou ferida de nulidade, o que se reclama e pede que a mesma seja declarada, atento o disposto no art. 125.º do CPPT.
2.º A sentença, ao ter indevidamente enquadrado como fundamentos da impugnação a notificação da liquidação após a sua caducidade, por vícios de forma da Ordem de Serviço do procedimento inspectivo, ficou igualmente ferida de nulidade por se ter pronunciado sobre questão de que não podia conhecer, a qual se reclama e pede que seja declarada, nos termos do art. 125.º do CPPT.
3.º Os impugnantes, contrariamente ao afirmado na douta sentença a fls. 3, na sua petição invocaram como fundamento legal da anulação das liquidações, a caducidade do direito á liquidação, atenta a falta de notificação do início do procedimento de inspecção, não se suspendeu o prazo de caducidade, ou a mesma foi feita na data em que foi assinada a nota de diligência (06/02/2008), em todo o caso esta data era posterior ao da caducidade dos tributos sujeitos à inspecção IRS e IVA do ano de 2003, pelo que as liquidações assim efectuadas, constituíram uma ilegalidade equivalente a todas as outras de que trata o art. 99º do CPPT.
4.º A douta sentença ao referir que na petição inicial não foi invocado nenhum fundamento legal de anulação ou inexistência do acto impugnado errou na determinação das disposições legais aplicáveis ao caso, teve em conta as normas contidas na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º e n.º 4 do artigo 98.º do CPPT e devia ter tido em conta as normas constantes dos artigos 51º do RCPIT, 45º e 46ª da LGT e 99ª do CPPT.
5.º Devendo, por conseguinte, ser conhecidas e declaradas as invocadas nulidades e, ou revogada a douta sentença recorrida, e ordenada a sua baixa à 1.ª instância, a fim de ser apreciado o fundamento da ilegalidade das liquidações consistente na caducidade do direito em as efectuar.
Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença recorrida ser revogada, e ordenado o que este Venerando Tribunal tiver por conveniente, assim se fazendo JUSTIÇA.
2 - Contra-alegou a recorrida, concluindo do seguinte modo:
I. Á discussão do Supremo Tribunal é a trazida a nulidade da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria onde se decidiu pelo erro na forma de processo e impossibilidade de convolação na adequada forma processual uma vez que se mostrou ultrapassado o prazo para a sua dedução.
II. Os argumentos invocados pelo impugnante para sustentar tal nulidade respeitam a: por um lado excesso de pronúncia, porquanto a douta decisão se fundou no argumento, não alegado, de que a notificação da liquidação foi efectuada para além do prazo do exercício do direito à liquidação, quando o que arguiu na p.i. foi que não tendo a Ordem de serviço do procedimento inspectivo sido notificada, não se produziu a suspensão do prazo de caducidade, donde a liquidação foi efectuada para além do prazo de caducidade; e por outro, na omissão de pronúncia, porquanto não se apreciou o vício de forma relacionado com a notificação da Ordem de serviço e a subsequente circunstância de a liquidação ter sido efectuada para além do prazo de caducidade.
III. Ora, salvo melhor entendimento, e com o devido respeito por opinião diversa, parece-nos que o pedido do impugnante não se funda noutro argumento que não seja o da caducidade do direito à liquidação, quer a caducidade tenha sido motivada, como defende, por a liquidação ter sido efectuada depois de decorrido o prazo para o exercício do direito á liquidação, quer derivasse de ter sido a notificação a ser realizada após o decurso daquele prazo.
IV. No caso presente a questão a decidir é a ilegalidade da liquidação por caducidade do direito ao seu exercício, e a matéria alegada pelo impugnante para sustentar a caducidade é a de que o procedimento inspectivo não se suspendeu porque não foi observado o formalismo da notificação da Ordem de Serviço, sendo que, sem a suspensão, a liquidação foi efectuada após o decurso do prazo de que a AT dispunha para o efeito.
V. Ora, na douta sentença teve-se em consideração a questão suscitada pelo impugnante – a caducidade – e conheceu-se da excepção peremptória da extemporaneidade da acção, que além de ser de conhecimento oficioso, também foi invocada em sede de contestação.
VI. É ponto assente que o juiz não tem o dever de pronunciar-se sobre toda a matéria alegada, mas antes tem o dever de seleccionar a que interessa para a decisão da causa.
VII. Assim sendo, é absoluto o acerto da douta decisão, que não ocorreu em vício nem de omissão de pronúncia, nem em excesso da mesma, mostrando-se totalmente isenta de reparos.
Nestes termos e nos melhores de direito, promove-se a improcedência do presente recurso.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Alegam os recorrentes que a sentença ao não se ter pronunciado sobre as questões suscitadas pelos impugnantes, enquadradas nas causas de pedir e sintetizadas no pedido, ficou ferida de nulidade nos termos do disposto no artº 125 do CPPT.
E que também terá incorrido em nulidade por se ter pronunciado sobre questão de que não podia conhecer, nomeadamente «por ter indevidamente enquadrado como fundamentos da impugnação a notificação da liquidação após a sua caducidade, por Vícios de forma da Ordem de Serviço do procedimento inspectivo».
Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
Não há, nem os recorrentes demonstram nulidade da decisão recorrida por omissão ou excesso de pronúncia.
Na verdade resulta da análise da decisão recorrida, que o tribunal a quo se pronunciou expressamente sobre a questão da falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, que aliás constituía o único fundamento da impugnação.
A apreciação da decisão recorrida sobre tal questão está exarada naquela peça processual – fls. 40 e 41 – sendo patente que não há qualquer omissão de pronúncia.
Poderá discordar-se de tal entendimento, mas aí haveriam de ser invocados outros fundamentos, que não a referida nulidade.
Não se verifica, pois, qualquer omissão.
Do mesmo modo improcederá a argumentação relativa a um putativo excesso de pronúncia.
Há aqui até alguma confusão dos recorrentes quanto ao conceito de excesso de pronúncia.
Diremos mais, sobre esta questão há até contradição nos termos em que são formuladas as conclusões 1 e 2 das alegações de recurso.
Resulta com efeito do art. 668º. n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como referem José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de processo Civil Anotado,l Vol. I, pag. 670 o juiz deve conhecer «de todas as questões que lhe sejam submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…) Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (art. 660-2), é nula a sentença em que o faça».
Ora no caso, tendo os recorrentes fundado o pedido de impugnação na falta de notificação da liquidação após a sua caducidade, por vícios de forma da Ordem de Serviço do procedimento inspectivo a sentença recorrida não poderia deixar de conhecer, como conheceu, dessa questão, que era uma das que lhe haviam sido submetidas.
Acresce dizer, finalmente, que quer a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocados tais fundamentos (ver neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.01.2009, recurso 638-08, in www.dgsi.pt).
Daí que se entenda que, ao invés do que sustentam os recorrentes, a decisão recorrida também não merece censura, nesta parte.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido que não padece das nulidades que lhe são apontadas.
Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 79 a 81 dos autos), nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Importa previamente determinar se, como alegado, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia.
Improcedendo as alegadas nulidades, haverá que conhecer do mérito do recurso e ajuizar se a sentença, ao ter julgado verificado erro na forma de processo, padece de erro de julgamento.
5 – Apreciando.
Alegam os recorrentes ser a sentença nula por omissão e por excesso de pronúncia, omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre as questões suscitadas pelos impugnantes, enquadradas nas causas de pedir e sintetizadas no pedido (cfr. conclusão 1.ª das suas alegações de recurso); excesso de pronúncia por ao ter indevidamente enquadrado como fundamentos da impugnação a notificação da liquidação após a sua caducidade, por vícios de forma da Ordem de Serviço do procedimento inspectivo (…) se ter pronunciado sobre questão de que não podia conhecer (cfr. conclusão 2.ª das suas alegações de recurso).
A Meritíssima juíza “a quo” sustentou o decidido, por não se lhe afigurar que a sentença padeça de qualquer vício (fls. 72).
Também a recorrida e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal se pronunciam no sentido de que a sentença recorrida não padece das nulidades que lhe imputam os recorrentes.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC) a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomas conhecimento sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
No caso dos autos, a sentença recorrida interpretou os fundamentos da impugnação deduzida como sendo a notificação da liquidação após a sua caducidade, por vícios de forma da Ordem de Serviço do procedimento inspectivo (cfr. sentença recorrida, a fls. 40), e, entendendo que a impugnante invoca como único fundamento da impugnação a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade, decidiu que tal fundamento não era invocável por via de impugnação judicial, antes por constituía fundamento de oposição à execução fiscal, verificando-se, pois, erro na forma do processo, insusceptível de convolação na forma processual adequada pois que entre a data da citação e a dedução da presente impugnação decorreram mais de trinta dias (art. 203.º do CPPT) pelo que não é legalmente admissível a convolação da impugnação em oposição, razão pela qual julgou verificada a excepção de inadequação da forma processual e absolveu a Fazenda Pública da instância (cfr. sentença recorrida, a fls. 41 a 44 dos autos).
Interpretada do modo que o foi a petição inicial de impugnação, a decisão tomada não merece censura, pois que o erro na forma de processo insusceptível de convolação obsta ao conhecimento do mérito da causa, pelo que, nesse pressuposto, não há omissão de pronúncia.
E não há, igualmente, excesso de pronúncia, pois que os termos pouco claros da petição inicial de impugnação (a fls. 3 a 10 dos autos) deram azo a que o tribunal “a quo” interpretasse o fundamento invocado como sendo o da “falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade”, e não, como agora vem esclarecido, como sendo a caducidade do direito á liquidação, atenta a falta de notificação do início do procedimento de inspecção, não se suspendeu o prazo de caducidade, ou a mesma foi feita na data em que foi assinada a nota de diligência (06/02/2008), em todo o caso esta data era posterior ao da caducidade dos tributos sujeitos à inspecção IRS e IVA do ano de 2003, pelo que as liquidações assim efectuadas, constituíram uma ilegalidade equivalente a todas as outras de que trata o art. 99º do CPPT.
Improcedendo, embora, as alegadas nulidades, há, contudo que reconhecer razão aos recorrentes quanto ao mérito do recurso.
É que, atento o prestado esclarecimento sobre o sentido do fundamento que na petição inicial se pretendia ver apreciado e constatando-se que, de facto, os recorrentes não invocaram como fundamento de impugnação na sua petição “a falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade” - fundamento de oposição previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT-, mas antes que “a falta de notificação, nos termos legais, para o início da inspecção teve como consequência a caducidade do direito à liquidação” (cfr. o art. 20.º e ss. da p.i.), há que reconhecer que tal fundamento constitui fundamento próprio de impugnação judicial, pois que a prática do acto de liquidação para além do prazo de que para tal a Administração fiscal dispõe fere de ilegalidade a liquidação praticada, por caducidade do direito à liquidação do imposto (cfr. JOAQUIM GONÇALVES, «A caducidade face ao direito tributário», in AAVV, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Lisboa, Vislis, 1999, pp. 232/237), ilegalidade esta que deve ser conhecida em impugnação judicial atento a que nos termos do artigo 99.º do CPPT constitui fundamento de impugnação “qualquer ilegalidade”.
Como escreve JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, I Volume, 5.ª edição, 2006, p. 707, nota 4 ao art. 99.º do CPPT) «Há casos em que a própria liquidação é feita após o termo do prazo legal aplicável, casos em que a própria liquidação é feita em violação de lei. Nestes casos, a falta de notificação dentro do prazo não assume relevância autónoma, pois o próprio acto é ilegal, por ter sido praticado intempestivamente».
No caso dos autos, se houver que concluir que o prazo de caducidade do direito à liquidação não se suspendeu em virtude do procedimento de inspecção (por irregularidades das notificações nele efectuadas) ter-se-á de concluir que a impugnada liquidação de IRS foi efectuada já após se ter esgotado o prazo de que a Administração fiscal dispunha para determinar o montante do imposto devido, o que ferirá de ilegalidade a liquidação impugnada.
Nestes termos, haverá que conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida que julgou verificado erro na forma de processo, baixando os autos ao tribunal “a quo” para que conheça do invocado fundamento de impugnação judicial.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, baixando os autos à primeira instância para que prossigam se a tal nada mais obstar.
Custas pela recorrida Fazenda Pública, que contra-alegou.
Lisboa, 04 de Maio de 2011. – Isabel Marques da Silva (relatora) – António Calhau – Dulce Neto.