Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0251/13
Data do Acordão:04/24/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PIRES ESTEVES
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
EXTINÇÃO
FREGUESIA
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - O recurso inadmissivelmente interposto de um despacho do relator é susceptível de ser convolado em reclamação para a conferência caso se mostre deduzido no prazo deste meio impugnatório.
II - Ao editar as Leis n.º 22/2012, de 30/5, e n.º 11-A/2013, de 28/1, a Assembleia da República exerceu, em ambas, a mesma actividade político-legislativa, ligada à reconfiguração territorial das freguesias.
III - A complementaridade entre os dois diplomas impregna-os dessa mesma natureza, de modo que se deve recusar, às definições individuais insertas no segundo deles, uma índole simplesmente administrativa.
IV - A impugnação das referidas definições não pode fazer-se no «âmbito da jurisdição administrativa» (art. 4º, n.º 2, al. a), do ETAF), em via principal ou a título cautelar.
V - Assim, há que, indeferindo a reclamação para a conferência, confirmar o despacho do relator que rejeitara «in limine» o pedido de suspensão da eficácia do acto que extinguiu a individualidade de uma freguesia.
Nº Convencional:JSTA000P15617
Nº do Documento:SA1201304240251
Data de Entrada:02/20/2013
Recorrente:JUNTA DE FREGUESIA DE CONCAVADA
Recorrido 1:AR
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

A Junta de Freguesia de Concavada, concelho de Abrantes veio reclamar para a conferência do despacho de 26/2/2013 (fls. 65 a 69) que rejeitou o pedido de suspensão de eficácia da decisão da Assembleia da República que extinguiu e fez cessar juridicamente a freguesia de Concavada pela sua agregação numa nova Junta de Freguesia denominada União das Freguesias de Alvega e Concavada, aprovada pelos arts. 3º e 4º e pelo Anexo I da Lei nº11-A/2013, de 28 de Janeiro.

Nas suas alegações formula a recorrente as seguintes conclusões:
1ª-O despacho recorrido indeferiu liminarmente a providência cautelar intentada pela ora recorrente por ter entendido que o acto cuja suspensão fora requerida se inseria na reserva absoluta da competência da Assembleia da República, pelo que era um acto político-legislativo, cuja apreciação não competia à jurisdição administrativa ex vi do disposto no nº2 do artº4º do ETAF.
2ª-A decisão em recurso enferma da nulidade prevista na alínea a) do nº1 do artº668º do CPC, uma vez que o artigo 17º do ETAF determina que o julgamento em cada secção compete ao relator e a dois juízes e a faculdade conferida pela al.f) do nº1 do artº27º do CPTA não abrange a “…a rejeição do próprio pedido ou sequer, da instância, deduzida com fundamento na sua improcedência ou inadmissibilidade…” (ver: Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF Anotados, Vol. I, pág. 222), pelo que, ao não ter sido proferida nem assinada por três dos venerandos juízes conselheiros, a rejeição liminar da providência incorreu na nulidade prevista na citada norma do CPC.
3ª-Salvo o devido respeito, julga-se que, ao rejeitar liminarmente a providência cautelar, o despacho recorrido revela precipitação e simplifica o que era complexo, deixando por analisar e aprofundar uma questão cuja complexidade era inegável e que seguramente mereceria um desenvolvimento jurídico mais completo por parte do órgão jurisdicional mais importante em matéria de contencioso administrativo. Na verdade,
4ª-A circunstância de haver uma reserva de lei em matéria de constituição e extinção das autarquias locais não é por si só determinante da inexistência de um acto administrativo ou da necessária qualificação da decisão que extingue uma determinada junta de freguesia como um acto político ou legislativo, razão pela qual mal andou o despacho em recurso ao rejeitar liminarmente a providência cautelar com o argumento de haver uma reserva de competência legislativa. Com efeito,
5ª-Não só a existência de uma reserva de lei não invalida que a lei exercita tal competência integra actos administrativos – como sucede, por exemplo, com a declaração de utilidade pública de um imóvel que consiste de uma lei da Assembleia da República ou com a lei que proíba a existência de uma determinada força política –, como seguramente a reserva absoluta de competência prevista na al.n) do artº164º é restrita ao regime que há-de disciplinar a criação, extinção e modificação das autarquias e já não aos concretos actos de criação ou extinção dessas mesmas autarquias (ver: Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., pág.667), pelo que o argumento da reserva de lei não é determinante, não impedindo que a decisão de extinguir uma concreta autarquia local, constante de uma lei em sentido formal, não possa ou não deva ser qualificada como um acto administrativo. Acresce que,
6ª-A existência de uma reserva de competência da Assembleia da República não invalida que os Tribunais Administrativos se possam pronunciar sobre os concretos actos de extinção de tais autarquias ou se deva esquecer a reserva de jurisdição consagrada no artigo 202º da Constituição (ver: neste sentido, Maria Lúcia Amaral, Separação horizontal e separação vertical de poderes, Funções de Estado e autonomia local, CJA 24º, págs. 29 e 30), pelo que onde houver direito susceptível de ser dito num caso concreto e onde houver uma relação material controvertida existirá uma reserva de jurisdição e, como tal, podem os Tribunais pronunciar-se mesmo sobre matérias formalmente legislativas e incluídas na reserva de competência do legislador (ver: A. E ob. E págs. cit.).
7ª-Ora, na situação presentemente em apreço há claramente uma relação material controvertida – decorrente da extinção da ora requerente – e sobretudo, existe direito para ser dito no concreto caso da extinção da ora requerente, uma vez que a lei nº22/2012 fixou os princípios e as regras pelas quais se processaria a reorganização administrativa do território e seriam determinadas as juntas de freguesia que seriam extintas, pelo que competia à jurisdição administrativa aferir se a decisão de extinguir a ora requerente respeitara ou não as regras e os princípios anteriormente definidos. Consequentemente,
8ª-Ao rejeitar liminarmente a providência cautelar com o argumento da existência de uma reserva de lei da Assembleia da República, o despacho impugnado atendeu a uma circunstância que não é determinante nem impeditiva da existência de um acto administrativo nem do funcionamento da reserva de jurisdição dos Tribunais Administrativos, violando frontalmente o disposto no artº202º da Constituição, o artº4º do ETAF e o artº116º do CPA. Acresce que,
9ª-O despacho em recurso incorreu ainda em erro de julgamento quando qualifica a decisão cuja suspensão se requereu como um acto normativo e, consequentemente, rejeita liminarmente a providência cautelar com fundamento nessa circunstância e na impossibilidade de a jurisdição administrativa apreciar actos legislativos. Com efeito,
10ª-É hoje pacífico que quer a constituição quer a lei asseguram o direito à impugnação de actos administrativos independentemente da sua forma – o que significa que a garantia de impugnação abrange igualmente os actos administrativos contidos na lei ou praticados sob forma de lei (ver: Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., pág.940) – pelo que só se estará perante um acto legislativo se ele se caracterizar pela generalidade e a abstracção, uma vez que se estiver perante uma decisão individual e concreta incorporada numa lei já se estará perante um acto administrativo, que pode ser objecto de impugnação nos tribunais administrativos, justamente, por apesar de surgir sob a forma de lei, incorporar um comando individual e concreto, que regula a situação individual e concreta de uma pessoa, entidade ou bem (ver: Jorge Miranda, Decreto, in DJAP, Vol. III, págs. 410 a 416). Ora,
11ª-Uma simples leitura dos arts. 4º e 9º nº3 e da Coluna A do Anexo I à Lei nº11-A/2013 permite facilmente concluir que ali se determinou a extinção e cessação jurídica da ora requerente enquanto pessoa colectiva, pelo que é por demais notório o erro em que incorreu o despacho em recurso ao considerar que se estava perante um acto normativo, uma vez que, apesar de constar de uma lei em sentido formal, materialmente está-se perante uma decisão que, alegadamente com base na aplicação de regras e princípios previamente definidos por outra lei, procedeu à definição da situação individual e concreta da ora requerente enquanto pessoa colectiva, determinando a cessação da sua existência jurídica. Por fim,
12ª-O despacho em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao qualificar como acto político a decisão que extinguiu juridicamente a ora requerente, consubstanciada nos arts. 4º, 9º nº3 e Anexo I da Lei nº11-A/2013, uma vez que a função política é uma actividade primária e de exclusiva subordinação à constituição e a decisão de extinguir a ora requerente como pessoa colectiva é uma actividade secundária, de estrita aplicação dos critérios, princípios e orientações previamente definidas na Lei nº22/2012, pelo que a haver algum acto político ele foi o que decidiu reorganizar o território autárquico – consubstanciado na citada na Lei nº22/2013 – e nunca o que, em aplicação de critérios legais previamente definidos, elegeu uma concreta Junta de Freguesia – a requerente – como tendo de ser extinta.
13ª-Aliás, sendo esta natureza primária e a exclusiva subordinação à Constituição duas das características fundamentais da actividade política, é por demais inegável que não se poderá qualificar como político o acto de qualquer órgão estadual que for simultaneamente regulado por uma norma com o valor de lei, uma vez que o conteúdo dos actos políticos não é fixado ou demarcado por normas de legislação ordinária (ver: neste sentido, Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, 1976, Vol. I, págs. 74 e 75).
14ª-Semelhante circunstância é por si só suficiente para se negar ao acto que procede à extinção da requerente a qualidade de acto político, uma vez que a decisão de se extinguir a ora requerente foi alcançada pela aplicação dos critérios objectivos e orientações previamente definidos pela função política e concretizados na Lei nº22/2012, pelo que é notório o erro de julgamento. Assim sendo,
15ª-A extinção da requerente enquanto pessoa colectiva não é fruto de uma decisão estritamente política, antes sendo o resultado da aplicação de critérios, princípios e regras previamente definidos pela política e que foram plasmados numa lei anterior – a Lei nº22/2012 – pelo que se se quiser continuar a sustentar que a função política é uma actividade primária, exclusivamente subordinada à Constituição, seguramente não se poderá qualificar como decisão política o acto que, por aplicação de critérios previamente definidos na lei ordinária, elege a Junta de freguesia que, de acordo com tais critérios, deve ser extinta.
16ª-O despacho em recurso confundiu, por isso, o que não podia nem devia ser confundido, uma vez que uma coisa é a decisão de organizar o território e de definir as regras e os princípios em que a mesma deve assentar – acto político por excelência – e outra, completamente diferente, é proceder à concreta organização e eleger as autarquias que, à luz das regras e princípios definidos por aquele prévio acto político legislativo, devem ser extintas e cessar juridicamente - o que é uma actividade administrativa de estrita aplicação da lei – o que é o mesmo que dizer que se a decisão de organizar o território municipal é uma decisão político-legislativa, já a concreta decisão de extinguir uma dada junta de freguesia é uma decisão administrativa, que deve respeitar as regras, os princípios e o procedimento previsto na Lei.

Vêm agora os autos à conferência sem os vistos legais.

O recurso interposto do despacho do relator foi convolado para reclamação para a conferência (fls.98).

Torna-se necessário conhecer o despacho ora censurado, pelo se transcreve:
““Entende a requerente que a Lei nº11-A/2013 (arts. 3º e 4º e Anexo I) ao agregar numa nova Freguesia denominada União das Freguesias de Alvega e Concavada, as freguesias de Concavada e Alvega está a praticar um ato administrativo vindo do mesmo requerer a sua suspensão de eficácia.
Não se questiona que um ato administrativo nos pode aparecer na forma de ato normativo (maxime: legislativo).
E se tal acontecer, não é pelo facto de o ato administrativo nos aparecer “travestido” desta forma que torna impossível o seu controlo pelos tribunais (artº52º nº1 do CPTA).
Para que haja tal controlo pelos tribunais temos que estar em primeiro lugar perante um ato administrativo, formal ou materialmente.
Uma vez perante um ato desta natureza então passa-se a averiguar se se verificam os requisitos legalmente exigidos para que se possa impugnar.
Embora a Assembleia da República seja o órgão legislativo por excelência (arts. 161º, 164º e 165º, todos da Constituição da República Portuguesa) pode, todavia, praticar actos materialmente administrativos.

O conceito de ato administrativo está vertido no artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo, onde o mesmo é definido, como “uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.
Numa primeira abordagem, seríamos tentados a defender que a Assembleia da República não pratica actos administrativos pela simples razão que a mesma não é um órgão da Administração, por não vir enunciado como tal no artº2º nº2 do CPA.
Só que esta posição fica irremediavelmente afastada porque o nº1 deste mesmo artigo 2º nos diz que “as disposições deste Código aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, bem como aos actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvam funções materialmente administrativas”.
Os actos administrativos são-no ou porque foram praticados por órgãos da Administração (actos organicamente administrativos) ou porque praticados por outros órgãos do Estado, todavia, versam sobre matéria administrativa (actos materialmente administrativos).
Todavia, quer ambas as espécies de actos administrativos são impugnáveis nos termos do artigo 51º nºs 1 e 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
Aqui chegados, cabe perguntar qual a natureza da decisão da Assembleia da República que extinguiu e fez cessar juridicamente a freguesia de Concavada pela sua agregação numa nova Junta de Freguesia denominada União das Freguesias de Alvega e Concavada.
A resposta vem dada no artigo 164º al.n) da CRP. Neste preceito refere-se que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre «a criação, extinção e modificação de autarquias locais e respectivo regime…»”.
Sobre este preceito escreve Gomes Canotilho e Vital Moreira que “o que esta alínea reserva para a A.R. é o regime que há-de disciplinar a criação, a extinção e modificação de autarquias locais, e não estes mesmos actos (os quais devem revestir eles mesmos forma legislativa: (cfr. arts. 235 nº4, 246º e 253º). A criação concreta (bem como a extinção ou modificação) podem, depois, na base dessa lei, ser efectuadas por outro ato legislativo da própria AR, do Governo ou das Assembleias Legislativas das regiões autónomas (cfr. artº227º-1/l), conforme os casos” (CRP Anotada, 4ª edição revista, 2º Volume, pág. 315).
Trata-se tal decisão de um ato praticado no exercício da função político-legislativa.
As funções do Estado são os actos praticados pelos seus órgãos destinados à prossecução de um fim comum (Jorge Miranda, in DJAP-Vol. IV, págs. 416 e ss.).
Estas funções podem ser primárias e secundárias. As primeiras são a política e a legislativa e as segundas são a administrativa e a jurisdicional (Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1999, pág. 10 E 11 e Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 17).
A função legislativa é a actividade permanente do poder político consistente na elaboração de regras de conduta social de conteúdo primacialmente político, revestindo determinadas formas previstas na Constituição (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, 1º vol., 1999, pág. 11).
A função política é a actividade dos órgãos do Estado cujo objecto directo e imediato é a conservação da sociedade política e a definição e a prossecução do interesse geral mediante a livre escolha dos rumos ou soluções consideradas preferíveis (Prof. Marcelo Caetano, Manual, 10ª ed., 1º vol., pág. 8).
Nas palavras de Sérvulo Correia a função política traduz-se numa actividade de ordem superior, que tem por conteúdo a direcção suprema e geral do Estado, tendo por objectivos a definição dos fins últimos da comunidade e a coordenação das outras funções à luz desses fins (Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 30).
Relembrados estes conceitos de função política e função legislativa, não hesitamos em classificar a decisão em causa praticada pela AR como um ato de natureza político-legislativa.
Tal ato insere-se no regime da reorganização administrativa territorial autárquica, regime este que cabe na direcção suprema e geral do Estado.
Ora, a apreciação dos litígios que advêm da prática de actos de natureza política e legislativa, como sucede com o ato que a requerente põe em causa, está excluída do âmbito da jurisdição administrativa (artº4º nº2 al.a) do ETAF).
Assim, rejeita-se o presente pedido de suspensão de eficácia””.

Pela recorrente, ora reclamante, são feitas duas críticas essenciais ao despacho ora reclamado: 1ª - a nulidade do despacho reclamado, por o relator não poder, sozinho, rejeitar liminarmente a providência, e; 2ª - o mesmo despacho está errado, pois o acto suspendendo, ainda que localizado numa lei, é deveras um acto administrativo, individual e concreto, cingindo-se a natureza política e legislativa da actuação da Assembleia da República à Lei n.º 22/2012, de 30/5, relativamente à qual a Lei n.º 11-A/2013 constitui um modo de execução propriamente administrativo.

Já este STA se pronunciou sobre a matéria em casos em tudo idênticos ao que está agora em análise, de uma forma unânime e reiterada, transcrevendo-se, por com ele se concordar, o decidido no Proc. nº333/2013:

“A recorrente, agora detentora do estatuto de reclamante, acomete o despacho «sub specie» por duas fundamentais vias: diz que ele é nulo, porquanto o relator não podia, sozinho, rejeitar liminarmente a providência; e diz que ele está errado, pois o acto suspendendo, ainda que localizado numa lei, é deveras um acto administrativo, individual e concreto, cingindo-se a natureza política e legislativa da actuação da Assembleia da República à Lei n.º 22/2012, de 30/5, relativamente à qual a Lei n.º 11-A/2013 constitui um modo de execução propriamente administrativo. Reconhecido o acerto da convolação operada pelo relator, cumpre decidir. Quanto à arguição de nulidade, temo-la por fantasiosa. O art. 27º, n.º 1, al. f), do CPTA atribui ao relator a competência para «rejeitar liminarmente os requerimentos e incidentes de cujo objecto não deva tomar conhecimento». Donde parece imediatamente seguir-se que o relator podia indeferir «in limine» a suspensão de eficácia dos autos. Mas, se interpretássemos restritivamente essa alínea por forma a dela excluir os despachos do tipo do agora reclamado, sempre haveríamos de atentar no teor da al. h) do mesmo número e artigo. Dela resulta que ao relator incumbe, ao menos em princípio, «conhecer do pedido de adopção de providências cautelares»; ora, se o relator pode o mais, que é conhecer do mérito de tais providências, há-de também poder o menos, que é rejeitá-las liminarmente. E o que dissemos não é afastável pelo artº17º nº1 do ETAF, onde se prevê que, no STA, «o julgamento em cada secção compete ao relator e a dois juízes». Esta norma fixa uma regra que se vê confirmada pelo art. 27º do CPTA na medida em que este, no seu n.º 2, admite que se reclame para a conferência dos despachos do relator; e que se vê exceptuada em casos do n.º 1 do mesmo art. 27º – mas só na medida em que tais reclamações não sejam deduzidas. Assim, o despacho reclamado não sofre do vício que a reclamante verdadeiramente lhe imputa. E muito menos sofre da falta de assinaturas (provindas de mais dois juízes) que ele denuncia e enquadra no art. 668º, n.º 1, al. a), do CPC. Com efeito, se o despacho (e não o acórdão) é só do relator, absurdo seria que fosse assinado também por outrem – e confrange ver a reclamante a reivindicar isso. Ultrapassado o antecedente ponto, de índole formal, atentemos agora na bondade do despacho reclamado. Na parte que ora nos interessa, tal despacho tem o seguinte teor: «A requerente pretende obter a suspensão da eficácia do acto – incluso no anexo I à Lei n.º 11-A/2013, de 28/1 – que a extinguiu enquanto autarquia individual e a agregou numa nova freguesia. Mas a pretensão é ilegal. A reconfiguração territorial das freguesias corresponde a uma actividade política «par excellence»; e uma tal actuação inscreve-se na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. o art. 164º, al. n), da CRP). Ora, não é verdade que essa índole político-legislativa meramente impregne o conteúdo da Lei n.º 22/2012, de 30/5, e já não as definições insertas na Lei n.º 11-A/2013, que se lhe seguiu – e que, segundo a requerente, conteria matéria simplesmente administrativa. É que tal dissociação entre os dois diplomas é artificiosa, pois recusa as suas manifestas união e complementaridade; e olvida ainda que o objecto, necessariamente individualizado, das «matérias» a que alude aquele art. 164º, al. n), não obstou à qualificação constitucional dessas pronúncias da Assembleia da República como legislativas – e, acrescentamos nós, também políticas, aliás em elevado grau. Sendo assim, o acto suspendendo tem natureza política e legislativa. Porém, os «actos praticados no exercício da função política e legislativa» encontram-se excluídos «do âmbito da jurisdição administrativa» (art. 4º, n.º 2, al. a), do ETAF). Deste modo, é já manifesta a ilegalidade da pretensão formulada pela requerente. Motivo por que, nos termos do art. 116º, n.º 2, al. d), do CPTA, rejeito «in limine» o presente pedido de suspensão de eficácia.»
Constatamos, assim, que o despacho reclamado recusou a dissociação que a reclamante estabelecera entre as Leis nº22/2012 e 11-A/2013 e em que continua a insistir – com o fito de reservar, para a primeira delas, a natureza político-legislativa que nega à segunda. Todavia, damos inteira adesão ao despacho reclamado na medida em que assinalou a união e a complementaridade entre os dois diplomas – e, portanto, a comunicabilidade, à Lei n.º 11-A/2013, da natureza já presente na lei anterior. Embora através de diplomas diferentes e sucessivos, a Assembleia da República exerceu, nos dois, a mesma actividade – consistente na reconfiguração territorial das freguesias. Ora, isso traduz um exercício político-legislativo que não é afastado pela forçosa individualização das definições legais e cuja sindicância não cabe aos tribunais administrativos – como o despacho reclamado correctamente explicou e decidiu. Nenhum motivo há, pois, para revogar ou alterar o despacho em crise. Nestes termos, acordam em indeferir a presente reclamação” (Ac. do STA de 28/2/2013).
Neste mesmo sentido trilharam os acórdãos deste STA de 21/3/2013 (Procs. nºs. 252/13, 254/143, 255/13, 259/13 e 286/13).
Em concordância com tudo o que fica dito e na esteira do que vem decidido por este STA, perfilhando-se a mesma corrente jurisprudencial, indefere-se a presente reclamação.

Custas pela reclamante.

Lisboa, 24 de Abril de 2013. – Américo Joaquim Pires Esteves (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – António Bento São Pedro.